terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Os Sanvincentinos na Grande Guerra

José Venâncio


José Venâncio nasceu na Partida, a 5 de fevereiro de 1893. Era filho de António Venâncio e Maria do Rosário.

Assentou praça no dia 9 de julho de 1913 e foi incorporado no 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria 21, no dia 13 de janeiro de 1914. Era na altura analfabeto e tinha a profissão de jornaleiro.

Fazendo parte do CEP, embarcou para França em 21 de janeiro de 1917, integrando a 6.ª Companhia do 2.º Batalhão do 2º Regimento de Infantaria 21, como soldado com o número 202 e placa de identidade n.º 9171.

Do seu boletim individual constam as seguintes ocorrências sobre o tempo em que permaneceu em França:

a)   Baixa ao hospital em 14 de agosto de 1917, por ter sido ferido em combate; teve alta em 15 de outubro (segundo contava, esteve mais de um mês em coma);

b)   Várias punições e detenções por faltas ao trabalho;

c)    Em Junho de 1918, foi-lhe confirmado pelo Tribunal de Guerra a sentença de seis meses de presídio militar ou, em alternativa, a pena de oito meses de incorporação em Detenção Disciplinar (de acordo com a folha de matrícula, este castigo foi aplicado, no dia 22 de Outubro de 1918, a José Venâncio e mais outros seis militares da sua Companhia, por serem acusados de se terem coligados entre si com o intuito de tirar da casa, que servia de prisão, um soldado que ali se encontrava recluso, por ordem do Comandante do Batalhão);

d)   Foi repatriado em agosto de 1918 e desembarcou em Lisboa, no dia 25.

Por decisão de 28 de Maio de 1921 o crime de que era acusado foi amnistiado nos termos do Art.º 1 da Lei n.º 1146, de 9 de Abril de 1921. Na sentença referida na sua folha de matrícula pode ler-se o seguinte: «O crime por que os réus foram condenados se acha amnistiado, assim o julgo e mando que sobre tal crime se faça perpétuo silêncio.»


Condecorações:

Medalha de Cobre comemorativa da expedição a França com a legenda: França 1917-1918.



Família:

José Venâncio casou com Maria dos Santos, no dia 18 de janeiro de 192,0 e tiveram 6 filhos:

1. Maria Lucinda, que casou com José Pedro e tiveram 3 filhos;

2.    Manuel Venâncio, que casou com Margarida de Jesus Costa e tiveram 9 filhos;

3.    João José Venâncio, que casou com Deolinda Marques e tiveram 5 filhos;

4.    António Venâncio, que casou com Cândida Alves e tiveram 2 filhos;

5.    José Venâncio, que casou com Maria Lucinda Pinto e tiveram 2 filhos;

6.    Fernando Venâncio, que faleceu ainda jovem.

«Do que o meu pai mais falava sobre o tempo em que esteve na guerra era do frio e da fome que por lá passou. Diz que às vezes o frio era tanto que até parecia que as pernas não eram dele. E para matar a fome tinham que ir pedir comida por aquelas quintas, mas os camponeses também não tinham quase nada que lhes dar, porque a miséria era por todo o lado. Por causa de fugir à procura de comida e faltar aos trabalhos, foi muitas vezes castigado, ele e os outros companheiros. Também falava dos gases que os alemães lá deitavam e matavam muita gente, porque alguns nem máscaras tinham. Ele tinha uma e quando veio ainda a trouxe. Lembro-me de a ver durante muito tempo lá em casa, mas depois desapareceu.» (testemunho do filho José Venâncio).

José Venâncio toda a vida foi moleiro. Tinha um burro e andava de terra em terra a transportar o grão para moer na azenha; teve uma vida de muito trabalho e poucos ganhos, para sustentar os filhos ainda pequenos. Viveu sempre com muitas dificuldades, porque a vida de moleiro não lhe trazia grandes proventos e também não tinha terras para cultivar.

Nunca recebeu nenhuma pensão pelo tempo e ferimentos que sofreu na guerra; foram os filhos que lhe valeram na velhice, ajudando-o no seu sustento.

Faleceu em Outubro de 1968. Tinha 75 anos de idade.

 

(Pesquisa feita com a colaboração do filho José Venâncio)

Maria Libânia Ferreira

Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra

sábado, 2 de dezembro de 2023

Projeto: digitalização dos nossos jornais

A Biblioteca Municipal de Castelo Branco não possui nenhum exemplar dos nossos Pelourinho e Vicentino. Recentemente digitalizou todos os jornais que possui, os quais podem já ser consultados no site da biblioteca.

Tenciono em breve desafiar a Biblioteca Municipal a disponibilizar também os jornais de São Vicente da Beira, pelo que terei de pedir, emprestados para a bilioteca digitalizar, exemplares a quem os tem (penso que tenho todos os números do Vicentino).

Por outro lado, como articular esta iniciativa com a nossa freguesia (para além de, automaticamente, ambos os jornais ficarem à disposição de todos em qualquer parte do Mundo)? A Biblioteca Hipólito Raposo tem os jornais em papel? Alguma instituição em SVB tem possibilidade de oferecer os jornais digitalizados aos leitores, gratuitamente? Mandem sugestões!

