domingo, 19 de abril de 2020

Os Sanvicentinos na Grande Guerra

 Basílio Leitão

Basílio Leitão nasceu no Casal da Serra, a 25 de abril de 1893. Era filho de José Leitão e Maria dos Santos, cultivadores.

Assentou praça em Castelo Branco, no dia 9 de julho de 1913, e foi incorporado no Regimento de Artilharia de Montanha em 13 de janeiro de 1914. Segundo a sua folha de matrícula, era analfabeto e tinha a profissão de jornaleiro. Foi vacinado.
Foi destacado para Angola, e embarcou no dia 11 de setembro de 1914, integrado na 1.ª Expedição que seguiu para aquela província ultramarina. Tinha o posto de soldado atirador de 3.ª classe. Desembarcou no porto de Moçâmedes, a 1 de outubro, seguindo depois para sul, a fim de reforçar a força militar que já se encontrava na fronteira daquele território, ameaçado pelas tentativas de ocupação alemã, a partir da Namíbia. 
Participou na ação do dia 18 de dezembro de 1914 contra os alemães, fazendo parte das tropas que ocuparam o vau de Caluéque. Regressou à metrópole, em 11 de agosto de 1915, e foi licenciado em 12 de dezembro.
Apresentou-se novamente em 16 de fevereiro de 1917, por ter sido convocado para serviço extraordinário. Foi destacado para Moçambique, e embarcou a 2 de julho (nesta altura já era casado) no contingente de reforço à 3ª expedição enviada para aquela província ultramarina. Regressou no dia 24 de outubro de 1918.
Condecorações:
·      Medalha comemorativa da campanha do exército português com a legenda: Angola 1914;
·      Medalha comemorativa das campanhas em Moçambique;
·      Medalha da Vitória.
·      Por o seu regimento ter sido condecorado com a Cruz de Guerra de 1.ª classe, ficou ao abrigo do art.º 43 do regulamento das Ordens Militares Portuguesas de 1919.

Família:
Basílio Leitão casou com Maria Inês, natural do Louriçal do Campo, no dia 21 de Outubro de 1915, após ter regressado de Angola, e tiveram nove (?) filhos: Tomás, António, José (faleceu com 14 anos), Maria Ascensão, João, Joaquim, Manuel, Maria do Céu e Francisco.
«O meu pai vinha muito doente, quando voltou da guerra, e por isso teve sempre muitas dificuldades em arranjar trabalho certo. O único ofício que teve foi o de sapateiro de tamancos, mas o que ganhava mal lhe dava para os gastos dele. O que nos valia era a minha mãe, que se fartava de trabalhar nos terços e por onde o apanhava, para arranjar qualquer coisa para matar a fome a tanto filho. E nós, mal podíamos, começávamos também logo a trabalhar: os mais novos a guardar as cabras de um rebanho que tínhamos a meias com outros vizinhos; depois, no campo, como jornaleiros, nos quintos e na azeitona. Foi uma vida muito difícil, a nossa!» (Testemunho do filho Manuel Leitão)
Basílio Leitão faleceu no dia 7 de Outubro de 1963. Tinha 70 anos de idade.

Maria Libânia Ferreira
Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Boletim agrícola

Água é o que não vai faltar neste Verão. As chuvas de abril têm sido abundantes e caem de mansinho, alimentando os lençóis de água subterrâneos.


O pior foram as cerejas. A semana mais chuvosa e fria, com neve na Gardunha, nos inícios(?) do mês, coincidiu com o período de plena floração das cerejeiras do Ribeiro Dom Bento. E neste momento já dá para avaliar os estragos: frutos ralos, um aqui, outro acolá.
Não terá sido igual em todo o lado. Por exemplo, no Caldeira, acantonado num ninho da encosta, tudo acontece uma semana antes e por isso os estragos não terão sido tantos. Mas nas encostas Norte da serra terá sido semelhante e por isso a produção deste ano será menor.

