segunda-feira, 16 de junho de 2025

O jogo da bola

 Janeiro de Cima, à beira do rio Zêzere, é uma aldeia com a qual tivemos no passado (anos 70 do século XX) uma forte ligação, chegando até a realizar-se intercâmbios entre as duas povoações, organizados pelo Pe. Branco, que ali paroquiou.

Há anos, encontrei um documento escrito do século XVIII que referia a existência em Tinalhas de um sítio chamado Jogo da Bola. Falei com a Berta Ramalhinho e localizámos o referido topónimo nas cercanias da atual sede do Centro Recreativo de Tinalhas. Que jogo de bola seria aquele que ali se jogara?

Ora recentemente fui a Janeiro de Cima visitar o meu amigo José Cortes, regressado à aldeia após uma vida de missão na Amazónia.

O anfitrião fez uma visita guiada pela sua Aldeia de Xisto e a certa altura chegámos à Rua do Jogo da Bola. Alto lá, o que é isto?

No momento passava na rua um senhor um pouco mais velho que nós e a quem o Zé pediu a confirmação das suas recordações de infância.

Nos anos 50 e 60 do século passado ainda ali se jogava um jogo com uma bola de madeira, feita de uma noça de pinheiro, acabada de arredondar por um carpinteiro. Não havia equipas, o jogo era individual e a ordem do lançamento da bola à mão era determinada por uma ordenação prévia obtida pela pontuação de cada um ao lançar a bola contra uns paus colocados ao alto, a certa distância.

Seguia-se o jogo propriamente dito. A bola era lançada por cada jogador, o mais longe possível. Por vezes a bola rachava logo ao bater no solo. Alguns jogadores que lançavam a bola até ao limite visível da rua tinham a sorte de ali o chão começar a descer e então todos, jogadores e assistência, se deslocavam para a parte da rua fora da vista, para conferir até onde fora a bola. Ganhava quem a lançasse mais longe. No final, iam todos beber uns copos para uma taberna que havia ali perto.

Era o jogo da bola, uma forma de convívio naquele Zêzere profundo.

Nota: Desconheço se se escreve noça ou nossa, mas inclino-me para a primeira; alguns pinheiros e outras árvores ganham, normalmente rente ao solo, uma saliência arredondada a que o povo chamava noça (ou nossa).

José Teodoro Prata

quinta-feira, 12 de junho de 2025

António Morão e José Jerónimo

 Estes dois padres, o nosso Padre Jerónimo e o Pe. António Morão, que paroquiava a Orca, deram um contributo muito importante para a consciencialização dos cristãos da necessidade de democratizar Portugal, antes e depois do 25 de Abril. 

Neste fim de semana de 14 e 15 de junho, inúmeros personalidades da região irão à Orca homenagear o Pe. António Morão, este ano em que se prefazem 100 anos do seu nascimento. Deixo-vos um texto que escrevi para um podcast que passou na Rádio Castelo Branco, no âmbito das comemorações dos 50 Anos do 25 de Abril.

A Homilia da Paz do Bispo do Porto, no dia 1 de janeiro de 1974, teve enorme repercussão entre os cristãos. Também nesse dia, um grupo de cristãos fez uma Vigília pela Paz, na capela do Rato, em Lisboa. Nela Sophia de Mello Breyner Andresen compôs a Cantata pela Paz, que começa pelos versos “Vemos ouvimos e lemos, não podemos ignorar.”

Estas ações vieram agitar as consciências dos cristãos, até então muito acomodados e até ativos colaboradores do regime ditatorial.

Logo nesse mês de janeiro, Frei Bento Domingos publicou na revista Brotéria um artigo que saiu no Jornal do Fundão, a 17 de março. Nele o autor refletia sobre a opção dos cristãos pelo socialismo, alicerçando-se na doutrina dos papas João XXIII e Paulo VI e nas tomadas de posição de muitos cristãos, dentro e fora da hierarquia da Igreja Católica.

Imediatamente após o 25 de Abril, a 12 de maio, um grupo de sacerdotes publicou no Jornal do Fundão o seu apoio ao Movimento das Forças Armadas e ao programa da Junta de Salvação Nacional, dando assim o seu contributo para o processo de democratização do país.

Estes sacerdotes viriam depois a fundar um núcleo regional do Movimento dos Cristãos pelo Socialismo, um movimento cristão, internacional e não partidário, dos anos 70. Em toda esta dinâmica regional dos cristãos progressistas, o Pe. António Morão desempenhou um papel muito importante.

(Nota: O socialismo que aqui se refere é o que está consignado na nossa Constituição e que é apelidado de social-democracia e trabalhismo no norte da Europa e de socialismo mais no sul da Europa - palavras diferentes para designar a mesma ideologia política.)

