sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Vir às Festas

É madrugada, o sol ainda não nasceu e saímos de casa. Temos uma longa viagem pela frente até São Vicente da Beira para umas merecidas férias em família. Ele leva a filha ao colo que ainda só conta um aninho, mais a mala de viagem com roupa para quatro. Eu levo o bebé, com três meses, na alcofinha. Vai pela primeira vez conhecer as terras dos avós.
Após uma hora de autocarro, chegamos à estação de Sta. Apolónia. O tempo urgia, grande azáfama de gente com a sua bagagem passando apressadamente de um lado para o outro ao som do ruído dos comboios.
Diz-me ele:
- Vai andando para o comboio que eu vou comprar os bilhetes.
Eu assim fiz. Arranjei um lugar confortável e pus-me à janela à espera, ansiosa que ele chegasse com a nossa menina que parecia, como me disseram na maternidade, um “repolhinho”.
Passado um pouco, ele chega ao cais esbaforido. O comboio está prestes a partir. Olho pela janela e começo a acenar: “Estou aqui!”
Ele olha com algum espanto e exclama:
- Não vês que essa carruagem é de primeira classe? Passa para a carruagem ao lado!
“Primeira classe?”, pensei, admirada. Eu, que nunca concordei com estas divisões entre classes, não tinha sequer reparado e entrei na primeira porta que me pareceu melhor.
Assim, vendo-o a reclamar, decidi “É melhor ir para ao pé dele…”
Peguei na alcofa e lá fui apressada. Como as portas das carruagens eram ao lado uma da outra, eu desço da minha e num saltinho me ponho na outra, pensei.
Desci para o cais e neste preciso instante senti o comboio a começar a andar, mas esperei um momento… “Não é seguro com o bebé subir assim… o maquinista certamente vai ver que eu estou para subir e vai esperar…”. Hesitei, mas o comboio começou a andar cada vez mais rápido… fiquei atónita a ver as carruagens a deslizarem à minha frente. “Não pode ser! Isto não me está a acontecer!”
Mas estava, e lá fiquei eu no cais da estação, vazio e imenso, a olhar para o comboio cada vez mais pequenino a desaparecer ao longe, levando os meus mais que tudo… e eu só, com o meu bebé.
Caí em mim e pensei em voltar para casa. Mas não tinha um centavo, ele é que levava a carteira (eu não precisava). Tinha que pedir ajuda, não havia outra hipótese.
No comboio, ele tinha instalado a filha confortavelmente no assento e arrumado a mala. Decidiu então, dada a demora, ir ter comigo e lá passou pela ligação das carruagens. Quando chegou ao local onde eu supostamente deveria estar e não nos viu, perguntou às pessoas que ali se encontravam:
- Não viram aqui uma senhora com um bebé?
Ao que estas lhe responderam:
- Vimos sim, mas a sua mulher ficou na estação…
- O quê?
- Sim, ela saiu do comboio e ficou na estação. – confirmaram os passageiros. Ele não queria acreditar!
Dirigi-me às bilheteiras onde estava um funcionário e começo a contar-lhe a minha história: que o meu marido seguiu no comboio com a minha filha e eu fiquei em terra com o bebé e não tenho dinheiro para voltar para casa ou comprar outro bilhete. As lágrimas começaram a correr-me pela cara e a soluçar, completamente desesperada.
O senhor sorriu e disse-me para me acalmar que tudo se iria resolver. Fez um telefonema e depois disse:
- Você irá no comboio regional que para em todas as estações, até Santarém, onde estará o seu marido à sua espera.
Ouvindo isto, o meu coração sossegou. Instalei-me mais tarde no comboio onde o senhor me levou, sentei-me e amamentei o bebé que depois destas horas todas já reclamava e com razão.
Comentei a minha história com os outros passageiros que estranharam ver uma mãe tão jovem assim sozinha com um bebé. Uma senhora ao lado perguntou:
- Então e a senhora não podia ir para casa?
Expliquei-lhe que não, pois ele é que levava os bilhetes e o dinheiro.
- Ora veja lá vossemecê! – respondeu muito admirada. Não sei o que ela terá pensado…
Um senhor insistiu em dar-me dinheiro “para desenrascar”, mas disse-lhe que não era preciso, pois o meu marido estaria à minha espera na estação de Santarém.
Ao fim de um longo tempo de viajem, chegámos a Santarém. Senti-me aliviada, mas com algum receio… Imagino-o zangado e ainda levo um raspanete.
Aproximo-me da porta e lá vem ele com a menina e a mala. Ao ver-me, sorri e diz-me:
-Até que em fim, mulher, que já te encontrei!
E lá seguimos viagem até ao Entroncamento, onde esperámos mais algum tempo pelo comboio seguinte, numa sala cheia de gente e com muito calor. Chegámos só à tardinha a Castelo Branco. Depois ainda fizemos mais uma longa viagem até São Vicente da Beira.
Era assim naquele tempo, em que ainda nem todos tinham carro e não havia telemóveis, que se viviam as histórias que ficam para mais tarde contar e recordar.

