terça-feira, 12 de outubro de 2010

Portugal, 1958

«Apesar de um pouco melhor do que no tempo da sardinha para três, quando havia, passa-se mal por esses povos e até nas cidades: a sopa e o pão, como regra, as batatas e os feijões, conduto quando calha, mas não para todos, como o pão trigo, que o comem só os mais remediados - os demais, bastam-se com broa ou centeio - com umas azeitonas nos dias de maior fartura, ou uma tripa de enchido, o culto do bacalhau bem vivo, por todo o lado onde não chega o peixe miúdo, e a carne se reduz ao porco que se mata para dele comer a família, o ano inteiro. Da venda ou da mercearia, gasta-se o obrigatório, fiado, com amortizações à quinzena ou no fim do mês, o fantasmo do calote ou da insolvência sempre a pairar: sabão para as lavagens, o arroz e o açúcar, petróleo para iluminação, sendo que, em muitas casas, ainda se enfrenta o breu da noite com candeia de azeite.
Milhares de famílias continuam a partilhar o espaço da habitação com os animais da casa, a amontoar estrumeiras à porta, a defecar onde calha, a catar os piolhos de filhos e netos, sendo plausível que, em caso de acidente ou doença séria, à cabeceira de cada um se encontre mais provavelmente o padre do que o médico. É assim o país cinzento, pobre até no sonho e curto na ambição.»

Retrato de Portugal, no ano da inauguração do monumento do Cristo-Rei.

TEODORO, José Miguel - Por alturas do Cristo-Rei em Almada, Câmara Municipal de Almada, 2010, p. 51

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

O livro do Cristo-Rei

Muitos afazeres e alguns desencontros ditaram a apresentação tardia do “Por alturas do Cristo-Rei em Almada”, aqui, nos Enxidros.



É criação do nosso José Miguel Teodoro e foi lançado no passado dia 29 de Maio, em Almada.
Esteve presente o bispo de Setúbal, D. Gilberto dos Reis, que também escreveu o Prefácio do livro, do qual vos deixo um breve trecho:

«Felicito o autor de “Por alturas do Cristo-Rei em Almada” porque ora mostrando um pouco da vida em Portugal na hora da construção do Monumento ora avivando episódios ligados à sua inauguração, - vida e episódios sobre os quais não me pronuncio – contribuirá certamente para levar os leitores a pensar no Monumento a Cristo-Rei e no seu significado nesta hora em que o homem é desafiado a pensar num mundo mais justo e pacífico.»

O autor traça o contexto sócio-económico, político e religioso da sociedade portuguesa, com maior incidência sobre a realidade local de Almada e os poderes centrais do Estado e de Igreja, na época em que foi projectado, construído e inaugurado o monumento, sem esquecer um saltinho às suas raízes:

«E, proclamou, o cadeal-patriarca: “Portugueses de aquém e de além-mar! Portugueses dessa outra pátria, filha da nossa e maior que ela, o Brasil! Portugueses espalhados pelo Mundo, todos vós que trazeis Portugal no coração onde quer que vos encontreis: Ajoelhai! Fala Portugal”.



Àquela hora, a trezentos quilómetros dali, João N. traçava o último braçado do molho de mato com que havia de fazer a cama dos “vivos” da casa – galinhas, um borrego ainda cordeiro, a cabra e o porco. Está de pé desde as sete da manhã, como costuma nos domingos, que é quando pode adiantar alguma coisa da vida, pois passa toda a semana a trabalhar fora da terra. Os domingos são isto: cavar um bocado de terra, arrancar batatas, semear um canteiro, regar uma leira de couves, mudar a cama dos animais, pôr em casa uma pouca de lenha para cozinhar e para aquecimento, curar alguma videira, enfim, o que for preciso. Filhos, quatro já criadinhos, e um de mama.»

Ficha ténica do livro:
Título: "Por alturas do Cristo-Rei em Almada"
Autor: José Miguel Teodoro
Edição: Câmara Municipal de Almada
Local: Almada
Ano: 2010
Tiragem: 1000 exemplares
Distribuição:
Divisão de História Local e Arquivo Histórico
Departamento da Cultura
Direcção Municipal de Desenvolvimento Social
Rua Visconde Almeida Garret, 12, 2800-014 Almada
Tel. 212724900
E-mail: arq.hist.mun@cma.m-almada.pt

terça-feira, 5 de outubro de 2010

5 de Outubro

A Sociedade Filarmónica Vicentina associou-se às comemorações dos 100 anos da República, coordenadas pela Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República.
Hoje, 5 de Outubro, às 10.30 h, tocou o hino nacional na Praça, em uníssono com 250 bandas de todo o país, cada uma na sua terra.
A fotografia regista esse momento e foi-me enviada pelo Dário Inês.



