quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Gosto de figos


Tínhamos 3 figueiras, no leirão da Tapada, em frente à casa. A do fundo era coriga, a do meio, maior que as outras, dava figos brancos pingo de mel e a mais próxima era uma figueira preta. Gostava de todos, mas, embora os figos brancos pingo de mel sejam os melhores, sempre tive um gosto especial pelos corigos, apesar ou talvez por terem aquele gosto selvagem e a casca ser um pouco agressiva à pele da boca.
Também havia uma figueira, na Barroca. Era enorme. Uns ramos cresciam para o alto, outros desciam ao longo da parede até quase ao lameiro. Um dia vi um figo na ponta de uma pernada. Era muito gordo, com mel a sair. Fui avançando e a minha irmã Celeste a convencer-me a desistir. Ia cair! Cheguei à ponta da pernada, estendi a mão, mas, antes de lhe tocar, mergulhei numa floresta de ramos, por onde fui caindo, até bater com a cabeça no chão. Valeu-me ter começado, na véspera, precisamente por aquele canto, a cava do restolho para pôr as couves.
Anos antes, em Setembro de 1967, tinha eu 10 anos, foram os figos que me ajudaram a optar pela vida.
O tempo dera em refrescar e era altura de armar os costis. Eu e os meus primos João e Tó tínhamos só um ou dois por casa, encontrados perdidos nos caminhos e leirões, por quem tinha muitos.
Íamos ao milho, nosso ou de quem fosse, e procurávamos aqueles com sinais de carneiros: um furo, um monte de cocó… Partíamos a cana do milho e escarafunchávamos lá dentro até encontrar o carneiro. Guardavam-se quatro ou cinco numa caixa de fósforos e podíamos ir armar os costis.
A escolha do local exigia saber: um terreno liso, para o pássaro ver facilmente o carneiro, um pouso onde ele pousar e traçava-se a diagonal mais favorável ao olhar do passarinho. Mexia-se a terra, escondia-se lá o costil aberto, com o carneiro preso pelo rabo ao arame da ratoeira. O carneiro ficava a agitar-se e nós íamos armar outro.
Se caía algum, sentíamos orgulho da nossa arte, embora com pena de um pássaro tão bonito que pouco tinha para comermos.
Nesse fim de Setembro, eu e o João tínhamos ido levantar um costil num leirão da primeira horta da Barroca. Olhámos para a encosta do outro lado e vinha a descer a patrulha da Guarda. Já nos tinham visto!
Saltámos para o caminho do rego da água e quase voámos para casa, com os guardas ao nosso encalce pela barreira acima.
Cada um refugiou-se junto da sua mãe. A casa do João era do lado da barreira, por isso os guardas começaram por lá. Ouvi-os a falar e depois apareceram à nossa porta. Perguntaram-me pelos costis, mas eu atirara o meu fora. Foram comigo ao local e lá estava no meio do mato. Voltámos para casa e os guardas ficaram a conversar comigo à entrada da quelha, eles e a minha mãe na ideia de que o assunto ficasse por ali.
Mas eu protestava, dizia que os meus colegas da escola caçavam com 30 e 40 costis e depois disparei para o guarda que falava mais: “O que o senhor quer é levar o meu costil para o seu filho, que já tem mais de 30!”
Ele encostou-me a metralhadora à barriga e ameaçou: “Ou te calas ou nunca mais comes figos daquela figueira!”
Olhei para a arma. Era medonha, com o cano cercado por um mais largo cheio de buracos. Depois virei-me para a figueira. Ele apontara para a nossa figueira branca pingo de mel. Rendi-me. Fiquei calado e os guardas abalaram, quelha abaixo, com o meu costil.



quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Estrada Nova

Não, não é a nossa Estrada Nova, construída nos anos 40 do século passado, em jeito de circular à Vila, para tirar o trânsito do centro e facilitar a passagem por S. Vicente da Beira.
Esta Estrada Nova é a do Marquês de Alorna, como também era conhecida. Passava nos limites da nossa freguesia, nos cumes da Gardunha, e é provável que os dois regimentos ingleses que estiveram em S. Vicente da Beira, em Julho/Agosto de 1811 (ver Invasões Francesas 4), seguissem por essa estrada antes de virar para a nossa terra.
O Marquês de Alorna que deu nome à estrada foi Pedro José de Almeida Portugal, comandante militar da Beira, em 1801, durante o conflito de Portugal com Espanha, no qual perdemos definitivamente Olivença. Este conflito, chamado Guerra das Laranjas, é já considerado um episódio da Guerra Peninsular, a que chamamos Invasões Francesas. A Wikipédia informa sobre ele:

«Tratando o governo de se preparar para a guerra, Alorna teve o comando das tropas que se uniram na Beira. Em vão requisitou mais forças, dinheiro e recursos indispensáveis para a defesa; seus pedidos tiveram somente promessas em resposta. Então, valendo-se do seu próprio crédito, abasteceu Almeida e, com a sua energia, conseguiu fazer das rochas do Monsanto uma praça de guerra, e construir na Guarda um forte com casamatas à prova de bomba, fortificou a posição das Talhadas com três redutos e outros entrincheiramentos, pôs o castelo de Vila Velha, um montão de pedras, em estado de se defender, levantando flechas e trincheiras, fez obras nos arredores de Sortelha e Celorico, criou um Hospital no Fundão, estabeleceu nesta vila, em Cardigos e Celoricos, armazéns para abastecimento das suas posições e com o fim do facilitar as comunicações para Abrantes, uma sofrível estrada, que ficou com o nome do estrada do marquês de Alorna…»

Esta sofrível estrada era a Estrada Nova, construída entre Cardigos e a Enxabarda, a fim de facilitar as comunicações de Abrantes para a praça-forte de Almeida.
Da Enxabarga, a Estrada seguia pelos cumes da Gardunha (Candal, Cigarrelho, Portela da Moreira e Zibreiro(Alto do Engarnal) e descia para a Foz do Giraldo, seguindo em direcção ao Estreito e depois para a Isna até Cardigos, onde se unia a uma estrada já existente.
Diamantino Gonçalves, o fotógrafo que descobriu as gravuras rupestres do Zêzere, na sua página da internet (http://www.dbgoncalves.com/terras_do_xisto.htm), onde descreve todo este vale do Zêzere (a que já me referi neste blogue, a propósito do P.e Branco), escreve sobre a Estrada Nova:

«Daqui tudo se vê, o vale da ribeira estende-se até à Panegral por detrás dela a eira dos Três Termos, lugar mágico de lutas terríveis durante as invasões francesas, que se estenderam ao Cabeço Zibreiro, por toda a Estrada Nova. Estrada construída em 1801 fazia parte do plano de preparação para a guerra, elaborado também pelo Marquês de Alorna, que mais tarde combateu ao lado das tropas de Napoleão, morreu na Rússia. A estrada nova era da maior importância para a estratégia militar da época. Pois encurtava muito a distância do Fundão a Tomar e ainda com ligações às estradas de Castelo Branco, Vila Velha e Abrantes. A estrada traçada pelo cume dos montes servia ainda para apoiar o (Telegrafo de Sinais) que chegou a funcionar de Lisboa a Almeida. Cada estação do telégrafo distava entre si 15.000 metros funcionavam com uma ou duas pessoas, mas tinham de ser montadas e abastecidas e defendidas. Dirigiu parte ou toda a sua construção, uma das maiores figuras da Beira daquele tempo: José Pereira Pinto Castelo-branco, (O mil diabos da Capinha) foi ajudante de campo do marquês de Alorna…»

Um autor francês anónimo deixou-nos o relato da passagem de uma coluna militar do Exército Francês, comandada pelo General Gardanne, que seguia de Almeida para Cardigos. No dia 24 de Novembro de 1810, escreveu:

«Le 24 on a suivi le Chemin d´Enchabardas(Enxabarda), mauvais village a 1/2 lieue de Castelleijo(Castelejo) e dans la même vallée. C´est la que commence réellement l´Estradanova(Estrada Nova), on monte d´abord pendant plus d´une heure pour arriver au sómet de la Serra dos tres termos(Eira dos Três Termos), mais les rampes sont bien mauvaises. Cette route est fort belle et suit constament les crêpes jusqu´à fogeraldo(Foz do Giraldo), mauvais hameau ou nait un ruisseau que se jette dans le Trepeito (Tripeiro)
(VICENTE, António Pedro – Manuscritos do Arquivo Histórico de Vincennes referentes a Portugal, III, (1807-1811), Paris, Fundação Calouste Gulbenkian, 1983, p. 317.)

