Esta coisa das alterações climáticas tem muito que se lhe diga. Deixo-vos com este artigo, tirado do blog Estátua de Sal, que mostra a complexidade desta problemática.
(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 19/07/2021)
O debate estrutural não é como manter
preços dos combustíveis baixos. Não acontecerá. As pessoas têm de ser capazes
de pagar as suas deslocações, mas as soluções de longo prazo terão de vir de
transportes públicos gratuitos e de qualidade; políticas públicas de habitação
agressivas; um investimento sem precedentes na ferrovia; e uma revolução
económica inevitável que distribua riqueza em vez de a concentrar. Se estes
debates forem perdidos, os negacionistas das alterações climáticas terão outros
para oferecer.
Um estudo da “Nature” da semana passada concluiu que a
região sudeste da Amazónia está, pela primeira vez, a emitir mais dióxido de
carbono do que aquele que é capaz de absorver. Esta alteração dramática para o
planeta deve-se a uma maior variabilidade do clima e à morte precoce
árvores. A deflorestação só abreviou o processo. Entrámos naquela fase em que
as alterações climáticas aceleram os próprios fatores de alterações climáticas,
numa espiral infernal que rapidamente se tornará imparável.
Já não é preciso fazer um esboço dos
efeitos desta espiral. Podemos vê-las na televisão, com temperaturas recorde
nos EUA e no Canadá ou enchentes assustadoras na Alemanha. Podemos senti-las
nas nossas vidas, ano após ano, cada vez mais assustadoras. A catástrofe
climática anunciada já é de tal forma evidente nas nossas vidas que muitos
deveriam ir apagar muitas piadinhas que escreveram sempre que fazia mais frio.
Também na semana passada, Bruxelas aprovou a meta de reduzir em 55% as
emissões de CO2 até 2030. A meta, que parece quase impossível de atingir, está
longe de ser ambiciosa. As associações ambientalistas afirmam que esta meta é ineficaz e não se baseia
na ciência. Que seria necessária uma redução de pelo menos 65%. Seja como for,
a Comissão também propõe banir a construção de novos carros a gasolina e
gasóleo até 2035. Dito assim, muitos acreditarão que basta trocar de carro e
tudo pode seguir como antes. Não pode, como percebemos sempre que discutimos as
alternativas energéticas para mantermos a vida que temos. Descobrimos sempre que
é insustentável se não mudarmos algumas coisas essenciais no nosso modo de
vida. E tratam-se de escolhas coletivas e não, como gostam os que preferem
abandonar a política para falar de ambiente, opções privadas com efeitos quase
irrelevantes e acessíveis a muito poucos.
Enquanto estes debates se fazem, há dia
a dia das pessoas. Os preços dos combustíveis atingem níveis insuportáveis. Não
apenas em Portugal, mas em Portugal tem outro impacto nas despesas dos
cidadãos. É absurdo dar lições ambientalistas a quem não sabe como pagar as
suas deslocações diárias. Mas, mesmo que o cartel dos retalhistas seja vencido
e que se baixem os impostos sobre os combustíveis, não é provável, com o
caminho que o mundo leva, que os preços venham a baixar nos próximos anos. Nem
podem. O debate politicamente sério não é esse. Nem seguramente como reduzir as
ciclovias para não atrapalhar o trânsito. Dizer isto não é dizer que nos
estamos nas tintas para os problemas quotidianos das pessoas. É que as soluções
a longo prazo para esse quotidiano terão de vir de outro lado e não podem ser
exclusivamente fiscais.
Os ecoliberais, grupo ideológico que
crescerá à medida que a catástrofe se torne mais óbvia e o mercado se tenha de
adaptar a ela, virão defender a seleção natural nesta nova era. Como em tudo, o
mercado resolverá e as vítimas do costume serão danos colaterais. Os que “não
se sabem adaptar”. Este discurso apenas levará o povo para as fileiras dos que
lhe ofereçam a resposta fácil: não é preciso fazer nada porque o problema não existe.
E é por isso que o debate ambiental, que tem sido enganadoramente técnico e por
isso enganadoramente consensual, terá de ser apropriado pela política. Terá,
horror dos horrores, de se ideologizar. As alterações climáticas não são
ideológicas. Reagir a elas é apenas uma questão de sobrevivência. Mas a forma
como isso será feito, quem fica pelo caminho e em que sociedade viremos é
política.
O debate estrutural não é como manter
preços de combustíveis baixos. Não acontecerá. É como ter transportes públicos
urbanos e suburbanos gratuitos e de qualidade. Tão essencial para cada um e
para todos, se queremos tirar quase todos os carros da rua, como a saúde e a
educação. É como ter políticas públicas de habitação agressivas – também
viradas para a classe média, mesmo que isso leve a ondas virais populistas de
indignação dos que acham que o Estado Social deve ser voltar a ser um Estado
assistencialista – que travem o êxodo para as periferias. É sobre um
investimento sem precedentes na ferrovia e na alta velocidade, de que estamos
deligados e por isso dependentes do avião. É, por fim, como conseguir que a
revolução económica que inevitavelmente acontecerá crie mais emprego do que
aqueles que destruirá e distribua riqueza em vez de a concentrar.
Se todos estes debates forem perdidos, os negacionistas – os teóricos, que recusam a realidade, e os práticos, que a aceitam, mas comportam-se como se ela não existisse – terão outro discurso para oferecer. Serão eles que levarão a melhor. Os nossos netos, os seus filhos e os netos deles não deixarão de nos tratar como a mais criminosa de todas as gerações. Com toda a razão.
José Teodoro Prata