O Tó Sabino filmou e colocou no Youtube. Copiei de lá.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

A fina flor de São Vicente


Vi pela primeira vez esta fotografia, aquando da preparação do livro do Pe. António Branco. Foi-me emprestada pela Maria João Guardado Moreira, neta do Sr. Manuel da Silva.
Tem no verso a data de Agosto de 1963 e foi tirada na Rua da Cruz, imediatamente acima da casa do Pe. Tomás.
Só conhecia 4 ou 5 pessoas e isso mais despertou a minha curiosidade. Pedi ajuda ao Ernesto Hipólito e ao João Benevides Prata. Aqui vos deixo o fruto do nosso trabalho:

Da esquerda para a direita:

Hália Pignatelli, esposa de Alexandre Cunha Pignatelli;
Isabel Barreiros (Isabel Barqueira), irmã do Coronel Barreiros;
António Lourenço de Azevedo (o Toninho Lourenço);
Maria Isabel (Belinha), filha do dono da Farmácia e esposa de Toninho Lourenço;
Filomena, esposa do engenheiro Baptista, sobrinha do Pe. Tomás e irmã de Maria de Jesus;
Padre Tomás da Conceição Ramalho,
Padre José Hipólito Jerónimo;
(Um sacerdote não identificado);
António Pião do Mourelo, dono da Auto Transportes do Fundão;
Manuel da Silva;
Celeste da Silva, esposa de Manuel da Silva:
Maria Manuela da Silva (Nelita), filha dos dois anteriores.

Esta foto mostra-nos algumas das pessoas mais importantes de São Vicente, em 1963: o presidente da Junta (Manuel da Silva), o pároco (Padre Tomás), o bispo de Macau (D. João de Deus), o empresário António Pião; um membro da antiga nobreza (Hália Pignatelli)...
Deve existir apenas este exemplar, agora divulgado on-line, com autorização da actual proprietária, Maria do Rosário e Silva Guardado Moreira, a filha do Sr. Manuel da Silva.

Nota: Se alguém detectar algum erro na identificação destas pessoas, agradeço que mo comunique, através de Comentário ou pelo e-mail acima apresentado.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Muros-Apiários no Tripeiro

Estive este fim de semana em Foz Côa, onde participei no colóquio "Muros-apiários. Um Património Comum no Sudoeste Europeu."
Aos estudos realizados no âmbito do projecto Muros Apiários da Península Ibérica. O Mel e os Ursos, da Associação de Estudos do Alto Tejo (AEAT), juntaram-se outros trabalhos de investigadores vindos no norte de Portugal e da Galiza.
Há tempos, associara-me ao projecto da AEAT, através da recolha de documentação escrita sobre a criação de abelhas e a produção e comércio de mel e cera, nesta nossa região entre a Gardunha e o Tejo, desde a fundação de Portugal até ao século XIX. Por isso também participei, contente como um alho, como dizia o meu pai.
O meu estudo faz larga referência à freguesia de São Vicente da Beira, pois aqui se produzia muito mel, sobretudo na zona do Tripeiro, onde, no ano de 1775, 9 dos 13 vizinhos tinham colmeias. Tencionava desafiar os investigadores da AEAT a deslocarmo-nos ao vale da ribeira do Tripeiro, para verificar se haveria muros-apiários, mas fui surpreendido com a inclusão do Tripeiro no mapa regional dos muros-apiários, pois os investigadores Francisco Henriques e Mário Chambino já tinham feito um primeiro levantamento.
As fotos que se seguem foram-me facultadas por eles, a quem agradeço. O muro representado foi registado com o nome de Muro-Apiário da Foz do Ribeiro do Lapão.








As pedras salientes no alto do muro, em forma de beirado, destinavam-se a dificultar a entrada dos ursos no interior. Nos locais em que está conservado, o muro tem cerca de 4 metros de altura!
É notório o estado de ruína em que se encontra este muro-apiário. Desconheço como estão os outros que foram encontrados. Depende de nós perder ou recuperar este nosso património.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Muros-Apiários


Soube deles, pela primeira vez, no ano de 2001, em notícia da Gazeta do Interior.
Dois especialistas franceses, Gaby Roussel e Nino Masetti, visitaram os muros apiários da região, guiados pelo arqueólogo Francisco Henriques, da Associação de Estudos do Alto Tejo, (Vila Velha de Ródão), no âmbito do projecto de investigação Muros Apiários da Península Ibérica. O Mel e os Ursos.
A gazeta informou:

«Muros Apiários da Península Ibérica. O Mel e os Ursos, é um projecto que existe há cerca de dois anos e que tem como objectivos contribuir para a identificação e estudo dos muros apiários, formular propostas para a sua protecção e valorização e divulgar os seus resultados.
Os muros apiários são construções em pedra, feitas em várias regiões da Península Ibérica, desde a Idade Média, com a finalidade de proteger os colmeais da acção predadora dos mamíferos e principalmente dos ursos. Francisco Henriques, arqueólogo, acrescenta que os muros apiários “são estruturas que definem recintos fechados que chegam a atingir três metros de altura e apresentam remates para o exterior para impedir o acesso ao seu interior. Estas construções situam-se geralmente no fundo dos vales, voltados a sul e, muitas vezes, sobre a confluência de duas linhas de água.
No distrito conhecem-se construções deste tipo nos concelhos de Idanha a Nova, Vila Velha de Ródão e Castelo Branco.»