Seguem-se extractos das Cartas 20-D e 20-B, do Instituto Geográfico e Cadastral, com a Estrada Nova assinalada a tracejado negro. Os mapas estão em sequência, um continua no seguinte. Deve clicar-se em cada um, para se conseguir percebê-los.


A Eira dos Três Termos era assim chamada, porque ali se encontravam os limites(termos) dos concelhos do Fundão, S. Vicente e Sarzedas. Nunca lá fui, pelo que não tenho a certeza absoluta da sua localização, mas tudo indica que seja no local indicado (à esquerda do nome).


O Zibreiro é o cume também chamado Alto do Engarnal.



Nota: O meu livro O Concelho de S. Vicente na Beira Guerra Peninsular tem, na página 49, um mapa com a Estrada Nova a passar junto a S. Vicente. Na altura, pensava que ela passasse por Almaceda, Partida, Paradanta, Vale D`Urso e Castelejo. Pelos documentos que entretanto fui consultando, sei agora que ela passava de facto perto, mas nos cumes da Gardunha.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Mudar a palha da cama

As paredes interiores eram de taipa, feitas à maneira das culturas milenares. Erguia-se uma estrutura em madeira, com ripinhas finas de um lado e do outro. Depois metiam-se no meio ramos de carqueija e enchiam-se os espaços vazios com barro amassado com palha cortada curta. E as faces das paredes também se revestiam do mesmo barro, em jeito de reboco. Trabalho mais apurado na sala, mas grosseiro nos quartos, onde não entravam estranhos.
Os leitos da camas eram de madeira e mais tarde de ferro. Neles, apareciam percevejos, quando o tempo dava em aquecer. E era um fartar, uma engorda sazonal com o sangue dos inocentes que ali vinham descansar dos trabalhos ou das brincadeiras.
O remédio era catá-los. Levantávamos as enxergas e procurávamos nas junções dos leitos. Esborrachavam-se e ficava um rasto de sangue daquelas barrigas gordas.
Era no pico do Verão que se fazia a limpeza geral aos quartos. Tirávamos as enxergas e todas as tralhas. Caiavam-se as paredes e dava-se uma esfregadela no chão, com escova, sabão e água. Ficava como novo, desinfectado e cheiroso.
Os leitos, na rua, lavavam-se bem e, se fossem de ferro, dava-se-lhes uma pintadela. Ficavam mais bonitos e livres da bicharada. Também as enxergas se renovavam, pois estava-se no tempo de lhes mudar a palha.
Era de centeio, que se semeava todos os anos, para o pão e para os nagalhos e as enxergas. A palha de trigo não prestava, partia facilmente e no Inverno já não haveria cama em condições.
Esvaziávamos as enxergas da palha velha, já toda moída dos corpos e estragada por algumas mijateiras invernais, naquela em que dormiam dos mais pequenos. Lavava-se o pano, punha-se a corar, voltava a lavar-se e secava ao sol.
Ao fim da tarde, enchíamos novamente as enxergas com palha. Às mãos cheias, era metida dentro do saco da enxerga, pelo buraco aberto ao centro. A palha ficava toda direita, sem nenhuma ao atravessar, e nos cantos compunha-se com a forquilha. Era de madeira, com cerca de 1 metro de comprimento, ligeiramente mais estreita num lado e larga no outro, que terminava num corte em forma de V, para levar a palha aos sítios mais difíceis.
Já cheia, a enxerga ficava enorme. Cosia-se a abertura e era levada para o quarto, onde o leito a aguardava. Punha-se-lhe em cima e fazíamos a cama, com os lençóis e as mantas.
Era difícil trepar lá para o alto e aquele que ficava na borda da porta adormecia receoso de rebolar para o chão a meio do sono. Bem estava o que ficava no meio ou o do lado da parede.
Nos primeiros tempos, era desagradável, fosse do calor ou da palha rija. Mas depois amaciava, a palha e o tempo, e já só queríamos meter-nos debaixo das mantas, no quentinho.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

P.e Branco

Vida em construção!

