Enxidros era a antiga designação do espaço baldio da encosta da Gardunha acima da vila de São Vicente da Beira. A viver aqui ou lá longe, todos continuamos presos a este chão pelo cordão umbilical. Dos Enxidros é um espaço de divulgação das coisas da nossa freguesia. Visitem-nos e enviem a vossa colaboração para teodoroprata@gmail.com
quinta-feira, 29 de setembro de 2011
Uma sede para a banda
Com 100 anos, a Filarmónica Vicentina já merece uma casa sua. A Direcção e a Câmara Municipal estão a tratar disso.
O local é um dos mais bonitos da Vila: a casa e quintal que foi de João Coxo, junto à Fonte Velha, e uma outra casa encostada, a dar para a Rua Dona Úrsula.
A nossa banda ganha uma sede e requalifica-se aquele espaço, já em ruínas.
Só falta a casa da família Cunha e o largo da fonte ficará um brinquinho!
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terça-feira, 27 de setembro de 2011
O nosso falar: malina
A palavra tem outros significados, mas, nos sentidos que lhe damos, é o mesmo que maligna.
No referente à saúde das pessoas, a palavra malina designa uma doença contagiosa, como uma gripe, mas tem sobretudo o sentido de algo ruim, incurável.
Nas plantas, aplica-se a doenças como o oídio (cinza) e o apodrecimento dos gachos ou a cinza e os piolhos nos feijoeiros. Como viram em recente comentário do Ernesto Hipólito, a vindima este ano foi fraca, porque deu a malina dos gachos.
Conheço um agricultor de fim de semana que se iludiu com o bom tempo do ano passado, não tratou as videiras, nesta primavera, e agora restam-lhe as uvas morangueiras. E viva a festa!
Mas malina também pode usar-se para apreciar o carácter de uma pessoa. Uma mulher malina é maldosa, mal-intencionada, gosta de fazer mal. No masculino, a mesma coisa e ainda sinónimo de diabo. Ele que não existe no feminino, talvez porque, quando foi criado, as mulheres não eram suficientemente importantes para serem dignas da maldade de que ele é capaz.
No referente à saúde das pessoas, a palavra malina designa uma doença contagiosa, como uma gripe, mas tem sobretudo o sentido de algo ruim, incurável.
Nas plantas, aplica-se a doenças como o oídio (cinza) e o apodrecimento dos gachos ou a cinza e os piolhos nos feijoeiros. Como viram em recente comentário do Ernesto Hipólito, a vindima este ano foi fraca, porque deu a malina dos gachos.
Conheço um agricultor de fim de semana que se iludiu com o bom tempo do ano passado, não tratou as videiras, nesta primavera, e agora restam-lhe as uvas morangueiras. E viva a festa!
Mas malina também pode usar-se para apreciar o carácter de uma pessoa. Uma mulher malina é maldosa, mal-intencionada, gosta de fazer mal. No masculino, a mesma coisa e ainda sinónimo de diabo. Ele que não existe no feminino, talvez porque, quando foi criado, as mulheres não eram suficientemente importantes para serem dignas da maldade de que ele é capaz.
sexta-feira, 23 de setembro de 2011
A côngrua de 1836
A Junta da Paróquia reuniu, no dia 9 de Outubro de 1836, a fim de «…arbiterar ao Reverendo Parrocho desta Freguesia huma congrua decente e razoável, conforme o seo trabalho e as posses dos Fregueses…».
A ordem vinha do poder central, via Câmara Municipal, acompanhada de cópia do decreto de 19 de Setembro.
O que sendo tomado em consideração «…com toda a madureza, que o objecto demanda, acordou a Junta que em atenção áo trabalho, que o Reverendo Parrocho tem na Administração dos Sacramentos por ser esta Freguezia numerosa e constar de Povos dispersos, que a Congroa annual fosse arbiterada na quantia de duzentos mil reis em dinheiro não só por que nesta quantia veria a emportar a sua congroa antiga, que as Comendas lhe pagavaõ em géneros, mas (…) naõ devia parcer excessiva tendo consideraçaõ á grandeza da Freguezia.»
