sábado, 6 de maio de 2023

Guardo-te em mim

 Lembro-te mãe:

Da tua mão fresca na minha testa, engolia com esforço o remédio que me davas para melhorar.

Pedia-te colo sempre que te apanhava distraída.

Bebia o leite das cabrinhas com café e pão, que me preparavas antes de ir para a escola.

Procurava-te à saída da missa, no emaranhado de saias a tocar o chão de terra batida, depois ia com as manas à taberna ou ao café da senhora Tomázia comprar rebuçados se tínhamos alguns tostões, era domingo.

Ouvia-te chamar por mim e ignorava, em silêncio, empoleirada nas figueiras e abrunheiros.

Davas-me um puxão de orelhas quando era preciso; ficava a chorar quando era castigada e tinha que parar por me ignorares, castigo é castigo.

Era preciso ir à água, apanhar erva para os animais, abrir as águas para a rega - levantem-se que vem lá o calor!

Aquecia-me na lareira, com o cheiro das samarras de eucalipto, comia batatas fritas, sentada no banco de madeira, os olhos no lume.

Rezava contigo e com a família o terço e depois abençoavas todos antes de irmos para a cama.

No dia da matança do porco dizias - hoje é a Tina que vai apular o sangue – não mãe por favor, escondia-me debaixo da cama, tu chamavas mas eu não ia, ias tu. E já tinhas o lume aceso com muitas panelas em volta, o pequeno almoço dos homens que estão a chegar e tinhas que ir, sempre tu para tudo. Daquelas panelas saía um almoço delicioso, que comíamos com toda a família reunida, a boa sopa de feijão, o arroz de frango, o feijão com vinagre, as ervas, o seventre com a batata cozida.

Depois era o lavar das tripas no ribeiro que ia a transbordar, os enchidos feitos com a ajuda das tias, tuas irmãs e cunhadas do casal, uma latada cheia por cima da lareira, que cheirinho bom!

Ia à mercearia do sr. Joaquim Boas Noites ao pé da praça, comprar o que me mandavas, onde pagavas sempre ao final do mês, a mercearia empacotada nos cartuchos de papel, a chaminé para o candeeiro embrulhada na folha de jornal - às vezes chegava à Tapada já em cacos...mas também íamos às outras mercearias, porque dizias que tínhamos que ajudar todos.

Íamos comprar tecidos lindos para fazer os nossos vestidos à loja do sr. Manuel da Silva, ele estava sempre muito bem vestido, mais a menina Nelita, que linda loja: tinha as paredes cheias de prateleiras com peças de tecidos de todas as cores, que depois de os medir com um metro no balcão, cortava com uma tesoura grande e afiada.

Vestíamos com vaidade os vestidos que nos fazias, o teu corpo debruçado na máquina de costura, já tão cansado das tarefas do dia.

Caminhávamos para as festas contigo, o teu ranchinho que era o teu orgulho; missas, procissões, foguetes, alguma guloseima na feira, depois na praça, a foto de família para mandar ao pai, que está longe.

Mostrava-te o recado enviado pela professora: é preciso pagar a caixa escolar - tens o paizinho em França - não sra. professora, a minha mãe só tem vinte e cinto tostões em casa – ai filha, isso não era para dizer!

Desabafava contigo as minhas preocupações de adulta, ouvias sem julgar, aconselhavas com palavras sábias, só os teus olhos demonstravam preocupação.

O teu corpo foi ficando mais cansado, precisavas de uma bengala, apoiavas-te a nós a subir ou a descer as ruas e apontavas com a bengala: aqui morava fulano, ali beltrano, todas as casas estavam cheias de gente, agora não se vê ninguém.

As memórias eram recordadas e contadas no sofá, quando a casa estava cheia, ouvias todos e confortavas os seus corações.

A escuridão foi tomando conta dos teus dias, perdeste-te, tentámos ajudar-te a encontrar o teu caminho que é longo e escuro...

No teu silêncio, apenas os teus olhos falavam, perdidos no vazio...