Uma vida singular constrói-se
Germinando silenciosamente,
Fruto dum abraço ofegante
De amor.

Entre choros, sorrisos e palavras,
A ternura embala o gérmen,
Que começa a aprender a sonhar
e a pequenas vitórias alcançar.

Cresce ao lado das minas
Brinca com o cascalho lavado
E aprende que o mais precioso
É preciso procurá-lo
bem profundo.

À escola da vida
Junta-se a escola de saberes
Ganha-se asas para sonhos mais altos,
Olhando a esperança para além dos montes.

Em casa e na comunidade
Constrói-se o chão que há-de receber
O chamamento a ser discípulo
Dum mestre que o quer
como colaborador.

Crescer é uma aventura,
Caldeada de luzes e sombras.
Os compromissos, um desafio assumido
Pelo coração de sacerdote
E a imaginação de construtor.

Vida em construção,
Mãos arregaçadas.
É difícil aguentar tanto sonho
Por concretizar.

A criatividade e o engenho
Soltam-se em jorros de projectos
O espiritual e o material convivem unidos
Pois Cristo a todos fez redimidos.

Perante uma casa, é arquitecto
Na Igreja, sacerdote
Na escola, professor
Na vida, mestre de valores
Junto ao idoso e doente, profeta da esperança.

Vida em construção até à exaustão.
E quando as estruturas enfraquecem
E o ritmo vai diminuindo
O sonho não pára nem esmorece
Pois nasceu projecto
para viver em construção.

Fátima, 14/04/2008

P.e José Leitão

Nota: E desta ideia, tornada poema, nasceu o título Uma vida em construção - Homenagem ao Padre António Branco, dado ao livro com que homenageámos o P.e António Branco. O poema não foi incluído no livro, por, na altura em que foi escrito, já não se enquadrar no projecto definido.

domingo, 23 de agosto de 2009

P.e António Branco

Parabéns!
O menino nasceu, na Panasqueira, a 23 de Agosto de 1924. Era filho de António Lopes Branco, natural de Casegas, e de Luzia de Jesus Marques, natural de S. Vicente da Beira. Puseram-lhe o nome de António Francisco Branco Marques.
Hoje, faz 85 anos. Parabéns, P.e Branco!


