quarta-feira, 22 de março de 2017

Piscina, 1973

O Sr. Ministro da Educação Nacional concedeu um subsídio para a Piscina de São Vicente da Beira

Sua Ex.ª o Sr. Ministro da Educação Nacional exarou um despacho para concessão dum subsidio destinado à construção da Piscina em São Vicente da Beira. Ainda não sabemos ao certo qual o quantitativo da comparticipação inicial do Ministério Nacional da Educação, o que esperamos venha a concretizar-se dentro de pouco tempo. A Piscina enquadrada no futuro Parque Infantil e de juventude, está orçada em cerca de 600 contos. O Ilustre Ministro da Educação Nacional, Professor Dr. Veiga Simão, recebeu com agrado a petição feita por intermédio do Ex.º Presidente da Câmara Municipal a que deu deferimento imediato para a concessão de subsídio pelo mesmo Ministério.
A Vila de são Vicente da beira está naturalmente grata a S. Ex.ª e pede o máximo de generosidade para que tal obra seja em breve uma realidade nesta terra. As crianças e juventude, sobretudo, saberão ser igualmente gratas ao Governo da Nação perante uma Obra que virá trazer-lhes imensos benefícios à sua constituição física e moral.
O Pároco, promotor desta iniciativa está profundamente reconhecido ao senhor Ministro da Educação a quem saúda respeitosamente.

