sábado, 30 de abril de 2011

O nosso falar: charepo

Segundo o Dicionário de Morais, que começou a ser publicado em 1789, existe a palavra charete, termo regional do Alentejo, que designa um pequeno lavrador sem gado e também um sujeito desavergonhado, um bisbórria (homem desprezível, ridículo, sem valor), um garoto.
A palavra aplica-se a um homem que promete tudo, mas não cumpre o combinado, um homem sem palavra, sem honra, nem personalidade.
Em São Vicente da Beira, um charepo é isto mesmo. Só não designa um pequeno lavrador sem gado, mas, no Alentejo, o termo talvez fosse usado pelos grandes lavradores para ridicularizar os mais pobres que também queriam vingar na vida.
Um charepo é um homem com muita conversa, muita promessa, mas que não cumpre o dito, sem palavra.
Na nossa terra ou em toda a Beira, a palavra charete deve ter evoluído para charepo, devido a uma mais fácil pronúncia.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

A República

Decorreram, no ano de 2010, as comemorações do Centenário da República.
Muitas foram as realizações destinadas a assinalar a implantação da Répública, em 5 de Outubro de 1910.
No Arquivo Distrital de Castelo Branco, esteve patente uma exposição de documentação sobre as ocorrências, no distrito, ligadas a tão grande acontecimento nacional.
De São Vicente da Beira, um registo no livro de correspondência do Governo Civil, informando que o Regedor de São Vicente da Beira «Participa que é Republicano para todos os efeitos e deseja continuar no cargo de regedor da mesma freguesia.» Não vem indicado o nome.
Foram muitos séculos de miséria e o desenrascanço passou a estar inscrito nos nossos genes!
Na minha escola, a data foi assinalada com grande solenidade. Uma das realizações foi a representação, pelo Clube de Teatro, de uma peça de teatro escrita por mim, sobre a acontecimento cujo centenário se comemorava.
A peça tinha um objectivo didáctico e destinou-se aos alunos do 4.º ao 7.º anos. Como resultou bem, aqui vo-la deixo. Pode ser encenada em qualquer altura, como forma de ensinar a implantação da República. O discurso da Menina Monarquia é um documento histórico importante: o comunicado de Machado Santos ao povo de Lisboa!



A Dona Monarquia e a Menina República
José Teodoro Prata

Personagens:
Dona Monarquia
Menina República
Dirigente republicano 1
Dirigente republicano 2
Zé Povinho
Popular 1
Popular 2
Popular 3
Popular 4
Popular 5
Popular 6
Popular 7

Acto Único

Em cena, atrás, estão dois dirigentes do Partido Republicano, sentados a uma mesa. No meio deles, está uma bela jovem sorridente, vestida com as cores da República (verde e vermelho). Ao fundo, vê-se o brasão da Câmara Municipal de Lisboa, uma câmara republicana desde as eleições de 1908.
Na boca da cena, anda uma senhora vestida com as cores da Monarquia (azul e branco), muito pintada, mas já caquéctica, embora solene, apoiada numa bengala. Demonstra angústia e nervosismo.
Os populares vêm de fora da cena, do lado do público, de preferência, permanecendo depois até final da peça. Eles são o público-alvo a quem se dirigem os populares recém-chegados.
Os dois dirigentes republicanos e a Menina República conversam entre si, em voz baixa. Sempre que os populares falam, eles ouvem atentos e depois retomam as suas conversas. No início, estão nervosos e preocupados, mas a partir do avanço de Machado Santos para a Rotunda, começam a animar-se, com excepção do momento em que Paiva Couceiro bombardeia as posições republicanas na Rotunda. O ponto alto do entusiasmo dos dirigentes republicanos é a rendição do Quartel-General, a que se segue a proclamação da República.


Dona Monarquia(Entrando em cena, de preferência vinda do público, para dar tempo a que se ouça mais de metade do hino monárquico. Quando chega à boca da cena, fala para o público.) Tristes tempos estes, senhoras e cavalheiros, em que já não se respeitam a vida e a tradição. Oitocentos anos de História são espezinhados pelos homens do povo que ignoram o que é a honra e desprezam as instituições.
Os alicerces de Portugal foram erguidos pelas realezas de Leão e Castela e de Borgonha. Delas nasceu o rei fundador, D. Afonso Henriques, o primeiro da dinastia de Borgonha.
Zé Povinho(Estava sentado na primeira fila do público e levantou-se. Aparte, para o público) D. Afonso era um gigante! A sua espada pesava tanto, que eram precisos três homens para a levantarem!
Dona Monarquia(Continuando) Depois, em 1383-85, este mesmo desrespeitoso povo não aceitou os direitos sagrados da filha de D. Fernando e impôs um rei novo. Mas encontrou algum homem digno de reinar, fora da linhagem dos reis? Não, o próprio povo o reconheceu e escolheu D. João, o filho d´el-rei D. Pedro.
Zé Povinho – Viva a padeira de Aljubarrota!
Dona Monarquia – E iniciou-se a dinastia de Avis, a qual levaria às longínquas terras dos mares remotos o glorioso nome de Portugal. Depois aconteceu a tragédia de Alcácer Quibir e Portugal ficou a ser governado pela Casa Real de Espanha. Por pouco tempo. Em 1640, um valoroso grupo de nobres portugueses expulsou os espanhóis e entregou o poder ao herdeiro da linhagem de Avis, o duque de Bragança, D. João.
Zé Povinho(Olhando para o céu, de mãos postas) Valha-nos Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Portugal!
Dona Monarquia – Este D. João IV iniciou a quarta dinastia, a mesma que ainda hoje carrega aos ombros o pesado fardo de governar Portugal. Mas as modas francesas estão a infectar o nosso Reino e o respeito e reconhecimento deixaram de ser valores que os portugueses prezem.
Há dois anos, vis criminosos mataram o amabilíssimo rei D. Carlos, grande entre os maiores nas artes, na ciência e na política. Rei amado e respeitado por toda a Europa, foi neste povo mal agradecido que encontrou os seus algozes.
Zé Povinho(Aparte) Rei morto, rei posto.
Dona Monarquia – Sucedeu-lhe o filho, D. Manuel. É muito jovem e impreparado, pois o primogénito D. Luís Filipe também encontrou a morte no trágico regicídio.
O futuro a Deus pertence e que Ele proteja a Santa Monarquia e a Casa Real dos Braganças!
Zé Povinho(Fazendo o gesto de quem rouba) Os Braganças…
Dona Monarquia – Mas temo pelos dias incertos que vivemos. Os republicanos enganam o povo, com promessas de facilidades. E têm cada dia mais apoiantes. Esta Câmara de Lisboa já eles a governam, mas querem mais, só se vão contentar quando tiverem tudo!
Zé Povinho(Fazendo um gesto com o polegar para cima) Os republicanos…
(A Dona monarquia afasta-se para um lado, desgostosa, e senta-se num cadeirão. Entram dois populares, apressados e aflitos, e falam para o público.)
Popular 1 – Uma desgraça, uma tragédia imensa! Mataram o Doutor Miguel Bombarda!
Popular 2 – Foi no Hospital de Rilhafoles. Um maluco do manicómio deu um tiro ao Doutor Miguel Bombarda!
Popular 1 – Contou-nos um merceeiro da Rua do Ouro, que soube por uma criada do Conde da Cotovia, que o ouviu da boca do cocheiro que fora com o senhor às fazendas do Lumiar e viu uma grande confusão à porta do Hospital, quando passou em Santana.
Popular 2 – Coitado do Doutor Miguel Bombarda. Grande médico e grande político republicano! (Meio em segredo) Consta por aí que o Partido Republicano se prepara para derrubar a Monarquia. O Doutor Miguel Bombarda vai fazer muita falta!
Zé Povinho – Já se viu uma coisa assim? O doutor a tratar o maluco e ele PUM!, mandou-o desta para melhor.
(Os dois populares continuam a conversar sobre o assunto, em voz baixa. Os dirigentes republicanos e a Menina República dão sinais de grande desgosto e preocupação, pela morte de um dos seus principais dirigentes.)
Popular 3(Entra apressado e diz, em tom confidencial) A conspiração republicana foi descoberta. O Governo sabe de tudo e já pôs as tropas de prevenção!
Popular 1 – Mas estes republicanos não conseguem preparar um golpe de Estado em segredo? Nos últimos anos, já é a terceira ou quarta vez que isto acontece!
Zé Povinho – Querem o poleiro dos monárquicos, mas são incompetentes como eles!
Dona Monarquia(Contente) Óptimo, Óptimo!
Popular 4(Entrando) Que tragédia, que desgraça! Morreu o Almirante Cândido dos Reis.
Popular 3 – Quando? Onde?
Popular 4 – Há pouco, na Azinhaga das Freiras. Matou-se com um tiro de pistola! Quem me contou foi a porteira do meu prédio, que o ouviu do aguadeiro, que soube por um peixeiro que voltava de Odivelas.
Popular 1 – Mas porque é que se suicidou? Tinha medo de ser preso?
Popular 4 – Qual medo? O Almirante Reis era muito corajoso! Diz-se que chefiava o golpe militar republicano, mas desorientou-se, porque muitos oficiais republicanos não revoltaram as suas unidades militares e os poucos que pegaram em armas já estão a abandonar a Rotunda.
Popular 3 – Coitado do senhor Cândido dos Reis, almirante da Marinha, deputado das Cortes e um grande republicano!
Zé Povinho – Não se aguentou. Essa é que é essa!
Popular 3 (Num lamento) São só desgraças! Os republicanos estão feitos, não têm hipóteses. Nunca vamos sair da cepa torta.
Dona Monarquia(Aparte, para o público, mostrando contentamento) Isto está a correr às mil maravilhas!
(Ambiente de consternação entre os dirigentes republicanos e também entre os populares.)
Popular 5(Entra eufórico) Machado dos Santos marchou com as suas tropas para a Rotunda e reorganizou a resistência republicana. Os militares e os populares já conseguiram rechaçar a investida das tropas fiéis à Monarquia.
Popular 4 – Como é que ele conseguiu, quando tudo parecia perdido?
Popular 5 – Foi a coragem, a bravura dos heróis! Os chefes da revolta queriam desistir e muitos oficiais já tinham abandonado as suas posições, no alto da Avenida da Liberdade. Então, eis que irrompe Machado Santos.
Zé Povinho – O comissário Machado Santos é o herói da Rotunda!
Popular 5 – Os republicanos ganharam novo ânimo e já cantam vitória! Centenas de populares da Carbonária juntaram-se a ele!
Popular 6(Entrando precipitadamente, ao mesmo tempo que se ouvem explosões.) Quem nos acode? Fujam todos!
Popular 5 – O que é? O que se passa?
Popular 6 – Os navios ancorados no Tejo estão a bombardear os ministérios do Terreiro do Paço. As pessoas fogem da Baixa. Aqui, na Câmara Municipal, corremos perigo!
Zé Povinho – É melhor dar às de Vila-Diogo!
Popular 5 – Aqui é que estamos seguros! (Apontando para os dirigentes republicanos) Os revoltosos não vão bombardear uma câmara republicana, onde está concentrado o directório do Partido Republicano!
Popular 6 – O Palácio das Necessidades também foi bombardeado. O rei D. Manuel II quis chefiar um contingente militar e atacar os revoltosos, mas não o deixaram e teve de retirar para Mafra!
Dona Monarquia(Exclamando, num lamento, aparte, para o público.) O meu menino!
Zé Povinho(Rindo, com escárnio) Coitadinho do menino da mamã!
Popular 2(Fazendo os gestos de chuchar e roubar) Esse não volta a chuchar o povo. Os monárquicos estão entalados entre os navios de guerra no Tejo e as tropas do Machado Santos na Rotunda. Estão no papo. Vou-me juntar aos patriotas. Viva a República!
(Ninguém o secunda, todos receosos do desenrolar dos acontecimentos. As personagens, em palco, conversam entre si, mas cada grupo em separado.)
Popular 7(Entrando) Trago más notícias. A tropa do Paiva Couceiro bombardeou toda a noite as posições republicanas na Rotunda! Está a fazer estragos! Tem um poder de fogo muito forte e o Machado Santos não lhe consegue responder.
Zé Povinho – Raios! A coisa está a ficar preta!
Dona Monarquia(Contente, num aparte, batendo com a bengala no chão) Boa!
Popular 2 – (Entra, agitando uma bandeira branca) Calma, calma! Foi declarada uma trégua, para fazer sair os estrangeiros que estão no Avenida Palace. O pedido veio do diplomata alemão. O hotel foi ontem bombardeado e eles temem pela vida.
Popular 7 – E na Rotunda? O Machado Santos aguenta-se?
Popular 2 – Qual quê! Aquilo parece o arraial de Santo António! À chegada do diplomata alemão, a pedir tréguas, os republicanos viram a bandeira branca e julgaram que eram os monárquicos a render-se. Armou-se a festa e só faltou a sardinha assada!
Zé Povinho – Viva a República!
Popular 6 – (Todos ficam ansiosos, na expectativa das novidades.) Mas… E o Paiva Couceiro?
Popular 2 – O Machado Santos deu um golpe de mestre! Lançou-se Avenida abaixo, de rompante, com as tropas e o povo todo atrás, e tomou de surpresa o Quartel-General, no Rossio.
Zé Povinho – Xeque-mate! O Machado Santos é o pai da Pátria!
Popular 4 – E o Governo?
Popular 2 – Já não há Governo.
Zé Povinho – A velha Monarquia esticou o pernil! Viva a República!
Populares – Viva!
(A Dona Monarquia sofre um ataque e cai no chão. É ignorada por todos. Entretanto, a Menina República e os dirigentes republicanos dirigem-se à boca de cena. No meio, vem a Menina República, de braço dado com os dirigentes republicanos. Colocam-se na boca de cena, ao centro, em linha. Dos lados, ficam os populares, empunhando bandeiras republicanas.)
Menina República – Cidadãos! Um facto notável se acaba de dar, que ficará gravado a letras de ouro na história da nossa querida Pátria. A República, devido aos esforços dos bravos que acamparam na Rotunda, dos valentes marinheiros e da nobre e valorosa população civil da cidade de Lisboa, foi hoje proclamada! A dinastia de Bragança, que há 270 anos, pesando sobre o país, o levou à ruína, à miséria e ao desprezo das nações estrangeiras, vai a caminho do exílio e nunca mais os seus representantes ousarão macular o solo sagrado da Pátria!
Zé Povinho – (Aparte, com gestos a enaltecer os atributos físicos da Menina República) Viva a República!
Populares – Viva!
Menina República – Cidadãos! O vosso gesto altivo levou ao conhecimento do Mundo inteiro, que neste canto da Europa existe um Povo que deseja, em liberdade, trilhar o caminho do Progresso. Nunca mais os estranhos deixarão de olhar com respeito os filhos de Portugal!
Zé Povinho – Somos uns valentões! Viva Portugal!
Populares – Viva!
Menina República - A luta terminou! Já não há inimigos! Hoje todos os portugueses, trocando abraços fraternais, vão colaborar na obra da regeneração da pátria! Já não há inimigos! Há só irmãos!
Em nome do governo da República, louvo todos aqueles que lutaram pela República e, numa luta homérica de um contra dez, tão bem souberam defender os seus ideais: Pátria e Liberdade. Viva a República! (Os populares e o público gritam vivas)
Dirigente republicano 1(Toma a palavra, para anunciar a constituição do novo governo. Ao nome de cada personalidade, os populares batem palmas e dão vivas) Cidadãos! Cabe-me a distinta honra de anunciar ao país a constituição do Governo Provisório da República. Presidente do Governo: Teófilo Braga; Ministro da Justiça e Cultos: Afonso Costa; Ministro das Finanças: Basílio Teles; Ministro dos Negócios Estrangeiros: Bernardino Machado; Ministro do Fomento: António Luís Gomes; Ministro da Guerra: Coronel António Xavier Correia Barreto; Ministro da Marinha: Comandante Amaro Justiniano de Azevedo Gomes.
Dirigente republicano 2(Com solenidade) Povo de Lisboa! Juntemos as nossas vozes e entoemos “A Portuguesa”, o hino patriótico que os nossos pais cantaram nas manifestações contra o Ultimato Inglês e na revolta do 31 de Janeiro (Cantam todos):