Como nasceu o livro

O convite chega-me pelo P.e José Manuel Figueiredo, na Primavera de 2007. A prenda seria oferecida ao P.e António Branco, no dia do seu aniversário, em Agosto de 2008.
O desafio é, à uma, prestigiante e inquietante. Honra-me escrever um livro sobre a pessoa que mais contribuiu para o desenvolvimento de S. Vicente da Beira, mas porquê eu, que, na minha juventude, tantas discordâncias tivera com o P.e Branco?
Começam as trocas de e-mails, com os padres José Manuel e José Leitão, e as dúvidas vão-me surgindo: escrever uma biografia em que se mostrasse a pessoa totalmente, nas suas virtudes e defeitos ou um livro de homenagem, honrando um homem pelo serviço prestado à comunidade? Peço opiniões e, mais do que as respostas dos outros, o tempo vai-me amadurecendo a certeza: não se honra um homem que dedicou toda a sua vida aos outros, mesmo fazendo-o à sua maneira, atirando-lhe as fraquezas à cara, embora disfarçadas em bonito invólucro de prenda de aniversário.
Em Setembro, desloco-me ao couto mineiro da Panasqueira, onde o P.e Branco tem as suas raízes, mas primeiro passo por Bogas e Janeiro, paróquias onde ele trabalhou. Falo com pessoas, recolho testemunhos e guardo memórias, na máquina fotográfica.
Segue-se a investigação nos documentos escritos. Os muitos exemplares do jornal “Pelourinho” que o P. José Manuel me entrega são, para mim, uma revelação. Está lá quase tudo, sobre a vida da paróquia, entre 1962 e 1973. Procuro os que faltam no Pedro Inácio Gama e depois no José Manuel dos Santos e no João Benevides Prata. E vou-me recordando daqueles tempos, sobretudo dos que foram os da minha infância e adolescência. De muitas coisas, nem tive conhecimento na altura.
Há que esclarecer dúvidas, consolidar certezas, acabar com mitos. Falo com o Sr. José Matias sobre a electrificação da Vila. Com outras pessoas sobre vários assuntos. Vou-me apoiando em quem viveu os principais factos, dos quais o P.e Branco foi agente principal ou mesmo secundário. Os meus pilares de apoio são os padres José Manuel e José Leitão, a que vou juntando o Pedro Gama Inácio, o José Manuel dos Santos, o casal João Prata e Maria do Carmo, o casal Ernesto Hipólito e Celeste Jerónimo, o Pedro Matias e outros. São eles que me fornecem o grosso das fotografias necessárias. E telefono à irmã do P.e Branco, Maria Libânia, ainda a viver no Cabeço do Pião, que me conta histórias da sua infância e depois me envia fotos de família, pelo P.e José Manuel.
Nessa altura, já o livro tem forma na minha cabeça. A base será composta por depoimentos de amigos e de pessoas institucionalmente ligadas ao trabalho do P.e Branco. Consulto o P.e José Manuel sobre a lista das pessoas a quem pedir depoimentos. Chegamos a acordo, mas a lista vai sendo acrescentada e o livro enriquece. Fica de fora o povo anónimo, mas o fracasso na recolha do depoimento de uma pessoa pouco ligada ao mundo da escrita leva-me a ser pragmático.
Faz-me falta uma conversa com o P.e Branco. Há coisas que só ele me poderá esclarecer totalmente, mas não se lembra, na visita que lhe faço, com mentiras da minha parte, na tentativa de ocultar a prenda-surpresa que lhe preparamos. Mas empresta-me fotografias, “para um estudo em que ando a trabalhar”.
O livro está quase acabado no meu computador. Levo-o ao Carlos Azevedo Matos, do Salgueiro do Campo, professor de Artes na Secundária de Alcains, quase meu vizinho, em Castelo Branco. Ele faz o arranjo gráfico. Em Maio, já de 2008, vamos a S. Vicente, tirar duas ou três fotografias que faltam. E passamos pelas cerejas do Ribeiro de Dom Bento.
Peço ao meu primo Jaime Teodoro Nicolau apoio para o livro. O P.e José Manuel faz o mesmo junto da Fonte da Fraga, na pessoa do Pedro Matias.
Em meados de Agosto, o livro chega da tipografia. É uma excelente prenda de quem muito recebeu para quem tudo deu. E na festa de homenagem da paróquia ao seu ex-pároco, o P.e António Branco está feliz, rodeado de muitos amigos e pelo livro que recebeu de prenda lhe permitir recordar o tanto que ficou para trás nos seus 84 anos de vida.

Nota: O livro Uma vida em construção – Homenagem ao Padre António Branco pode ser adquirido, em S. Vicente, junto da Comissão da Fábrica da Igreja, e, em Castelo Branco, na Livraria Multimédia, ao lado da Sé.


O P.e Branco, em criança, com as irmãs Maria Libânia e Maria José. Foto de família.


Casinhas dos trabalhadores, no Cabeço do Pião. A família do P.e Branco veio habitar a primeira a ser construída. Foto de Tiago Rodrigues Teodoro.


O Cabeço do Pião, visto dos lados da Panasqueira. Foto de Tiago Rodrigues Teodoro.


Eu e o meu cicerone e amigo, o P.e José Cortes, em Janeiro de Cima. Ao fundo, o Centro Paroquial, construído pelo P.e Branco. Foto de Tiago Rodrigues Teodoro.


Maria Lucinda Dias de Carvalho, catequista de Janeiro de Cima, na época em que o P.e Branco ali paroquiou. Foto de Tiago Rodrigues Teodoro.


A Casa Paroquial de Bogas de Baixo, a que o P.e Branco construiu o 1.º andar. Foto de Tiago Rodrigues Teodoro.