Há séculos que as comendas de Avis e de Cristo beneficiavam dos rendimentos da Igreja, no concelho, e por isso pagavam as suas despesas. Em 1758, Ordem de Cristo pagava ao Vigário 17500 réis em dinheiro, 4000 réis em casas de aposentadoria, 300 alqueires de pão meados trigo e centeio, 40 almudes de vinho em mosto, 7,5 alqueires de azeite e metade do pé de altar; a Ordem de Avis pagava-lhe 14000 réis e metade do pé de altar.
Mas a revolução liberal de 1820, confirmada pela vitória dos liberais na guerra civil de 1828-34, acabou com essa realidade, ditando novas regras, que aqui dou a conhecer.
O mesmo decreto mandava «…arbiterar áo cobrador huma cota razoável pelo seo trabalho…» e por isso acrescentou-se a quantia de seis mil reis, «…que vinham a ser dois e meio por cento como se costuma dar aos recebedores da fazenda Publica.»
E era necessário ordenado para o sacristão «…que ajude o Parrocho no serviço da Igreja…» . Como a Junta não tinha dinheiro para lhe pagar, decidiu-se cobrar mais cinco mil e setecentos e sessenta réis.
Côngrua para o pároco + ordenado do sacristão + pagamento ao cobrador = duzentos e onze mil, setencentos e sessenta réis. Esta quantia devia ser derramada (dividida) pelos fregueses.
No dia 1 de Janeiro do ano seguinte, o rol (lista) dos chefes de família da freguesia já estava pronto e por isso se decidiu cobrar a côngrua, imediatamente, sendo nomeado, para cobrador, João Duarte Marques.
A ordem vinha do poder central, via Câmara Municipal, acompanhada de cópia do decreto de 19 de Setembro.
O que sendo tomado em consideração «…com toda a madureza, que o objecto demanda, acordou a Junta que em atenção áo trabalho, que o Reverendo Parrocho tem na Administração dos Sacramentos por ser esta Freguezia numerosa e constar de Povos dispersos, que a Congroa annual fosse arbiterada na quantia de duzentos mil reis em dinheiro não só por que nesta quantia veria a emportar a sua congroa antiga, que as Comendas lhe pagavaõ em géneros, mas (…) naõ devia parcer excessiva tendo consideraçaõ á grandeza da Freguezia.»
Há séculos que as comendas de Avis e de Cristo beneficiavam dos rendimentos da Igreja, no concelho, e por isso pagavam as suas despesas. Em 1758, Ordem de Cristo pagava ao Vigário 17500 réis em dinheiro, 4000 réis em casas de aposentadoria, 300 alqueires de pão meados trigo e centeio, 40 almudes de vinho em mosto, 7,5 alqueires de azeite e metade do pé de altar; a Ordem de Avis pagava-lhe 14000 réis e metade do pé de altar.
Mas a revolução liberal de 1820, confirmada pela vitória dos liberais na guerra civil de 1828-34, acabou com essa realidade, ditando novas regras, que aqui dou a conhecer.
O mesmo decreto mandava «…arbiterar áo cobrador huma cota razoável pelo seo trabalho…» e por isso acrescentou-se a quantia de seis mil reis, «…que vinham a ser dois e meio por cento como se costuma dar aos recebedores da fazenda Publica.»
E era necessário ordenado para o sacristão «…que ajude o Parrocho no serviço da Igreja…» . Como a Junta não tinha dinheiro para lhe pagar, decidiu-se cobrar mais cinco mil e setecentos e sessenta réis.
Côngrua para o pároco + ordenado do sacristão + pagamento ao cobrador = duzentos e onze mil, setencentos e sessenta réis. Esta quantia devia ser derramada (dividida) pelos fregueses.
No dia 1 de Janeiro do ano seguinte, o rol (lista) dos chefes de família da freguesia já estava pronto e por isso se decidiu cobrar a côngrua, imediatamente, sendo nomeado, para cobrador, João Duarte Marques.
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sábado, 17 de setembro de 2011
O nosso falar: gacho
Gacho de moscatel branco.
Com as vindimas quase no fim, há que recordar a palavra gacho. Este ano os gachos estavam fracos. A humidade primaveril favoreceu o aparecimento de doenças, sobretudo do oídio.
Andei toda a semana a pensar esta palavra, que não existe com o sentido que lhe damos. Gacho é a parte posterior do pescoço do boi, em que assenta a canga, o cachaço. Também se usa para designar uma pessoa baixa, atarracada.
