quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Os Sanvincentinos na Grande Guerra

 Luís Diogo

Luís Diogo nasceu em São Vicente da Beira, no dia 31 de outubro de 1892, numa casa na rua de São Francisco. Era filho de Francisco Diogo Patrício, jornaleiro, e Maria da Piedade Casimira, doméstica.

Assentou praça em 12 de Julho de 1912 e foi incorporado, a 14 de Maio de 1913, no 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria 21.

Pronto da escola de recruta em 28 de agosto de 1913, continuou no serviço efetivo por mais um ano, desde o dia 29, e por mais um ano, desde 29 de Agosto de 1914, por se achar nos termos do Artigo 214 do Código de Processo Criminal Militar.

Passou ao Presídio Militar, em 5 de novembro de 1914, a fim de cumprir a pena que lhe foi aplicada, por sentença de 8 de outubro. Libertado por ordem do Ministro da Guerra, passou ao Regimento de Infantaria 21, em 15 de Julho de 1915, vindo a domiciliar-se em São Vicente da Beira.

Foi novamente mobilizado em 5 de maio de 1916, passando a fazer parte do CEP. Embarcou para França, no dia 18 de janeiro de 1917, integrando a 6ª Companhia do 2º Batalhão do 2.º Regimento de Infantaria 21, como soldado com o número 547 e a placa de identidade nº 36168. Na mesma altura embarcou também para França o seu irmão João Diogo.

Do seu boletim individual como militar do CEP e folha de matrícula constam as seguintes ocorrências:

a)    Baixa ao hospital, em 20 de abril de 1917; alta em 22;

b)    Baixa ao hospital, no dia 6 de dezembro de 1917; alta em 27 do mesmo mês;

c)    Passagem ao quadro da 1.ª Brigada de Infantaria, em 20/12/1917;

d)    Vários castigos, por ter faltado à formatura e apresentar-se muitas horas mais tarde;

e)    Nove meses de prisão militar, por insubordinação;

f)     Por ordem de 29/12/1918, foi castigado com trinta dias de prisão correcional, por ter vendido uma bicicleta que não lhe pertencia, alegando que a mesma era de uma praça que se encontrava ausente, sem licença;

g)    Foi considerado desertor a partir das onze horas do dia 31 de dezembro de 1918.




Passados vários anos, em 3 de outubro de 1932, Luis Diogo apresentou-se voluntariamente, tendo sido detido nas prisões do quartel. Em 6 de novembro do mesmo ano, o Tribunal Territorial de Viseu absolveu-o do crime de deserção e, tendo sido posto em liberdade, veio domiciliar-se novamente em São Vicente da Beira.

Passou à reserva territorial em 31 de dezembro de 1933.

Condecorações: Medalha Militar de cobre pela participação na Grande Guerra.

Não foi possível obter informações sobre a vida de Luís Diogo posteriores à passagem à reserva. No seu registo de batismo também não constam quaisquer informações sobre um possível casamento ou a data e local da sua morte.

Maria Libânia Ferreira

Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

A fonte da Praça

 Jornal Beira Baixa, 25-08-1947

S. Vicente da Beira

Conforme noticiamos realizou-se no passado dia 15 a inauguração da «Fonte de S. João de Brito» nesta antiga vila.

A festa decorreu com desusado brilho prolongando-se até de madrugada.

A inauguração da Fonte realizou-se às 19 horas, sendo presenciada por muito povo que em sinal de regosijo aplaudiu brilhantemente a Junta de Freguesia.

Ao ar subiram muitos foguetes e a Filarmónica tocou vários números do seu reportório. Á noite durante o arraial que decorreu muito animado queimou-se muito fogo de artifício.

Na sessão solene que se realizou na Secretaria da Junta de Freguesia foram descerrados os retratos do Presidente da República e do Chefe do Governo. Usaram da palavra o Presidente da Junta sr. Manuel da Silva, DR. José Alves de Figueiredo, sr. José Pires Lourenço, Prof. Artur Couto, Tesoureiro da Igreja e por último o rev.º P.e Tomás da Conceição Ramalho.

