Enxidros era a antiga designação do espaço baldio da encosta da Gardunha acima da vila de São Vicente da Beira. A viver aqui ou lá longe, todos continuamos presos a este chão pelo cordão umbilical. Dos Enxidros é um espaço de divulgação das coisas da nossa freguesia. Visitem-nos e enviem a vossa colaboração para teodoroprata@gmail.com
quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024
segunda-feira, 29 de janeiro de 2024
Festa de São Vicente e São Sebastião
É um santo bem esquecido dentro da Igreja Católica, o nosso
São Vicente (há muitos santos Vicente, o nosso é o de Saragoça). Nas Jornadas
Mundiais da Juventude falou-se nele, pois é o padroeiro de Lisboa, a sede do patriarcado
em que se realizaram as jornadas. Mas a net (não estive cá na altura) dá-me informações
pouco substanciais do que foi dito.
Nós próprios o largámos de mão, logo no século XVII, quando o
trocámos por Nossa Senhora como padroeira da nossa igreja. Ele nem padre era,
apenas um diácono (grau anterior à ordenação sacerdotal), quando foi preso,
torturado e morto pelos romanos, por teimar entusiasticamente em proclamar a
sua fé em Cristo (o bispo da sua diocese foi apenas exilado).
Vicente, tal como muitos outros mártires cristãos da Hispânia,
tornou-se logo um símbolo da resistência dos cristãos às perseguições e um
exemplo de fé para os não cristãos (a maioria da população; na região onde
vivemos ainda quase nem chegara o Cristianismo).
O seu culto foi crescendo, tornando-se um dos santos mais
adorados pelos romanos, depois pelos visigodos e, a partir dos inícios do
século VIII, pelos cristãos que persistiram em manter a sua fé cristã, sob
domínio muçulmano (a maioria converteu-se ao Islamismo), os moçárabes. A zona
da nossa freguesia seria um dos locais onde o seu culto era bem forte no
período da Reconquista, sendo por isso que logo se restaurou a povoação ali
existente e lhe foi dado o nome do santo, São Vicente. E durante a Idade Média
havia feira franca em São Vicente da Beira, no dia 22 de janeiro, o dia da sua
festa.
Como acima escrevi, trocámo-lo por Nossa Senhora como divindade
protetora e a sua festa realiza-se agora em conjunto com a de São Sebastião, que
tem poderes de proteger contra as pestes (ontem, à porta da capela, alguém
enrolava uma fita vermelha ao pescoço e dizia que o santo o protegia das
bichas) e promove a partilha cristã, pela realização de bodos para os pobres,
ainda ontem simbolizado pela distribuição de papos-secos, tremoços e filhós
(estavam boas).
Terminada a cerimónia religiosa, o simbolismo do bodo de São
Sebastião prolongou-se por um almoço-convívio na Casa do Povo, que encheu o
salão e se prolongou pela tarde. Obrigado ao Hélder Agostinho que penso ser o
mordomo de São Sebastião e coordenou toda a festa religiosa e profana, obrigado
extensivo à sua família e a todos, muitos, que se fartaram de trabalhar para
proporcionar à nossa comunidade este momento de convívio e partilha.
José Teodoro Prata
quinta-feira, 25 de janeiro de 2024
O nosso falar: lambeteirice
Estava num hipermercado com a minha mulher e, esgotada a lista de compras, perguntei-lhe:
- Não compramos nenhuma lambeteirice?
Que palavra! Na casa dos meus pais usavamo-la como sinónimo de guloseima, no sentido pecaminoso do termo (pretendia-se repreender a ato já praticado ou apenas desejado de gulodice).
Neste palavra, a net fica quase muda quando lhe pergunto. Só me mostra o lambeteiro, o mesmo que lambeta: mexeriqueiro e delator (Brasil), bajulador e adulador.
A lambeteirice lambe-se, se o guloso se controlar, claro. Em sentido figurado, o mesmo faz o bajulador e o adulador.