Na quinta-feria, fez-se-me luz: gacho é a nossa maneira de dizer cacho. O nosso povo dizia cacho sem abrir suficientemente a boca e por isso os mais novos, ao aprenderem a palavra, percebiam gacho e assim ficavam a dizer.
Abrir a boca para dizer cacho era (é) uma trabalheira!
Cacho é um conjunto de flores ou frutos sustentados por pedúnculos. Exemplo: cacho de uvas. Cada bago é uma uva e o conjunto das uvas forma um cacho de uvas.
Na minha infância, nem sequer conhecia a palavra uva. Só dizia gacho. Agora quase desapareceu, já ninguém a usa.
Estes gachos são de morangueiro branco. São docinhos e não há malina que entre com eles.
quarta-feira, 14 de setembro de 2011
Recenseamento militar - 1838
Na reunião da Junta da Paróquia de São Vicente da Beira, a 14 de Setembro, na Sacristia da Igreja Matriz (em obras desde 1918, pelo menos) deu-se cumprimento às ordens de Sua Majestade, a rainha Dona Maria II, recenseando os mancebos que estivessem nas circunstâncias de serem apurados para o exército permanente(de primeira linha).
A listagem elaborada foi a que se segue. Respeitou-se a ordem das pessoas e das povoações como consta da acta da reunião.
Vila
António, com 18 anos, filho de Eleutério dos Santos
José, com 19 anos, filho de José Moreira (com 60 anos)
António, com 24 anos, filho de Margarida dos Prazeres
António, com 22 anos, filho de Maria Luísa
José, com 19 anos, filho de Constantino Fernandes
Francisco, com 18 anos, filho de Inês Ribeiro e pai incógnito
José, com 23 anos, filho de António Leitão Salgueiro
Francisco, com 22 anos, filho de António Gil
João, com 14 anos, filho de João Duarte Remoaldo
António, com 22 anos, filho de José António Craveiro
António, com 19 anos, filho de Matias Vaz dos Santos
Casal da Serra
Caetano, com 22 anos, filho de Joaquim Martins
Pereiros
João, com 20 anos, filho de José Varanda
José, com 29 anos, filho de João Ramos
António, com 20 anos, filho de pais incógnitos, a viver em casa de Rosário Martins
Partida
José, com 20 anos, filho de João da Costa
António, com 23 anos, filho de António Rodrigues Paradanta
António, com 22 anos, filho de José Martins
António, com 19 anos, filho de Ana Leitão (viúva)
Firmino, com 19 anos, filho de pais incógnitos, a viver em casa de Maria (viúva)
Joaquim, com 18 anos, filho de Isabel Leitão (viúva)
Paradanta
Francisco, com 19 anos, filho de José Monteiro
António, com 22 anos, filho de pais incógnitos, a viver em casa de Martinho dos Santos
Júlio, com 19 anos, filho de pais incógnitos, a viver em casa de Rodrigo Leitão
Francisco, com 19 anos, filho de António Gonçalves
Violeiro
Joaquim, com 19 anos, filho de Domingos Lopes Folgado
João, com 24 anos, filho de Maria Martins Páscoa
António, com 20 anos, filho de Manuel Pires
José, com 19 anos, filho de José Pires
Tripeiro
Luís, com 18 anos, filho de Paulo Lourenço
António, com 22 anos, filho de Domingas Lourenço (viúva)
Neste ano de 1838, a Junta da Paróquia era assim formada:
José Hipólito, Presidente
João Duarte Marques, Regedor
Gregório Lopes
João Agostinho
António Leitão
Notas:
- Os bebés expostos eram criados por uma ama e ficavam a viver com ela até serem adultos ou, cerca dos 10 anos, iam trabalhar como criados, para outra casa. Nos casos acima referidos, não temos informações sobre qual destas duas situações se aplica a cada um deles, mas o normal era ficarem na casa que os recebera acabados de nascer.
- Não havia nenhum mancebo entre os 18 e os 24 anos, no Mourelo e no Vale de Figueiras.
- Na época, escrevia-se Peradanta e não Paradanta. Tal facto vem reforçar a hipótese da palavra derivar de Pedra de Anta (anta: construção sobre o solo, com grandes pedras, que servia de túmulo colectivo).
