quinta-feira, 28 de abril de 2016

Demografia (e não só)

Queixava-se há tempos o Zé Barroso de, no blogue, não haver ninguém a dar notícias cá da terra. Referia-se nomeadamente à morte de conterrâneos, da qual tem muitas vezes conhecimento apenas através da Reconquista. Tem ele toda a razão; mas quem é que se acha com coragem de falar da morte de alguém e, por consequência, da morte anunciada da nossa terra?
            Pelo censo de 2011 havia na Freguesia 1259 habitantes. De lá para cá os nascimentos são cada vez menos: um ou dois por ano. Os óbitos até cortam o coração: no ano passado foram trinta e oito e este ano também já foram bastantes (só na semana passada foram três no mesmo dia). As contas não são assim tão simples, mas é bom de ver que, se a situação não se inverter, dentro de pouco mais de três década, pouco restará da freguesia. 
            Hoje estamos todos tristes, porque os sinos dobraram pelo senhor José Matias. Teria muitos defeitos como todos nós, mas em criança ouvia-lhe chamar pai, e à mulher, Maria do Céu, mãe dos pobres. Acho que na altura não percebia muito bem a razão de ser desta qualificação, mas na última conversa que tive com ele, há cerca de um mês, compreendi finalmente.
            Entre várias coisas que contou do seu percurso de vida, nem sempre fácil, falou-me duma promessa que tinha feito caso conseguisse vencer as dificuldades em que se encontrava em determinado momento, e que passava por dar aos pobres um determinado montante em sacas de farinha. Passados anos, quando sentiu que estava em condições de cumprir a promessa, aconselhou-se com o confessor que o terá convencido a mudar o alvo da sua generosidade. Um pouco contrafeito aceitou a proposta, mas quando chegou a casa desabafou com a mulher que também não gostou nada do novo acordo. Para tentar remediar a situação, a Senhora Maria do Céu prometeu que dali para a frente havia de confortar a família de todas as pessoas que morressem com uma panela de canja quentinha na noite do velório. Cumpriu enquanto pôde, e quando adoeceu foi o marido e os filhos que continuaram a cumprir a promessa até ao fim da vida dela.
            Há casais assim, que foram feitos mesmo um para o outro, e, se o Céu existe, já estão de novo juntos. Nós é que hoje nos sentimos todos um pouco mais pobres…


M. L. Ferreira 

terça-feira, 26 de abril de 2016

Os Gama

Recebi duas mensagens, via e-mail, de Leonor Gama, uma estudiosa da família Gama nesta nossa região. A sua mensagem veio na sequência da minha publicação, neste blogue, sobre a guerrilha da Enxabarda (Invasões Francesas 7).
Porque sei que há pessoas interessadas no assunto, nomeadamente na Partida (sem falar no nosso Pedro Inácio Gama), pedi autorização e aqui deixo as informações que trocámos. A minha parte está em itálico.
Relembro que a mãe de Hipólito Raposo, Maria Adelaide Gama, era natural de Janeiro de Cima.

Sou descendente dos Gama de Maxial da Ladeira e tenho estado a pesquisar sobre a família, tendo-me deparado com a história das invasões francesas. Depois de pesquisar, cheguei à conclusão que existem contradições na tradição oral que gostaria de lhe expor e confrontar com os dados que tem.

Refere que a tradição oral indica Manuel Joaquim Gama como o estratega do ataque aos franceses. Manuel Joaquim Gama nasceu em 1801 teria 10 anos em 1811, não podendo ser o estratega que a tradição oral refere. E, de facto, ele viveu em Bogas de Baixo, ao contrário dos restantes Gama, mas a sua mulher, Rosália dos Santos, era de Bogas de Baixo e a sua casa seria, provavelmente, de seus pais, a qual herdou, beneficiando Manuel Joaquim Gama, enquanto seu marido. Manuel Joaquim Gama foi o primeiro da família com esse nome, tendo havido outro, seu filho, nascido em 1835.

Mas a tradição oral refere sempre, segundo tenho lido, o nome Manuel e o apelido Gama. Essa é a única constante em todos os relatos.

Todos os Gama do Maxial descendem de Maria Martins da Gama, natural de Rochas de Cima, dos "da Gama" de Almaceda, que casou com Manoel Gonçalves Branco que adotou o apelido Gama, de sua mulher. O casal teve cinco filhos, Maria Teresa, Domingos, Ana, João e Manuel, todos nascidos entre 1752 e 1773 (aproximadamente).