Tina Teodoro

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Jerónimo, o viking


Ator português segue as pisadas de Daniela Ruah e Diogo Morgado e integra elenco da quinta temporada da série 'Vikings'. Albano Jerónimo já gravou os três episódios, que serão exibidos no próximo ano nos EUA
Vikings, coprodução irlandesa e canadiana, conta com um português na quinta temporada, que deverá estrear-se no início de 2017 nos Estados Unidos. Albano Jerónimo já gravou os três episódios da série histórica, protagonizada por Travis Fimmel.
O ator português de 37 anos conseguiu o papel através do programa Passaporte, promovido pela Academia Portuguesa de Cinema. Albano Jerónimo, que está atualmente no ar na novela da TVI Santa Bárbara, foi escolhido para participar em três episódios da aclamada série de ficção, produzida pelo canal História, e que é exibida em Portugal no canal MOV.
A primeira metade da quarta temporada de Vikings foi exibida este ano nos Estados Unidos, estando previsto que os restantes episódios estreiem antes do fim do ano. Em Portugal, a terceira temporada da série inspirada na mitologia nórdica foi exibida no final do ano passado no canal MOV, não estando ainda prevista uma data de estreia para a quarta temporada.

Diário de Notícias online
José Teodoro Prata

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

O nosso falar: correduras

É uma palavra de antigamente, do direito costumeiro (consuetudinário).
Tem a ver com as regas, através de levadas. Abriam-se as presas ou as minas e a levada enchia-se de água que galgava a distância até ao renovo sequioso. Depois a presa ou a mina esvaziava-se e a água enfraquecia na levada e a que chegava às hortas já não corria na terra, não dava para regar. A esta água que ainda corre na levada, mas já é tão pouca que ao chegar ao terreno agrícola não dá para regar chamávamos correduras. Eram as rabeiras que ficavam na levada.
E o direito consuetudinário é que qualquer pessoa tinha direito a cortar estas correduras para uma terra ou represa que tivesse junto à levada. Isto nas regueiras ou levadas de muitos metros e até quilómetros, que atravessavam propriedades de outros donos que não o daquela água, como as que tínhamos nas encostas da Gardunha. Agora, só tubos de plástico ou já nem isso.
Segundo a minha mãe, as hortas entre os Carquejais e o Pinheiro eram regadas com as correduras da regadia do Ribeiro de Dom Bento, armazenadas numa presa que lá havia. Isto antes da regadia ter sido canalizada para o tanque que fizeram nos Carquejais, nos anos 70.

José Teodoro Prata

domingo, 11 de setembro de 2016

Como se fazia um nobre

Aprendemos na escola que os nossos reis fundadores conquistaram o centro e sul aos mouros e depois doavam as terras a quem se distinguia no campo de batalha. Muitos pequenos nobres do norte tornaram-se assim grandes possuidores de terras e por consequência ricos e poderosos e por consequência ocuparam importantes cargos e por consequência ascenderam à média ou alta nobreza.
Alguns vilãos tornaram-se nobres, pois conseguiram tornar-se médios/grandes proprietários e por isso tornaram-se homens-bons, a elite dos concelhos. E como, na crise de 1383-85, souberam escolher o lado certo da História e lutar, em Aljubarrota, ao lado do Mestre de Avis, receberam de D. João I títulos de nobreza.
Havia outras formas de uma pessoa se tornar importante, mas quase todas passavam pela posse da terra, pois ter propriedades era ter poder sobre os vilãos que ali viviam, fazendo-lhes justiça, protegendo-os e comandando-os na guerra e cobrando-lhes impostos, tudo em nome do rei.
E foi assim ao longo dos tempos.
Peço-vos que leiam o documento que se segue e no final voltamos a conversar.