Adelino Simão, amigo pessoal do P.e Branco, em Bogas de Baixo. Foto de Tiago Rodrigues Teodoro.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Padre Branco


O Padre António Branco, na Senhora da Orada. Foto do P.e José Leitão.

O tempo ensina-nos muitas coisas. A mim realçou-me a beleza dos mais velhos. Cada vez que me cruzo com um idoso, de passo incerto e rosto enrugado, imagino quantas pessoas haverá a quem aquele homem ou aquela mulher deram tanto de si próprios. Se o mundo é um gigantesco puzzle, cada um colocou nele algumas pequenas peças, encaixando-as no todo.
Por isso, embora às vezes postos de lado, como coisas sem valor, pela forma com estes tempos modernos se organizaram, a eles se deve a vida no presente, embora quem dela beneficia nem sempre se aperceba disso.
E nesta dívida de gratidão pelos mais velhos, há a esfera privada e a coisa pública. Homens e mulheres houve que deram tudo pelos seus. Outros foram mais além e deixaram a sua marca na sociedade, pela obra que edificaram a bem de todos.
O Padre António Branco pertence a esta segunda categoria, ele que tão cedo abdicou de centrar a sua vida na busca da felicidade pessoal, antes se dando totalmente à comunidade.
Há precisamente um ano que a paróquia de S. Vicente da Beira lhe prestou uma justa homenagem, por iniciativa do actual pároco, o P.e José Manuel Figueiredo: missa na Igreja Matriz, descerrar de uma placa toponímica numa rua com o seu nome, lançamento do livro “Uma vida em construção - Homenagem ao Padre António Branco” e lanche partilhado.
Deixando a Deus o que é de Deus, contento-me com o que é de César, relembrando a obra extraordinária que o Padre António Branco teve a capacidade de construir em S. Vicente da Beira.

- Criação da Telescola.
- Urbanização do Quintalinho.
- Electrificação da Praça.
- Arranjo das entradas de S. Sebastião e S. Francisco: ajardinamento dos espaços e alcatroamento das ruas.
- Melhoramentos na Senhora da Orada: alcatroamento da estrada, abertura de parques de estacionamento e reordenamento do recinto da capela.
- Apoio ao Clube.
- Apoio à Banda Filarmónica.
- Apoio à criação dos Escoteiros.
- Construção do Pavilhão Paroquial.
- Obras de restauro de todas as igrejas e capelas da paróquia, com destaque para as da Igreja Matriz, no início da década de 70 e cerca de 1990.
- Restauro das imagens da Ordem Terceira e retomar da sua procissão.
- Aquisição de uma carrinha da paróquia, para transporte dos alunos da Telescola e serviços da paróquia.
- Comemorações dos 800 Anos de S. Vicente da Beira.
- Reforço dos laços entre S. Vicente da Beira e a comunidade de vicentinos a viver na região de Lisboa.
- Reconversão do Pavilhão Paroquial em fábrica de confecções de lã.
- Reconversão do antigo Hospital em Creche e Lar de Idosos.
- Construção da Casa Paroquial.
- Construção da Casa Mortuária.
- Criação dos Museus de Arte Sacra da Santa Casa da Misericórdia e da Igreja Matriz.

Nuns casos teve ajuda, noutros fez tudo sozinho e situações houve em que apenas colaborou com os responsáveis. Parte da obra que realizou nem sequer era da esfera religiosa. Não tinha de se ralar, mas agiu, porque sabia que não basta limparmos a nossa testada, a acção tem de ser global.
Concordo com o final do depoimento do Pedro Matias, no livro que dedicámos ao P.e Branco: «…uma pessoa com uma visão e um empenho que deixam a léguas muitos...»
Por mim, os dedos da mão chegam para contar os que se lhe igualam.


O P.e Branco no campo de futebol, a cumprimentar os jogadores da equipa de S. Vicente, com o senhor Eduardo Cardoso e os dirigentes do Clube, na segunda metade dos anos 70. A foto é propriedade do P.e Branco.


O P.e Branco no campo de futebol de S. Vicente. A pessoa que ele aqui cumprimenta está à direita, na foto anterior, pelo que ambas são da mesma altura. A foto é propriedade do P.e Branco.


