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domingo, 5 de abril de 2009

Doçaria pascal


Depois do sofrimento e da morte, virá a alegria da ressurreição.
Não quero que vos faltem as nossas receitas tradicionais, para celebrar a festa da Páscoa!
Por isso vos deixo as dos tremoços, de dois doces e dos bolos. Juntei o queijo fresco, porque uma fatia de bolo da Páscoa coberta por queijo fresco é um manjar quase divino.
Aliás, nesta receita de bolos da Páscoa há um toque de excelência que só nos pode ter chegado da doçaria conventual.
Em toda a região se fazem bolos parecidos, mas têm mais sabores, além da canela, que nos nossos é muito suave. Depois, aquele toque do soro do leite é de mestre! Não esquecer que tivemos um convento de freiras durante séculos, com irmãs oriundas das mais variadas regiões e até de Inglaterra.
Esta receita foi-me dada pela minha mãe, que a aprendeu da sua mãe. Ora as raízes da minha avó Doroteia mergulham nos Santos e nos Mesquitas, que já vivem em S. Vicente há vários séculos.


Bolos da Páscoa


Ingredientes: farinha, 12 ovos, meio quartilho de azeite, canela, 1 copo pequeno de aguardente, 1 litro de soro de leite (pode ser substituído por água ou leite magro) e fermento do padeiro.

Batem-se os ovos e junta-se o azeite, o soro, a aguardente e a canela. Vai-se acrescentando a farinha com o fermento, amassando sempre, até a massa ficar boa para fintar. Depois de finta, tendem-se os bolos e cozem-se no forno de lenha.


Bolos de leite



Ingredientes: 1 kg de açúcar, 1 colher pequena de bicabornato(bicarbonato), 1 dúzia de ovos, 1 litro de leite, meio litro de azeite e farinha.

Misturam-se bem o açúcar, os ovos batidos, o azeite e o leite. Acrescenta-se o bicabornato e vai-se juntando farinha, até a massa ficar boa. Depois, com uma colher de sopa, deitam-se pequenas quantidades de massa nas latas, previamente untadas com azeite. Barra-se cada bolo com gema de ovo batida e polvilha-se com açúcar. Depois vão ao forno pouco aquecido.

Esquecidos
Ingredientes: 1 dúzia de ovos, 1 kg de farinha e 1 kg de açúcar.

Batem-se bem os ovos e o açúcar, com uma colher de pau, até fazer fio. Depois junta-se a farinha e envolve-se tudo bem. Deita-se a massa nas latas, com uma colher de sopa, e vai ao forno pouco aquecido.

Tremoços
Ingredientes: água, tremoços e sal.

Demolham-se os tremoços, cozem-se e deixam-se duas semanas dentro de uma saca, no ribeiro, em água corrente, para adoçarem. Depois lavam-se, salgam-se e comem-se.

Queijo fresco de cabra
Ingredientes: leite de cabra, sal e coalho.

Ferve-se o leite e junta-se o coalho, que é um pedacinho do estômago seco de um cabrito morto no período da amamentação, antes de começar a comer erva. Deixa-se ficar até coalhar. Vai-se colocando a massa no cincho, com uma concha, e aperta-se com as mãos. Quando o cincho já estiver cheio e a massa bem apertada, sem largar soro, deita-se sal por cima e deixa-se ficar. Passadas horas, vira-se, sempre no cincho, e coloca-se sal no outro lado. Pouco depois, pode-se comer.
O soro, com os pedacinhos de coalhada que escaparam do cincho, adoça-se e bebe-se ou come-se com sopas de pão. Bem coado, também pode utilizar-se na feitura dos bolos da Páscoa.

(PRATA, José Teodoro – Instantes saborosos, “Estudos de Castelo Branco”, Julho de 2007, Nova Série, N.º 6, Direcção de António Salvado)

Fotografias de Sara Teodoro Varanda

sábado, 28 de março de 2009

Tradições da Páscoa













Cerimónias de Sexta-Feira Santa, no ano passado, 2008.
Fotos de Filipa Rodrigues Teodoro


A Semana Santa e a Páscoa já se fazem anunciar. Por isso vos deixo um trecho de um trabalho que publiquei, em Castelo Branco, no ano de 2007.
Para os mais velhos, é uma doce recordação e os mais novos vão perceber melhor a nossa nostalgia das próximas semanas.
O texto faz-nos retornar aos anos 60 e qualquer um da minha geração ou das gerações próximas pode lê-lo na primeira pessoa, pois todos vivemos estas tradições de forma semelhante.