Em os dezoito dias do mês de agosto da era de mil setecentos e quarenta anos, faleceu da vida presente com todos os sacramentos, o padre Domingos Dias Martins deste lugar de Tinalhas, e fez testamento…
…Mais disse ele testador que deixava como seu testamenteiro e universal herdeiro o seu sobrinho e afilhado, o Alferes Theodoro Faustino Dias e por seu trabalho lhe instituía um morgado ou capela nas peças seguintes:

- Primeiramente umas casas que tem defronte da Igreja neste dito lugar com todos os seus quintais e serventias que lhe pertencem, que partem de uma banda com casas de Manoel Duarte Vincente deste dito lugar, e com estrada do concelho.
- Mais um lagar de vinho que está detrás das ditas casas que foi de Manoel Vas Duarte.
- Mais uma quinta que está aonde chamam o Ribeiro detrás da capela do Divino Espírito Santo, com sua casa e o mais que lhe pertence, que parte com herdeiros de Maria Agostinha e com estrada do concelho.
- Mais uma terra ao Ocreza, aonde chamam as Casas do Leitão, limite de São Vicente, que parte com a mesma Ocreza e com terra de Jorge Lourenço deste dito lugar.
- Mais uma terra com seu olival aonde chamam Vale Coelheiro, limite do lugar da Póvoa, que parte com herdeiros de Maria Agostinha deste dito lugar.
- Mais uma vinha aonde chamam o Vale do Feixe, limite deste dito lugar, e duas terras junto à mesma vinha, uma da parte do poente e outra da parte do nascente, com tudo o que lhe pertence; e vinha e terras que partem com Matheus Fernandes da Póvoa e com Manoel Simão do Cabo deste lugar.
- Mais uma tapada junto à mesma vinha, a qual foi de Domingos Dias de Amaral, a qual tapada anda em litígio no tribunal (…), a qual parte com Manoel Affonço Delgado e com herdeiros de Domingos Fernandes Ratto, ambos deste lugar.
- Mais uma terra ao Vale do Monte, limite do lugar da Póvoa, testa com herdeiros de Maria Gomes deste lugar.

Este Teodoro Faustino Dias estava casado com Maria Cabral de Pina do Violeiro, irmã dos Cabral de Pina que viviam em São Vicente (3 padres e 2 irmãs solteiras). A mulher morreu-lhe cedo, assim como 2 dos 4 filhos, e ele tornou-se sacerdote. Dos dois filhos, o rapaz foi jesuíta. A filha Eusébia casou bem, a neta Joana ainda melhor, de forma que o bisneto José (o da foto do fundo da publicação anterior) se tornou fidalgo e o rei D. Luís o fez visconde.
Porquê? Porque este José seria pessoa de qualidade, mas sobretudo porque os seus antepassados, através de uma inteligente política de casamentos, tinham acumulado uma grande soma de propriedades que o tornaram rico e importante.
E porquê Visconde de Tinalhas, se as propriedades se espalhavam por toda a região (Violeiro, São Vicente, Soalheira...)? Porque ali tinha residência (entre várias) e sobretudo ali se situava o morgado que o Pe. Domingos Dias Martins instituíra ao sobrinho Teodoro Faustino Dias, o núcleo duro da riqueza desta família.
É que estas terras do morgado não se podiam doar, nem dividir, e tinham de ser herdadas pelo filho mais velho macho e só não havendo machos é que herdava a fêmea mais velha. E o herdeiro tinha de casar com alguém aceite pelos pais e ser de boa raça (não podia ser judeu/cristão-novo).
E porquê chamar-se também capela a este conjunto de propriedades? Porque quem herdasse o morgado tinha a obrigação anual e perpétua de mandar rezar 6 missas por alma do instituidor e de seus parentes.
Era assim, naquele tempo...

Nota: Reparem que o solar do 1.º visconde de Tinalhas se situava (situa ainda, embora já degradado - é o solar da notícia anterior) no sítio de umas casas que o seu bisavô Teodoro Faustino Dias herdou do Pe. Domingos Dias Martins.

