Enxidros era a antiga designação do espaço baldio da encosta da Gardunha acima da vila de São Vicente da Beira. A viver aqui ou lá longe, todos continuamos presos a este chão pelo cordão umbilical. Dos Enxidros é um espaço de divulgação das coisas da nossa freguesia. Visitem-nos e enviem a vossa colaboração para teodoroprata@gmail.com
terça-feira, 20 de maio de 2025
segunda-feira, 19 de maio de 2025
Legislativas 2025
Como aconteceu em todas as eleições legislativas, desde que existe este blogue (2009), o vencedor na nossa freguesia foi o mesmo a nível nacional. Os dados apresentam-se pela seguinte ordem: freguesia de SVB, concelho de CB e todo nacional (ainda sem estrangeiro):
PSD-CDS: 40,03 / 30,79 / 32,08%
PS: 24,36 / 30,79 / 23,39%
CH: 21,12 / 28,48 / 22,60%
IL: 1,36 / 3,92 / 5,51%
L: 2,21 / 2,87 / 4,18%
PCP-PEV: 1,36 / 1,63 / 3,04%
BE: 1,02 / 1,64 / 2,00%
PAN: 0,68 / 1,00 / 1,35%
José Teodoro
terça-feira, 13 de maio de 2025
Milho-rei
Na última sessão do projeto Conta-me histórias, realizada no Casal da Fraga, o Marinheiro e o Chico Insa falaram da descamisa, nas Quintas, onde houveram nascimento e criação. E a Teresa Marcelino cantou as cantigas que nela se cantavam. Depois a Libânia escreveu este texto, com as histórias que contaram e outras informações que recolheu.
Gosto
de broa. Tanto que, em tempos, quase achava estranho o desabafo de quem, como os
nossos pais e muitas gerações de avós, não teve outro pão em criança: «Quero cá
agora broa! Enchi a barriga dela em novo, que era o pão que havia: broa e
centeio; trigo, só nas Festas.» Quase achava estranho porque me lembrava dela
ainda a fumegar, aberta pelas mãos da minha avó, logo à saída do forno, regada com
um fio de azeite. E era um regalo, nos dias em que passava a Ti Palmira, o
Maiaca ou o Pinura, uma fatia de broa com uma sardinha assada a pingar por cima,
comida nas escadas da Casa do Casal, entrada de tanta gente…
Não
vão longe os tempos em que, fins de abril, princípios de maio, todos os
lameiros à roda da Ribeira estavam prontos para a sementeira do milho. Era
trabalho para toda a família e, se fosse preciso, podia sempre contar-se com a
mão de algum vizinho. Depois da semente na terra, estando a Lua de feição, passado
pouco tempo era um mar de verde por aí acima.
Durante
meses não havia descanso a arrelentar, sachar, mondar e regar. Em alturas de
seca havia quem tivesse que regar a meio da noite, alumiado pela Lua ou à luz da
lanterna (em tempos idos, o avistamento destas luzes alimentou o imaginário
popular, que acreditava tratar-se de almas penadas a vaguear pelo mundo). Lá
para finais de setembro o milho estava pronto a ser colhido. Nos anos bons,
cada grão deitado à terra dava umas três maçarocas. Não haveria fome na mesa
nem na manjedoura.
Naquele
tempo, entre o Rabaçal, o Vale Caria, a Senhora da Orada, o Ribeiro Dom Bento e
as Quintas viviam para cima de dez famílias, algumas com muitos filhos. Quase
toda a gente tinha terras suas, e quem não tinha arrendava-as ou tratava-as ao
terço, como a Ti Maria Etelvina ou o Ti Luís Teodoro, que eram terceiros do
António Neto.
Era
uma vida difícil e de muito trabalho. As crianças vinham a pé para a escola, às
vezes descalças e mal agasalhadas. Há quem ainda não se tenha esquecido dum par
de reguadas em cada mão só porque, para fugir dum aguaceiro, se demorou num
curral à espera que estiasse. Há também quem ainda sinta o gelo a estalar na
sola dos pés, memórias de quando vinha por aquele caminho abaixo, nas manhãs
frias de inverno.
Os
mais velhos trabalhavam de sol a sol durante quase todo o ano. Domingos, só
para a missa; quando muito, um copo com algum amigo, que o ganal não esperava.
Só se perdia algum dia para ir ao mercado ou à feira do Fundão, onde se aviava
o que era preciso e vendia o que se pudesse, quase sempre alguma cabeça de gado.
Com tanto trabalho, não havia tempo para grandes folguedos, mas qualquer
oportunidade que aparecesse servia para tirar a barriga de misérias. Era assim
no tempo das descamisas.