-           QUE FAZES AQUI?
-           ESTOU À ESPERA…

MAS MEU MENINO E VÓS OUTRO, QUEREIS SABER O QUE JÁ CHEGOU DE MUITO AMOR POR VÓS? ORA VÊDE:
O Senhor Ministro da Educação Nacional atendeu o nosso pedido e vai dar-nos uma ajuda substancial. Ele quer que os meninos das escolas aprendam natação. É vosso amigo. Temos também dum Senhor Doutor Holandez que nos tem ajudado muito, é o Sr, Dr. Hendrik de Rook. Pois este nosso querido benfeitor enviou-me 10 000$00 para a vossa Piscina. Deveis estar-lhe muito gratos e deveis rezar por ele para que tenha muita saúde a fim de vos dar ainda mais, que tem um coração muito generoso.
Mas os vossos amigos são muito, rezai por todos.
Se não vede:
Uma pessoa anónima: 1 000$00; mais do Sr. Afonso Costa (de Moçambique) com uma carta muito linda: 150$00; Da França do Sr. Albertino Duarte Martins: 50$00; da Sra. Aldina de Vires Caldeira: 2 000$00; e que nunca as mão lhe doam. Mas esta senhora entregou-nos mais 1 000$00; dos Srs. Gonçalves de Azevedo que estiveram de visita em sua casa. O Sr. Alípio Bau veio com uma nota de 50$00. O Sr. António de Jesus Candeias deu 50$00, o Sr. António de Jesus Craveiro 50$00, um anónimo com a mesma quantia de 50$00, é de Castelo Branco. Por mão própria o Sr. António Teixeira Governo: 100$00 e de igual forma e nota igual o Sr. António Prata Rodrigues Inês, o Sr. Adão Boaventura Caldas Costa: 50$00, o Sr. Domingos José Pedro: 150$00, que nos fez uma visita; o Sr. Domingos Candeias: 20$00; Sr. Francisco da C. Pereira de frança, 100400; de Angola uma carta e 500$00 do Sr. Francisco Duarte Leitão; Sr. Francisco Eduardo Candeias de Castelo Branco: 100$00; Sr. Francisco José Bau, mandou o seu filho visitar a sua terra, o que ele admirou e deixou 50$00. Mais 75$00 do Sr. Francisco Moreira Nicolau. Vieram apresentar-nos cumprimentos a família do Sr. Francisco Miguel que nos entregou 50$00; Sr. Francisco Nicolau do Rio deixou 20$00; Sr. Herminio de Matos Fialho entregou-nos pessoalmente 100$00 e de igual modo fez o Sr. Jaime Pedro, 100$00. O Sr. João da Conceição e Silva que muito sabiamente escreveu para o nosso <>, nunca esqueceu a terra do seu pai e que frequentou quando pequeno, pois aqui, está ele a ajudar os pequeninos com 1 000$00. O Sr. João Freixo Boavida, da Caparica 200$00 e mais 100$00 do Sr. João Fernandes, 100$00 do Sr. Joaquim Ambrósio (França), e também do Sr. Joaquim dos Anjos Candeias (Alemanha). O Sr. Joaquim dos Santos Caio (Lisboa), pelos seus netinhos Tiago e Melissa, 200$00, o Sr. Joaquim dos Santos Craveiro, 100$00. O Sr. Governador de Niassa, Moçambique, Sr. Coronel Guardado Moreira enviou-nos 1 000$00, o Sr. José Maria Gama com 100$00, o Sr. José Maria Lino: 50$00 e Sr. José Maria Patrício, também 50$00, mais 100$00 do Sr. José Martins e 200$00 da Sra. Laurentina Gama (Angola) e ainda 200$00 da Sra. D. Lúcia M. Lopes Agostinho, o Sr. Luís Martins que está na Bélgica deu-nos 50$00.
Tivemos muita satisfação em cumprimentarmos o amigo Sr. Manuel Marques dos santos que faz vida em Alcobaça e veio matar saudades a esta sua terra que já não via há largos anos, ele deixou-nos 100$00, também o Sr. Manuel Martins Paiágua, esteve connosco e ficaram por sua vontade, 200$00, mas há mais: Sra. D. Bárbara Marques Jerónimo, que nos visitou com o marido e filhinhos, vindos de França cá nos deixou 250$00. A Sra. D. Maria Emília Patrício de Lisboa também nos visitou e ofereceu 100$00 e a D. Maria do Carmo Cardoso entregou-nos 50$00, a Sra. D. Maria Fernanda Marcelino que está na Alemanha: 100$00, ainda 50$00 da Sra. D. Maria de Jesus Sousa Campos e mais 100$00 da Sra. D. Maria de Lurdes Cardoso de Lisboa. Entregaram-nos 50$00 a Sra. D. Maria Madalena Candeias Moreira, 200$00, o Sr. António Pereira que trabalha na Bélgica e 50$00 por portador a Sra. D. Maria Rosa Vitório. A Sra. Maria Teresa Craveiro Santos Nicolau enviou-nos do Brasil a linda conta de 1 000$00. Temos oferta de 20 francos do Sr. António Martins Lino, 100$00 do Sr. Miguel Hipólito Jerónimo e 120$00 do Sr. Lino Martins que nos visitou pessoalmente quando veio a Portugal. E a coisa por agora está quase a terminar.
São 100$00 do Sr. Anselmo Pereira, uma entrega pessoal de 500$00 da Sra. D. Maria Cunha Pignatelli Fonseca e mais 150$00 do Sr. José dos Santos Prata (França) que com a sua família nos fez uma visita ao nosso cartório. Para já é tudo, resta-nos prestar homenagem sincera a estes construtores dum São Vicente mais belo. Estou contente porque estais comigo. Um grande abraço do Pároco Amigo, muito reconhecido.


Do “Pelourinho”, dezembro de 1973
Jaime Gama

segunda-feira, 20 de março de 2017

Obras na casa Hipólito Raposo


As obras prosseguem a bom ritmo, no futuro museu de arte sacra.
Mau é não haver um projeto que tenha sido discutido pela população.
Espero ao menos que as entidades religiosas (Fábrica da Igreja, Mesa da Santa Casa e Confraria da Ordem Terceira) tenham sido consultadas.
Se a comunidade for envolvida, o museu será muito melhor 
(ou pelo menos será sentido como tal e isso é fundamental).
"De iluminados está o inferno cheio"

José Teodoro Prata

domingo, 19 de março de 2017

Rock n roll

A comunicação social diz-me que morreu o rei e eu nem o conhecia...
De facto, era grande!