Assim sendo, a tradição confrontada com os factos parece remeter-nos para Manuel Martins Gama, nascido cerca de 1773 e que teria sensivelmente 38 anos de idade na altura da batalha.  

Por alguma razão, a informação vai sendo deturpada e um Manuel Joaquim Gama, excessivamente jovem na época, passa a ser apontado no séc. XX como o "estratega".

Dizem na tradição oral que esse Manuel Gama teria tido um filho que casou em Janeiro de Cima, o que nunca aconteceu, pois todos os Gama com o nome João se casaram em Bogas de Baixo, embora um deles se tenha casado com uma mulher natural de Janeiro de Cima, precisamente o irmão de Manuel Gama. O pai de ambos, Manuel Martins Branco, nascido em 1732, seria demasiado velho para ser o "estratega", para além de que o apelido Gama que usava não era seu, como já referi, era de sua mulher.

Tenho andado a fazer o levantamento dos registos paroquiais da freguesia de São Vicente da Beira, cerca de 1800, e têm-me aparecido muitos Gamas da freguesia de Almaceda a casar na freguesia de São Vicente. Por eles já concluíra que a informação do professor Carlos Gama e que publiquei neste blogue de que todos os Gamas da região descendiam do Gama que comandara a guerrilha, casado após as Invasões, estava errada, pois encontrei Gamas de Almaceda anteriores à invasão.

Ainda estou em fase de pesquisa e à medida que for obtendo informações posso enviar-lhe, se desejar. De facto, os Gama do Maxial parecem descender todos de Maria Martins da Gama, nascida em Rochas de cima em 1733 e casada com Manoel Gonçalves Branco, natural do Maxial, nascido em 1732; este último acabaria por ser conhecido por Manoel Gama. Seriam eles os pais do Manoel Gama, que penso ter sido o estratega do Maxial.

Há uma tradição que fala em dois irmãos e de que um teria roubado as moedas de ouro ao outro. Não encontrei nenhuma evidência, tão pouco, de terem existido moedas de ouro, nem de diferenças económicas entre os Gama do Maxial. Creio que a estória foi crescendo com o tempo. Eram todos proprietários, lavradores, o que indica que seriam donos das casas onde viviam e dos campos que exploravam, sem grandes riquezas.

Para completar o quadro, há também os Gama de Janeiro de Cima, que descendem de um sobrinho de Maria, Domingos Martins Gama, que casou em Janeiro de Cima.

Todos os Gama da zona têm o mesmo tronco, que começa em Almaceda.

A ascendência de Almaceda também me intriga, porque creio ser resultante do mesmo tipo de situação da do Maxial, ou seja, um natural de Almaceda casou com uma Gama que veio de fora e criam geração. Há uma Catherina da Gama, nascida cerca de 1623, que penso estar na origem de toda a descendência Gama daquela zona. Casou com António Freire. Penso que os Gama virão ainda de outro local. Se souber da existência de "Gamas"  em regiões próximas, agradeço a sua ajuda. Parece que na zona de Amieira do Tejo, Gavião e Vale da Gama (este nome também me intriga...) há alguns. Será que existem outros mais próximo?

José Teodoro Prata

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Manifesto político

Dizer Não
Diz NÃO à liberdade que te oferecem, se ela é só a liberdade dos que ta querem oferecer. Porque a liberdade que é tua não passa pelo decreto arbitrário dos outros.
Diz NÃO à ordem das ruas, se ela é só a ordem do terror. Porque ela tem de nascer de ti, da paz da tua consciência, e não há ordem mais perfeita do que a ordem dos cemitérios.
Diz NÃO à cultura com que queiram promover-te, se a cultura for apenas um prolongamento da polícia. Porque a cultura não tem que ver com a ordem policial mas com a inteira liberdade de ti, não é um modo de se descer mas de se subir, não é um luxo de «elitismo», mas um modo de seres humano em toda a tua plenitude.
Diz NÃO até ao pão com que pretendem alimentar-te, se tiveres de pagá-lo com a renúncia de ti mesmo. Porque não há uma só forma de to negarem negando-to, mas infligindo-te como preço a tua humilhação.
Diz NÃO à justiça com que queiram redimir-te, se ela é apenas um modo de se redimir o redentor. Porque ela não passa nunca por um código, antes de passar pela certeza do que tu sabes ser justo.
Diz NÃO à verdade que te pregam, se ela é a mentira com que te ilude o pregador. Porque a verdade tem a face do Sol e não há noite nenhuma que prevaleça enfim contra ela.
Diz NÃO à unidade que te impõem, se ela é apenas essa imposição. Porque a unidade é apenas a necessidade irreprimível de nos reconhecermos irmãos.
Diz NÃO a todo o partido que te queiram pregar, se ele é apenas a promoção de uma ordem de rebanho. Porque sermos todos irmãos não é ordenanmo-nos em gado sob o comando de um pastor.
Diz NÃO ao ódio e à violência com que te queiram legitimar uma luta fratricida. Porque a justiça há-de nascer de uma consciência iluminada para a verdade e o amor, e o que se semeia no ódio é ódio até ao fim e só dá frutos de sangue.
Diz NÃO mesmo à igualdade, se ela é apenas um modo de te nivelarem pelo mais baixo e não pelo mais alto que existe também em ti. Porque ser igual na miséria e em toda a espécie de degradação não é ser promovido a homem mas despromovido a animal.
E é do NÃO ao que te limita e degrada que tu hás-de construir o SIM da tua dignidade.
Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 1'.

