Domingo, na Orada, para partilharmos histórias da Senhora e do lugar.
Enxidros era a antiga designação do espaço baldio da encosta da Gardunha acima da vila de São Vicente da Beira. A viver aqui ou lá longe, todos continuamos presos a este chão pelo cordão umbilical. Dos Enxidros é um espaço de divulgação das coisas da nossa freguesia. Visitem-nos e enviem a vossa colaboração para teodoroprata@gmail.com
terça-feira, 14 de maio de 2024
domingo, 12 de maio de 2024
Cultivos de outono, 2
Já vos mostrei os meus alhos porros deste ano, plantados em outubro.
Prometi então mostrar-vos as minhas cebolas, também cultivadas no outono, e elas aqui estão. Cada vez valorizo mais as sementeiras e plantações de verão e outono, destinadas a produzir no inverno e primavera. O exemplo das couves, que nos deixaram os nossos antepassados, é a prova disso. Mas, tal como as couves, que devem ser plantadas nos finais de agosto, também os cultivos de outono precisam de apanhar sol e calor, para vingar. Por isso têm de ser plantados antes de novembro e dezembro, pois, sem o calor anterior, apodrecem ou não se desenvolvem. Por outro lado, pela minha experiência, aprendi que estes cultivos devem ser plantados em alto, no cômoro, caso os terrenos não sejam arenosos, devido à possibilidade de períodos longos de chuva, antes do calor de março. Já faço isso com os alhos, há anos, com excelentes resultados! Em outubro, vou fazer com as cebolas.
José Teodoro Prata
quarta-feira, 8 de maio de 2024
Conta-me histórias, 1
Esta história, da primeira tertúlia, na Casa do Povo, não chegou a ser contada, por falta de tempo. Como estava feita, aqui a deixo para que a conheçam.
A dobadoira
Esta dobadoira era da
minha mãe e terá sido feita pelo irmão José ou pelo pai João Prata. Ambos eram
carpinteiros, tal como o irmão António, que, por ser mais velho, já não vivia
em casa dos pais quando a minha mãe Maria da Luz preparou o enxoval para se
casar, em 1950. Dobadoira e tear, um deles foi de certeza feito pelo irmão José
Prata, já não me recordo qual, talvez até os dois.
A casa dos meus avós
maternos, João Prata e Doroteia dos Santos, era quase autossuficiente. Produzia
todos os produtos agrícolas necessários à alimentação da família e ainda o
linho para tecer, no tear da loja, o enxoval das seis filhas. Com três carpinteiros
em casa, eram eles que fabricavam todos os móveis e utensílios de madeira
necessários à vida doméstica. Pouca coisa tinha de ser adquirira fora, como o
calçado que era feito por um grupo de sapateiros que uma vez por ano passava lá
por casa, onde comiam e dormiam, até fazer calçado para toda a família. O
dinheiro para lhes pagar e para outras despesas vinha da venda de azeite,
sobretudo das oliveiras dos Canavéis, cujas oliveiras bicais davam um azeite
especialmente fino e por isso bem pago.
Mas voltemos à
dobadoira. Tinha-a em minha casa há demasiado tempo, pois levei-a para mandar
restaurar a parte inferior, mas fui adiando e só neste inverno fiz o que
combinara com a minha mãe. Agora volta à casa da família.
A dobadoira serve para
transformar as meadas de lã em novelos. Às vezes a nossa mãe metia a meada nos
braços de um dos filhos mais crescido, mas a certa altura os braços doíam e tinha
de nos aturar as queixas. Por isso usava sobretudo a dobadoira, procurando a
ponta do fio de lã e começando a enrolar em novelo, com a dobadoira a girar. Na
parte inferior há quatro divisões, onde se colocavam os novelos já feitos ou a
meio, se a dobagem tivesse de ser interrompida.
E ela ensinava a
lengalenga aos filhos: Doba, doba, dobadoira, / não me enleies a meada. / O
novelo é pequeno, / já tenho a mão cansada. / Doba, doba, dobadoira, / não me
enleies o novelo. / Doba, doba, dobadoira, / as tranças do meu cabelo. Nós bebíamos-lhe
estas palavras que agora recordamos.
A nossa mãe fazia todas as
camisolas de lã para a sua casa de muita gente. Algumas eram verdadeiras obras
de arte. Fez isso ainda durante toda a década de 70, quando as minhas irmãs
mais velhas começaram a comprar camisolas de lã industriais, para elas e para
os irmãos mais novos. Nos anos 80, fazia tapetes também tricotados a lã, ainda
tenho um em minha casa.