José Teodoro Prata

segunda-feira, 9 de junho de 2025

E nós?

 


José Teodoro Prata

quinta-feira, 5 de junho de 2025

Balanço do ano agrícola

 Terminado que está o meu ano agrícola, pois faço apenas agricultura de sequeiro, é tempo de vos apresentar o balanço:

Alhos: A terra é apertada nos Cebolais, pois é formada por uma espécie de barro derivado da decomposição do xisto. Semeio alhos há quatro anos e os primeiros dois foram um desastre total, pois apanharam míldio e apodreceram com excesso de água da chuva e da minha rega. Comecei a semear os alhos em cima de cômoros e não os reguei; o ano passado e este foram um sucesso!

Favas e ervilhas: Ando farto de debulhar e escaldar para congelação; acabei agora a última debulha de ervilhas. Já nem as podia ver!

Alhos-porros: Este ano a produção foi média, inferior ao ano passado, em quem a produção foi enorme. O excesso de chuva e a falta de sol perturbaram o seu desenvolvimento, impedindo-os de engrossar mais.

Batatas: Boa produção, melhor na Picasso (também chamada Olho de perdiz) que na Laura. Foram semeadas em fins de fevereiro, já com os cortes secos e cinza espalhada na terra sobre a qual as coloquei. O local também ajudou, pois ficava virado a sul, com uma parede a protegê-las do vento e frio do Norte. Após a Páscoa, estavam muito lindas, mas uma semana depois começaram a secar. Afinal o mal que destruiu as de quase toda a gente também o apanharam, mas valeu-me estarem já quase criadas.

Cebolas: Má produção. As plantadas no outono sobreviveram metade e das plantadas no inverno tenho lá um quarto. Gostam de chuva, mas precisam de sol!

Couves, repolhos e nabos: Foi difícil fazer concorrência às lesmas e caracóis! Devem ser plantados em agosto e inícios de setembro para estarem feitos quando chega o frio da segunda quinzena de novembro. Foi o que a minha mãe me ensinou, mas eu atraso-me sempre e por isso…

Em fins de setembro, inicio um novo ciclo.

José Teodoro Prata

segunda-feira, 2 de junho de 2025

Restauro dos retábulos da Orada

Ia escrever no título "retábulos franciscanos", mas o que se fez na nossa ermida da Senhora da Orada foi mais que isso. Aos retábulos franciscanos foram acrescentadas pequenas partes, pois a adaptação ao espaço menor da capela terá motivado alguns cortes mais descuidados. É que a Igreja de São Francisco do extinto convento feminino franciscano era maior que a Igreja da Misericórdia e por isso o retábulo que hoje temos seria originalmente bastante maior. Já agora, a Igreja de São Francisco localizava-se no local onde depois o sr. José Lourenço fez um palheiro, cujo edifício ainda existe, encostado à casa que foi dos meus avós maternos e onde, na minha infância, viviam os meus tios Zé Lopo e Maria José Prata.

O meu pai participou na construção desse palheiro e contou-me que na abertura dos alicerces foram encontrados imensos ossos de pessoas ali sepultadas. Também o Pe. Branco me disse que na rua, em frente ao referido palheiro, apareceram imensos ossos humanos aquando da abertura das valas para o saneamento básico, nos últimos anos da década de 60 do século passado. Até cerca de 1826, data da construção do nosso cemitério, enterravam-se as pessoas dentro e em redor das igrejas!

Altar principal. No brasão, ao alto, pode ver-se o símbolo franciscano do braço desnudado de Cristo (aquando da sua morte) cruzado com o braço com o hábito franciscano. O retábulo é policromado, porque tem várias cores: amarelo dourado, azul e rosa. É de estilo barroco e terá sido construído cerca de 1700: porque a época áurea do convento terá sido na segunda metade do século XVII e na primeira metade do século XVIII; porque, na azulejaria barroca, o século XVII é o período do policromado (várias cores) e o século XVIII do monocromado (azul sobre fundo branco). Algo de semelhante se terá passado com a talha dourada. Já agora, este conceito vem do facto destes retábulos serem feitos de madeira trabalhada, talhada com o formão, e serem depois revestidos com tinta amarelo dourado / folha de ouro.


Os retábulos laterais, que eram muito pobres, foram significativamente melhorados. A estes retábulos foram acrescentados altares. Neste, do lado da Epístola (à direita do celebrante, quando virado para o altar), foi colocado São Brás.



Este, do lado do Evangelho (à esquerda), recebeu a Senhora da Graça, oferta de Nuno Álvares Pereira, segundo da lenda.

José Teodoro Prata