CRÓNICA
Morreu o inventor
Mesmo na morte Chuck Berry foi roubado. Chuck Berry inventou a música rock. Não foi só o rock and roll. Ele inventou a maneira rock de tocar guitarra. Foi o guitarrista mais inovador e talentoso de toda a música popular do século XX.
Foi um letrista exímio que escrevia letras que confundiam o sexo com a música. Foi um intérprete e um showman verdadeiramente espectacular. Vê-lo tocar, cantar e dançar é deslumbrante, como ver Fred Astaire a namorar uma guitarra, enquanto seduz o público de um teatro cheio.
John Lennon e Keith Richard sabiam que eram boas imitações de Chuck Berry. A música de Chuck Berry deu vida à música deles. Richards conta que uma vez atreveu-se a pegar na guitarra dele, só para ver como era. Berry apanhou-o e desancou-o. Com razão, acrescentou Richards.
Poder ver Chuck Berry em palco, para além de poder ouvi-lo, é uma experiência avassaladora. Ele incorpora as respostas do público na actuação, como se fosse um instrumento musical.
Entre 1955 e 1960 Berry escreveu, cantou, tocou e produziu obras-primas como Johnny B Goode, You never can tell, Maybelline, Rock and roll music e Sweet little sixteen. Inventou o rock and roll vez após vez, após vez. E, no entanto, na versão racista e mentirosa da história da música popular, de quem se fala é do palerma do Bill Haley...
É triste, mas é verdade: a maioria das pessoas conheceu Chuck Berry em 1963, quando ouviu a versão de Roll over Beethoven dos Beatles. Qual é a desculpa de quem ainda não o conhece?


Miguel Esteves Cardoso, jornal PÚBLICO

José Teodoro Prata

sábado, 18 de março de 2017

As manobras militares de 1943

Encontrei, na internet, um estudo sobre estas manobras militares. Como se trata de um aspeto da nossa história local e nacional pouco ou nada conhecido, deixo aqui alguns trechos, para percebê-las melhor. Ver estudo completo em:

UM EXEMPLO HISTÓRICO RECENTE DA IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA DA REGIÃO SANTARÉM - LISBOA - ALCÁCER DO SAL: AS MANOBRAS DE 1943

