sexta-feira, 12 de novembro de 2010

O Insa

As matações juntam novos e velhos, alguns de convívio diário, mas outros que só se vêem de ralo em ralo. Por isso, contam-se sempre muitas histórias antigas.
Numa em que participei, já lá vão uns anos, o matador era o Insa, que nos contou a história da alcunha da sua família.
No início do século (1918) grassava a pneumónica e poucos foram os que ela não amarrou à cama. Um deles fora o seu avô, Francisco Marques, morador no Casal da Fraga, que passou largo tempo no Hospital da Misericórdia de São Vicente da Beira.
Quando o iam visitar, mandava toda a gente embora, «...porque senão insa tudo daqui até ao Casal!»
E ficou o Insa, talvez porque já poucos soubessem o significado da palavra que ele usara.
Regressado a Castelo Branco, fui consultar o Dicionário Morais, à Biblioteca Municipal. Lá estava, insar significa infetar.
Tinha razão o Francisco Marques e não era caso para lhe porem tal alcunha!

sábado, 6 de novembro de 2010

A Canada do Carqueijais

Provisão que alcançou o Capitão-Mor desta vila, Francisco Caldeira de Brito, pela qual sua Majestade Fidelíssima, que Deus guarde, lhe há por confirmada a canada de seus gados(…)

Dom José, por graça de Deus, rei de Portugal e dos Algarves, daquém e dalém mar em África senhor da Guiné (…), faço saber que Francisco Caldeira Leitão de Brito Moniz Albuquerque, Capitão-Mor da vila de São Vicente da Beira, me representou por sua petição que, tendo contígua às casas em que assistia na dita vila, uma fazenda grande cercada de parede, com currais de gado, no fim, onde mandava sempre recolher um rebanho de cabras, para adubar a dita fazenda, donde saíam para matos baldios da serra e se recolhiam para os mesmos currais todos os dias, sem fazerem prejuízo mais do que passarem por baixo de alguns castanheiros e na maior parte por estrada publica, e não podendo usar daquela passagem, por ter proibido o Corregedor* daquela Comarca*, em Capítulo de Correição*, entrar nos soutos gado, requereu à Câmara da referida vila lhe assinasse canada para passar o dito rebanho aos referidos matos baldios, consentindo os donos dos ditos castanheiros unicamente interessados e obrigando-se o suplicante a pagar-lhes todo e qualquer prejuízo que o dito gado fizesse, avaliado logo sem estrépito, nem figura de juízo, ficando nestes termos em seu vigor o referido Capítulo de Correição, que o mesmo suplicante de modo nenhum queria contrariar, antes com licença do mesmo Corregedor se assinasse a referida canada, que com efeito nesta forma se mandava pela dita Câmara assinar, como se via do despacho que ajuntava, e porque a tudo o mandado no dito despacho tinha o suplicante satisfeito, que era a licença do Corregedor, como mostrava o despacho deste, dado na petição que oferecia, constando igualmente de outros documentos, que também juntava, terem consentido todos os donos dos ditos castanheiros (…) hei por bem fazer-lhe mercê confirmar como com efeito confirmo e hei por confirmada a licença que a dita Câmara lhe deu na forma que o suplicante pede, cumprindo-se esta Provisão(…).
São Vicente da Beira, 9 de Setembro de 1773
Ferraz de Vasconcellos*
Francisco Caldeira Leitão de Brito Moniz*
Cláudio António Simões*


Vocabulário:
Cláudio António Simões – Escrivão da Câmara, em 1773, era filho de Manuel Lopes Guerra, que deu nome à rua Manuel Lopes, e sobrinho de Manuel Simões, que deu nome à rua Manuel Simões.
Comarca – Circunscrição judicial. A comarca de Castelo Branco, a que o concelho de S. Vicente da Beira pertencia, ia desde Vila Velha de Ródão até ao Sabugal.
Corregedor – Autoridade máxima da Comarca, representante regional do poder central, com funções político-judiciais.
Correição - Visita do corregedor à comarca, no exercício de suas atribuições. Dessa forma, a correição é um ato que visa a correção de condutas e que está ligada ao exercício do poder disciplinar.
Ferraz de Vasconcellos – Na época, era o Juiz de Fora do concelho de S. Vicente da Beira. Representava o poder central e presidia à Câmara e ao Tribunal. Respondia perante o Corregedor.
Francisco Caldeira Leitão de Brito Moniz – Era natural da Sertã e casou com a filha de uma das famílias mais ricas da Vila. Desempenhou o cargo de Capitão-Mor, o posto máximo do comando militar no concelho. O 1.º visconde da Borralha era seu neto e também se chamava Francisco Caldeira, tal como o 3.º visconde.


Muro exterior do cabanão da Quinta Nova, onde os descendentes de Francisco Caldeira guardavam os gados, nos séculos XIX e XX, tal como ele o fazia, em 1773.


Primeira página do documento acima transcrito. Clicar na imagem, para conseguir ler. Do Livro Geral das Leis e Ordens (1769-1774), folha 135, Câmara Municipal de S. Vicente da Beira, Arquivo Distrital de Castelo Branco.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O Mel e a Cera

Já se encontra publicado, on line, o artido sobre os muros-apiários da região de Castelo Branco. O capítulo 2. desse trabalho é o meu contributo para o estudo da produção do mel e da utilização da cera, ao longo dos séculos, nesta região. Tem abundante informação sobre o antigo concelho de S. Vicente da Beira.
Recebi a seguinte nota informativa, que reproduzo, para um melhor esclarecimento:


A Associação de Estudos do Alto Tejo comunica que o n.º 3 da revista AÇAFA On Line, correspondente ao ano de 2010, já está disponível na sua página em:
www.altotejo.org
Diferentemente das duas edições anteriores, este número ficará em construção até final do corrente ano e é dedicado ao tema "Muros-apiários. Um património comum no Sudoeste Europeu".
Os muros-apiários são construções, em pedra ou taipa, formando cercados, e ocorrem em várias regiões da Europa e do Mediterrâneo. Têm como função proteger os colmeais contra diversos tipos de agressões, entre as quais se perfilam alguns mamíferos, com destaque para os ursos.
Este processo de proteger os apiários, cercando-os com altos muros, não é único, existindo outros tipos de construções com idêntico propósito, mas será talvez um dos mais representativos à escala europeia, desde a Península Ibérica até às Ilhas Gregas.
Em Setembro de 2010, a Associação de Estudos do Alto Tejo, o Parque Arqueológico do Vale do Côa e a Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa organizaram um colóquio sobre o tema, no quadro das Jornadas Europeias do Património. Os nove textos que abrem este número, a seguir indicados, corporizam as actas daquele Colóquio.
Em caso de dificuldade de acesso aos textos a partir da nossa página, recomendamos a descarga para o computador pessoal e a abertura dos PDF a partir daí.

LES ENCLOS À ABEILLES, Gaby Roussel.

LES APIERS DE LA HAUTE VALLÉE DE LA ROYA, Luigi Nino Masetti.

LOS COLMENARES TRADICIONALES DEL NOROESTE DE ESPAÑA, Ernesto Díaz y Otero y Francisco Javier Naves Cienfuegos.

MUROS APIÁRIOS NA GALIZA INTERIOR: OS ALVARES DO CAUREL, Lois Ladra e Xúlia Vidal.

MUROS-APIÁRIOS DAS SERRAS DO ALVÃO E MARÃO: CONTRIBUIÇÃO PARA O SEU ESTUDO E PRESERVAÇÃO, António Pereira Dinis e A. Mário Dinis.

OS MUROS-APIÁRIOS DO PARQUE ARQUEOLÓGICO DO VALE DO CÔA, Dalila Correia.

OS MUROS-APIÁRIOS DA REGIÃO DE CASTELO BRANCO E ZONA ENVOLVENTE, Francisco Henriques, João Carlos Caninas, Mário Lobato Chambino, José Teodoro Prata e José Joaquim Gardete.

OS MUROS APIÁRIOS DO PARQUE NATURAL DA SERRA DE SÃO MAMEDE E SÍTIO DE SÃO MAMEDE, Joana Salomé Camejo Rodrigues e João Carlos Neves.

PRESENÇA HISTÓRICA DO URSO EM PORTUGAL E TESTEMUNHOS DA SUA RELAÇÃO COM AS COMUNIDADES RURAIS, Francisco Álvares e José Domingues.


Foto de grupo, com parte dos intervenientes no colóquio de Foz Côa junto a um muro-apiário do Vale do Côa.

Nota: Aceder ao AÇAFA on line, através do site www.altotejo.org. Depois seleccionar o site Associação de Estudos do Alto Tejo. Uma vez lá, procurar, à direita, o AÇAFA n.º 3. Clicar e depois escolher e clicar de novo.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Usurpação 1

A Canada dos Carqueijais

O início da canada dos Carqueijais, junto ao portão da Quinta Nova (dos Viscondes da Borrolha, descendentes de Francisco Cladeira, a quem a canada foi concedida, pelo rei D. José).


Parede que cortou transversalmente a canada. Metros mais acima, a canada também está cortada, mas por vedação de arame.


A canada, a meio da encosta, a chegar ao antigo caminho para o Cabeço do Pisco. Aqui, o dono dos Carqueijais respeitou a canada, colocando a vedação no limite da sua propriedade. Notam-se os vestígios das paredes que ladeavam a canada, de um lado e do outro.

Pode dizer-se que é um caminho velho, inútil nos tempos de hoje, cheio de mato. Mas é público, do Estado, e sobretudo, para nós, um museu vivo de como foram os tempos passados. Alguns gastam milhões a construir museus, nós temos este e muitos mais (por enquanto), gratuitos, a céu aberto, na Natureza.
De facto, já não há gados para utilizar esta canada. Mas podemos dar-nos ao luxo de prescindir dela, num presente e num futuro tão virado para o património histórico e paisagístico?
Os anos 60 e 70 foram de destruição de tudo o que lembrava os tempos difíceis do passado. Queríamos construir um mundo todo novo. Mas já percebemos que cometemos muitos erros. Dantes, não sabíamos, agora, já sabemos. Não há desculpa!

domingo, 31 de outubro de 2010

Curiosidade Demográfica

Dando seguimento à informação demográfica de 4 de Setembro deste ano ("População da Freguesia"), hoje informo sobre a população de todos os lugares da freguesia, em 1911:

São Vicente da Beira: fogos-256; pessoas-1002
Casal da Fraga: fogos-25; pessoas-124
Casal dos Ramos: fogos-6; pessoas-29
Casal da Serra: fogos-86; pessoas-407
Mourelo: fogos-56; pessoas-212
Paradanta: fogos-28; pessoas-135
Partida: fogos-97; pessoas-434
Pereiros: fogos-50; pessoas-234
Rabaçal: fogos-4; pessoas-22
Tripeiro: fogos-47; pessoas-197
Vale da Carça: fogos-3; pessoas-12
Vale de Figueiras: fogos-25; pessoas-108
Violeiro: fogos-40; pessoas-200
População dispersa: fogos-21; pessoas-128
Total da Freguesia: fogos-744; pessoas-3.244


Era assim a nossa freguesia, pouco depois da implantação da República.

Fonte:
Censo da População de Portugal no 1.º de Dezembro de 1911, Parte VI - Censo das Povoações, Imprensa Nacional, Lisboa, 1917.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Santa Casa da Misericórdia