José Teodoro Prata
segunda-feira, 22 de janeiro de 2024
quarta-feira, 17 de janeiro de 2024
Pelas brumas da Gardunha
O velho petrus
Ternura entre seres imperfeitos
Ave esculpida no granito
Fotos, legendas e título do
Francisco Barroso
José Teodoro Prata
segunda-feira, 15 de janeiro de 2024
Sobre a importância da Língua Portuguesa
Uma das coisas que me entristece muito é a dificuldade que tenho em manter uma conversa normal com os meus familiares que vivem no estrangeiro, principalmente os meus sobrinhos que já por lá nasceram. Os pais, por razões que percebo, deixaram-se levar pelo receio das mentalidades xenófobas dos países de “acolhimento”, que, por muito que disfarçassem, mais não cuidavam que da força dos braços dos emigrantes, ignorando (ridicularizando até) dimensões importantes da sua cultura. Foi o caso, por exemplo, da Língua Portuguesa, que quase desapareceu dos lares de muitas famílias que vivem lá fora.
Portugal
poderia ter criado condições que evitassem esta situação, mas, mesmo sabendo
que a Língua Portuguesa é um dos principais elos entre muitos milhões de
pessoas, e que havia que cuidá-la, muito ficou por fazer.
Tenho
andado a ler o livro de Seixas da Costa «Antes que me Esqueça», em que, para
além da insinuação dos muitos almoços e jantares a que o Corpo Diplomático tem
de assistir, aborda temas/episódios curiosos sobre as relações entre os
diversos países e instituições.
Num
dos textos, a que chamou “Demasiada memória” fala da sua missão em Angola na
década de 1980: conta alguns problemas que existiam a propósito da liberdade de
expressão na imprensa (sempre tão atual!), e termina a falar na importância da
nossa Língua, comum a tanta gente. É este trecho que partilho com quem não
conhece o livro:
«… À
época, os editoriais do Jornal de Angola contra
Portugal sucediam-se. A embaixada portuguesa em Luanda optara por não reagir,
de modo a que essa catarse mediática não fosse estimulada por um contraditório
que se via como de escassa eficácia. Por isso líamos matinalmente essas colunas
agressivas e através delas íamos apenas medindo a febre de acrimónia contra
Lisboa, esperando que o tempo a atenuasse, como de facto acabou por suceder.
Um
dia vi publicado um texto de rara violência, já não sei bem a propósito de quê.
Nele se referia que Portugal, como «o miserável país das caravelas decrépitas»
era um colonizador frustrado, porque, contrariamente a outros, não deixara em
Angola nenhuma herança positiva.
Sem
consultar o meu embaixador, tomei a iniciativa de telefonar ao autor do texto.
Era um jornalista e escritor de algum mérito, nascido em Portugal (…).
Disse-lhe
que tinha lido o seu texto com interesse e queria felicitá-lo pelo mesmo. Do
lado de lá da linha a resposta foi a esperada: «Você está a gozar comigo?»
Respondi-lhe que não estava e que o artigo, cuja liberdade de apreciação sobre
Portugal eu não contestava, comportava, contudo, uma evidente contradição de
que ele talvez não se tivesse dado conta, mas que era a única razão do meu
telefonema. O meu interlocutor estava cada vez mais perplexo. Até pela
deliberada cordialidade que atravessava o meu discurso. Pelo que decidi
explicar: «O seu artigo, independentemente do conteúdo agressivo contra o meu
país, (…), está extremamente bem escrito e exprime, de forma brilhante, uma
leitura crítica do comportamento do meu governo. Embora eu não concorde rigorosamente
em nada com aquilo que escreveu, quero dizer-lhe que você está no pleníssimo
direito de exprimir aquilo que pensa, embora eu imagino o que “por aí iria”se
lá em Lisboa, o Diário de Notícias (…) se abalançasse a escrever uma coisa de
natureza similar sobre o governo angolano, Mas não é essa hoje a minha questão.
O que eu queria sublinha é que o texto está redigido num português exemplar,
numa escrita de grande elegância estilística. Ora, você, diz nesse mesmo texto
que nada ficou em Angola de herança lusitana! E essa língua em que você escreve
tão bem? É uma herança de quem? Ou será que você é capaz de escrever um
editorial em quimbundo, em umbundo ou em chócue, que qualquer angolano que
saiba ler possa perceber? E em que língua se publica o Jornal de Angola? Que outra língua une hoje politicamente Angola?
Esta é ou não é uma herança do tempo colonial?