Carlos Gomes Bessa, Coronel, da Academia Portuguesa da História

Mais de quatro anos haviam decorrido desde que a II Guerra Mundial eclodira em consequência da invasão da Polónia pelas tropas alemãs, em 1 de Setembro de 1939.
No dia 5 de Outubro de 1943, na região Santarém - Lisboa - Alcácer, iniciou-se a concentração de tropas convocadas para Manobras. Os efectivos eram de cerca de 80 000 homens, segundo o General Ernesto Machado, os maiores até em data reunidos alguma vez em Portugal para tal fim.
Integravam-se num Corpo de Exército a três Divisões: a 1.ª Divisão instalada a Norte e a 2.ª a Sul do Tejo; a 3.ª Divisão estava colocada em 2. º escalão e o Quartel General e as tropas de Corpo dispunham-se também a Norte do Tejo.
A Directiva do Corpo de Exército definia como objectivo final da instrução das Manobras «a preparação técnica com táctica das Divisões para campanha». Dois pontos importa ressaltar nesta Directiva:
- a urgência exigida quanto a conseguir-se a prontidão das tropas para o combate, considerado como uma possível eventualidade;
- em consequência, a necessidade de o aperfeiçoamento na instrução técnica do avultado e excelente material moderno de diversa natureza, recebido já no local das manobras para completar o armamento e equipamento das tropas.
(…)
Pela importância que veio a ter, merece referência particular a designada Missão Borros Rodrigues, chegada a Londres, por convite da Inglaterra, a 20 de Fevereiro de 1941.
Nos contactos iniciais pretendiam os ingleses que a sua acção, no caso de um ataque a Portugal, deveria ser ditada pelas circunstâncias de ocasião. A esta tese se opôs com firmeza o Chefe da Missão, Coronel Barros Rodrigues, alegando que, se a Inglaterra não tivesse um plano onde se considerasse o seu auxílio possível, o Estado-Maior português não poderia, por seu lado, estabelecer um plano de resistência.
Tal firmeza originou uma alteração profunda da atitude dos ingleses, a ponto de os mesmos passarem a encarar a hipótese de auxílio em pessoal e material, embora sem o poderem prometer definitivamente.
Receavam a nossa fraca capacidade de resistência, pela deficiente instrução militar e organização defensiva. O elemento essencial da defesa do País teria de ser a própria preparação nacional para a guerra que nenhum estranho podia substituir nos primeiros dias. Na hipótese mais favorável, durante 16 a 30 dias a responsabilidade da defesa teria de ser inteiramente portuguesa e, com a melhor boa vontade, só ao fim de 2 meses, contados da partida do primeiro contingente, poderia um exército aliado estar a bater-se ao lado do nosso, e não seria ainda poderoso.
Quanto a um ataque a Portugal, os ingleses calculavam só ser possível ao fim de um mês, contado do dia em que as primeiras tropas alemãs atravessassem os Pirinéus, embora se tomassem possíveis antes ataques não pesados.
O Estado-Maior inglês era concordante quanto à linha de defesa de Portugal se situar apenas à roda de Lisboa, dada a nossa fraqueza militar, isto é, que se concentrasse na região Santarém-Lisboa-Alcácer, ou seja, a que veio a constituir a zona de acção do Corpo de Exército nas Manobras de 1943.
Terminaram as conversações sem compromissos mútuos, mas os portugueses passaram depois delas a poder organizar os seus planos a partir de duas premissas essenciais: a da manutenção do domínio inglês no Atlântico Oriental e a da existência de uma zona de resistência à volta de Lisboa, tornada objectivo principal e decisivo a defender a todo o custo. Para o resto do País organizar-se-ia um plano de destruições, com a finalidade de demorar o avanço do inimiga e dificultar o seu reabastecimento, e outro de evacuação das populações e dos seus haveres e a do próprio Governo, cuja transferência para os Açores se admitia como hipótese.
(…)
No ano de 1943, a importância estratégica dos Açores havia aumentado em consequência de a guerra submarina se ter desviado do Atlântico Norte para a área do Arquipélago. Churchill considerava que uma escala apoiada neles permitiria economizar um milhão de toneladas de mercadorias e vários milhares de vidas humanas por ano. O empenhamento alemão a Leste levou a que se atenuasse a ameaça terrestre para Portugal pendente sobre o território continental. Os riscos e ameaças maiores passaram desde então a pairar sobre os Açores, provenientes sobretudo dos Aliados.
Em Março desse ano, na Conferência de Casablanca e, em Maio, na de Washington, conhecida também pelo nome de código Tridente, Roosevelt e Churchill acordaram em colocar Portugal perante o facto consumado da ocupação dos Açores. De Londres, Eden e Atlee discordaram aberta e vigorosamente. Deveria praticar-se primeiro uma acção diplomática em Lisboa. O Embaixador Camphell apoiava sem reservas esta orientação. Churchill não acreditava que a diligência resultasse. Mas foi aceite e prevaleceu o ponto de vista, embora os Estados-Unidos devessem planear a ocupação militar dos Açores, para o caso de as diligências virem a falhar. A essa operação anglo-americana foi dado o nome de código Lifebelt, e depois Bracken. O primeiro nome, cuja tradução é «cinto de salvação», dá bem ideia da importância atribuída pelos Aliados às facilidades nos Açores.
Em 18 de Junho, o Embaixador Camphell, invocando a Aliança, apresentou ao Ministro dos Negócios Estrangeiros o pedido de instalação nos Açores, sem precisar as condições. Sublinhava que os ingleses retirariam as suas tropas no fim das hostilidades e assegurava o respeito pela soberania portuguesa no conjunto dos seus territórios. A África do Sul associava-se, e podiam esperar-se garantias idênticas por parte dos Estados Unidos.
O Presidente do Conselho desconhecia os conluios anglo-americanos, mas teve consciência, mesmo assim, de que uma resposta negativa representaria o fim da Aliança e do Império. Em virtude disso, declarou que o pedido seria examinado com boa vontade. Era indispensável consultar Franco, mas não lhe parecia que daí resultassem dificuldades. Na altura era já menos provável um ataque à Península de iniciativa da Alemanha.
O primeiro embarque de material fez-se na Inglaterra em 17 de Agosto. Nesse dia se assinou em Lisboa o Acordo Secreto para a cedência de bases nos Açores à Inglaterra. Nele se fixava a data do desembarque inglês antecipada para o dia 8 de Outubro.
Em 5 de Outubro, como ficou dito, começaram as Manobras Militares.
Em 8, do Chefe do Governo Português, vencendo a relutância inglesa, deslocou-se a Ciudad Rodrigo para se encontrar com o Conde Jordana, Ministro das Relações Exteriores de Espanha, e o informar do Acordo feito com os ingleses. Este, não só assegurou imediatamente a neutralidade do seu país, como afirmou mesmo que as forças armadas espanholas se oporiam militarmente a qualquer tentativa alemã de transpor os Pirinéus.
O Governo Português fez também questão de informar o Ministro alemão em Lisboa, antes de ser tornada pública a notícia sobre as facilidades concedidas aos ingleses. Persistia a intenção da sua parte em manter a neutralidade, como foi dito ao diplomata germânico ao ser-lhe dado conhecimento dessas facilidades com fundamento na Aliança, que Portugal desde o início das hostilidades continuamente vinha reafirmando. A comunicação terá sido feita às 10 horas do dia 12 de Outubro, aquele em que uma nota oficiosa foi remetida à imprensa para divulgação.
No início das Manobras na decisiva região Santarém-Lisboa-Alcácer do Sal, veio a ser recebido avultado e moderno material em rápido afluxo. A instrução das tropas no manejo desse material efectuou-se com a maior celeridade, despertando grande interesse, curiosidade e até entusiasmo por parte de quadros e praças. As Manobras redundaram assim em claro sinal de que os portugueses se dispunham a defender, de armas na mão, qualquer ataque contra o seu território, em especial, na zona do Corpo de Exército.
A 15 de Outubro, o Governo do Reich reagiria com «o mais enérgico protesto» em Lisboa, reservando-se o direito de tomar as medidas decorrentes da situação modificada nos Açores, tida por aquele como grave violação da neutralidade portuguesa. Mas não chegou a haver mais nenhuma outra reacção por parte da Alemanha: nem tentativa de invasão, nem ataque aéreo ou de submarinos.
Se a invasão se tivesse verificado, a concentração da defesa na zona Santarém-Lisboa-AIcácer obrigaria a executar os planos de destruições e da evacuação das populações do resto do território. Ambos e mais alguns outros haviam sido previamente estudados por diversas Missões deles encarregadas, agindo em contacto com os Estados-Maiores ingleses.
A Alemanha, assoberbada com gravíssimas preocupações na condução da guerra, acabou por optar pela manutenção da neutralidade, devido às suas conveniências políticas e económicas, apesar de Portugal, em relação à Inglaterra, a 17 de Agosto, haver passado a sua de benevolente para colaborante. Evitava assim aumentar o seu isolamento político em consequência do corte de relações com Portugal e das dificuldades que se levantariam quanto às mantidas através de nós com alguns outros países. Além disso, não esquecia um trunfo muito forte do Governo Português - o do volfrâmio que obtinha e lhe era vital.
No dia 28 de Outubro as Manobras concluíram com um desfile em Pegões das 2.ª e 3.ª Divisões perante o Chefe de Estado. À data já não restavam dúvidas de que, para o Corpo do Exército, se tomaria desnecessário entrar em combate na defesa do último reduto de resistência em território continental.
Tudo acabara bem e em paz.