É digno de nota um episódio que ocorreu na noite de 13 para 14.

Foram encontrados pelo Presidente da Junta de Freguesia na nova fonte, sobre uma coluna de pedra uns versos alusivos a esta inauguração e que pela sua originalidade a seguir transcrevemos:

(Ler o poema, na imagem abaixo)

Ignorava-se, pois. o seu autor. Porém, pelo seu discurso, sem que o pressentisse, ele revelou-se, e sabe-se agora ser o sr. José Pires Lourenço.

Esperamos   que a Junta de Freguesia auxiliada pelos poderes públicos possa dor’ávante prosseguir no seu plano de melhoramentos.

C.

Nota: transcreveu-se a notícia tal como foi publicada no jornal.




(Esta imagem está invertida)

A fonte ocupava o canto sudeste da Praça e adivinha-se no centro da foto, lá atrás, entre o pelourinho e o coreto.
A fonte e o coreto foram demolidos nos inícios dos anos 70, ainda antes do 25 de Abril. Esta remodelação, que incluiu o fecho de um urinol nauseabundo que existia por baixo da fonte, com entrada pela rua, foi uma proposta de uma comissão de sábios à Junta de Freguesia, na altura presidida pelo sr. José Matias.
Estas demolições criaram, na altura. grande indignação na Vila. 
Na altura o tanque vazava e o coreto estava bastante degradado.
Uma das pedras da fonte é a peça por onde sai a água para o tanque atualmente existente na praça. Outras pedras formam a fonte (fechada) construída em São Francisco.
A fonte foi desenhada por João Engenheiro e constrruída pelo Zé Companhia (sr. José Diogo), que não mereceram referência no poema (naquele tempo era assim).

José Teodoro Prata

sábado, 24 de agosto de 2024

Os figos

Começou a temporada dos figos. Os meus estão excelentes para comer (muito carnudos e sumarentos), mas difícieis de secar. A causa do positivo e do negativo foi a chuva abundante na primavera e início do verão, na nossa Gardunha, que fez com que o ribeiro secasse um mês mais tarde do que é habitual (no início de agosto, mas ainda persistem uns charquitos de água).

As figueiras armazenaram muita água, que agora usam em abundância para fazer os figos.

Esta semana, expliquei ao meu vizinho David a importância, para os nossos antepassados, das passas que se comiam no outono-inverno. Hoje há mais fartura, mas penso que é importante manter estes hábitos ancestrais, devido à riqueza alimentar que nos proporcionam. 

Acho que não o convenci a ir fazer passas, nem tenho a pretenção de conseguir convencer quem vier a este blogue. Mas é triste ver, por estes dias, tantas figueiras tapeteadas com figos secos, sabendo que, em alternativa, as pessoas vão comer alimentos bem menos saudáveis.


José Teodoro Prata

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

A frescura do Pisco

 

Barragem do Pisco, ontem, no crepúsculo do anoitecer.

Apetece citar Sérgio Godinho:

«Ai, eu estive quase morto

No deserto

E o porto

Aqui tão perto»

Foto do Francisco Barroso

terça-feira, 20 de agosto de 2024

Luz para o Casal da Fraga

Era uma grande tristeza que a gente sentia quando víamos as luzes acenderem-se do outro lado da Ribeira, mesmo ali à nossa frente! A Vila parecia um cantinho de céu estrelado, e do lado de cá, à noite, as ruas eram um negrume e as casas alumiadas só pela luz das candeias e dos candeeiros a petróleo. Era uma injustiça! Constava-se que a culpa era do Manuel da Silva, que disse que São Vicente acabava na casa onde tinha a garagem, logo a seguir ao Posto. 