(…)»
Claro
que este texto pode levantar algumas questões relacionadas com a colonização ou
as relações bilaterais, mesmo depois da independência; mas a razão por que o
trouxe foi por comungar da ideia que nos dá de que, o maior legado que deixámos
pelos lugares onde andámos, foi a Língua Portuguesa.
Quem
é que, andando por fora do país, não vira logo a cabeça se ouve alguém a falar
a nossa língua? É uma sensação estranha, mas de conforto…
M. L. Ferreira
sexta-feira, 12 de janeiro de 2024
Os Sanvincentinos na Grande Guerra
Luís Batista
Luís Batista nasceu em
São Vicente da Beira, no dia 26 de julho de 1893. Era filho de João Batista,
ganhão, e de Maria de São João, moradores na rua da Cruz.
Assentou praça no dia 9
de julho de 1913 e foi incorporado no 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria
21, em 13 de janeiro de 1914. Era na altura analfabeto e tinha a profissão de
jornaleiro. Após ter concluído a instrução recruta, foi licenciado e regressou
a São Vicente.
Voltou a ser mobilizado
em 1916, para fazer parte do CEP, e embarcou para França, no dia 21 de janeiro
de 1817, integrando a 6.ª Companhia do 2.º Batalhão do 2º Regimento de
Infantaria 21, como soldado com o número 21 e a placa de identidade n.º 9123.
No mesmo barco terá seguido também o seu irmão António Batista.
Sobre o tempo em que
permaneceu em França, o seu boletim individual de militar do CEP refere o
seguinte:
a) Punido em 11 de outubro de 1917, com dois dias de detenção, por ter comparecido na formatura com a barba por
fazer, apesar das recomendações que lhe tinham sido feitas;
b) Punido em 14 de outubro, com 10 dias de detenção, porque, fazendo parte da
guarda ao Chateau de St. André, manifestou indícios de embriaguez, pelo que foi
mandado recolher ao acantonamento;
c) Punido no dia 6 de dezembro de 1918, com 5 dias de detenção, por ter saído
do distrito da guarda ao acantonamento sem autorização;
d) Recolheu ao Depósito Disciplinar 1, em 23 de janeiro de 1919;
e) Embarcou para Portugal, no dia 25 de fevereiro de 1919, chegando a Lisboa
no dia 28 do mesmo mês.
Família:
Antes de partir para França, Luís Batista já se tinha casado com Joana Ambrósia, na Conservatória do
Registo Civil de São Vicente da Beira, a 25 de setembro de 1916. Tiveram 3
filhas, uma das quais faleceu com 4 anos de idade. Criaram:
1. Maria da Conceição, que casou com João Maria Madeira e tiveram 9 filhos;
2. Maria Zara, que morreu solteira e sem descendência.
Quando regressou a
Portugal, como grande número dos militares que estiveram em França, Luis Batista
apresentava algumas sequelas do stress e do efeito dos gases a que esteve
sujeito durante a guerra. Não falava muito desses tempos; apenas, de vez em
quando, dos amores que lá teve…
Um dos companheiros de
guerra contava que uma vez, perto do Natal, saiu do acantonamento e andou por
lá algum tempo. Quando regressou trazia alguns ovos e um pouco de farinha.
Ficaram todos contentes porque, assim, puderam fazer uma espécie de filhós para
lembrar o Natal da terra e matar algumas saudades.
Apesar das dificuldades,
teve sempre um trabalho regular que lhe garantiu o sustento da família. Foi
ganhão, como o pai, e fez todo o tipo de trabalhos agrícolas, como jornaleiro,
durante muito tempo ao serviço da família Remualdo, nas Quintas.
Na terra, todos lhe
chamavam Luís Gonzaga e ainda hoje é lembrado por esse nome. Nem a família mais
próxima sabe porquê, mas é provável que fosse porque era esse o nome do
padrinho de batismo (Luís Gonzaga de Jesus Pereira, que na altura era solteiro
e estudante). Pode ser também porque era assim que se chamava o capitão da sua
Companhia (Luís de Sousa Gonzaga).
Luís Batista faleceu no
dia 20 de Março de 1979; tinha 85 anos.
(Pesquisa feita com a colaboração dos netos António Madeira e Isilda Madeira)
Maria Libânia Ferreira
Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra