Foi
particularmente quente o verão esse ano, durante o pino solar as temperaturas
elevadas que se faziam sentir não eram convidativas para que se fizesse fosse o
que fosse nos campos.
As
ceifas tinham terminado, procedia-se à malhação dos grãos. Por todo o lado
ouviam-se os manguais batendo ritmadamente nas eiras, “o calor é bom para a
debulha”. À tardinha malhadores esperavam que o ar rarefeito trouxesse alguma
brisa para que o trigo ou centeio se pudesse limpar; as praganas e os cachiços
que estavam misturados com o grão voavam.
Alguém,
munido com um meio alqueire enchia-o e despejava-o nas sacas; contava a quantidade
de medidas que ia deitando, atava-as, estas eram transportadas em carros de
bois, burros ou às costas; conforme a quantidade de semente recolhida. Por
vezes malhadores dormiam na eira em cima da palha; para a filharada era uma
festa estarem deitados a olhar as estrelas ouvindo os ralos, as rãs coaxando
nas presas, os cães a ladrar certamente afugentando alguma raposa, quiçá um lobo.
Uma restolhada de gente dormindo ao relento.
Depois
de um dia abrasador mal se estendiam começavam a ressonar; fadiga, cansaço; a
cachopada, com os olhos abertos virados para o horizonte contavam estrelas…
A
banda filarmónica vicentina esse ano tinha participado em muitas festas nas
redondezas e mais longe; para se deslocarem partiam muito cedo a pé, em carroças… A
filarmónica, menina dos olhos dos vicentinos; chegou a atuar em terras de
Espanha tal a sua fama.
Naquela
manhã os músicos entraram no ensaio que ficava na Rua da Misericórdia, pegaram
nos seus instrumentos e foram de abalada a caminho de Castelo Branco. O relógio
marcava cinco horas, chegariam à cidade por volta das dez.
Plérias,
conversas de escárnio e mal dizer, anedotas…o tempo custava menos a passar. Ao
chegarem a Castelo Branco dirigiram-se à estação onde estavam alguns
malpiqueiros com suas carroças que os transportariam àquela aldeia raiana.
Quando chegaram, mal tiveram tempo de repousar, deram uma arruada pelas ruas da
povoação. O povo gostava das marchas tocadas pelos músicos, o arraial muito
participativo, animado, todos dançavam ao toque da banda.
Terminado
o concerto os músicos ajeitavam-se dormindo em casa dos festeiros, palheiros….
Quando
a aurora acordou levantaram-se, prepararam-se, ei-los no largo principal da
aldeia tocando a alvorada, foguetes estralejavam no ar enquanto percorriam
novamente as ruas, o povo escancarava portas e janelas para ver passar a banda.
A
missa de festa é mais demorada que uma missa normal, os músicos cantam e tocam
durante a cerimónia, a procissão demorou bastante tempo a dar a volta, muitos
crentes compenetrados entoavam cânticos e rezavam, a fome apertava. Findas as
cerimónias, cada festeiro levou alguns músicos para suas casas onde almoçaram.
Um foi parar à casa de uma família numerosa no
meio da sala uma mesa rectangular tinha ao meio um grande alguidar que
fumegava, não viu pratos na mesa, o chefe da família, a esposa e os filhos
sentaram-se em redor… festeiro chamou o nosso músico que se sentou também.
Todos
tiravam a comida do alguidar e comiam; músico cheio de fome quando viu aquilo
perdeu o apetite
-
Não come!
-
Não tenho fome.
-
Coma que está bom…
Ao
lado, numa outra mesa estava um bolo de festa, nosso músico não fez mais nada,
agarrou na faca e partiu uma fatia.
-
O que é que está a fazer! Pergunta o dono da casa
-
A partir uma fatia de bolo, respondeu:
-
Ponha aí o bolo… primeiro come-se o que está no alguidar, e só depois …
Músico
saiu porta fora vagueando pelas ruas da terra; nisto aparece o João Carvalho
bem- disposto, vendo-o com cara tristonha, cabisbaixo, perguntou-lhe
-
Há azar? - António Maria com a barriga a dar horas respondeu-lhe:
-
Deixa-me cá, logo me havia de calhar uma casa onde todos comiam no mesmo caçoulo,
os filhos com o ranho a sair do nariz, não fui capaz… estava um bolo em cima de
uma mesita, quando ia partir uma fatia ele tirou-ma da mão…
-
Vem comigo, eu levo-te à casa onde comi, gente boa, comida farta.
João
Carvalho quando contou o episódio ao festeiro este respondeu:
-
Sempre assim foi; sente-se e sirva-se à vontade…
António
Maria comeu, bebeu e ficou saciado.
Canto da nossa praça onde existiu a fonte de São João de Brito.
Nota: a imagem está invertida (a casa da varanda é à esquerda),
mas era esta a fonte de São João de Brito.
Na atualidade, parte da fonte em São Francisco.
O
presidente da Junta daquela época chamava-se Manuel da Silva, quando chegava à
praça todo ele se orgulhava: câmara, igrejas, casas solarengas… faltava
qualquer coisa para o ramalhete ficar completo. Que bem ficava uma fonte
naquele canto e não afectava nada a monumentalidade da praça. Contactou os
outros elementos da Junta, um deles era o senhor João Prata; um dia rumaram a
Castelo Branco, a verba apareceu e a fonte foi edificada.
Durante
algumas décadas deu de beber aos moradores e aos viandantes.
A
Rua do Beco era estreita a Junta da época pensou e muito bem alargar a artéria,
houve necessidade de “roubar” um pouco à praça, a fonte teve que ser
desmontada; findas as obras, voltaria para o seu lugar. Azar dos azares; a fonte
de São João de Brito nunca mais foi reposta, algumas pedras desapareceram, a
parte central trasladaram-na para junto do calvário, onde se encontra.
Faz
este ano setenta anos, esquecida sem dar fruto ou seja sem jorrar água, julgo
que deve voltar a erguer-se no local original nem que para isso tenha que se
abrir uma subscrição pública para que a velha fonte regresse ao lugar que lhe
pertence por direito.
Assim
sendo; haja quem aja.
São
João de Brito nasceu em Lisboa no dia 1 de Março do ano 1647; trezentos anos
depois foi canonizado pelo papa Pio XII no dia 22 de Junho do ano 1947
Em
sua homenagem nascia na praça uma fonte.
Fiquem
bem
J.M.S