Heróis do mar, nobre povo,
Nação valente, imortal,
Levantai hoje de novo
O esplendor de Portugal!
Entre as brumas da memória,
Oh pátria sente-se a voz
Dos teus egrégios avós,
Que há-de guiar-te à vitória!

Às armas, às armas!
Sobre a terra, sobre o mar,
Às armas, às armas!
Pela pátria lutar!
Contra os canhões
marchar, marchar!

(No final da 1.ª estrofe, a comitiva avança em direcção à saída, entoando o refrão. No final, dão-se vivas à República. A Dona Monarquia fica no chão, abandonada, ou é levada em padiola, por dois populares, que fecham o cortejo festivo.)

FIM

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Liberdade

Se um dia me perguntassem qual a minha palavra de eleição, escolheria liberdade. Ela é intrínseca à natureza humana, traduz uma das mais importantes caraterísticas do homem. Motiva rebeliões individuais e coletivas, provocando as revoluções que mudam o curso da História.
Normalmente, atribuímos à economia a causa impulsionadora destes movimentos sociais, mas a ânsia de liberdade acompanha sempre as motivações económicas e continua presente mesmo quando o materialismo está ausente, de todo.
Por isso, ao pensar numa canção do Zeca Afonso, para assinalar o 25 de Abril, de entre tantas excelentes, escolho um poema escrito e musicado em honra do seu amigo Alfredo Matos, preso nas masmorras da PIDE.
Chama-se "Por trás daquela janela" e saiu no álbum "Eu vou ser como a toupeira", em 1972.


Por trás daquela janela

Por trás daquela janela [bis]
Faz anos o meu amigo / E irmão

Não pôs cravos na lapela
Por trás daquela janela
Nem se ouve nenhuma estrela
Por trás daquele portão

Se aquela parede andasse [bis]
Eu não sei o que faria / Não sei

Se a minha faca cortasse
Se aquela parede andasse
E grito enorme se ouvisse
Duma criança ao nascer

Talvez o tempo corresse [bis]
E a tua voz me ajudasse / A cantar

Mais dura a pedra moleira
E a fé, tua companheira
Mais pode a flecha certeira
E os rios que vão pró mar

Por trás daquela janela[bis]
Faz anos o meu amigo / E irmão

Na noite que segue o dia[bis]
O meu amigo lá dorme / De pé

E o seu perfil anuncia
Naquela parede fria
Uma canção de alegria
No vai e vem da maré

Por trás daquela janela[bis]
Faz anos o meu amigo / E irmão

Não pôs cravos na lapela
Por trás daquela janela
Nem se ouve nenhuma estrela
Por trás daquele portão

domingo, 24 de abril de 2011

O nosso falar: talhada

Há anos, numa volta pelo Norte, parei em Tabuaço, a descansar de uma sinuosa viagem pelas margens do rio Távora. A tarde ia meio e fomos lanchar a uma pastelaria. Pedi uma talhada da tarte que, na montra, não despregava os olhos de mim. A minha família estranhou o meu falar e riu-se. Como eu não dava mostras de emendar, lá tiveram de explicar à dona que eu queria uma fatia de tarte.
Recordei esta história ao escrever o final do texto de ontem. Na nossa terra, se o pão se comia às fatias, o queijo, e quase tudo o que desse corte, comia-se às talhadas. Por vezes, até à fatia do pão se aplicava o termo talhada. Actualmente, esta palavra já quase caiu em desuso e utiliza-se o termo fatia para tudo.
O falar politicamente correto dos meios urbanos reduz drasticamente o número de palavras usadas no nosso dia a dia. Muito do vocabulário da língua portuguesa está a perder-se, irremediavelmente. Para os jovens de hoje, entender um livro de Virgílio Ferreira, Soeiro Pereira Gomes ou Aquilino Ribeiro, que escreveram na primeira metade do século XX, já começa a ser difícil. Até de Fernando Namora se queixam, ele que tanto e tão bem escreveu sobre a nossa Beira, nos anos 50.
Por isso, temos de teimar, insistir, em nome da diversidade e riqueza da nossa cultura.

Nota: Nesta minha incursão pelo nosso falar, que se prolongará por muitas semanas, estou a meter-me por terreno alheio, pois não tenho formação académica especializada. Agradeço todas as correções ou achegas que os leitores queiram compartilhar connosco.



Aleluia Aleluia !!

Ricordó Sinhor Vigário
Que já bate o sol na Cruz
Vamos dar as Boas-Festas
Ao Coração de Jesus.