José Teodoro Prata

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Praças

Numa discussão entre uma sanvicentina e uma tinalhense, cada qual defendia com unhas e dentes os pergaminhos do respetivo berço. Uma porque São Vicente até tinha tido a Casa da Câmara; a outra porque sim senhora, mas também lá tinham tido a Casa da Malta. A de cá porque não havia como a Senhora da Orada; a outra porque havia lá santa mais linda que a Rainha Santa Isabel! E casas antigas? E gente importante? E histórias? Um nunca mais acabar, dum lado e do outro.
Ao fim de algum tempo, a nossa baixou um pouco o fervor com que defendia São Vicente, até porque, em boa verdade, reconhecia em Tinalhas uma das aldeias mais bonitas das redondezas.
- Mas não têm é uma Praça tão linda como a nossa! – foi o último argumento da de cá.
- E onde é que os de São Vicente alguma vez tiveram uma praça como a que nós cá tínhamos antigamente? Olhe, vendia-se lá de tudo: hortaliças e frutas de toda a qualidade; carne, vinho, azeite, leite de cabra e de vaca, que até nos perguntavam logo de qual é que queríamos; queijos frescos e curados… Neste tempo as melancias eram tão grandes que era preciso os braços de um homem para as abraçar. Era uma fartura de tudo! Vinha gente de todo o lado a abastecer-se e todos os dias ia uma carroça cheia a vender na praça de Castelo Branco.
Era além, onde está aquele portão grande. É uma pena é agora estar naquele estado, mas o que é que se há de fazer? Naquele tempo dava trabalho a muita gente. Entre pastores, criados de fora e de dentro, pessoal que vinha só no tempo da azeitona, da monda ou das ceifas, era uma tormenta de gente. Mas agora já ninguém quer saber da terra e está tudo ao abandono…




Painéis de azulejos que ladeiam o portão da Casa Agrícola de Tinalhas. Verdadeiros os dizeres do segundo painel e, não fosse a imagem da criança a guiar a charrua e a miséria em que viviam os trabalhadores agrícolas, apesar de trabalharem como escravos, até apetecia dizer que naquele tempo é que era…


Retrato do 1.º Visconde de Tinalhas, José Coutinho Barriga da Silveira Castro da Câmara, pai de Tomás Aquino Coutinho Barriga da Silveira Castro e Câmara, que foi presidente da Câmara de São Vicente da Beira e protagonista da história “Um herdeiro”, aqui publicada em dezembro passado.


M. L. Ferreira

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Curiosidades históricas

Pedro era o único filho varão de D. João de Almeida Portugal, 2.º Marquês de Alorna.
Pedro José de Almeida Portugal, 3.º Marquês de Alorna, descendente dos Távoras, casou em Lisboa, na Encarnação, em 19-02-1782, com Henriqueta Julia Gabriela da Cunha (1787-1829), filha mais velha do 6.º Conde de São Vicente da Beira, Manuel José Carlos da Cunha e Távora e de Luísa Caetana de Lorena.

É tradição que, quando as tropas de Junot estavam à entrada da subida da serra, o povo de S. Vicente dirigiu-se em massa à Igreja da Misericórdia, fazendo preces para que as tropas invasoras não entrassem. Ao mesmo tempo a imagem do Senhor cobria-se de suores e um nevoeiro cerrado impediu a entrada do exército francês. Então, cheio de reconhecimento e veneração, o povo prometeu fazer uma festa ao Senhor Santo Cristo, que reúne povo de todas as aldeias circunvizinhas. E à noite, no arraial, nenhuma rapariga de S. Vicente dança, porque a Igreja lho proibe, e assim tirava todo o carácter religioso à festa.
VASCONCELLOS, J. Leite, Contos Populares e Lendas II, Coimbra, por ordem da universidade, 1966 , p. 721

Jaime Gama

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

O nosso falar: restolhada

O restolho sabemos o que é: parte inferior dos cereais que fica depois da ceifa.
Restolhada pode ter um sentido coletivo, pois designa o conjunto de todo o restolho. Também se refere às espigas que caem e ficam no meio do restolho. Mais habitualmente, designa um barulho idêntico a passos a atravessar uma seara ou o restolho.
Um dia ao fim da tarde, parti para o Alentejo com o meu cunhado Joaquim Teodoro. Íamos carregar um camião de fardos de palha.
Chegámos ao campo já de noite, comemos qualquer coisa e estendemo-nos em cima de uma manta, junto ao tronco de uma azinheira, à espera da claridade do amanhecer.
Esse é um outro significado de restolhada: conjunto de pessoas a dormir no chão. O termo terá tido origem nas ceifas, pois era assim que se dormia nos campos. Por outro lado, dormir no campo, no chão, em cima de umas mantas, era habitual nos nossos antigos, desde que o tempo estivesse seco. E com um pouco de palha por baixo ficava melhor. Também nas festas familiares, vinham parentes de longe e era necessário acomodá-los. Então estendiam-se umas mantas no chão de sobrado ou até no térreo da loja e por umas noites desenrascava. Era uma restolhada de gente!

José Teodoro Prata