José Teodoro Prata

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

A primavera enganou-se

 


José Teodoro Prata

Fotos do Francisco Barroso

sábado, 25 de novembro de 2023

Campanha da azeitona, 2023

 Quando no ano passado o meu cunhado Quim, que comprara uma máquina de varetas, me disse que se colhia com ela muito mais depressa a azeitona, soube que estava lixado. O meu método era (é) arcaico, e consequentemente demorado, e por isso eu não poderia responder aos níveis de exigência cada vez maiores dos lagares, em termos de qualidade da azeitona ali entregue.

Para equacionar mais facilmente a questão, vou-a explanar em dois tópicos:

- Este ano entreguei azeitona em dois lagares (quantidades ridículas) e em ambos estive cerca de 5 horas, com filas de dezenas de veículos a aguardar a sua vez. Primeira conclusão: os lagares não dão resposta ao ritmo de colha das pessoas.

- No lagar de Vila Velha de Ródão é proibido entregar azeitona em sacas, norma que eu desconhecia por não ir lá há 3 anos. Uma camioneta carregada de sacas foi mandada embora e eu fiquei, porque levava pouca, mas toda a azeitona foi inspecionada e 6 sacas foram recusadas. No Ninho do Açor aceitam azeitona em sacas, mas com críticas a quem as leva, pois, com o calor que esteve, a azeitona degrada-se nas sacas em poucas horas. Uma pessoa que levava azeitona já podre (em sacas) sofreu a pena de a sua produção ser feita à parte (em ambos os lagares, a azeitona vai para um monte comum e a cada produtor é entregue o azeite correspondente ao peso de azeitona e ao nível de gordura revelado na análise realizada no momento da entrega). Segunda conclusão: as sacas de plástico transparente, tão defendidas há alguns anos, são cada vez menos aceites e de facto contribuem para a degradação rápida da azeitona, em tempo quente com o que tivemos este ano, na segunda e terceira semana do mês.

Como perceberam, a falta de resposta dos lagares dificulta a entrega da azeitona com a melhor qualidade possível. Há lagares que a aceitam podre, mas eu no ano passado fiquei com azeite de má qualidade porque, num lagar onde fui, o cliente imediatamente anterior a mim entregou azeitona podre e a dele e a minha foram feitas juntas, pois eram em pequena quantidade.

O aquecimento global (este ano, os meses de outubro e novembro bateram recordes) vem agravar este problema, pois na árvore a azeitona vai sofrer mais com a gafa e, após a colha, a azeitona tenderá a degradar-se depressa.

Para terminar, deixo um apontamento ecológico, sugerindo um contributo de cada um de nós para mitigar o aumento das temperaturas. Tem a ver com o que fazer com as ramagens da colheita ou da poda. Portugal vai estar a arder até lá para março, devido às tradicionais queimas da rama das oliveiras. As ramagens são carbono. Se ficarem no solo, esse carbono transformar-se-á em novas ramagens. Se forem queimadas, sobem para a atmosfera na forma de dióxido de carbono e vão contribuir para o aquecimento global. É verdade que Portugal é campeão no tráfego aéreo de aviões a jato, é campeão no estacionamento de navios-cruzeiro (ambos altamente poluentes e restringidos ou proibidos em alguns países) e está na cauda da Europa em termos de reciclagem (apenas 12% do lixo), mas cada um de nós deve fazer o que está nas suas mãos, para que o planeta continue a ser habitável para os humanos. Sugestão: amontoar as ramagens em local onde não estorvem.

José Teodoro Prata

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Para cada criança, todos os direitos*

 Na segunda-feira, 20 de novembro, comemorou-se a adoção da Declaração dos Direitos da Criança (1959) pela Assembleia das Nações Unidas, e a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989). Que me tivesse apercebido, não houve nas notícias grande desenvolvimento sobre o tema, mas ficámos a saber que Portugal perdeu cerca de um milhão de crianças nos últimos cinquenta anos.

Este número já não nos surpreende, mas preocupa-nos, principalmente porque a queda dos números da população mais jovem acontece sobretudo nas zonas rurais, onde os velhos são cada vez a fatia maior.

Segundo a Wikipédia, de acordo com o censos de 2021, a evolução dos números na nossa freguesia, nos últimos vinte anos, foi esta:

 DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO POR GRUPOS ETÁRIOS 

 ANO

 0-14 Anos

 15-24 Anos

 25- 64 Anos

 > 65 Anos

 2001

 174

 175

 716

 532

 2011

 110

 101

 561

 487

 2021

 67

 77

 417

 400

Os números totais têm vindo a diminuir muito de década para década, mas é na população infantil e jovem que a queda é pior.  

Curiosamente, parece que em São Vicente e nas freguesias cujas crianças frequentam a nossa escola, a situação melhorou um pouco: este ano o Jardim de Infância tem duas salas.

