domingo, 10 de julho de 2011

Nossa Senhora da Orada

Ando a ler o livro “A ANUNCIAÇÃO À VIRGEM MARIA na religiosidade popular do interior da Beira”, de Maria Adelaide Neto Salvado, recentemente editado pela editora Pelimage.
Nas páginas 67 e 68, a autora cita J. Pinharanda Gomes e a sua “História da Diocese da Guarda”, para explicar a origem da festa da Anunciação, a 25 de Março. Ambos os autores fazem recuar as origens da festa ao culto pagão da deusa romana Cibele, a Mãe dos deuses, a grande deusa da fertilidade, cujas festas se celebravam a 25 de Março, data em que, ainda na época do Império Romano, a Igreja passou a comemorar a maternidade divina de Maria.
Já na página 69, a Dr.ª Adelaide Salvado escreve:

«Ora, nas manifestações da devoção popular mariana, igualmente, uma estreita relação se estabeleceu entre a Virgem Maria e a fertilidade da terra. Tal como os antigos santuários da deusa-mãe, as ermidas e os santuários erguidos em honra da Virgem Maria que pontuam os campos peninsulares surgem em locais de grande beleza natural, uns junto a nascentes de água com poderes medicinais (61), outros, não raras vezes, associados a lendas que relatam a intervenção da Virgem Maria sobre a fecundidade da terra, ora salvando as searas das pragas de gafanhotos (62), outras trazendo a chuva à terra sequiosa; ora intervindo na sua paragem, quando a sua abundância inundava perigosamente os campos, como acontece com os santuários de Nossa Senhora do Almurtão (Idanha-a-Nova) e de Nossa Senhora de Mércules (Castelo Branco).»

Nota 61: «Sirva de exemplo o caso de Nossa Senhora da Orada (S. Vicente da Beira).»
Nota 62: «Sirva de exemplo o santuário de Nossa Senhora da Azenha (Monsanto da Beira).»


Ribeira da Senhora da Orada.
Fotografia de Filipa Teodoro.

sábado, 9 de julho de 2011

João Marcelo (1960-2011)

Acabo de saber, pelo Reconquista online, que faleceu o João Marcelo, nosso conterrâneo da Partida.
Dirão que já faleceu muita gente boa, de quem eu não dei notícia. É verdade. Mas há o público e o privado. Não trato deste, mas sim do outro.
Mal o conhecia, mas contavam-me que era um dos melhores advogados da cidade. E também um importante dirigente do Partido Socialista.
Deixo-vos com a notícia do jornal Reconquista (7 de Julho de 2001), da autoria de Lídia Barata:


«João Carlos Marcelo faleceu na madrugada de sexta-feira aos 50 anos, vítima de doença prolongada.
O advogado natural de Partida, concelho de Castelo Branco, licenciou-se em Direito em 1985, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde exerceu alguns anos. Mas acabou por se estabelecer na cidade albicastrense.
Além da advocacia, João Carlos Marcelo era também conhecido pela sua actividade política, sendo actualmente presidente da Comissão Politica Concelhia do Partido Socialista e membro da Assembleia Municipal de Castelo Branco, onde desempenhava o papel de líder da sua bancada.
Em termos políticos também já tinha integrado os órgãos nacionais do PS.
João Carlos Marcelo faleceu no Hospital Amato Lusitano, em Castelo Branco, onde se encontrava já internado há algumas semanas.
O corpo será velado a partir da tarde de sexta-feira na capela de São Marcos, em Castelo Branco.
O funeral realiza-se no sábado a partir das 10h30 para o cemitério da Partida, a terra natal do advogado.»