«Antigamente
as pessoas eram mais dadas e ajudavam-se umas às outras naquilo que podiam. Na
altura de colher o milho, era só dizer:
- Ó Ti Matias (é só um exemplo), amanhã vamos
colher o milho, apareçam para a descamisa.
No
fim da ceia as pessoas iam chegando, as que tinham sido convidadas e outras só
por terem ouvido dizer. Naquele tempo havia poucas ocasiões para divertimentos,
e as descamisas, por serem à noite, eram oportunidades que ninguém queria
perder, principalmente os rapaz e as raparigas. Quando se sabia duma,
passava-se logo a palavra.
À
medida que chegavam, sentavam-se numa roda à volta do monte de milho colhido
durante o dia. Não havia lugares marcados, mas toda a gente fazia por se sentar
ao pé de alguém por quem tinha alguma preferência, às vezes amores secretos.
Arranjaram-se muitos namoros assim.
Os serões
eram sempre animados a contar piadas e anedotas que punham toda a gente a rir;
e quando alguém começava a cantar:
Ó
malmequer mentiroso,
Quem
te ensinou a mentir?
Toda a gente ia atrás:
Tu
dizes que me quer bem,
Quem
de mim anda a fugir.
Desfolhei
o malmequer
Num
lindo jardim de Santarém,
Malmequer,
bem me quer,
Muito
longe está quem me quer bem.
Malmequer
não é constante,
Malmequer
muito varia,
Vinte
folhas dizem morte,
Treze
dizem alegria.
E
atrás desta vinham outras: “Milho verde”, “No cimo daquela serra”, “Água leva o
regadinho”… Mas as mãos não paravam, entre a pressa de acabar o trabalho para
começar a festa, e a cata de uma maçaroca vermelha.
Quando
se ouvia gritar:
- Milho-rei!
Milho-rei!
Calava-se
tudo a ver quem tinha sido o felizardo ou a felizarda. Quem quer que fosse,
levantava-se e corria a roda a dar um abraço a toda a gente. Para os mais novos
era uma libertação, que podiam abraçar-se às claras, sem a censura própria
daqueles tempos. Desconfiava-se mesmo que alguns rapazes já levavam de casa uma
maçaroca vermelha, só para poderem abraçar as raparigas.
No
fim do trabalho, os donos ofereciam qualquer coisa para comer e beber, quase sempre
pão com queijo, passas, maçãs… e aguardente para os homens ou jeropiga para as
mulheres A seguir fazia-se um bailarico ao toque de realejo. Naquele tempo havia
muitos rapazes que sabiam tocar bem, mas o Joaquim Feijão, o João Borrego e o
Manel Primo, que vinha do Casal da Serra de propósito, eram dos melhores e estavam
lá sempre caídos.
O
meu pai é que, mal começava o baile, punha-se logo:
- Ó
meninos, dois palmos, dois palmos!
E
levantava as mãos espalmadas, unidas pelos polegares. Até parecia que se pegava
algum mal, quando o que a gente queria era divertir-se.
E por aqueles dias havíamos de ter outros serões iguais, quer fosse na descamisa do António Remualdo, do Francisco Insa, do João Serra, do António Passaraço, ou doutro vizinho qualquer.»
ML Ferreira
terça-feira, 6 de maio de 2025
quarta-feira, 30 de abril de 2025
Portugal, anos 30-40
A exposição atualmente no Centro de Cultura Contemporânea de
Castelo Branco é absolutamente a não perder!
Consta de uma mostra de 60 fotografias selecionadas de entre
milhares, do fotógrafo amador António Cezar d´Abrunhoza (1881-1941), por Leonel
Azevedo. O restaurante O Lagar, na Póvoa Rio de Moinhos, está decorado com
fotos deste artista.
A foto que aqui se mostra faz-me lembrar o regresso da minha
família paterna à sua terra, São Vicente da Beira. Cerca de1942, o meu avô
Francisco decidiu deixar o seu trabalho de hortelão, na Feiteira, Castelo
Branco, propriedade da família deste fotógrafo, mas não fora ele que vivera na quinta,
pois o patrão era empregado bancário, segundo o meu pai. A tia Celeste era
ainda uma criança, mas tinha de tratar das vacas e restante ganal, além de
fazer trabalhos domésticos, mas a patroa espancava-a, por tudo e por nada. O
meu avô revoltou-se: “Porrada nos filhos, só ele!” Mandou vir um carro de bois,
embrulhou as tralhas numa manta e ala para a Vila.
Nessa altura, o meu pai, António Teodoro, tinha 16-17 anos e
andava a trabalhar como servente na construção do Liceu de Castelo Branco
(1941-44). Depois foi para o Balcaria, acima da Senhora da Orada, como pastor
do tio Joaquim Teodoro. Ali terá ficado até voltar a Castelo Branco, para fazer
a tropa.