José Teodoro Prata

terça-feira, 14 de abril de 2020

Os Sanvicentinos na Grande Guerra


 António Simão de Matos


António Simão de Matos nasceu no Casal da Serra, a 8 de janeiro de 1892. Era filho de Simão de Matos, cultivador, e de Leonor Maria.
Assentou praça em Castelo Branco, a 12 de junho de 1912, e foi incorporado no Grupo de Baterias de Artilharia de Montanha. Na altura era analfabeto e tinha a profissão de jornaleiro.
Ficou pronto da instrução da recruta em 30 de maio de 1913, e foi licenciado no dia seguinte, indo domiciliar-se no Casal da Serra. 
Passou ao Regimento de Artilharia de Montanha, em 1 de novembro de 1913, e foi destacado para Moçambique, integrando a 1.ª Expedição enviada para aquela província ultramarina.
Embarcou no dia 11 de setembro de 1914, a bordo do navio inglês Durban Castle. Após mais de um mês de viagem chegou a Lourenço Marques e daí seguiu viagem para Porto Amélia, a norte de Moçambique. Embarcou de regresso à Metrópole, em 9 de novembro de 1915, e foi licenciado a 11 de março de 1916.
Foi novamente mobilizado para seguir para Moçambique, para onde partiu a 2 de Julho de 1917, fazendo parte do contingente de reforço à 3.ª Expedição que tinha saído de Lisboa em maio de 1916 e se encontrava bastante debilitada na sequência das baixas por morte, exaustão e doenças de que sofriam muitos militares que a integravam. Regressou à Metrópole no dia 22 de Janeiro de 1919.
Condecorações:
·      Medalha comemorativa das campanhas realizadas em Moçambique.
·      Medalha da Vitória.

Família:
António de Matos casou com Celeste da Conceição, no dia 24 de novembro de 1920, e tiveram 6 filhos, um dos quais faleceu com apenas dois anos de idade. Criaram:
1.    Maria Celeste de Matos Barroso, que casou com Francisco da Conceição Barroso e tiveram cinco filhos;
2.    Joaquim António de Matos, que casou com Maria de Jesus e tiveram dois filhos;
3.    Ana Celeste da Conceição, que casou com Manuel Gonçalves e tiveram um filho (mãe e filho foram assassinados em Maputo, Moçambique, onde viviam).
4.    José António Matos, que casou com Maria Josefa de Jesus Simão de Matos e tiveram dois filhos que chegaram à idade adulta;
5.    Luís António de Matos, que faleceu ainda jovem.

«As minhas primas e eu temos o mesmo nome, porque tanto os meus tios como o meu pai quiseram prestar homenagem à minha avó que faleceu em 1946, ainda muito nova. Assim, somos três primas todas chamadas Celeste!
O meu avô fez o serviço militar em Évora e depois foi mobilizado para ir para África, onde esteve duas vezes.
No fim da primeira incorporação, foram rendidos por uma outra incorporação e dois anos depois foram eles que renderam novamente os da segunda incorporação. Quando acabou a segunda incorporação do meu avô, também acabou a guerra. Contava que os oficiais não demonstraram grande alegria pelo fim da guerra, contrariamente aos soldados (provavelmente pelo fim de algumas vantagens que acabariam).
Um irmão mais novo do meu avô, de nome José de Matos, também esteve na guerra em Moçambique, na mesma altura e no mesmo lugar que o meu avô. Voltaram os dois com vida, infelizmente não chegaram a tempo de abraçar o pai deles, Simão de Matos, que faleceu antes do regresso dos filhos.
Conta o meu pai que o meu avô nunca foi muito de falar do tempo em que andou na Guerra, mas lembra-se de o ouvir dizer que no dia em que desembarcou em Lisboa, vindo de Moçambique, um homem chegou ao pé dele a pedir-lhe um cigarro. Enquanto o acendia, o tal homem perguntou-lhe se não gostaria de ir para a GNR, que, se quisesse, ele encarregava-se de o meter lá. A resposta do meu avô foi logo:
- Farto de fardas estou eu! O que quero é voltar para a minha terra o mais depressa possível, para matar saudades da minha família. 
Viveu sempre no Casal da Serra, a trabalhar no campo, mas gostava de viajar. Ainda foi uma vez a França, onde esteve três meses na casa do filho Joaquim.
Quando ele morreu, eu ainda era muito novinha e vivia com os meus pais em França, mas lembro-me bem dele. Era um homem bonito, andava sempre bem vestido e era muito meigo. Quando vínhamos de férias a Portugal, mimava-nos muito e ficava sempre a chorar quando abalávamos. Houve um ano em que ele ficou muito triste e não disse «Até pró ano», como costumava dizer. Achei estranho… Morreu passados uns meses e já não o voltámos a ver.» (Testemunho da neta Celeste Simão de Matos)

António Simão de Matos faleceu no dia 16 de janeiro de 1981. Tinha 89 anos.