A listagem elaborada foi a que se segue. Respeitou-se a ordem das pessoas e das povoações como consta da acta da reunião.
Vila
António, com 18 anos, filho de Eleutério dos Santos
José, com 19 anos, filho de José Moreira (com 60 anos)
António, com 24 anos, filho de Margarida dos Prazeres
António, com 22 anos, filho de Maria Luísa
José, com 19 anos, filho de Constantino Fernandes
Francisco, com 18 anos, filho de Inês Ribeiro e pai incógnito
José, com 23 anos, filho de António Leitão Salgueiro
Francisco, com 22 anos, filho de António Gil
João, com 14 anos, filho de João Duarte Remoaldo
António, com 22 anos, filho de José António Craveiro
António, com 19 anos, filho de Matias Vaz dos Santos
Casal da Serra
Caetano, com 22 anos, filho de Joaquim Martins
Pereiros
João, com 20 anos, filho de José Varanda
José, com 29 anos, filho de João Ramos
António, com 20 anos, filho de pais incógnitos, a viver em casa de Rosário Martins
Partida
José, com 20 anos, filho de João da Costa
António, com 23 anos, filho de António Rodrigues Paradanta
António, com 22 anos, filho de José Martins
António, com 19 anos, filho de Ana Leitão (viúva)
Firmino, com 19 anos, filho de pais incógnitos, a viver em casa de Maria (viúva)
Joaquim, com 18 anos, filho de Isabel Leitão (viúva)
Paradanta
Francisco, com 19 anos, filho de José Monteiro
António, com 22 anos, filho de pais incógnitos, a viver em casa de Martinho dos Santos
Júlio, com 19 anos, filho de pais incógnitos, a viver em casa de Rodrigo Leitão
Francisco, com 19 anos, filho de António Gonçalves
Violeiro
Joaquim, com 19 anos, filho de Domingos Lopes Folgado
João, com 24 anos, filho de Maria Martins Páscoa
António, com 20 anos, filho de Manuel Pires
José, com 19 anos, filho de José Pires
Tripeiro
Luís, com 18 anos, filho de Paulo Lourenço
António, com 22 anos, filho de Domingas Lourenço (viúva)
Neste ano de 1838, a Junta da Paróquia era assim formada:
José Hipólito, Presidente
João Duarte Marques, Regedor
Gregório Lopes
João Agostinho
António Leitão
Notas:
- Os bebés expostos eram criados por uma ama e ficavam a viver com ela até serem adultos ou, cerca dos 10 anos, iam trabalhar como criados, para outra casa. Nos casos acima referidos, não temos informações sobre qual destas duas situações se aplica a cada um deles, mas o normal era ficarem na casa que os recebera acabados de nascer.
- Não havia nenhum mancebo entre os 18 e os 24 anos, no Mourelo e no Vale de Figueiras.
- Na época, escrevia-se Peradanta e não Paradanta. Tal facto vem reforçar a hipótese da palavra derivar de Pedra de Anta (anta: construção sobre o solo, com grandes pedras, que servia de túmulo colectivo).
domingo, 11 de setembro de 2011
No nosso falar: chapado
A Margarida Gramunha regressou às origens e ouviu a expressão: “Já me chaparam.” (Ver comentário a “O nosso falar: relouquedo”).
Eu também já não a ouvia há muito tempo, mas costumava usá-la regularmente, sobretudo na forma: “Estou chapado.”
Chapar vem de chapa, uma peça de metal, com a forma achatada (espalmada). O verbo chapar significa colocar uma chapa em algo. Por consequência, ser chapado quer dizer receber uma chapa, ser marcado com ela.
“Estou chapado” ou “Já me chaparam” querem dizer que o sujeito foi marcado, sofreu ou vai sofrer uma penalização, à qual sente que já não pode fugir. Mas é uma pena suave, embora trabalhosa. Em todo o caso, está lixado!
Por exemplo, tem de se escolher uma pessoa para uma tarefa ou cargo que ninguém ambiciona. Antes da votação, alguém mobilizou os outros para a escolha recair sobre um deles. Este está chapado, vai ser designado, não tem escapatória. Aqui usa-se chapado com sentido de marcado.