José Teodoro Prata

quinta-feira, 16 de março de 2017

À espera do inimigo

Assentei praça no Regimento de Cavalaria em Castelo Branco em 1943; tinha 21 anos. Éramos uns poucos cá da freguesia, mas dos que me lembro melhor é do Zé Candeias que depois até andámos os dois na resina e ficámos sempre muito amigos, e do João da Corredoura que morava no Casal da Fraga. Bom homem, que até ainda lá parei algumas vezes na casa dele quando ia à Vila e não me deixava abalar sem comer uma bucha e beber um copo para o caminho.
Naquele tempo não havia as estradas que há agora e era o cabo dos trabalhos para uma pessoa ir para qualquer lado. Para os que vivíamos aqui, longe de tudo, ainda era pior. Para se ir daqui à Vila aviar algum recado eram precisas duas horas para lá e outras duas para cá, sempre a subir e a descer por veredas e atalhos. Mas o pior era quando morria alguém e tinham que levar os mortos para serem enterrados. Ainda me lembro de os levarem embrulhados num lençol, atados a uma escada levada em ombros por dois homens. Mais tarde, quando já havia uns caminhos um pouco melhores, passaram a levá-los num esquife, em cima de um carro de bois. Mas quando era de inverno, que ainda não havia pontes e os bois tinham que atravessar os ribeiros, é que eram elas. Uma vez, ainda eu era novo, mas lembro-me bem, o esquife caiu à água e parecia o fim do mundo com toda a gente aos berros: «Agarrem o morto! Agarrem o morto que ele foge!». Foi o cabo dos trabalhos para o agarrar. Coitado, ficou todo numa sopa, que até metia dó. Ele e os que tiveram que se meter na água para o segurar…
Foi por causa destas e doutras que um dia foi daqui o Cabo d’Ordens e mais uns poucos à Guarda a pedir ao Bispo que nos deixasse passar para Almaceda, que estava aqui mais à mão. Nunca nos deu resposta ou, se deu, deixaram-na ficar fechada dentro da gaveta, que era o costume, e ficou tudo em águas de bacalhau, até hoje.
Mas estava a falar de quando assentei praça. No dia em que me fui apresentar mal preguei olho, com medo de me deixar dormir e não chegar a tempo, que daqui até lá eram umas boas três horas de caminho, tudo a pé. De manhã éramos uma tormenta deles à entrada do quartel.