O trabalho em linho e lã
tinha grande tradição em São Vicente da Beira. Durante o século XVIII,
sobretudo na segunda metade, a Vila foi um dos maiores centros industriais de
lanifícios da Beira, a sul da Gardunha. Nos inquéritos industriais pombalinos,
de 1758, são referidos como grandes centros industriais Alcains, Castelo
Branco, os Montes(?) e São Vicente da Beira. Em 1779, a Real Fábrica dos
Lanifícios da Covilhã colocara aqui, para ensinar os trabalhadores, um espanhol
mestre da roda de fiar e dois portugueses mestres dos teares. Na fábrica-mãe
trabalhava o espanhol João António Robles, de Béjar, Espanha, cujo filho veio
casar a São Vicente, com uma Ribeiro, dando origem à família Ribeiro Robles. Em
1790, havia 177 cardadores e fiadeiras (estes totais seriam de todo o
concelho). Um relatório militar de 1804, elaborado por August du Fay, coronel
do Estado Maior do Exército Português, refere as localidades onde seria
conveniente criar armazéns se abastecimento das tropas, em caso de invasão
estrangeira. Aponta V. V. de Ródão, C. Branco, S. Vicente da Beira e Fundão.
Aqui havia casas, capelas, um convento e uma fábrica onde se podiam fazer
armazéns. Neste mesmo ano, trabalhavam 2349 pessoas para a manufatura da
Covilhã, sendo 1930 destes trabalhadores das 8 escolas de fiação a ela
associadas: Alpedrinha, Casteleiro, Castelejo, Penalva, Penamacor, São Gião, S.
Miguel d´Acha e S. Vicente da Beira.
José Teodoro Prata
domingo, 5 de maio de 2024
Conta-me histórias, 3
quinta-feira, 2 de maio de 2024
Conta-me histórias, 2
Este objeto com história não foi apresentado na segunda tertúlia do Conta-me histórias, realizada a 28 de abril, sob o tema 25 de Abril. Como animador das sessões, tenho de ter sempre algo na manga e este objeto não saiu da minha pasta porque nesta tertúlia as duas horas foram bem recheadas de histórias de tantos participantes.
Aguardo o envio dos textos dos intervenientes nesta e na primeira tertúlia, para os dar a conhecer, aqui, a quem não esteve presente.
O
(meu) Capital
Este é o 1.º volume do
livro I de O Capital, de Karl Marx. O preço marcado a lápis parece
indicar 25 escudos. Está rubricado e datado por mim: 23-Agosto-1974.
Comprei-o na Papelaria
Central do Tortosendo, situada no largo central desta vila. Pela data, foi
durante a minha habitual ida ao seminário, a meio das férias grandes. Eu tinha
então 17 anos e frequentava o Seminário do Verbo Divino, no Tortosendo, uma
vila operária com grandes tradições de luta contra o regime ditatorial que
governara Portugal cerca de 48 anos.
Os padres do seminário,
formados em universidades da Alemanha e dos Estados Unidos, eram adeptos da
democracia, mas não faziam abertamente campanha, junto dos alunos, contra o
regime que vigorara até ao 25 de Abril. Prova disso é que só há três anos soube
a razão porque pessoas da povoação nos perguntavam pelo padre Jerónimo, pois o
queriam no comício do 1.º de Maio, que antecedeu o desfile até à Ponte
Pedrinha, onde milhares de pessoas se espalharam pelas margens do rio Zêzere,
partilhando as suas merendas. Ele tinha direito a honras de palanque, a que se
esquivou, porque em finais de 1973 escrevera no Jornal do Fundão um longo
artigo advogando a democratização do país.
Sabíamos dos presos no
1.º de Maio de anos anteriores, trabalhadores que faltavam ao trabalho nesse
dia e se juntavam debaixo de uma latada a petiscar e a beber uns copos, mas a
meio da tarde eram levados pela GNR, pois logo de manhã os patrões tinham
comunicado à PIDE quem faltava ao trabalho. Mas no ano seguinte, lá teimavam
eles em comemorar o dia do trabalhador!
Eu frequentava o 6.º
ano, atual décimo (na época, o ensino secundário tinha a duração de dois anos e
não três, como atualmente). Por serem mais velhos, os alunos do secundário
tinham direito a uma noite de televisão por semana, à sua escolha. Nesse ano
letivo, mas ainda antes da revolução, o padre Vaz, nosso prefeito, deu-nos uma
noite extra para ouvirmos as Conversas em Família do presidente do
Conselho, Marcelo Caetano. Recusámos, mas ele disse-nos que para vencermos um
inimigo tínhamos primeiro de o conhecer bem. Foi em vão, preferimos ir para a
cama, às 21:30h.
Um dia, num passeio ao
entardecer, o mesmo padre Vaz, pessoa bastante conservadora, partilhou comigo e
com o meu colega José Antunes a história do bispo do Porto, D. António Ferreira
Gomes, que escrevera uma carta a Salazar, criticando a sua política e aconselhando-o
a iniciar um processo de democratização. Salazar castigou-o com o exílio, por
10 anos (1959-69).