Ou um grupo de pessoas combinou e repartiu tarefas. No final, descobre-se que alguém não cumpriu a sua parte e outro terá de ir fazer o que falta. Esse está chapado. Por exemplo, um pastor emprestou um chibo para cobrir as cabras de outro. Combinaram a devolução do chibo passada uma semana. Mas já passou o prazo e o chibo está a fazer falta no rebanho. A solução é o pastor, no final do dia, ir buscar o chibo ao rebanho do outro, em vez de ir descansar. Está chapado. (Este exemplo é do tempo em que não havia telemóveis e de um mundo rural que já quase desapareceu.)
Desconheço a origem do significado que damos a chapar e chapado. A única explicação que encontro é ter origem na recruta militar, usada até ao século XIX. Todos os homens dos 18 aos 60 anos pertenciam a um corpo militar local chamado Ordenanças. Pouco faziam, além de algum treino e certas tarefas. Mas em caso de guerra, cada concelho enviava ao comando provincial um batalhão de ordenanças, formando-se assim os Regimentos de Milícias. Mas isto esporadicamente e por pouco tempo. O pior é que os oficiais das Ordenanças tinham de escolher e enviar, regularmente, certo número de rapazes para fazerem parte do exército de primeira linha, o exército nacional permanente. Era uma grande reviravolta na vida destes jovens, que partiam para longe, a pé ou a cavalo, por alguns anos. Muitos andavam fugidos das autoridades durante muito tempo, pois recusavam-se a deixar a casa familiar.
Eram chapados, isto é, o seu nome fora tirado para irem cumprir serviço militar longe de casa (no nosso caso, na Fortaleza de Almeida). Talvez o seu nome fosse inscrito numa placa de metal.
Esta é apenas uma hipótese de explicação. Todas as achegas são bem-vindas.
Eu também já não a ouvia há muito tempo, mas costumava usá-la regularmente, sobretudo na forma: “Estou chapado.”
Chapar vem de chapa, uma peça de metal, com a forma achatada (espalmada). O verbo chapar significa colocar uma chapa em algo. Por consequência, ser chapado quer dizer receber uma chapa, ser marcado com ela.
“Estou chapado” ou “Já me chaparam” querem dizer que o sujeito foi marcado, sofreu ou vai sofrer uma penalização, à qual sente que já não pode fugir. Mas é uma pena suave, embora trabalhosa. Em todo o caso, está lixado!
Por exemplo, tem de se escolher uma pessoa para uma tarefa ou cargo que ninguém ambiciona. Antes da votação, alguém mobilizou os outros para a escolha recair sobre um deles. Este está chapado, vai ser designado, não tem escapatória. Aqui usa-se chapado com sentido de marcado.
Ou um grupo de pessoas combinou e repartiu tarefas. No final, descobre-se que alguém não cumpriu a sua parte e outro terá de ir fazer o que falta. Esse está chapado. Por exemplo, um pastor emprestou um chibo para cobrir as cabras de outro. Combinaram a devolução do chibo passada uma semana. Mas já passou o prazo e o chibo está a fazer falta no rebanho. A solução é o pastor, no final do dia, ir buscar o chibo ao rebanho do outro, em vez de ir descansar. Está chapado. (Este exemplo é do tempo em que não havia telemóveis e de um mundo rural que já quase desapareceu.)
Desconheço a origem do significado que damos a chapar e chapado. A única explicação que encontro é ter origem na recruta militar, usada até ao século XIX. Todos os homens dos 18 aos 60 anos pertenciam a um corpo militar local chamado Ordenanças. Pouco faziam, além de algum treino e certas tarefas. Mas em caso de guerra, cada concelho enviava ao comando provincial um batalhão de ordenanças, formando-se assim os Regimentos de Milícias. Mas isto esporadicamente e por pouco tempo. O pior é que os oficiais das Ordenanças tinham de escolher e enviar, regularmente, certo número de rapazes para fazerem parte do exército de primeira linha, o exército nacional permanente. Era uma grande reviravolta na vida destes jovens, que partiam para longe, a pé ou a cavalo, por alguns anos. Muitos andavam fugidos das autoridades durante muito tempo, pois recusavam-se a deixar a casa familiar.
