Enxidros era a antiga designação do espaço baldio da encosta da Gardunha acima da vila de São Vicente da Beira. A viver aqui ou lá longe, todos continuamos presos a este chão pelo cordão umbilical. Dos Enxidros é um espaço de divulgação das coisas da nossa freguesia. Visitem-nos e enviem a vossa colaboração para teodoroprata@gmail.com
quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024
Homenagem ao ZÉ TALETA
segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024
O nosso falar: espigos
Levei grelos de couve-naba a uma amiga do Norte e ela gabou-me a excelência do arroz de espigos, em especial de couve galega. Cada vez que eu falava de grelos, ela respondia-me com espigos e a certa altura disparou:
- Porque é que não dizes espigos?
- Na minha terra também se diz espigos, mas aqui só se fala
em grelos… - justifiquei-me.
Quis ser simpático e coloquei-me ao nível dos albicastrenses,
mas lixei-me, pois a minha amiga não transige com as suas raízes.
No resto da conversa já só se falou de espigos.
José Teodoro Prata
sábado, 17 de fevereiro de 2024
Sem pingo de compaixão
Viriato Soromenho Marques, professor universitário, in Diário de Notícias
O filósofo Schopenhauer (1788-1860)
considerava a compaixão (Mitleid) como o sentimento moral por excelência, e por
isso uma das características fundamentais da nossa condição humana. Ser capaz
de sentir o sofrimento dos outros, sejam eles humanos ou animais, tinha, para o
pensador alemão, uma raiz ontológica fundamental. A dor dos outros, despertava
em nós uma espécie de compreensão intuitiva de que todos os seres partilham uma
vontade de viver original. Isso é válido para a mãe que corre risco de se
afogar para arrancar o seu filho das ondas, ou para o homem que se deixa imolar
pelo fogo na tentativa de salvar o seu cão. A comunhão do sofrimento rompe com
a ilusão do egoísmo, mesmo antes da nossa mortalidade o provar definitivamente.
Lembrei-me de Schopenhauer ao
perceber o crescente estado de morte ética do Ocidente. Bem sei que a política
e a ética estão muitas vezes em rota de colisão. E que o moralismo na política
internacional é usado, frequentemente, para esconder a face horrenda de
interesses inconfessáveis. Contudo, tudo tem limites. Refiro-me concretamente à
maneira inqualificável como uma série de países ocidentais reagiram a um
“relatório” de 6 páginas apresentado por Israel aos países doadores da UNRWA, a
Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina, que neste
momento é o único suporte de vida de dois milhões de sobreviventes nas ruínas
de Gaza, onde a violência das tropas de Telavive se transformou num horrendo
“novo normal”.
Israel acusou 12 funcionários da
UNRWA de terem participado nos ataques do Hamas de 7 de outubro. Mais tarde, o
número caiu para metade, dando razão ao chefe da Agência, Philippe Lazzarini,
que considerou inconsistente esse documento acusatório. Apesar de a Agência ter
13.000 funcionários, e de as acusações terem sido apontadas pelo Estado
agressor, que tem a correr contra si no ICJ, em Haia, uma séria acusação de
genocídio, a verdade é que, logo após a divulgação do texto acusatório, uma
constelação de países ocidentais decidiu - antes de qualquer investigação
independente se debruçar sobre a acusação - suspender o financiamento à UNRWA.
Escrevo aqui os nomes mais sonantes desses países que resolveram juntar-se aos
algozes do povo de Gaza: EUA, Austrália, Canadá, Reino Unido, Alemanha, França,
Itália, Países Baixos, Finlândia, Japão.
Portugal recusou integrar essa
tribo de indignidade. Escrevo-o com a alegria rara de saudar alguma medida
acertada do Governo. Pelo contrário, Lisboa aumentou o seu contributo, para
compensar a perda de financiamento provocada pelos desertores. António Guterres
nomeou uma Comissão de Investigação Independente, liderada por Catherine
Colonna, ex-ministra francesa dos Negócios Estrangeiros, suportada por 3
reputados institutos escandinavos. O relatório só estará finalizado em abril.
Isso significa que corremos o risco de muitos milhares de vidas serem perdidas,
vítimas da fome e da doença, se até lá a Agência continuar subfinanciada.
Atrevo-me a dizer que o que está em causa não são os 6 funcionários acusados,
mas a hipócrita desumanidade de Estados, saturados de uma retórica de valores e
direitos, convertidos agora à lógica de extermínio praticada por Israel.
Quem pune um povo inteiro, é quem não reconhece dignidade pessoal aos seus membros. Sem compaixão, a vida humana ficará cada vez mais descartável. Pressinto que estes são apenas os primeiros sinais de uma imensa e crescente barbárie. Intensa e sem santuários.
quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024
AMOC
Há novas notícias sobre a Circulação Meridional do Atlântico (sigla AMOC, do nome inglês), popularmente conhecida por Corrente do Golfo.
Já não é a primeira vez que aqui escrevo sobre este importante fenómeno natural, que permitiu os descobrimentos portugueses e todas as posteriores navegações à vela no Atlântico. É uma corrente de água no nosso oceano, que movimenta mais água do que todos os rios terrestres juntos.