Nota: Este texto do Vergílio Ferreira é todo um manifesto político de uma revolução que deve começar dentro de cada um de nós, que é onde todas as revoluções têm de se fazer, mais tarde ou mais cedo. Vem na linha do existencialismo dos anos 50-70 do século passado,uma filosofia centrada no homem, em todos e cada um.
E para ouvir hoje, 25 de ABRIL, duas canções do Zeca.




José Teodoro Prata

domingo, 24 de abril de 2016

Abril

Abril de Abril

Era um Abril de amigo   Abril de trigo
Abril de trevo e trégua e vinho e húmus
Abril de novos ritmos novos rumos

Era um Abril comigo   Abril contigo
ainda só ardor e sem ardil
Abril sem adjectivo Abril de Abril

Era um Abril na praça   Abril de massas
era um Abril na rua   Abril a rodos
Abril de sol que nasce para todos

Abril de vinho e sonho em nossas taças
Era um Abril de clava  Abril em acto
Em mil novecentos e setenta e quatro

Era um Abril viril   Abril tão bravo
Abril de boca a abrir-se  Abril palavra
Esse Abril em que   Abril se libertava.

Era um Abril de clava   Abril de cravo
Abril de mão na mão e sem fantasmas
Esse Abril em que Abril floriu nas armas