Nos teus momentos de aflição, os teus olhos tentavam dizer o que o teu corpo sentia...

Pegava na tua mão, que apertavas suavemente e colocavas no teu peito...

Deitava a cabeça no teu regaço, na procura do teu afago de mãe...afagavas-me com a mão aberta os meus cabelos e deslizavas os teus dedos numa carícia demorada.

E sentia gratidão e compreensão no teu olhar...

Guardo-te em mim, assim...

Maria Albertina Prata Teodoro

segunda-feira, 1 de maio de 2023

1.º de Maio

 https://www.youtube.com/watch?v=pixJHb4WR5s


Um café no Primeiro de Maio

O trabalho está quase todo escondido, para não perturbar a doçura do nosso prazer

Miguel Esteves Cardoso

(1 de Maio de 2023)

Não há prazer sem trabalho. O prazer é seu. O trabalho é dos outros.

Hoje é dia do trabalhador e o mínimo que pode fazer quem trabalha é pensar naqueles que trabalham mais e por menos dinheiro do que nós.

Não há prazer sem trabalho. O prazer é seu. O trabalho é dos outros.

O mínimo que se pode fazer é pensar que se está a trocar o nosso trabalho, na forma do dinheiro que pagamos por um serviço, pelo trabalho dos outros.

Mas quantos minutos de trabalho lhe custou esse café? E quantos minutos tem de trabalhar o empregado que lhe serviu esse café para ganhar a mesma quantia?

Quando bebemos um café no dia 1 de Maio, a primeira coisa que procuramos saber é "o que é que está aberto?" Ou, por outras palavras, "quem é que está a trabalhar? Quem é que não teve direito a feriado, neste dia do trabalhador?"

Os feriados foram uma conquista sindical. Os fins-de-semana foram uma conquista sindical. As semanas de 40 horas foram uma conquista sindical. E digo conquista no sentido mais medieval: muitas pessoas morreram, muitas pessoas levaram pancada, muitas pessoas passaram fome, muitas pessoas morreram desiludidas e fracassadas para poder conquistar essas horas e esses dias, que hoje encaramos como se fossem tão naturais como o nascer e o pôr-do-sol.

Quando bebemos um café no 1 de Maio, o mínimo que podemos fazer é perguntar "quem apanhou este café? Quanto receberam por esse trabalho? Em que país foi? Que protecção têm os trabalhadores nesse país? Há trabalho infantil? Do preço que paguei pelo café, quanto é que receberam as pessoas que apanharam, lavaram, secaram e transportaram o café?

O problema é que o trabalho está quase todo escondido, para não perturbar a doçura do nosso prazer com o amargo da culpa: o lucro do café é quase todo dos países sem café que importam o café por tuta-e-meia.

O trabalho atrás do nosso prazer é repetitivo e chato, mal pago e mal-agradecido.

O mínimo que podemos fazer é pensar nisso.

E reconhecê-lo.

José Teodoro Prata

quarta-feira, 26 de abril de 2023

sábado, 22 de abril de 2023

Os Sanvincentinos na Grande Guerra

 José Maria Gama

José Maria Gama nasceu em São Vicente da Beira, no dia 20 de maio de1896. Era filho de Carolina Gama, jornaleira, residente na rua Manuel Mendes. 

Terá ficado órfão ainda jovem porque, de acordo com o seu boletim individual de militar do CEP, o familiar vivo mais próximo, na altura da partida para França, era o padrinho, Manuel da Silva Lobo (apesar desta referência, sabe-se que José Maria foi criado pelos avós maternos, como se fosse mais um filho).

Mobilizado para a guerra, embarcou em 26 de setembro de 1917, com o posto de 1.º Cabo da 4.ª Bateria do Regimento de Artilharia 8 (Abrantes?) com o número 665 e a chapa de identificação n.º 64941. Integrava a bateria de reforço das tropas que já estavam no terreno há algum tempo.