Eram chapados, isto é, o seu nome fora tirado para irem cumprir serviço militar longe de casa (no nosso caso, na Fortaleza de Almeida). Talvez o seu nome fosse inscrito numa placa de metal.
Esta é apenas uma hipótese de explicação. Todas as achegas são bem-vindas.
quarta-feira, 7 de setembro de 2011
Chegar a porca ao porco
A leitura da notícia “O varrasco do concelho” pode dar-nos a ideia de que levar uma porca ao porco era uma coisa banal, mas não, não era pera doce.
Nos finais dos anos 60, o meu pai emigrara para França e a minha mãe, com muitos filhos, cá tocava a vida para a frente. Havia anos em que o porco que comprava para criar era uma porca e então punha-se a fazer contas. Tirar uma ninhada de porcos, antes de a matar, iria ajudar um pouco na economia da casa, concluía ela. Havia o inconveniente de adiar a matação para inícios da primavera, mas isso era o menos.
Entre Abril e Junho, a porca ficava saída e então ganhava o privilégio de sair da furda e descer a quelha até à Vila. Depois, rua da Cruz e rua do Convento abaixo, transpúnhamos o portão da Casa Conde e, já dentro, procurávamos o quinteiro ou a mulher dele.
O barraco morava sozinho, numa furda. Abríamos a cancela e chegávamos-lhe a porca. Ele interessava-se logo por ela, esfregavam-se um no outro, roncavam e faziam o serviço. A seguir, desinteressava-se e nós puxávamos a porca para fora e ala para a Tapada, agora sempre a subir, com pausas para descanso, pois a porca nunca andara tanto na vida dela.
Havia porcas que andavam bem, mas outras eram um monte de trabalhos: deitavam-se no chão, teimavam em seguir por ruas fora do nosso itinerário…
Uma houve que foi particularmente difícil de levar e trazer. Até ao Cimo de Vila não houve novidades, mas depois deu em deitar-se no chão, afocinhar, correr para a Corredoura quando nós queríamos descer a rua. De pouco valeu a lata com o milho ou a folha de couve. Fez o que lhe apeteceu e só à conta de empurrões pelo rabo, puxões pelas orelhas e folhas de couve roubadas num couval ali perto é que encarreirou com a descida. Chegou às traseiras da Igreja sem mais trabalhos, mas depois queira ir passear para a Praça ou ficar a fossar na esquina da rua Dona Úrsula. Mais uma trabalheira para a meter na quinta. Lá dentro foi o costume, fácil.
No regresso, outro calvário, menos movimento, mas igual teimosia. Já estávamos todos cansados, a porca e nós (eu e a minha mãe) e ela só queria ficar a espojar-se nas valetas frescas da regadia. Mas lá voltou à furna.
Se, no mês seguinte, a porca não desse sinais de andar saída outra vez era porque estava coberta. Então esperava-se até parir e a vida na Tapada tornava-se uma festa, com uma ninhada de bacorinhos branquinhos a brincar de um lado para o outro e a correr para a mãe sempre que ela os chamava para mamarem, com um roncar carinhoso.
Depois, quando já comiam a comida da mãe, também eles desciam a quelha para a Vila, no sábado do mercado. Agora, a porca não fazia birras, nem tinha caprichos, toda atenções só para os filhos. O pior eram eles mesmos, desabituados do movimento das ruas. Corriam de um lado para o outro, entre o susto e a brincadeira. E nós (agora com reforços) a tentarmos mantê-los junto da mãe, que não sabia para onde se virar.
O mercado dos porcos era na entrada da rua do Quintalinho, então aberto para futura urbanização. Eu ficava ao pé da porca, juntando os porquinhos o mais possível. A minha mãe dava uma volta pelos negociantes de leitões, a ver os preços. Se tínhamos a sorte de alguém se abeirar de nós e mostrar interesse pelos porquinhos, vinham logo os negociantes, um a um, a desdenhar dos nosso porcos e a perguntar o preço. A minha mãe enervava-se, mas aguentava aquele jogo de cálculo e nervos que durava uma ou muitas horas, dependia de como estava o mercado e da pressa que os negociantes tinham em partir. Era a eles que acabávamos por vender quase todos os porcos.
E voltávamos para casa com a porca, todos aliviados, mas confusos: a porca por não voltar com os filhos, eu a tentar entender aquela lição prática de economia e a minha mãe na dúvida se fizera o melhor negócio.