Eram boas as relações do
Seminário com o Unidos do Tortosendo, um clube operário que se dizia ser dirigido
por comunistas. Ficou até célebre, e com direito a retrato para a posteridade,
a informação que o padre Garibaldi, um missionário brasileiro do nosso
seminário, deu a um governante do Estado Novo, que, cerca de 1971, foi ao
Tortosendo conhecer o projeto da nova sede para o Unidos. Tão bem falou da
coletividade que o Governo abriu os cordões à bolsa e a obra fez-se.
Ainda representámos
teatro na antiga sede: O Lugre de Bernardo Santareno e O
Assassínio na Catedral, relativo à morte do bispo católico Thomas Becket,
na Inglaterra medieval. Havia no clube um senhor já idoso que todos
referenciavam e que sempre cumprimentava os seminaristas com especial simpatia.
Era o senhor Ribeiro, soube anos mais tarde, pelo Jornal do Fundão, quando foi
homenageado no Tortosendo. Depois do 25 de Abril, também se falava muito de um
preso, não comunista, que fora libertado. Então pensei que fosse do MRPP, que
na altura tinha alguma expressão na Vila, mas soube há poucas semanas que era
da LUAR e se chamava Ramiro Raimundo.
Aqui chegados, pode o
leitor ser levado a concluir que nós, os seminaristas, éramos muito
politizados. Não, vivíamos numa bolha, que apesar de tudo nos abria horizontes
para a existência de pessoas que pensavam de forma diferente e para a
necessidade da democratização do país. Mas só isso. Desconhecíamos partidos e
ideologias, como quase todos os portugueses.
Voltando ao objeto deste
texto, o meu O Capital está forrado com um cartaz lindíssimo de cravos em fundo
negro, com a foice, o martelo e a estrela sobrepostos, em amarelo. Roubei-o ao
Partido Comunista, no outono de 74. Estava afixado no lagar dos Garret, à beira
da estrada, a meio caminho do cruzamento do seminário com a povoação. A altura
de 3 metros não foi para nós, jovens adolescentes, um obstáculo. Um colega meu,
menos pesado, trepou por mim acima e, com os pés nos meus ombros e uma mão
encostada à parede, com a outra arrancou o cartaz, que já estava pouco seguro e
nem se rasgou.
No verão de 75, a minha
prima Carmita, já estudante universitária, então nas habituais férias em São
Vicente, questionou-me sobre as minhas leituras (ou eu falei no assunto, para
me gabar, não me lembro bem). Disse-lhe e a quem nos rodeava que tinha lido O
Capital. Ela ficou estupefacta e informou-me que O Capital de Karl Marx
era uma obra vasta, com vários livros e volumes. Não, eu só lera um volume,
esclareci!
A leitura não me foi
fácil, pois a economia era então uma área quase não abordada nos livros de
História do secundário. Mas ficou-me para sempre a questão das mais valias:
o patrão cria a empresa, equipa-a, paga as matérias-primas, a luz, a água…,
recebe o seu ordenado e paga os salários aos trabalhadores. Pagas todas as
despesas, incluindo o vencimento do empresário, ficam os lucros, dos quais este
se apodera na totalidade, embora tenham sido obtidos com o trabalho de todos.
Era natural que os lucros, as mais valias, fossem distribuídos equitativamente, ficando o
empresário com uma larga percentagem, para o premiar do investimento realizado
e do cargo desempenhado, mas certa percentagem deveria ser distribuída pelos
trabalhadores, igualmente fundamentais na criação dessa riqueza.
Por isso ninguém
enriquece a trabalhar e a distância entre os rendimentos dos assalariados e os
dos empresários é cada vez maior. Situação agravada quando os aumentos
salariais não acompanham o aumento da produtividade, como aconteceu nos últimos
20 anos, na Europa, segundo um estudo recentemente divulgado.
José Teodoro Prata
quarta-feira, 1 de maio de 2024
V.P.C
Ando a recolher a obra dos poetas da nossa terra, no âmbito de um projeto de que falaremos lá mais para diante. O Pedro Inácio Gama facultou-me alguns poemas assinados com as iniciais V.P.C., referentes a acontecimentos da década de 1950, na Vila. Alguém faz ideia de quem foi este V.P.C.?
Na época, uma das pessoas que publicava poesia, além do José Lourenço, era o professor Couto (Artur Eugénio Couto). A serem dele, as iniciais seriam A.E.C.. Ou será que ele queria ficar incógnito? Mas alguma poesia dele vem assinada...
José Teodoro Prata
terça-feira, 30 de abril de 2024
Abril em Lisboa
Estive no 25 de Abril da Avenida da
Liberdade, em Lisboa.
Estas fotos dão uma ideia de quantos éramos -
tiradas dos Restauradores, no Marquês de Pombal, lá ao fundo, ainda estão
parados; para trás de mim, os Restauradores e o Rossio, destino da marcha, está
tudo cheio!
Um dever de agradecimento pelos que o
fizeram há 50 anos, um acto cívico de afirmação da liberdade, e um acto
político, pelas razões que sabemos. Por isso lá estive.
JMT