(Pesquisa feita com a colaboração do filho José António Matos e da neta Celeste Matos)

Maria Libânia Ferreira
Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"

domingo, 12 de abril de 2020

Páscoa desinsaibida

Estou desacorçoado. É dia de Páscoa e estou confinado a casa com a minha patroa. Só me faltam dois anos para ter desconto nas viagens de comboio!
Não vou escrever sobre a família e os amigos, mais os petiscos regados com bom vinho. Nunca achei piada beber sozinho e por isso hoje recuso-me a abrir uma garrafa.
O astro está fusco e o vento começa a ficar desagradável. Costumo ir passear para o campo, por uma estrada que passa à minha porta e segue para Belgais da Maria João Pires, mas hoje o sol parece não querer animar-me o passeio.
A despensa e o frigorífico estão quase vazios. Cozemos as últimas postas de pescada e fui ao quintal buscar os últimos grelos das couves nabas, a que juntei folhas e caules de aipo, uma maravilha que me deu a conhecer a minha irmã São e que se dá muito bem na parte sombria do meu jardim/quintal. A água do peixe servirá para cozinhar os legumes, a que depois adicionaremos arroz e mais tarde a pescada aos pedaços, já limpa. Este peixe é desinsaibido e os legumes vão dar-lhe um toque especial. 
Ficará um petisco, mas não o suficiente para me animar, pois não posso ter de volta a festa da Páscoa.
Talvez para o ano já possa ser diferente e por isso há que aguentar e cara alegre.
Até lá, boa saúde para todos.

José Teodoro Prata

terça-feira, 7 de abril de 2020

Temos a festa estragada!


Os tempos vão de chuva, que só passará lá para quarta-feira depois da Páscoa. Não vale a pena metermo-nos ao caminho, pois as celebrações foram todas adiadas. Até porque o piso das estradas está escorregadio e não há melhor andar do que em casa estar.
Não podemos arriscar a molhar o Ecce Homo ou o Santo Cristo com uma chuvada repentina durante uma das procissões. Noutros anos, por vezes na fuga apressada, quase se tombavam os andores e não podemos perder as nossas preciosidades. Ainda por isso agora que todos os santos estão recuperados e de jajas arranjadinhas.
Este ano não se vai ouvir o grito do Senhor Deus, Misericórdia, rua da Costa acima, para do céu nos vir o socorro de que tanto precisamos. Mas as procissões também já não são o que eram, com homens pelas esquinas, num tempo em que sobravam homens, a bloquear com paus a entrada às mulheres atrasadas pelos afazeres domésticos. Nesse tempo ainda não havia #MeToo e, na Igreja, enquanto há homens não se confessam mulheres.
Por falar em confissão, também já poucos respeitam o hábito de confessar-se pelo menos uma vez por ano, na Semana Santa. Vinham padres a ajudar o senhor Vigário e, em certos dias, passavam-se horas à espera de vez. Agora dizem que se confessam diretamente a Deus, parecem protestantes! Noutros tempos, corriam-se à pedrada.
O sacristão já não dá a volta à Vila a tocar a matraca, acompanhado da muidagem que nos dias anteriores improvisou matracas para o acompanhar nos tempos de luto.
O cordeiro da Páscoa?!! Mas nós somos judeus ou quê? Andámos a denunciar cristãos-novos durante 300 anos e agora queremos imitar a sua Páscoa? Um entrecosto e umas lasquinhas de presunto, mais uns enchidos, isso sim é alimentação de um cristão!
E os tremoços para a festa? Quem consegue encontrar uma saquinha com eles a demolhar num qualquer ribeiro ou mina? Ninguém. E os bolos e os doces? As encostas estão cheias de lenha, mas nos últimos tempos não avistei ninguém a apanhá-la para o forno. Guardaram-se para a última hora? Agora está encharcada. Mas como vamos ficar em casa, fazemo-los o forno elétrico! Nunca experimentámos, mas vale a pena arriscar.
Deixo-vos as receitas dos bolos de páscoa e dos bolos de leite, ambos muito bons. Para matar a saudade da felicidade…