A Semana Santa era tempo de tristeza e oração. À noite, depois da ceia, os populares faziam a Ladainha, à luz de tochas, das seiras dos lagares. Era uma espécie de procissão, mas sem sacerdotes. Por volta das onze horas, soavam os Martírios, que terminavam à meia-noite, no Calvário, junto ao cemitério, com as seguintes quadras:

Ó almas que tendes sede,
vinde ao calvário beber.
O Senhor tem cinco fontes,
todas cinco a correr.

Ó almas que estais dormindo,
nesse sono tão profundo.
Rezemos um padre-nosso,
pelas almas do outro mundo.

Na Quinta-Feira Santa, à tarde, havia a Missa do Beija-Pés e, à noite, a Procissão do Ecce Homo. Na Sexta-Feira Santa, depois do jantar, era a Procissão do Encontro, que terminava no Calvário, seguida da Adoração da Cruz, na Igreja. À noite, fazia-se a Procissão do Enterro, o ponto alto da compaixão por Cristo. Nestes dois dias, os sinos não tocavam, em sinal de luto, e só as matracas chamavam os fiéis à devoção.
Não se trabalhava na quinta-feira à tarde e em todo o dia de sexta-feira, era pecado. Esse tempo era do Senhor.
O sábado aproveitava-se para preparar a grande festa da Ressurreição. Semanas antes, tinham-se comprado os tremoços, que se deitavam de molho e depois se coziam. Mas amargavam e deixavam-se a adoçar na água do ribeiro das Lajes. Chegada a véspera da Páscoa, traziam-se para casa e salgavam-se.
O forno ardia toda a tarde. As mulheres andavam em volta da farinha e dos ovos, a amassar e a deitar colheradas de massa para as latas, que iam ao forno pouco aquecido. Depois tiravam-se os doces para as bacias e nós, os mais novos, raspávamos as latas e reacendíamos o forno. E isto ia-se repetindo, até chegar a ordem de aquecer bem o forno, para os bolos. Era nesta altura que, às vezes, a lenha se acabava e tínhamos de correr aos pinheiros a ver de mais. Valia-nos a barriga cheia de esquecidos e bolos de leite.
A minha mãe, que amassara os bolos e depois os deixara a fintar, enquanto fazia os doces, vinha agora a ver o forno, mandando meter mais lenha ou espalhando o brasido, à espreita dos lares, que deviam esbranquiçar, mas não demasiado. Se estava quase bom, corria à cozinha a tender os bolos. Depois chegava com o tabuleiro cheio e poisava-o ao lado da porta do forno. Com o rodo, puxava as brasas para a porta e, com o vassouro, varria o chão de brasas e cinza. Um de nós segurava a pá, com a ponta pousada na soleira da porta do forno, e a minha mãe ia pondo os bolos, que depois arrumava lá dentro. Se o forno estivesse muito quente, tirava algumas brasas para fora e deixava as outras à porta. E ia espreitando, a ver se eles coziam lentamente ou se coravam de repente e era preciso tirar mais brasas. Quando estivessem bem altos e tostadinhos, tirava um, espetava-lhe uma caruma seca de pinheiro e via se vinha húmida. Se não, estavam cozidos e tiravam-se. Agora já não cabiam no tabuleiro, mas era lá que se colocavam, de cobulo, em sinal de festa e abundância.
Às onze da noite, íamos à Missa da Aleluia. O senhor Vigário zangava-se com tanta conversa entre campainhas e chocalhos, antes da Aleluia. Quando finalmente dizia a palavra mais ansiada da semana, troava uma babel de sons, a que dificilmente punha fim, passados minutos. Depois cantava-se a Aleluia. À meia-noite regressávamos a casa, mas alguns rapazes iam a casa do Padre Branco, a desejar-lhe as boas festas:

Rex, Rex, senhor Vigário,
que já dá o sol na cruz.
Venha dar as boas festas,
ao coração de Jesus.