O P.e Branco com a comitiva do Presidente do Conselho, Marcelo Caetano, de visita à Barragem do Pisco, em 1969.


O P.e Branco com o Presidente da Câmara, Joaquim Morão, a descerrarem a lápide que assinala a inauguração da sede dos Escoteiros, ao fundo da Devesa, em 2005. Foto do Pedro Gama Inácio.


O P.e Branco na inauguração da exposição de pintura de Luci Bento (2004), em Santiago, na Partida, acompanhado pela artista, pelo Presidente da Câmara, Joaquim Morão, e pelo Presidente da Junta, João Benevides Prata. Foto do P.e José Leitão.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Invasões Francesas 4

Os Ingleses em S. Vicente

Éramos muitas crianças, à guarda da minha mãe. Ser uma mulher de armas não bastava, pois, além de nos criar, tinha mais as lidas da casa e ainda as do campo. A rédea curta vinha-lhe da ameaça “Se fizeres isso, o teu pai quila-te”, sinónimo de uma boa sovata à noite ou no fim-de-semana, quando ele chegasse.
Ameaça desnecessária, pois o que nos metia na ordem era mesmo o ralho dela, não a ameaça de castigo e muito menos o medo ao meu pai, que não era dessas coisas.

Mas a palavra quila-te intrigava-me. Mais tarde, estudante de inglês, aprendi que o verbo to kill significa precisamente matar.
Influência de uma freira inglesa que viveu no nosso Convento Franciscano? Parecia-me a explicação lógica.
Mas, quando estudei os documentos sobre as Invasões Francesas, deparei-me com 2 Regimentos Ingleses, em S. Vicente da Beira. Terão sido eles a deixar a palavra que deu origem a este nosso anglicismo?




Clicar nas imagens, para ler melhor

O documento da primeira imagem refere a presença, em S. Vicente, dos Regimentos Ingleses N.º 2 e N.º 36. Com eles foi João António, ganhão de Joaquim José de Brito Coelho de Faria, com o carro de bois carregado de mantimentos. Partiram de S. Vicente, no dia 26 de Julho, e acamparam em Chafurdão, onde o ganhão deixou os bois e o carro, no dia 10 de Novembro.

O documento da segunda imagem informa que, em Agosto de 1811, a junta de bois e carro do Capitão João Roiz(Rodrigues) Lourenço Caio, certamente conduzida pelo seu ganhão, andou ao serviço de dois Regimentos de Infantaria Britânica (Inglesa), que passaram por S. Vicente da Beira.

Os dois documentos coincidem na quantidade (dois regimentos) e no tempo (passaram por S. Vicente em finais de Julho/Agosto), pelo que os dois ganhões de S. Vicente terão acompanhado os mesmos Regimentos Ingleses, que estiveram em S. Vicente, por aqueles dias.


Outros serviços dos carreiros da freguesia de S. Vicente da Beira:

S. Vicente
Em Agosto de 1810, o carro de bois de Francisco Ferreira transportou bolacha de Sarzedas para o Fundão, num total de 8 dias. Este lavrador foi a pessoa do concelho que mais dias de serviço prestou aos exércitos português e inglês, entre 1809 e 1812 (95 dias). Morava na Rua Velha e detinha o foro da Comenda de Avis e do Convento das Religiosas, isto é, recebia as rendas que os rendeiros deviam a estes senhores das terras que trabalhavam, ficando com uma parte para pagar o seu serviço e entregando o restante à Comenda ou ao Convento, conforme o caso.
O mesmo foro das Religiosas do Convento já o detivera seu pai (ou avô), Domingos Ferreira, nas últimas décadas do século XVIII (cerca de 1770).

Mourelo
A junta de bois e carro de Manuel Antunes Frade e de José Mateus transportou centeio das Sarzedas para Castelo Branco, tendo gasto 4 dias, em Agosto de 1811.
Também já expliquei que, nos casos em que aparecem dois proprietários, seria por terem a meias a junta de bois e o carro.

Para saber mais, consultar: "O Concelho de S. Vicente da Beira na Guerra Peninsular", de José Teodoro Prata, publicado pela Associação dos Amigos do Agrupamento de Escolas de São Vicente da Beira, em 2006.