Bolos de leite:
Ingredientes: 1 kg de açúcar, 1 colher pequena de bicabornato(bicarbonato), 1 dúzia de ovos, 1 litro de leite, meio litro de azeite e farinha.
Misturam-se bem o açúcar, os ovos já batidos, o azeite e o leite. Acrescenta-se o bicabornato e vai-se juntando farinha, até a massa ficar boa. Depois, com uma colher de sopa, deitam-se pequenas quantidades de massa nas latas, previamente untadas com azeite. Barra-se cada bolo com gema de ovo batida e polvilha-se com açúcar. Depois vão ao forno pouco aquecido.

Bolos da páscoa
Ingredientes: farinha, 12 ovos, meio quartilho de azeite, canela, 1 copo pequeno de aguardente, 1 litro de soro de leite (pode ser substituído por leite magro) e fermento do padeiro.
Batem-se os ovos e juntam-se o azeite, o soro, a aguardente e a canela. Vai-se acrescentando a farinha com o fermento, amassando sempre, até a massa ficar boa para fintar. Depois de finta, tendem-se os bolos e cozem-se no forno.

Saúde!
José Teodoro Prata

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Esperança (média de ...)


No último programa Prós e Contras, da RTP, o médico Felipe Froes (representante da Ordem dos Médicos para a crise do COVID 19), a propósito de um artigo que publicou e no qual afirmava que as pandemias sempre existiram e modelaram as civilizações, acrescentou uma ideia que parece ser bem verdade: «Nós somos os descendentes dos sobreviventes.» Esta afirmação virá um pouco na linha da teoria da seleção natural das espécies, que, embora nos nossos dias já não tenha o mesmo valor (pelo menos na espécie humana, o avanço da ciências e das tecnologias têm permitido a sobrevivência de grandes precoces e de crianças e adultos com patologias tão graves que não imaginávamos ser possível há cinquenta anos), continua a dar-nos alguma esperança não apenas no aumento de anos de vida, mas sobretudo na qualidade dessa vida.
Tenho andado a passear pelos registos paroquias da nossa freguesia no século XIX, e constatei que no ano de 1874 houve 78 batismo e 84 óbitos, dos quais 48 foram de crianças com menos de 10 anos, e apenas 12 de pessoas com idade superior a 65 anos. Uma parte significativa das crianças já não tinha um ou mais dos avós quando nasciam. Os motivos dos óbitos não estão registadas, mas sabe-se que naquele tempo as principais causas de morte eram as crises agrícolas que provocavam a fome e a pobreza, mas, sobretudo nas crianças, eram também as epidemias: disenteria, bexigas, tosse convulsa, escarlatina, sarampo e outras doenças que o desenvolvimento das vacinas têm vindo a eliminar ou, pelo menos, a tornar quase residuais nos nossos dias, em grande número de países.
Num contexto em que a média de vida era menos de metade da atual, pareceria quase impossível, mas encontrei alguns registos de pessoas que atingiam os oitenta e tal ou mesmo os noventa e alguns anos. O caso desta menina que nasceu no dia 11 de novembro desse ano de 1874, resistiu às epidemias que flagelaram o mundo também por aqueles tempos, e cá faleceu, cem anos depois, permite-nos ter esperança.

Maria Libânia Ferreira

quarta-feira, 1 de abril de 2020

O nosso falar: ganal (ou ganau?)

A minha mulher insistiu comigo para que substituísse a palavra ganal da publicação anterior por ganau.
Eu teimei, porque ela não está dentro do espírito da coisa, mas fiquei na dúvida.
Os dicionários online nada dizem sobre ganal, mas informam que ganau é um piolho, um chato, um conjunto de aves de capoeira ou um conjunto de crianças turbulentas.
E que ganau vem do castelhano ganado, que significa gado, enxame e conjunto de pessoas. Já estamos mais próximos do meu ganal!
Na minha infância, os meus pais sempre se referiram aos nossos animais domésticos como o ganal. Ou diriam ganau e eu percebi ganal? Talvez isso tenha acontecido, com os nossos antepassados, há muitos anos atrás, pois tentem dizer em voz alta as duas palavras e verão que elas de facto soam parecido.
O que me dizem? No nosso falar, é ganau ou ganal?

José Teodoro Prata