Quando começaram a dizer que o Governador Civil e outros grandes de Castelo Branco vinham cá para a inauguração, resolvemos ir esperá-los com o nosso rancho para lhes pedirmos também a luz para o Casal. E também precisávamos de um tanque, que não tínhamos onde lavar a roupa. A partir daí, cachopas novas e mulheres já casadas, mesmo as que andavam todo o dia no campo ou na resina, como era o meu caso, não tivemos um serão de descanso: eu e a minha mãe, que estávamos mais acostumadas, começámos a escrever os versos (ainda chegámos a ir a casa do senhor Zé Lourenço a pedir a opinião dele) e também fomos nós que ensaiámos a marcha; as que sabiam de costura foram ao Sobral comprar a chita e talharam e coseram os fatos; outras foram ao Valcaria arranjar o vime para fazer os arcos. Ainda me lembro que foi a Maria Papoila que foi à lenha para aquecer o forno, e era lá que os iam moldando até terem a forma certa. Depois ainda tiveram que os enfeitar com flores de papel às cores. Quem não podia ajudar com trabalho dava dinheiro, que ainda se gastou muito. Só para petróleo cada uma de nós deu vinte e cinco tostões.

No dia da inauguração saímos aqui do Casal e fomos até à ponte, que já lá tínhamos a Banda à nossa espera. Depois seguimos todos em cortejo (havia outros ranchos, mas o nosso era o que ia à frente) até à barreira do hospital, e foi lá que esperámos os carros que vieram de Castelo Branco. Também já lá estava a gente mais importante cá da terra e muito povo que veio da freguesia toda.

Mal saíram dos carros, a Maria de Deus da Ti Lucinda e o meu Mário entregaram um ramo de flores ao Governador Civil e começou logo tudo a andar. Era um mar de gente: os grandes à frente, depois a Banda e os ranchos; no fim ia o povo a bater palmas e a dar vivas.

O que estava combinado era que, depois de dar a volta pelas ruas, ia toda a gente para a Praça, as entidades subiam até ao balcão da Casa da Câmara e os ranchos desfilavam cá em baixo. Mas não houve tempo: de repente começa a chover (estávamos em abril…), e eles começaram logo a correr para dentro. Foi lá que fizeram os discursos e no fim comeram um grande banquete que tinham à espera.

Os dos ranchos, cá fora, ficámos todos molhados e com os arcos a desfazerem-se. É claro, começou tudo a abalar. Nós também já íamos embora, mas apareceu o senhor António Prata e disse-me que não fosse, que subisse, que o senhor Governador Civil queria ouvir a nossa cantiga. Eu levava uma candeia de azeite na mão, para mostrar como é que a gente ainda se alumiava, e o papel com os versos (quem os tinha passado a limpo até tinha sido o Sebastião, que a letra dele era mais bonita que a nossa), e cantámos, para quem lá estava: 

Esta nossa freguesia

Que pra nós é a primeira

Bem-vindos sejam senhores

A São Vicente da Beira

 

Nós somos de São Vicente

É de cá que queremos ser

Se somos independentes

É sem a gente saber

 

O rancho do Casal da Fraga

Vem pra cantar e rir

Nós não lhes vimos dar nada

Vimos só pra lhes pedir

 

Ó senhores governantes

Tão agradáveis no trato

Recebei as homenagens

Das terras que há pelo mato

 

Ó senhores governantes

Concelhio e distrital

Corações de diamante

Almas de puro cristal

 

Lembrai-vos dos pobrezinhos

Dos pobres aqui é claro

Que necessitam carinho

Precisam do vosso amparo

 

Ó senhores governantes,

Homens de bom coração

Atendei os nossos rogos

Tenham de nós compaixão

 

Pedimos a vossas excelências

Que mais têm pra nos dar

Também lhes queremos pedir

Uns tanques para lavar

 

O Casal já é tão grande

Está entre meio de flores

Quase não se veem as casas

Tem oitenta moradores

 

O Casal da Fraga é tão lindo

Mas está tão desprezado

Tudo lá é noite escura

Só o centro iluminado

 

