domingo, 11 de dezembro de 2016

A azeitona já está preta

Estamos em plena época da colheita da azeitona, fruto de inverno; muitos olivais este ano não produziram, nota-se no lagar; a que vingou é de muito boa qualidade.
Dizem os entendidos na matéria; devido às altas temperaturas do verão a mosca da azeitona não a estragou.   
Começava a colher-se a partir dos meados de Dezembro, Janeiro, Fevereiro… 
As mudanças climáticas, “uma realidade nos dias que correm” alteraram completamente a recolha.
Amadurece mais cedo. Se não se colhe a tempo, mirra, seca e cai.
Alguém mais madrugador dirigia-se à praça e tocava uma corneta que anunciava a partida para os olivais.
Os campos eram alegres, camaradas de azeitoneiros “armados” com uma escada ripavam e cantavam.

A azeitona já está preta
Ai solidó, solidó
Já se pode armar aos tordos
Ai; ai,ai, ai, ai

As mulheres estendiam mantas, apanhavam o fruto que estava por baixo das oliveiras, rebuscavam e limpavam-na.
De vez em quando, colhedores entravam em confronto verbal com as camaradas vizinhas:

Ó Jaquiiim! No sejas lambão
Colhe azeitona, no sejas calão

Por sua vez, o visado retorquia gritando:

Calão és tu, no podes com a escada
Tens a mania, no vales nada

É verdade, é verdade; respondiam todos, rindo

Passavam horas chacoteando-se.
As cachopas regra geral tinham sempre uns raminhos de oliveira enfeitados com alecrim…
Quando algum viandante passava no caminho, a rapariga mais atrevidota, ramo na mão, dizia:

Aceitai este raminho
Senhor António da Tapada
Sei que é pobrezinho
Sempre é melhor que nada

Continuava dizendo mais um verso ou dois, o contemplado metia a mão na algibeira, gratificava com algum dinheiro. Conforme a bolsa assim era a quantia dada.
Árvores milenares, milhares arrancadas para serem substituídas por olivais de regadio.
Carrasquenhas, cordovis, galegas… foram transportadas para longes lugares onde ornamentam jardins.
Levam a oliveira centenária, deixam a oliveira com duração limitada.
Mediterrânica, é um óleo natural muito apreciado e saudável, tem as mais diversas aplicações.
Era o nosso petróleo. Com a industrialização e a descoberta de jazidas de crude passou para um plano secundário, já não é utilizado na iluminação, mas continua a consumir-se na alimentação.
As tabornas (tibornas); simples, tão boas!
Gostava de acompanhar o meu avô José ao lagar do Major, quando ia medir o azeite. Levava uma fatia de pão, torrava-se no brasido da fornalha e o mestre lagareiro tirava da tarefa um pouco de azeite acabado de fazer, quentinho, temperava-a, era um petisco de qualidade. Por vezes havia umas postas de bacalhau a assar nas brasas, um pitéu.
No lagar existia um local que se chamava inferno! Metia-me cá uma confusão…
Era o lugar onde iam parar as águas russas misturadas com algum azeite que os lagareiros aproveitavam.
O azeite, noite e dia alimentava a lâmpada sagrada do sacrário, ainda é utilizado nos sacramentos do baptismo e da confirmação.
Oliveira, árvore milenar, juntamente com a pomba, simboliza a paz e a esperança.
O primeiro objecto que a pomba levou a Noé foi um raminho de oliveira. Estime-se e preserve-se
No dia 26 de Novembro, faleceu o grande compositor senhor Arlindo de Carvalho, que tão bem cantou a nossa região. Natural da vila da Soalheira, onde ficou sepultado. Autor e intérprete:- Chapéu Preto, Fadinho Serrano, Castelo Branco...

A azeitona já está preta
Já se pode armar aos tordos
Diz-me lá ó cara linda
Como vamos de amores novos

J.M.S

4 comentários:

José Teodoro Prata disse...

Segundo a lenda, Cécrope ao fundar uma cidade na região da Ática, convocou os imortais do Olimpo para uma disputa, na qual o vencedor seria o protetor da cidade. Toda cidade grega tinha uma entidade como protetora, sendo a ela atribuída as funções de protegê-la nas guerras, nos temporais, nas colheitas dos alimentos e nos momentos de tribulações públicas. Poseidon e Atena foram os deuses que aceitaram o desafio proposto por Cécrope. Fizeram uma disputa acirrada, levando o povo da nova terra a ficar dividido em escolher um dos dois.
Na prova final, Cécrope pediu aos deuses que criassem alguma coisa útil para a cidade. Poseidon bateu o tridente no chão, fazendo jorrar na Acrópole uma fonte de água salgada, além de um esplêndido cavalo. Atena feriu a terra com a sua lança, fazendo dela brotar uma árvore repleta de pequenos frutos. A deusa ofereceu um ramo com os frutos a Cécrope, comovendo o soberano. Diante do povo, chamou a árvore de oliveira, ensinou como extrair o seu óleo e preparar o fruto como alimento. A cidade entendeu que a oliveira era mais importante para a cidade. Atena foi aclamada a protetora do lugar, que passou a ser chamado de Atenas, em homenagem a deusa e ao presente que ela oferecera aos seus habitantes. Desde então, tornar-se-ia a principal divindade da cidade de Atenas, influenciando o seu culto por toda a Grécia.