Painel de azulejo existente à entrada do antigo quartel de cavalaria, na Devesa, em Castelo Branco.

Puseram-nos a todos numa fila e entregaram-nos a farda. As calças e a camisa, vá que não vá; as botas é que foram elas. Avezado a andar quase sempre descalço, e obrigarem uma pessoa a andar todo o santo dia com os pés dentro numas botas que ainda por cima eram duras como cornos e nos roíam os calcanhares todos, foi um martírio. E depois meteram-me uma arma na mão e ensinaram-me a dar tiros com ela; a mim que sempre me soube defender com estas mãos que Deus me deu (não é que não tivesse também boa pontaria com pedras…).
Ao princípio não havia dia nenhum que não pensasse em fugir para a serra. Era lá onde me conhecia desde sempre, primeiro a guardar cabras e depois na resina, quando ainda mal me podia ajudar com os cântaros às costas. Mas a pouco e pouco lá me fui fazendo às botas e àquela vida da tropa, que não tive outro remédio, mas sempre a contar os dias para poder voltar para a terra.
Passados uns tempos, já no fim da recruta, começámos a ver por lá um grande reboliço: os comandantes de um lado para o outro, e pessoal que já tinha sido licenciado a apresentar-se outra vez. Vimos logo que se passava alguma coisa. E a verdade é que uma noite nos mandaram apresentar todos na parada e deram-nos ordens para estarmos prontos ao outro dia porque íamos para fora por uns tempos. Não nos disseram para onde é que íamos, mas soava-se que íamos em manobras para o Alentejo porque Portugal ia ser invadido pelos alemães e desconfiava-se que a guerra havia de vir lá por baixo, pelos lados do mar.
Quando foi de manhã meteram-nos a alguns em camiões e outros formaram um esquadrão montado em motas e abalámos todos por aí abaixo. Até chegarmos ao destino ainda parámos em dois ou três sítios para fazer manobras e treinar com umas armas novas que nos deram. Ao outro dia tornávamos a arrumar tudo e continuávamos o caminho. Quando chegámos ao destino, lá mais para baixo ainda, montámos outra vez o acampamento e continuámos os treinos, sempre com os olhos postos no horizonte, à espera que chegasse o inimigo. Havia lá gente de muito lado e éramos tantos que não havia tendas para todos, mas estava bom tempo e à noite até dormíamos à restolhada debaixo dos sobreiros, que havia por lá muitos.
Estivemos uns poucos de dias à espera, sempre alerta, mas passou-se o tempo e não veio ninguém, nem do mar nem do céu, que também diziam que podiam vir de avião. Depois, um dia, já assim à tardinha, vimos chegar um grande automóvel preto, todo descoberto, com um homem lá em cima a acenar para nós. A gente mal o via, mas disseram-nos que era o Salazar que tinha vindo passar revista às tropas e que tinha dado ordens para abalarmos, que o perigo já tinha passado.
Ao outro dia mandaram-nos arrumar tudo. Montámos outra vez para cima dos camiões e voltámos todos descansados, cada um para os seus quartéis. Os que já estavam licenciados abalaram para as terras deles todos contentes, que já tinham a obrigação deles mais que cumprida e o trabalho à espera.
Ainda bem que o inimigo não chegou a vir, se não éramos capaz de ter ficado todos ali estendidos à sombra dos chaparros e hoje já ninguém se haveria de lembrar desta passagem.