Ernesto Hipólito

sábado, 23 de abril de 2011

Jejuns e gulodices

No passado sábado, véspera de Domingo de Ramos, passei por três tratores a carregar ramos secos de pinheiro, no curto espaço entre o Carvalhal Redondo e o Caldeira. A lenha é, certamente, para os bolos e os doces da Páscoa, com que tradicionalmente se quebra o longo jejum da Quaresma.
O Domingo Gordo, domingo anterior ao Carnaval, foi a penúltima etapa antes dos sacrifícios. Costumava-se comer o rabo do porco, na salgadeira desde a matação. No tempo em que os porcos ainda comiam comida de gente (hortaliças, botelhas, beterrabas, farelos, lavadura da loiça dos donos…), o rabo do porco era uma das partes mais saborosas do dito. Claro que não era só o rabo, mas toda a zona envolvente ao cu, incluindo a ponta final da espinha. A água em que era cozido fazia uma sopa de estalo e depois acompanhava com feijão grande. E nem pensar em deitar fora o toucinho, porque gordura e febra era tudo uma delícia! (Quando eu era criança, nos anos 60, contava-se, na Vila, que o Doutor Alves aconselhara alguém a dar couves ao porco, para a carne ter mais sabor, sem ser muito gorda.)
Dois dias depois era o Carnaval, a despedida dos prazeres. Há dois anos, quando escrevi sobre as nossas tradições carnavalescas, não liguei ao arroz-doce referido no trabalho da minha irmã Isabel, em que me tenho apoiado nestas tradições. Não liguei, porque aquilo não me dizia nada: nem gosto especialmente de arroz-doce, nem era muito habitual fazê-lo na casa dos meus pais.
Ora, no ano passado, oito dias antes da Feria de Gastronomia, o Presidente da Junta, eu e a minha tia Eulália (Teodoro e Jerónimo) fomos entrevistados para a Rádio Cova da Beira. Ao ouvir a entrevista da Tia Eulália é que percebi toda a importância do arroz-doce nos rituais iniciais do ciclo quaresmal. Na casa dos meus avós paternos, onde tanta coisa faltava nesses anos 40 e 50 do século XX, nunca a minha avó Rosário deixava de fazer o arroz-doce, para toda a família comer e consolada entrar no jejum da Quaresma.
As semanas iam-se sucedendo e, chegados à Quinta-Feira Santa, nem couves se podiam comer, pois nelas estivera escondida a Sagrada Família, fugida dos soldados de Herodes. No dia seguinte, não se trabalhava. Era dia de luto total. Recordo-me de que, na Semana Santa, toda a gente se confessava e comungava, praticamente sem exceções. E nesses tempos comungava-se em jejum, mesmo que a missa fosse ao meio dia, como era costume. Um dia, o meu avô Francisco tocou com o pão na boca, ao levantar-se de madrugada e, antes de comungar, contou o sucedido ao senhor Vigário, para ele lhe autorizar a comunhão.
Cristo ficava morto durante todo o dia de sábado e nós aproveitávamos para fazer bolos e doces. À meia-noite, era a missa da Aleluia, Cristo ressuscitava e o povo desforrava-se de semanas de tristeza e jejuns: as Boas-Festas, os bolos, os tremoços, o convívio com os amigos e familiares e depois as romarias. Entrava-se numa nova etapa, o ciclo Pascal, em que se festejava a vida.
Se me virem por aí, já sabem: a minha preferência vai para uma fatia de bolo da Páscoa coberta com uma talhada do mesmo tamanho de queijo fresco caseiro (o do circuito comercial tem um aditivo que o torna amargo, sem o sabor adocicado do leite).

Alguns artigos relacionados:
“Os Martírios”, de 1 de abril de 2010
“Procissão do Enterro”, de 3 de abril de 2010
“Tradições de Carnaval”, de 13 de Fevereiro de 2010
“A Ladainha”, de 12 de abril de 2009
“Doçaria pascal”, de 5 de abril de 2009
“Tradições da Páscoa”, de 28 de março de 2009

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Procissão do Enterro

É hoje à noite.
Estes vídeos não têm grande qualidade, mas ajudam a matar saudades a quem está longe.
São da procissão do ano passado. Nos últimos anos, desliga-se a iluminação pública, para uma melhor reconstituição da tradição.





Nota: Filmagens da Filipa Teodoro

domingo, 17 de abril de 2011

Primavera

A Primavera chegou com tal força que até ultrapassou o comboio da beira baixa (também não é preciso muito).
Hoje, na TV, passou uma reportagem sobre a vinda de um comboio turístico pelo vale do Tejo, para ver as cerejeiras em flor. Mas elas, em Alcongosta, já tinham a cereja a engrossar.
Eu não fui tão lento como a CP, mas quase: num fim de semana, esqueci-me da máquina fotográfica e, no seguinte, as cerejeiras já estavam a limpar (a largar as pétalas).
Deixo-vos algumas flores da Gardunha. São as do costume, mas sempre lindas!

Polígala


Violeta


Sargaço


(?)


(?)


Esteva


(?)


Carqueja