Bom ou mau, o preço de um leitão era para pagar a cobrição ao dono do barraco. O resto engordava a porca para a matar ainda antes de vir o calor.
Nos finais dos anos 60, o meu pai emigrara para França e a minha mãe, com muitos filhos, cá tocava a vida para a frente. Havia anos em que o porco que comprava para criar era uma porca e então punha-se a fazer contas. Tirar uma ninhada de porcos, antes de a matar, iria ajudar um pouco na economia da casa, concluía ela. Havia o inconveniente de adiar a matação para inícios da primavera, mas isso era o menos.
Entre Abril e Junho, a porca ficava saída e então ganhava o privilégio de sair da furda e descer a quelha até à Vila. Depois, rua da Cruz e rua do Convento abaixo, transpúnhamos o portão da Casa Conde e, já dentro, procurávamos o quinteiro ou a mulher dele.
O barraco morava sozinho, numa furda. Abríamos a cancela e chegávamos-lhe a porca. Ele interessava-se logo por ela, esfregavam-se um no outro, roncavam e faziam o serviço. A seguir, desinteressava-se e nós puxávamos a porca para fora e ala para a Tapada, agora sempre a subir, com pausas para descanso, pois a porca nunca andara tanto na vida dela.
Havia porcas que andavam bem, mas outras eram um monte de trabalhos: deitavam-se no chão, teimavam em seguir por ruas fora do nosso itinerário…
Uma houve que foi particularmente difícil de levar e trazer. Até ao Cimo de Vila não houve novidades, mas depois deu em deitar-se no chão, afocinhar, correr para a Corredoura quando nós queríamos descer a rua. De pouco valeu a lata com o milho ou a folha de couve. Fez o que lhe apeteceu e só à conta de empurrões pelo rabo, puxões pelas orelhas e folhas de couve roubadas num couval ali perto é que encarreirou com a descida. Chegou às traseiras da Igreja sem mais trabalhos, mas depois queira ir passear para a Praça ou ficar a fossar na esquina da rua Dona Úrsula. Mais uma trabalheira para a meter na quinta. Lá dentro foi o costume, fácil.
No regresso, outro calvário, menos movimento, mas igual teimosia. Já estávamos todos cansados, a porca e nós (eu e a minha mãe) e ela só queria ficar a espojar-se nas valetas frescas da regadia. Mas lá voltou à furna.
Se, no mês seguinte, a porca não desse sinais de andar saída outra vez era porque estava coberta. Então esperava-se até parir e a vida na Tapada tornava-se uma festa, com uma ninhada de bacorinhos branquinhos a brincar de um lado para o outro e a correr para a mãe sempre que ela os chamava para mamarem, com um roncar carinhoso.
Depois, quando já comiam a comida da mãe, também eles desciam a quelha para a Vila, no sábado do mercado. Agora, a porca não fazia birras, nem tinha caprichos, toda atenções só para os filhos. O pior eram eles mesmos, desabituados do movimento das ruas. Corriam de um lado para o outro, entre o susto e a brincadeira. E nós (agora com reforços) a tentarmos mantê-los junto da mãe, que não sabia para onde se virar.
O mercado dos porcos era na entrada da rua do Quintalinho, então aberto para futura urbanização. Eu ficava ao pé da porca, juntando os porquinhos o mais possível. A minha mãe dava uma volta pelos negociantes de leitões, a ver os preços. Se tínhamos a sorte de alguém se abeirar de nós e mostrar interesse pelos porquinhos, vinham logo os negociantes, um a um, a desdenhar dos nosso porcos e a perguntar o preço. A minha mãe enervava-se, mas aguentava aquele jogo de cálculo e nervos que durava uma ou muitas horas, dependia de como estava o mercado e da pressa que os negociantes tinham em partir. Era a eles que acabávamos por vender quase todos os porcos.
E voltávamos para casa com a porca, todos aliviados, mas confusos: a porca por não voltar com os filhos, eu a tentar entender aquela lição prática de economia e a minha mãe na dúvida se fizera o melhor negócio.
Bom ou mau, o preço de um leitão era para pagar a cobrição ao dono do barraco. O resto engordava a porca para a matar ainda antes de vir o calor.
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