M. L. Ferreira

segunda-feira, 13 de março de 2017

Mas doce ilusão

O dia chegará
Tudo terminará
Quando esse dia chegar
E tudo terminar
Os sinos tocarão
Dlim, dlão…dlim, dlão
Dentro de um caixão
Alguém te levará
Ao lugar do esquecimento
Ossos, cinza, terra, meu irmão
Nada mais, encontrarão

Carnaval, ilusão
Matrafonas, folia,
Três dias, dois dias, um dia
Foliões, ilusões
Máscaras, desnudos
Batuques, danças, entrudos
Piadas, engraçadas
Carne vale
Ninguém leva a mal

Recorda-te homem
Não és nada, pó
Só!?
Sim; pó, aleivosia
Até um dia, qualquer dia
Pó; amigo, inimigo
Familiar, desconhecido
Não tenhas ilusões
Vaidade esquecida
Nova vida
Vida nova
O pó ficou na cova


Zé da Villa

sábado, 11 de março de 2017

20 minutos

Cheguei ao Ribeiro de Dom Bento e decidi ir ver como vai o calcetamento do caminho da Orada. Peguei na máquina fotográfica e fiz-me ao caminho.

Passei pelo palheiro e logo à frente encontrei mato branco já florido.

A descida para o pinheiro manso está cheia de campainhas floridas.

 Contornei o pinheiro manso e lá estava o carvalho carregado de bogalhos à espera de quem queira brincar.

 Da janela da sr.ª Luz Romualdo ninguém assomou e o telhado já caiu. A casa do sr.º Augusto parecido e a do sr.º João da Cruz igual, só a do Miguel ainda tem gente.
Mas ao chegar ao palheiro, só o esqueleto, do sr.º António Romualdo, avistei o Balcaria. 
Os trabalhos continuam: barragens, olival por baixo e medronhal por cima da estrada. A casa de pedra com o balcão que o meu pai fez já não existe, outra ocupou o seu lugar.
Afinal os donos têm cá raízes, parte dos antepassados da esposa são dos Pereiros.

 Os calceiteiros estavam mesmo no entroncamento do caminho de baixo com o de cima. São quatro jovens, de Penafiel, sempre a dar-lhe. Daqui para baixo até à ponte do Casal já está tudo!

De regresso, subi ao Ribeiro das Moças, para matar saudades, 
e ensarroei-me de tangerinas que deram para o caminho.

José Teodoro Prata

Colherada da Libânia:
Tantas memórias de lugares e de gentes!
E não avistaste o Rabaçal, no caminho para a Portela? Ainda lá está a casa onde o ti Francisco Teodoro viveu e criou os filhos. Vista cá de baixo parece ainda inteira, mas quando nos aproximamos, vê-se que já só resta a parede da frente. Quase parece um milagre manter-se de pé sem qualquer sustento.
Quando olho para ela lembro-me sempre de uma história que uma das netas do ti Francisco conta:

«Quando era no fim do verão, por alturas da descamisa do milho, ajuntava-se a gente e andávamos de casa em casa a ajudar-nos uns aos outros. Começávamos nas Quintas ou no Balcaria, consoante o que estava mais adiantado, e acabávamos naquilo do meu avô. Naquela altura eu ainda era pequena, mas lembro-me bem que andava sempre deserta que chegasse esse tempo, porque aquilo era uma alegria, com toda a gente a cantar. Mas um ano apanhámos um susto que só visto porque às duas por três só vimos a ti Bernardina pôr-se de pé e começar aos gritos:
- Onde é que se meteu a minha cachopa? Onde é que ela se meteu, que não a vejo?
Toda a gente se levantou e começou à procura da cachopinha que se tinha sumido sem ninguém ver. Uns dentro de casa, outros cá fora, ninguém deu com ela. Ao fim dum bocado, a ti Bernardina, num pranto que até cortava o coração, saiu-se com esta:
- E logo hoje que lhe tinha posto o meu lenço de merino!
De repente começou-se a ver o monte dos folhelhos a mexer e a cachopinha saiu de lá de baixo, toda estremunhada, como se não fosse nada com ela.
Nunca mais me esqueci desta parte…»



M. L. Ferreira