Queremos-lhes dizer senhores

Neste meio resplendente

Aqui não há distinção

O Casal é São Vicente

 

Também lhes queremos dizer

Que em S. Vicente da Beira

Obra de tanto valor

A nossa querida bandeira

 

A nossa querida bandeira

Obra de tanto valor

Pena que ela não tenha

O seu melhor conservador

 

Dizemos a vossas excelências

São Vicente é um espelho

Pedimos junto à bandeira

O nosso querido concelho

 

Nosso querido São Vicente

A quem temos tanto amor

Nós temos em São Vicente

Obras de tanto valor

 

Já cá temos uma escola

E temos um hospital

O que nos faz muita falta

É uma casa paroquial

 

A Vila de São Vicente

Como ela não houve igual

Foi onde deram entrada

Os primeiros reis de Portugal

 

A Vila teve outro nome

Terra de tantos regalos

O transporte que os trouxe

Foi montados em cavalos

 

Viva o senhor vigário

Que nos dá o seu carinho

Vivam todos em geral

E o senhor engenheiro Martinho.

Ao fim bateram-nos palmas e o senhor Governador Civil disse que tinha gostado muito, se podia levar o papel com os versos e a candeia, que era muito bonita. Ela nem era nossa, que a tínhamos ido pedir emprestada ao lagar do César, mas não tivemos cara para dizer que não. 

Nota: Esta história foi-me contada, mais ou menos como a deixo, pela Isabel do Chico da Azenha, que, com a mãe, a Ti Luz do Valcovo, fez os versos e ensaiou o rancho com que o Casal da Fraga se apresentou em abril de 1969, na inauguração de alguns melhoramentos feitos na Vila. Passados dois anos, a luz ainda constava duma lista de prioridades das obras a realizar na freguesia. Acabou por chegar quatro ou cinco anos depois, mas os moradores do Casal, entre todos, tiveram que pagar oitenta contos…

Os versos foram transcritos com algumas alterações da ortografia. Teria sido interessante apresentar cópia do original, mas o documento está muito danificado e parte do texto já se lê com dificuldade.

ML Ferreira

domingo, 18 de agosto de 2024

O nosso falar: comua

Ontem, de regresso a casa e a este blogue, houve um pequeno problema técnico no avião que me trazia, e a viagem demorou mais meia hora do que as duas horas e meia previstas.

Como vinha no banco fundeiro, local onde se situava uma das casas de banho, na última hora foi tal o acumular de pessoas no corredor, à minha volta, que exclamei para a minha gente:

- Pensam que isto é alguma comua!

Se estivesse em São Vicente da Beira, mandava-os para a Devesa, que era para onde os adultos mais rezingões mandavam as crianças e adolescentes que os incomodavam com correrias, algazarras, jogos da bola ou andar de bicicleta na praça ou pelas ruas da nossa terra.

A Devesa era o nosso baldio na encosta oeste da Ribeirinha, mesmo em frente à Vila. Comua vem de comum e comuna, não tendo esta necessariamente apenas significado o político-ideológico a que atualmente está reduzida. Aliás, o termo e o significado têm já muitas centenas de anos.

A minha mãe usava esta palavra em sentido pejorativo, um local ou uma situação com muita gente, em que se fazem coisas não muito graves, mas negativas, tipo bandalheira, anarquia.

É provável que este significado tivesse origem na campanha do Estado Novo contra a ideologia comunista. A esmagadora maioria das pessoas não percebia nada do assunto, mas a campanha das mais ilustres figuras do Estado e do Partido, mesmo a nível local, era tão intensa que alguma coisa ficava na mentalidade do povo.

Há poucas semanas, fiquei impressionado com as muitas referências deste tipo presentes na poesia do nosso poeta José Lourenço. Mesmo que não viesse a propósito, a certa altura do poema lá conseguia encaixar um louvor a Salazar, à excelência do Estado Novo, que nos salvavam do Mal!

José Teodoro Prata