Poder ler-se um artigo aqui (mas há muita informação na net sobre este fenómeno natural):
Infelizmente, as novidades acima referidas não são boas. A corrente está a abrandar e pode vir a parar, pois a temperatura dos oceanos, nas zonas polares, está a subir muito e a água esta a perder a salinidade, devido ao degelo dos glaciares.
O fenómeno da AMOC é semelhante ao do vento: o ar movimenta-se de zonas quentes para frias e vice-versa (se a temperatura for semelhante em todas as zonas, não há vento) e a água movimenta-se de zonas quentes para frias e vice-versa, devido à temperatura da água e ao seu grau de salinidade.
Consequências? Fim dos invernos amenos nas costas atlânticas da Europa, daqui a umas dezenas de anos. Viram as notícias das recentes tempestades de neve nas costas atlânticas da América do Norte? À mesma latitude, nós temos entre 5 a 10 graus a mais do que eles.
José Teodoro Prata
domingo, 11 de fevereiro de 2024
Hipólito Raposo e os Candeias
Acabo de chegar de São Vicente, onde participei na palestra do José Miguel Teodoro sobre o patrono da nossa biblioteca, o Hipólito Raposo.
No final, desejando ligar esta personalidade
histórica com a atualidade vicentina, afirmei estar ele ligado aos Candeias, com
destaque para o João Prata Candeias, que estava presente.
A verdade é que a sua ligação é direta não com este, mas com
os primos dele, filhos de João Candeias e Maria de Jesus, pois esta descende
dos mesmos antepassados do Hipólito Raposo (na próxima terça-feira completam-se
139 anos que nasceu Hipólito Raposo, na casa onde vive atualmente a sua familiar
Amélia Candeias com o marido Carlos Cruz).
De facto, existe uma outra ligação ainda mais antiga aos
Candeias e foi essa que me levou ao equívoco:
Em 1840, casaram José Hipólito de Jesus e Ana Raposa, esta
filha de Maria Candeias e neta de Ana dos Santos Candeias. Desse casamento
nasceu, entre outros, João Hipólito Vaz Raposo, que casou com Maria Adelaide Gama,
em 1872. Tiveram, entre outros, José Hipólito Vaz Raposo, o conhecido patrono
da biblioteca, que nasceu em 1885. Afinal, era a avó paterna do Hipólito Raposo que era dos Candeias.
Obrigado ao José Miguel Teodoro que veio de Lisboa de propósito
para partilhar uns momentos connosco. E às dinamizadoras da biblioteca (Celeste,
Libânia e Conceição), que organizaram o evento e nos ofereceram o lanche que permitiu
prolongar o nosso convívio.
José Teodoro Prata
quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024
sábado, 3 de fevereiro de 2024
Mais uma corça lusitana
No livro Novelas do Minho, de Camilo Castelo Branco, mais propriamente na novela Maria Moisés, refere-se a origem do topónimo Santarém.
Já aqui escrevemos sobre o culto da corça pelos Celtas (0s
Lusitanos eram Celtas) e da sua presença nas lendas de São Pedro de
Vir-A-Corça, Monsanto, e da Senhora da Orada, São Vicente da Beira.
Mas vamos então ao Camilo:
O rei da Lusitânia Gorgoris teve uma
filha que se apaixonou por um homem de baixa extração. O que denunciou estes
amores foi, diz Bernardo de Brito em uma palavra de cunho português de
lei, foi a «emprenhidão».
- Credo! Que palavra! – exclamou com engulho
D. Maria Tibúrcia.
- Não parece palavra de pessoa
eclesiástica! – notou a outra senhora não menos escandalizada.
O mano Teutónio, como tinha piscado o
olho direito ao cónego, ria-se, e o cónego, com a maior gravidade, disse:
- Minhas senhoras, os antigos faziam
as coisas e diziam-nas; hoje em dia a civilidade não permite dizê-las. Ande lá
com a filha de Gorgoris, sr. desembargador.
- Deu ela à luz um menino, que o avô
deitou às feras; e, como as feras o não comessem, atirou-o ao Tejo. Foi o
menino encontrado no sítio que hoje chamam Santarém; e, como quer que uma corça
lhe desse o primeiro leite, chamou-se o menino Abidis, e daí veio
chamar-se o lugar Esca Abis (manjar de Abidis), e, corrupto, Scalabis,
etc.
Notas:
Frei Bernardo de Brito (1569-1617) escreveu uma
monumental História de Portugal, em oito volumes, chamada Monarchia Lusitana.
É a ela que o desembargador se refere para explicar a origem do nome Santarém.
Nestas 3 situações em que intervém uma corça a amamentar um
bebé nascido de uma gravidez indesejada (no caso da nossa Orada, a corça
alimenta a moça ainda grávida), a corça é como uma mãe que se dá num amor
incondicional. Seria essa a caraterística que os Celtas atribuíam à corça, no
culto que lhe prestavam?
José Teodoro Prata