Manuel Alegre


J.M.S



Outro poema de Manuel Alegre,
cantado por Adriano Correia de Oliveira

José Teodoro Prata

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Lugares com histórias

Torta com chouriça

Quando a minha irmã que no céu esteja morreu, a dona Delevina foi logo a ter com a minha mãe para me deixar ir para o lugar dela.
- Eh minha senhora, não me leve a mal, mas a cachopinha é tão relezita! Deixe-a lá medrar mais alguma coisa, que Deus ainda agora me levou uma; não quero que esta me abale também.
- Não te preocupes que o trabalho não a há de matar! É só para ir à fonte e fazer os recados, que a Antónia já está velha. E sempre ficas com menos uma boca lá em casa.
Ao princípio não tive razões de queixa, mas passado pouco tempo, em vez de acartar água e fazer recados, tinha que esfregar o chão, lavar a roupa, passar a ferro; era o dia todo numa fona. E, quando me mandavam à loja a comprar alguma coisa, encomendavam-me logo o sermão:
- Olha que tu vai num pé e vem no outro; não fiques por lá na calhandrice com as outras!
A inveja que eu tinha quando passava na Praça e via as cachopitas da minha idade a jogar ao paspelho ou à pela!
Depois a dona Delevina adoeceu e ficou de cama, e fui também eu que tive que tratar dela. Quando a estava a lavar, não se calava:
- Ó rapariga, olha que tu fecha-me bem esses os olhos, que vais para o inferno se me vês o corpo!
Mas, não sei se era o diabo a atentar-me, quanto mais ela clamava, mais eu olhava, curiosa, porque nunca tinha visto um corpo de mulher feita todo encarapato. Um dia, na minha inocência, perguntei à minha mãe se a doença da senhora era terem-lhe nascido pêlos no corpo, e se aquilo se pegava.
- As coisas que esta mulher diz! Tu vê mas é se tens tino e nem abras a boca para ninguém, que até é pecado falar nessas coisas.
A partir daí achei que, se queria ir para o Céu, o remédio que tinha era andar de olhos fechados e boca calada, por isso nunca mais falei no assunto e só abria uma fisga dos olhos quando estava a tratar da senhora. Mas durante muito tempo não me saía da cabeça se aquela doença seria pegadiça, que tinha medo de ficar assim como ela, cheia de pêlos.
O pior daquela casa nem era o trabalho, era a miséria que se lá passava. De manhã só me davam uma malga de café negro com um bocado de pão com azeitonas; ao jantar era umas batatas estremes, só com um fio de azeite por cima; à ceia uma malga de caldo de feijão pequeno com couves. E era todos os dias a mesma coisa. Sem ser aos domingos ou dias de festa, raramente havia um bocadinho de conduto, numa casa tão farta de tudo: bons queijos de ovelha metidos naqueles grandes potes; boas chouriças e presuntos; ovos; azeite; vinho… Tudo quanto era bom, mas só para as visitas, que não saíam lá de casa… Tudo gente rica.
Quando a patroa, morreu quem ficou a tomar conta da casa foi a governanta. Já era velha, sempre a mancar duma perna e mouca que nem uma porta. Uma mãos de fome que ninguém calcula. Até parece que estou a vê-la, de saias rabudas, sempre com um molho de chaves preso à cintura, por cima do avental. À noite, quando ia para a cama, punha-as dentro dum açafate, em cima da banca de cabeceira, não fosse alguém pegar nelas.
Às vezes iam lá os pobres a bater à porta, a pedir esmola. Assim que os sentia, berrava-me lá para a cozinha:
- Ó Maria, olha que tu dá só azeite do velho ou do frito!
Mas eu, sempre que podia, pegava na amotolia às escondidas e dava era do bom, que tinham lá muito, e os pobres também são filhos de Deus; são ou não são?
Uma vez, só porque me viu a riscar dois fósforos para acender o lume, fartou-se de me chamar desgovernada, e que se fosse assim quando me casasse, havia de ser uma miserável. Eu só lhe respondi:
- Como é que quer que ateie o lume se a carqueja está toda verde? Amanhã acenda-o vossemecê, a ver se é capaz!
Ela ficou tão danada comigo que se me agarrou ao pescoço com tanta força que me ia atafegando. Estive mesmo para sair porta fora, mas tive medo que quando chegasse a casa a minha mãe me desse uma sova, e deixei-me ficar.
Às vezes ia lá a dormir comigo uma irmã minha. Um dia, chega lá ela e diz-me assim:
- Ai, irmã, venho cá mais desconsolada…
- Olha, dá cá a mão…
- Atão o que é que foi hoje a ceia?
- O que é que havia de ser? O mesmo de sempre.
- Com tanta coisa boa que há nesta casa e esta unhas de fome só te dá caldo?! Deixa-a estar que a gente já a coça!
Ficámos à espera que fosse para a cama e, assim que a ouvimos a ressonar, entrei no quarto, devagarinho, e fui direita ao açafate das chaves. Ela, mouca como era, nem se mexeu. Depois fomos à loja, pegámos nuns poucos de ovos, numa chouriça e numa medida de vinho, e voltámos para a cozinha. Batemos os ovos bem batidinhos, migámos a chouriça e fizemos uma torta. Ficou cá uma tora, mas demos cabo dela toda! No fim, até nos lambemos! Ainda por cima com um copinho de vinho para cada uma, foi como se estivéssemos a comer a melhor coisa do mundo!
E a ti Tonha, na cama, a ressonar; nem o cheiro a acordou. E nós, essa noite, também dormimos mais regaladinhas…   


M. L. Ferreira

terça-feira, 19 de abril de 2016

A verdade

A verdade para mim
Pode ser para ti ou não
Depende da ocasião
Pode ser; assim, assim

A minha verdade pode ser
A verdade verdadeira
Ou uma verdade trapaceira
Depende de quem nela crer

Afinal quem terá razão?
A minha verdade é real
A tua também tem moral
Aceitemos as duas, irmão

A minha religião
Não é melhor, nem pior
Nem a tua é a maior
Aceitemo-las como são

A amizade e a fraternidade
Só se conseguem com amor,
É ele o grande motor
Da nossa sociedade

Onde está a verdade afinal?
Ninguém sabe certamente
Porque a minha é diferente.
Mas é ela a mola real

Seja em Portugal
Ou noutro local
A verdade total
Não existe, ponto final


Zé da Villa

domingo, 17 de abril de 2016

Arco-íris


A primavera vai boa para eles.
Este é de ontem e estava a beber na barragem de Santa Águeda.
Hoje certamente a Santa Bárbara já ajudou a fazer outros.
Deve ter caído uma pancada de água à hora do almoço/missa, mas de resto a santa está a ajudar à festa (Talvez exceto à festa religiosa, pois se a missa foi ao meio dia/uma hora não houve procissão; 
mas isso a Libânia contará.)

José Teodoro Prata