Anônimo disse...

Li há tempos que foram descobertos junto à Muralha de Adriano, no norte de Inglaterra, vasos fabricados no Alentejo que serviam para transporte de azeite. Isto significa que a oliveira tem um papel importante na economia ibérica desde há muito tempo e o azeite terá sido um dos primeiros produtos desta zona a ser exportados.
Manteve-se assim até aos nossos dias. Os mais velhos, lembramo-nos todos da azáfama descrita pelo J.M.S. durante estes meses de inverno. E os lagares ao longo da Ribeira (eram nove, ao todo, como lembrou há tempos o Jaime Gama) foram testemunho disso.
Atualmente tudo é um pouco diferente, principalmente nas castas e nos processos de produção, mas se calhar estas mudanças tinham que acontecer. Os processos antigos eram difíceis de sustentar e por isso havia muita gente que já deixa a azeitona nas oliveiras.
É verdade que as árvores não são tão bonitas, mas regalemos o olhar com as que ainda por cá vamos tendo, e temos ainda muitas que são autênticas esculturas.

M. L. Ferreira

Anônimo disse...

Azeitona ou, na vila, "zitona" é, realmente, um fruto curioso! Não presta para nada crua (mesmo madura!), mas torna-se saborosíssima quando curada e transformada em aperitivo (de várias maneiras!) ou moída para azeite! A culpa é do azinagre, um componente natural, deveras amargo, impossível de tragar pelos humanos que, por isso, tem que ser eliminado.
Era o produto mais importante para a economia local há uns anos atrás. A queda da sua importância na Beira-Serra dá-se com a mecanização, quase impossível de utilizar no minifúndio. Hoje, na grande propriedade, em terrenos planos, cultiva-se um tipo de oliveiras baixinhas e bastinhas onde entra a máquina para as tratar e colher às toneladas! A melhoria de vida e o acesso aos bens não se compadece com os lagares medievais que havia na vila. E eram sete ou oito!
O azeite talvez seja o melhor óleo de todos os que existem na natureza. Utilizado em cosmética, cerimónias religiosas, já era usado no tratamento da pele pelos atletas da Antiguidade. Era o nosso petróleo não só porque servia de combustível, mas também pela sua importância económica. É um conservante muito bom mas, curiosamente, também se estraga (rança com o tempo, sobretudo se mal acondicionado).
É, a par do vinho, quase um ícone mediterânico! No dizer de Arlindo de Carvalho, era armada aos tordos quando estava preta (mas os melros também caíam!). Há dias estive num evento e, por acaso, estava lá o Tino Costa (acordeonista muito conhecido), onde foi recordado aquele grande compositor da Soalheira, recentemente desaparecido. Algumas das suas canções foram cantadas pela Amália e outras grandes vozes portuguesas (muitas deconhecidas das gerações mais novas). Por exemplo, "Chapéu Preto" (que fala da azeitona), "Hortelã Mourisca", "Fadinho Serrano", "Castelo Branco", "Comboio da Beira Baixa", etc.
Quanto às camaradas na colha da azeitona e, apesar, quase sempre, de fazer um frio de rachar, isso era lindo! Canções ao desafio, palavras de ordem, dixotes, piadas (lançadas de uma camarada para outra), tradições, etc. Merecia uma recolha!
Também se metiam com quem passava nos caminhos! Gritava um da camadara e respondia o outro:
- Ó João!
- Que é?!
- Dá cá o podão!
- P'ra quê?!
- P'ra malhar aqueles que além vão!
.........
"E a vida, no fundo, é isto." (FB)
Abraços.
ZB

Anônimo disse...

Apesar de viver na cidade, não deixo de ir todos os anos a apanhar a azeitona e sempre que possível moer a própria a zeitona e trtazer o meu/nosso azeite. Há quem pense e diga que não vale a pena e continua a deixar a azeitona cair ao chão, desperdiçando assim um bem tão valioso.Cada vez vemos mais azeitona e fruta abandonadas e desperdiçadas e é uma pena. Por vezes não é só uma questão de falta de tempo, mas de incentivo e continuo a a creditar que vale sempre a pena tirar uns dias de férias e apanhar a azeitona, preservando assim estes pequeninos tesouros que a natureza nos dá e que nos foram deixados pelos nossos pais.