Aleluia, Aleluia,
Aleluia, Aleluia. (bis)

E continuavam com outras quadras, até que o padre viesse à porta, com uma garrafa na mão, a festejar com eles a Aleluia.
No domingo, a meio da manhã, fazia-se a Procissão da Aleluia, seguida da Missa da Páscoa. Depois jantávamos e vínhamos logo para a Vila, às Boas-Festas.
O senhor Vigário entrava em cada casa, benzia-a com a água benta e cumprimentava os da casa, trocando umas palavras com eles, que insistiam para que ele comesse ou bebesse alguma coisa. Entretanto, já o sacristão, o senhor António Maria, dera o crucifixo a beijar a toda a gente. Seguia-se outra casa e, se fosse da mesma família, todos saíam a correr, para ultrapassar o padre e chegar a tempo de beijar o Senhor. A cada saída, os mais novos tiravam da mesa repleta um doce ou uma mão cheia de tremoços. Se na rua já tinham acabado as casas dos parentes e amigos, iniciava-se então a volta ao contrário, entrando e ficando em cada casa, a comer e a beber, até que alguém dizia que o senhor Vigário já estava perto da casa de outra família chegada, a morar mais longe. Nesta correria, íamos fazendo a digestão dos tremoços e dos doces. O meu pai é que, sem a nossa ajuda, não conseguia subir a quelha para a Tapada, no escuro da noite, quando a festa chegava ao fim.
As Boas-Festas eram no Caldeira e na Tapada, logo no dia seguinte, segunda-feira. Da barreira víamos o Senhor a passar pelo ribeiro das Lajes e a subir, nas calmas, até lá acima. O senhor Vigário demorava-se em cada casa, pois só havia quatro famílias. Às vezes comia um doce e bebia um copo, de vinho ou de água, da mina da Barroca.
Duas semanas depois era a festa da Santa Bárbara, no Casal da Fraga, onde vivia a grande família do meu pai. Era então que se davam as Boas-Festas e nós, os Teodoros da Tapada, passávamos lá o dia, entre a missa, o beijar da cruz e os tremoços e bolos.
Só no quarto domingo de Maio, na romaria da Senhora da Orada, é que a festa da Páscoa terminava, com as Boas-Festas às casas das Quintas, à tarde, depois das merendas.

(PRATA, José Teodoro - Instantes saborosos, “Estudos de Castelo Branco”, Julho de 2007, Nova Série, N.º 6, Direcção de António Salvado)

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Natal

Já passou mais um Natal, a melhor festa do ano. O que o torna tão especial é a amizade, no reencontro dos amigos, no abraço aos familiares, no lembrar dos outros. E bom, bom de verdade, é voltar ao local onde fomos natal.
Em 2007, num trabalho intitulado Instantes Saborosos, recordei um dos natais da minha infância, em S. Vicente da Beira. Aqui vos deixo um pedacinho:

«A masseira à esquerda do lume, a seguir a minha mãe, com um pano no joelho, para tender as filhoses, no meio um cesto da azeitona, forrado com papéis, depois o meu pai, ao lado do monte de lenha, com os ferros de virar as filhoses. Atrás, os filhos e as sombras enormes a encherem as paredes da cozinha. No centro do lume, a caldeira do azeite, pendurada nas cadeias que desciam da chaminé. Primeiro era preciso o lume forte, para aquecer o azeite, mandava a minha mãe. Quando estivesse quente, tinham de se tirar para o lado alguns paus, para não queimar as filhoses.
Eram horas de calor e os cestos e as bacias a transbordar iam-se arrumando ao pé da arca. Comíamos as filhoses mesmo quentes e estavam boas!»


















A minha mãe e a minha irmã a fazerem as filhoses.

No mesmo estudo, apresentei algumas das nossas receitas tradicionais, para que não as esqueçamos e sobretudo as continuemos a saborear.

Receita das filhoses, como a minha mãe (Maria da Luz Prata) as fazia e me explicou:
«Ingredientes: 5 kg de farinha de trigo, 2 dúzias de ovos, 1 copo de aguardente, 0,5 l de azeite, puré de um mogango, 1 pão em massa, água e sal.
Misturam-se os ovos, o azeite, o sal e o mogango, desfeito no passe-vite depois de cozido. Em seguida, adiciona-se pouco a pouco a farinha e o fermento, que é um pão em massa, e água morna, amassando sempre, até a massa estar boa. Então junta-se um copo de aguardente, amassa-se bem e deixa-se a fintar. Quando a massa estiver finta, tendem-se as filhoses no joelho, bem finas, e fritam-se na caldeira do azeite, ao lume.»
(Publicado em: Estudos de Castelo Branco, Julho de 2007, Nova Série, N.º 6, Direcção de António Salvado)