Nestes dias, tenho andado pelo arquivo da Santa Casa da Misericórdia de São Vicente da Beira.
Durante horas, fico imóvel, a anotar dados dos livros de registo dos doentes internados, em 1917-1920. Mas não estou sozinho. Das paredes, olham-me atentos os guardiães da Santa Casa: fundador, médicos, provedores, benfeitores?
Há um sacerdote, dois bigodes monumentais e uma senhora. Um, de cara e óculos redondos, parece-me o professor Couto. Outro, esguio e de olhar vivo, recorda-me o Dr.º Alves da minha infância.
Ali estão todos, na sua rigidez de retrato, mas atentos ao que faço. Nem ouso questionar se os dados que recolho foram registados sem enganos e por isso me darão uma informação correta do movimento de doentes, no tempo da pneumónica, quando os homens não largavam a cama, deitados com a espanhola.
As assinaturas nos termos de abertura e fecho, os nomes dos membros da Mesa nos livros de actas de tantos anos, sinais de um tempo passado, felizmente também presente, em que homens e mulheres tomaram em mãos a tarefa de fazer e manter um hospital, como agora uma creche e um lar de idosos.
Noutros livros, donativos em géneros e pagamentos das cotas dos irmãos. Agora percebo melhor o ritual quase sagrado com que o meu pai ia pagar a cota de irmão da Misericórdia, todos os anos, no dia do Santo Cristo. O passa-bem à chegada, dois dedos de conversa e o cumprimento do dever, descarregado nos livros que agora folheio.
No corredor e nas salas de estar, encontro-me com os idosos, quase todos desconhecidos, mas alguns do meu convívio de décadas. As empregadas não param na azáfama de fazer, limpar, ajudar. O provedor entra para despacho e vai à vida, que o ganha-pão é noutro sítio.
Sinto orgulho da minha comunidade, por, no passado e no presente, querer e saber, de forma graciosa e desinteressada, erguer esta obra para o bem de todos.
BEM-HAJAM.


A foto é de cerca de 1980-1990, após a reconversão do hospital em lar de idosos, mas antes das obras na via pública, em que se colocou o cruzeiro num espaço ajardinado, onde fora o tronco do ferrador. Ficou-me do livro do P.e Branco e é propriedade do homenageado.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Robles Monteiro - Raízes

Os pais de Robles Monteiro casaram, em São Vicente da Beira, no dia 30 de Setembro de 1872.
Ele, Felisberto Coelho Falcão Telles Jordão Monteiro, de 21 anos, solteiro, secretário da Administração do Concelho, morador em São Vicente da Beira, mas natural de São Pedro de Vila Real, era filho de Manuel Joaquim Duarte Monteiro, natural do Telhado, concelho do Fundão, e de Donna Joaquina Amelia de Oliveira Telles Jordão, natural da Guarda.
Ela, Marianna Augusta Ribeiro Robles, de 26 anos, solteira, natural de São Vicente da Beira e aqui moradora, era filha natural(mãe solteira e pai incógnito) de Maria Paulina.
As testemunhas (actuais padrinhos) foram o Excelentíssimo Thomás de Aquino Coutinho Barriga(o visconde de Tinalhas), casado, proprietário, morador em Tinalhas e, possivelmente, Presidente da Câmara Municipal de São Vicente da Beira, cargo que exerceu durante anos, e o Ilustríssimo Joaõ dos Santos Vás Rapozo, casado, proprietário, morador em São Vicente da Beira e, possivelmente, Administrador do Concelho, cargo que desempenhou durante anos.
Fez o registo o Vigário Domingos de Mattos.
(Ler em baixo, no original. Clicar nas imagens, para ver melhor.)



Tiveram um menino, 16 anos depois, já a mãe contava 42 anos, a quem puseram o nome de Felisberto, como o pai. Em adulto, viria a chamar-se Felisberto Manuel Teles Jordão Robles Monteiro.
Nasceu às dez horas da noite do dia 9 de Setembro de 1888 e foi batizado, no dia 29 do mesmo mês.
Foram padrinhos o Excelentíssimo Doutor Antonio Duarte da Fonseca Fabião, casado, proprietário, e sua mulher, a Excelentíssima Donna Maria Amalia Cunha Freire Pignatelly, proprietária, moradores em São Vicente da Beira.
O batismo e respetivo registo foram feitos pelo mesmo Vigário Domingos de Matos.
(Ler em baixo, no original. Clicar nas imagens, para ver melhor.)



Nota:
De toda esta informação, fica-nos uma incógnita: De quem é que a mãe de Robles Monteiro herdou os apelidos Ribeiro Robles, se não se lhe conhecia o pai e a sua mãe só se chamava Maria Paulina? É que, sendo já adulta, devia ser referida pelos apelidos e não o ser significa que não os tinha, tendo sido possivelmente exposta, na altura do nascimento. Mas é apenas uma hipótese. Na época, em São Vicente da Beira, havia pessoas com os apelidos Ribeiro e Robles.