Do seu boletim individual consta o seguinte:

·        Baixa à ambulância n.º 8 em 24 de novembro de 1917; alta em 2 de dezembro(?);

·        Colocado no 3º Grupo de Batarias de Artilharia em 24 de abril de 1918 onde ficou até janeiro de 1919;

·        Condecorado com a medalha comemorativa da expedição a França pela Ordem de Serviço nº 31 de 27/2/1919 do 3º G.B.A.

Família:

Após o regresso a Portugal, José Maria Gama ficou a residir em Lisboa, onde ingressou na Guarda-Fiscal. Foi lá que casou com Silvina(?) de quem teve uma filha: Beatriz Gama. A esposa terá falecido passado pouco tempo e José Maria assumiu sozinho a educação da menina.

Em 29 de junho de 1935, voltou a casar, no Posto do Registo Civil de Sarzedas, com Maria José Rodrigues, natural daquela localidade (Maria José era prima direita de José Maria, uma vez que o pai era natural de São Vicente da Beira e tio materno de José Maria). Deste casamento nasceu mais uma filha: Maria do Carmo Gama(?).   

José Maria vinha muitas vezes à terra, principalmente pela Senhora da Orada e pelas Festas do Verão, e trazia quase sempre a filha mais velha. Contam que era um homem bonito, elegante e sempre alegre. Era muito querido por toda a família e pelos amigos. Quando vinha a São Vicente todos queriam que ficasse em sua casa, e mimavam-no com tudo o que tinham de melhor. Ele retribuía da mesma forma, ajudando toda a gente que precisasse e lhe pedisse um favor. Dizem que foi ele que, naquele tempo, levou alguns rapazes da idade dele, e outros mais novos, de São Vicente para Lisboa, e os ajudou a entrar para a Guarda-Fiscal, onde era muito considerado.    

José Maria Gama faleceu na Freguesia da Lapa, no dia 31 de dezembro de 1973. Tinha 77 anos de idade.

Maria Libânia Ferreira

Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra

segunda-feira, 17 de abril de 2023

Os Sanvincentinos na Grande Guerra

 José Leitão

José Leitão nasceu em São Vicente da Beira, no dia 9 de agosto de 1893, filho de António Leitão Canuto e Maria do Patrocínio, moradores na rua Velha.

Era analfabeto e tinha a profissão de jornaleiro, quando assentou praça em Castelo Branco, no dia 9 de julho de 1913; foi incorporado no Regimento de Infantaria 21, 2.º Batalhão, em 13 de janeiro de 1914.

Pronto da instrução da recruta em 30 de abril, foi licenciado em 1 de maio, domiciliando-se em São Vicente da Beira. Apresentou-se novamente no dia 4 de fevereiro de 1915 e foi licenciado em 1 de maio. Nesta altura recebeu instrução de corneteiro, mas não a concluiu por “inabilidade artística”, como consta na sua folha de matrícula.

Voltou a ser convocado em 5 de maio de 1916 e, fazendo parte do CEP, embarcou para França, no dia 21 de janeiro de 1917, incorporado na 6.ª Companhia do 2.º Batalhão, 2º Regimento de Infantaria 21, como soldado com o número 72 e chapa de identidade n.º 9128.

No seu boletim individual de militar do CEP e folha de matrícula constam as seguintes informações:

a)   Baixa ao hospital em 16 de junho de 1917, por ferimento por gases; alta a 20;

b)   Ausentou-se sem licença no dia 24 de agosto de 1918 e foi considerado desertor passadas 24 horas;

c)    Apresentou-se de deserção, no dia 28 de agosto, e foi detido na prisão da base em 30;

d)   Aumentado ao efetivo do Depósito Disciplinar 1, em sete de setembro, foi libertado poucos dias depois;

e)   Foi punido em 17 de setembro, por ter feito uso de um passe regulamentar fora da data para que lhe fora concedido, ausentando-se indevidamente do seu local de estacionamento;

f)     Baixa ao hospital em seis de março de 1919 e alta em 24, seguindo para o Depósito Disciplinar 1 a 25 de março;

g)   Punido em 23 de maio de 1919, pelo Comandante, com sessenta dias de prisão correcional, por ter exigido ser transportado por um camião quando se dirigia da base para a sua unidade na frente, dizendo que estava muito fatigado (Este castigo ficou sem efeito, em virtude da Ordem de Serviço n.º 156 de 11/6/1919);

h)   Foi repatriado com o Depósito Disciplinar 1, a cinco de julho de 1919;

i)     Desembarcou em Portugal, no dia 8 de julho de 1919, e regressou a São Vicente da Beira.