Ele nasceu em Castelo Branco, em 1925, numa casita da Quinta
da Granja, que existia em frente à fonte da estrada que vai para as Sarzedas.
Esse palheiro existiu ali até à recente urbanização da Granja. Nessa altura, o
avô Francisco era o hortelão dessa quinta. Desconheço se a família terá vivido
em Castelo Branco desde antes de 1925 até cerca de 1942, quando voltou à Vila. Depreendo
que não, mas pelo local de nascimento dos irmãos mais novos é fácil verificar.
Sei que a tia Eulália era muito pequena quando regressaram.
José Teodoro Prata
quinta-feira, 24 de abril de 2025
Os feriados da liberdade
Amanhã comemora-se o 25 de Abril e logo a seguir o 1.º de Maio de
1974. Foram e são momentos marcantes na história da nossa jovem democracia.
Este ano com importância acrescida, pois amanhã completa-se meio século das
primeiras eleições livres após os 48 anos de ditaduras (Militar e do Estado
Novo) que sufocaram Portugal. Foi nestas eleições que se elegeram os deputados
à Assembleia Constituinte, a qual redigiu a Constituição democrática que nos serve
de guia, a nossa bíblia.
Nestas eleições de 1975, a percentagem de votantes foi de 91%,
tal era a sede de participação cívica dos portugueses! Depois começou a decrescer,
talvez porque muitos julgassem que isto de fazer um país é coisa fácil. Até os
compreendo, pois senti essa inquietação quando, no 25 de abril de 74, um
professor, o padre Vaz, disse na aula de Filosofia que isso de mudar um governo
era fácil, mas mudar as mentalidades demorava muitos anos. Mas aguentei o
choque e nunca deixei de participar na nossa vida democrática.
O mesmo não aconteceu nas comemorações destas datas marcantes.
Naquela segunda metade da década de 70, o meu pai aproveitava os dois feriados
para lavrar e semear as terras serranas que havíamos herdado dos avós maternos:
Ribeiro Dom Bento e Horta de Estêvão. Só nessa altura elas estavam prontas para
a lavoura e toda a família era mobilizada, sem contemplações, como no ano em que organizei, como membro da direção do Clube, um jogo de futebol entre
solteiros e casados para o 1.º de Maio ou o ano do meu estágio como professor,
em que passei um longo fim de semana, como o deste ano, a trabalhar e só à noite tinha tempo para planificar a semana de aulas que me cabia nos dias
seguintes. Claro que deu mau resultado!
Mas a verdade é que fiquei preso a esses anos e nunca a
posterior vida citadina me encheu tanto as medidas como aqueles dias a sentir o
despertar da terra. Fico por aqui, mas com a cabeça lá.
Viva a liberdade de eleger e ser eleito, a liberdade de lutar
por uma vida digna, a liberdade de ser quem somos!
José Teodoro Prata
sexta-feira, 4 de abril de 2025
O nosso falar - Dar a salvação
Uma
das melhores formas de aprender é por imitação, principalmente quando se trata
de regras de convivência social. Dar a salvação é um bom exemplo. Desde
crianças que começámos a dizer bons dias,
boas tardes ou boas noites a toda a gente por quem passávamos (os mais velhos
ainda nos lembramos de ouvir Nosso Senhor
lhe dê bons dias; Nosso Senhor o
ajude; Vá com Deus, Nosso Senhor o acompanhe…). Ninguém nos
disse que tínhamos de o fazer, mas imitávamos o que víamos aos nossos pais e a
outros adultos significativos, sempre que passavam por alguém na rua, fosse ou
não gente da terra.
Negar
a salvação era a pior ofensa que se podia fazer a alguém, e só acontecia quando
a zanga era séria; por isso, a primeira vez que íamos à cidade (para muitos era
a ida a Castelo Branco para o exame da quarta classe) achávamos estranho que as
pessoas passassem umas pelas outras e não dessem a salvação, como se andassem
todas zangadas. A situação piorava quando, como aconteceu com alguns de nós,
íamos viver para uma cidade maior. Sentíamos que parte da nossa humanidade
tinha ficado para trás.
Regressados
à terra, muita coisa mudara: as crianças tinham-se feito homens e mulheres e já
não tínhamos o nosso pai e a nossa mãe a esperar-nos à porta de casa. Apesar
disso continua a ser reconfortante passar por alguém na rua e, muitas vezes,
poder ir para além dum apressado «bom dia». Estranhamente, começa a ser
frequente cruzarmo-nos com pessoas, geralmente mais novas, que, de tão
mergulhadas nas próprias bolhas, passam pelos outros como seres invisíveis.
Há
quem diga que é só falta de educação; é possível que seja sobretudo sinal de um
tempo de maior isolamento e solidão…
ML Ferreira