A documentação atesta a existência de, pelo menos, um muro apiário, em S. Vicente da Beira. O Tombo dos bens do concelho, realizado entre 1767 e 1785, na Medição, demarcação e confrontação da Oles, informa:

«E dentro da mesma todas as terras que há são de ervas e não há coisa que possa impedir a pastagem dos gados, senão um muro de colmeias que foi dos herdeiros de Joam Gonçalves do lugar do Louriçal e uma tapada que é o sobredito Casal do Grilo, dos herdeiros do capitão, que foi da ordenança desta vila, Domingos Antunes.»

Não consegui localizar este muro apiário, nem sei se ele ainda existe. A posterior utilização dos solos para a agricultura ou a recente plantação de eucaliptos na zona podem ter ditado a sua destruição.


Colmeias na Oles, actualmente.


As fotos dos muros apiários tirei-as da Internet. Esta é do Gerês e a primeira da serra de São Mamede (Portalegre).

domingo, 19 de setembro de 2010

Praga de Gafanhotos

As Festas de Verão são em honra do Santíssimo Sacramento da Igreja Matriz, no domingo, do Santo Cristo da Misericórdia, na segunda-feira, e da Senhora do Carmo, na terça-feira. Nos anos 70, o P.e António Branco e um grupo de vicentinos radicados em Lisboa começaram a ir de romagem à Senhora da Orada, na quarta-feira, mas este festejo não vingou, talvez por ser sobretudo motivado pela fome de sardinhas assadas, tal o enjoo de carne, nos dias anteriores.
As Festas eram da responsabilidade de uma comissão nomeada no ano anterior. O método de escolha era a vizinhança. Escolhia-se um grupo de chefes de família moradores em ruas contíguas. No ano seguinte, eram os das ruas a seguir. Este método, certamente centenário, fracassou nos anos 80, pois cada vez era menor o número de chefes de família que aceitavam sacrificar-se a organizar as Festas. Até hoje, ainda não foi criado um sistema alternativo sólido, pelo que, em cada ano, é incerta a realização das Festas. Elas organizam-se quando há uma associação que chame a si essa incumbência. Por exemplo, no ano passado ninguém se interessou, mas este ano valeu-nos a aniversariante e centenária Banda Filarmónica Vicentina.
As Festas eram no terceiro fim de semana de Setembro, em pleno fim de ciclo das colheitas. Apenas faltavam as vindimas, feitas logo a seguir. Os festejos começavam, no sábado, com a realização da feira anual, que no passado, desde a fundação da Vila, fora em Janeiro, no dia do padroeiro São Vicente. Nos anos 80, mudaram-se as Festas para o primeiro fim de semana de Agosto, para possibilitar a participação dos emigrantes em férias e das famílias com estudantes, devido à alteração da abertura do ano escolar de 1 de Outubro para meados de Setembro.
Continuo a desconhecer a data da criação das Festas de Verão, talvez porque estão desaparecidos, possivelmente em casa de particulares, alguns livros de actas da antiga Câmara Municipal de São Vicente da Beira. Nas últimas décadas do século XVIII, ainda não se realizavam, pelo que arrisco situar a sua criação por volta de 1800, isto é, há cerca de duzentos anos.
No ano passado, aqui nos Enxidros, em publicação de 21 de Junho, intitulada “Guerra dos Sete Anos”, já levantei o véu sobre esta problemática. No trabalho escrito, que aguarda publicação, acrescentei mais algumas informações, embora não tenha podido encerrar a investigação, pelas razões atrás apontadas.
Adianto alguns dados sobre a justificação das Festas devido a uma praga de gafanhotos. É esta a tese explicativa mais comum, a que nos alimentou a imaginação durante a infância. O que encontrei é pouco, mas pode ser tudo:
As pragas de gafanhotos eram frequentes nos séculos XVII e XVIII. Não temos notícia de nenhuma, na segunda metade do século XVIII, embora não possamos garantir que não existiu. Em 1781, a Câmara foi avisada, pela Provedoria de Castelo Branco, de que uma praga de gafanhotos assolava outras regiões e era preciso tomar providências. Assim se fez, embora não houvesse sinais da praga no concelho. Mas a Provedoria de Castelo Branco mandou também avisar o Provedor da Misericórdia, para que se fizesse uma novena e mais preces, na Igreja da Misericórdia, a fim de afastar o perigo. Temos, pois, o Santo Cristo da Misericórdia como protector dos povos também contra a bicharada.
Não sabemos se a praga chegou a atingir o concelho e se os gafanhotos vieram morrer nas paredes da Igreja da Misericórdia, conforme é crença popular, mas podemos concluir que a festa anual ao Santo Cristo foi criada como forma de agradecer e buscar protecção divina contra os males dos homens e da natureza.