Em outubro de 1919, passou ao Batalhão n.º 1 da GNR com o posto de soldado de 2.º classe. Em 21 de outubro, passou a soldado da classe de aprendiz de corneteiro e em 27 de abril de 1920, após ter terminado a especialidade, passou a soldado de 1.ª classe. Em 4 de janeiro de 1921, foi promovido a 2.º cabo corneteiro.

Licenciado em 21 de junho de 1921, mudou a residência para a freguesia de Santos, em Lisboa, passando ao Regimento de Infantaria n.º 1.

Por ter terminado o tempo de serviço nas tropas ativas, passou ao Regimento de Infantaria nº 1 de Reserva em 31 de dezembro de 1923, à reserva activa em 31 de dezembro de 1926 e à reserva territorial em dezembro de 1934.

Na sua folha de matrícula consta um castigo de 15 dias de prisão correcional aplicado pelo comandante da companhia em maio de 1921, por «no dia 23 de Maio do corrente, pelas 10h, estar entre um grupo de praças referindo-se aos últimos acontecimentos e dizendo: se nós temos muitas tropas eles também as tinham, e se nós éramos republicanos eles também o eram, que a nossa bandeira se achava içada e a deles andava à frente da força, e mais disse que os oficiais da 4ª companhia tinham sido uns falsos por terem abandonado a sua companhia» (Foi amnistiado deste crime pela Lei n.º 1629 de 15/7/1924).

Condecorações e louvores:

·        Medalha militar de cobre comemorativa com a inscrição França 1917-1918;

·        Medalha militar de cobre de classe de comportamento exemplar.

Família:

José Leitão casou com Benvinda de Oliveira, natural do Gavião, na 2.ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa, no dia 23 de julho de 1922. Não foi possível saber se tiveram filhos, nem qual foi o seu percurso de vida, mas o castigo que sofreu em maio de 1921 pode significar que seguiu a vida militar ainda por algum tempo e terá estado colocado na cidade de Lisboa, provavelmente integrado na GNR.

Faleceu na freguesia do Campo Grande, no dia 2 de fevereiro de 1967. Tinha 73 anos de idade.

Maria Libânia Ferreira

Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra

quinta-feira, 6 de abril de 2023

Semana Santa

 


Estas fotos são do encontro de domingo, em que tantos partilharam as suas vivências da nossa Semana Santa. Estão de parabéns as dinamizadoras da Biblioteca.

Entretanto, feitos os bolos e os doces, não faltarão forças para subir a Rua da Costa, ao som das matracas, Senhor Deus, Misericórdia!

E no domingo, Uma Páscoa Feliz Para Todos!

José Teodoro Prata

domingo, 2 de abril de 2023

IRS - Misericórdia

 CONSIGNAÇÃO DO IRS

Na declaração do IRS, existe a possibilidade, sem aumento de encargos para o contribuinte, autorizar que 0,5% do valor liquidado do seu IRS possa reverter a favor de uma Instituição de Solidariedade Social (IPSS).

Assim, vimos apelar para que não deixe passar esta oportunidade de ajuda à Santa Casa da Misericórdia de S. Vicente da Beira.

A adesão à campanha de consignação de IRS é um meio de garantir um contributo e apoio a esta obra tão meritória e nobre e a obtenção de meios para alcançar os seus objetivos.

Para o efeito, deverá no Modelo 3, assinalar no Quadro 11, com uma cruz no Campo 1101 (Instituição de Solidariedade Social e Utilidade Pública) e indicar o NIPC  501 135 618  correspondente a esta Santa Casa de Misericórdia.

José Teodoro Prata