M. L. Ferreira

*O título do texto é o tema proposto para as comemorações deste ano de 2023 da adoção dos Direitos da Criança.

sábado, 18 de novembro de 2023

A corça da Orada

Visitei, no passado sábado, a capela de São Pedro de Vir-a-Corça, no Carroqueiro, Monsanto. Contaram-me a lenda da capela, referida no texto abaixo, e surpreendi-me de ali ser uma corça a amamentar um bebé, tal como a donzela da nossa Orada foi amamentada por uma corça.

Contou-me o ti´ Joaquim Teodoro, em 1990: «Um pai encontrou a filha grávida e, para não a matar, levou-a para o sítio onde está a cruz. Havia lá uma cova e o pai deixou-a lá. Por Deus apareceu uma corça e ela mamava a corça, mas vinha beber água à fonte, atrás da capela

A corça era venerada pelos lusitanos, como a seguir se refere, o que localiza a Senhora da Orada numa época remota, anterior ao Cristianismo e mesmo à conquista romana da Hispânia.

Encontrei o texto que se segue na net, cuja riqueza torna desnecessário alongar mais.

«Simbologia da Corça

A corça está intimamente ligada à feminilidade. Por alguma razão, conhece-se melhor a espécie pelo seu nome feminino – a corça, em detrimento do corço. Com efeito, são várias as lendas europeias onde ela chega como salvadora pelo leite que dá como alimento, até a humanos. Assim é com Genoveva de Bravante, uma lenda de fundo germânico ou nórdico que discorre acerca de uma foragida, falsamente acusada de infidelidade, que se exila num ermo nas Ardenas com o seu filho, alimentado este pelo leite de uma corça que lá apareceu. Em Portugal, é também o leite de uma corça que salva um bebé adotado por um homem em Vir-a-Corça, junto a Monsanto. Ambas as lendas aludem ao papel materno do mamífero, a fêmea que amamenta, a fonte da vida. Há teorias que defendem a divinização da corça pelos lusitanos, assumindo até que Sertório, para cair nas boas graças lusas, inventou que estes animais falavam com ele. Seria o eremitismo tão conhecido nos corços que provocava um fascínio tal na mente humana ao ponto de os ter como um reflexo divino? Não devemos esquecer, da mesma forma, a corça na mitologia grega, com os seus chifres de ouro e pés de bronze – é consagrada a Artémis (mais uma vez, uma mulher) e, segundo um episódio mítico, foi nela que Taigete se transformou para escapar a Zeus, sendo procurada depois por Héracles (ou Hércules, na versão romana) num dos seus doze trabalhos de penitência. Houve igualmente, como com a maior parte dos animais antes venerados por cá, uma tentativa de diabolização, sobretudo com a chegada da mensagem cristã que pretendeu redirecionar os atos celestes para as Senhoras e os Santos. A lenda da Nossa Senhora da Nazaré, por exemplo, põe D. Fuas Roupinho atrás de uma corça (ou de um veado, depende da versão) com o seu cavalo, para mais tarde se aperceber que esta era afinal uma reencarnação do demónio.»

RICARDO BRAZ FRADE

https://www.portugalnummapa.com/corca/

José Teodoro Prata

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Afinal, os Gravatinhas são outros!

Foi um equívoco de séculos. Bem, quer dizer, de anos, muitos anos, eu convencido que por aí se dizia que, aos de São Vicente, os povos das redondezas chamavam Gravatinhas.

Na semana passada, na Biblioteca Nacional, estive com Jaime Lopes Dias, que deixou escrito que essa era alcunha dos de Alpedrinha, a que também chamavam Manilhas; idem Gravatinhas, os de Penamacor. Um homem pode andar anos enganado, afinal!

Achei que poderia interessar a Vossas Excelências o escrito integral em que o estudioso trata do assunto; mas, como é longo, 5 páginas impressas, deixo somente o registo do que a São Vicente e algumas terras mais próximas diz respeito. Aqui vai, e que lhes faça bom proveito.

Com amizade,

Sebastião Baldaque

ALCUNHAS

por Jaime Lopes Dias

(extracto)

Sardanascas, os das aldeias dos arredores de Castelo Branco.

Cucos, os de Aldeia de João Pires e do Louriçal do Campo.

Unhas Negras, os de Alcains. Diz-se também: Alcains, terra de cães. Ao que os naturais respondem "Terra por onde eles passim" (passam).

Manilhas e Gravatinhas, os de Alpedrinha.

Alfacinhas, os de Castelo Novo.

Mafras, os da Soalheira.

Batatas, os do Casal.

Chamiceiros, os de São Vicente.

Mata-Lobos, os do Sobral.

Gatunos, os do Ninho.

Semagreiros, os de Tinalhas.

Carreiros, os da Póvoa.

Fura-Balsas, os de Escalos.

Pelados, os da Lousa.

Bogalhões, os da Lardosa.

Cabreiros, os de Souto da Casa.

Cravinas, os de Aldeia Nova do Cabo.

Borrados, os de Aldeia de Joanes.

Cabeças de Burro, os do Fundão.


P. S. Quem tiver interesse, poderá ler o escrito integral na Etnografia da Beira, vol. III, edição, creio, de 1926, na rubrica "Alcunhas". Mais à mão, tenho imagens dessas páginas, que coloquei no seguinte endereço:

 https://youtu.be/OFO5-44QWb4