sexta-feira, 8 de julho de 2011

O nosso falar: vossemecê

Quando andava no Seminário e queria comunicar com a minha família, uma das coisas mais complicadas era escrever a palavra vossemecê, termo com que eu tratara sempre a minha mãe e o meu pai, mas que nunca vira escrito. Envergonhava-me de usar a palavra, pois tinha medo de a escrever mal e achava-a tão impessoal, quando escrita, que não sabia se com ela conseguia mostrar-lhes o meu respeito.
Depois, não sei se no Seminário ou em casa, habituei-me a tratar os adultos por você, não os meus pais, que continuaram a merecer o vossemecê.
Já jovem, no Magistério Primário desta provinciana cidade de Castelo Branco, uma professora comentou com as minhas colegas, durante um debate entre alunos e vários professores: "É de admirar a maneira inocente como o Teodoro trata os professores por você!"
Contaram-me e só então soube que os albicastrenses consideravam ofensivo o tratamento por você. Esta história tem mais de 30 anos, mas há dias deparei-me com comentários de professores a considerar mal-educado um aluno que os tratava por você. Curiosamente, o adolescente é nosso vizinho da Gardunha.
Um dos meus colegas até lhe respondeu: "Você é estrebaria!" O mesmo é dizer que só se tratam por você as pessoas de baixa condição social, as que estão ao nível de tratar os cavalos da estrebaria.
Porque será que os albicastrenses sentem tanta repulsa pela palavra você? Porque você é a contracção da expressão Vossa Mercê e esta era a forma de tratamento a que tinha direito a burguesia, até finais do século XIX.
Considerarão que era um tratamento prestigioso e é verdade. Raros eram os homens do povo que a ele tinham direito. Só que estes desejavam ser tratados como os nobres, por Vossa Senhoria. Eram quase sempre mais ricos e mais cultos que os nobres, mas só tinham direito à forma de tratamento mais humilde. É que acima de Vossa Senhoria ainda havia o Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor com que eram tratados os membros mais importantes do clero, como os bispos.
Agora imaginem, há cerca de 150 anos, a elite albicastrense, formada por uma dúzia de famílias de grandes lavradores, comerciantes e letrados, ter de tratar por Vossa Senhoria os raros nobres que existiam na cidade e por Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor o bispo da diocese, mas só receber deles e de todos os pacóvios o tratamento de Vossa Mercê! Nasceu-lhes uma tal repulsa por essa forma de tratamento que ainda hoje é sentida pela classe média da cidade.
Como já devem ter percebido, o nosso vossemecê é a maneira do nosso povo dizer Vossa Mercê. Em São Vicente da Beira, esse tratamento agradava aos nossos pais, pois fora o tratamento dado às pessoas mais importantes com que os seus antepassados lidaram.
Os burgueses albicastrenses sentiam-se humilhados com o Vossa Mercê, mas o seu uso generalizado a todo o povo foi uma forma de democratizar um tratamento que até então fora de apenas uns poucos, de uma elite social. Certamente, também em Castelo Branco, o uso de vossemecê ou você foi e ainda é uma forma respeitável de tratamento, mas apenas para as camadas mais baixas da população, não para a classe média, herdeira da mentalidade burguesa dos séculos XVIII e XIX.

domingo, 3 de julho de 2011

II Feira: balanço

Não foi muito diferente da Feira do ano passado. Ela mostrou os nossos pontos fortes, mas também as nossas fragilidades. Houve melhorias nalgumas áreas e fraquezas noutras. Em termos de espectáculo, mostrou novamente a nossa quase auto-suficiência: bombos, banda e rancho. Soube que o GEGA pretendia fazer a projecção, em contínuo, do filme dos anos 70, entretanto colocado no Youtube. Não o pôde fazer, pelo local que lhe coube, e foi pena, pois a Feira ficou mais pobre.
Um breve reflexão sobre dois aspectos:

1. Data da Feira.
No ano passado, a feira esteve prevista para o fim de semana de 10 de Junho, mas teve de ser adiantada no calendário, por força da condecoração do Presidente da Câmara, no 10 de Junho.
Este ano, também não poderia ser, pois as cerimónicas do Dia de Portugal tiveram lugar em Castelo Branco.
Este fim de semana, cerca do dia 20 de Junho, tem bom tempo (nem muito frio, nem muito calor) e temo que a data pegue. A Feira já entrou na rotina das pessoas, mas faz pena ver a Vila cheia de vicentinos, no 10 de Junho, e depois realizar uma feira no fim de semana seguinte.
A agravar, ainda se comemora o aniversário da banda, no domingo seguinte, e o festival de ranchos, no outro (este em que estamos). Isto é, vemos chegar e partir os nossos e depois seguem-se três fins de semana de oiro, só para os residentes.
Não sei qual a boa solução, mas faz-me impressão!

2. Publicitação da Feira
No ano passado, houve uma boa divulgação da Feira, de tal forma que se dispensou a conferência de imprensa, dias antes.
Estranhamente, este ano, a imprensa de Castelo Branco ignorou a nossa Feira (procurei e não vi nada). Para o concelho a que pertencemos, foi uma feira clandestina. Claro que não me refiro aos cartazes, pois defendo que em épocas de crise se tem de fazer igual ou melhor, com menos dinheiro.
O extraordinário é que a única notícia que vi foi no Jornal do Fundão, que a nós dedicou uma página inteira (prova de que a organização fez o seu trabalho). Já no ano passado, o Jornal do Fundão divulgara a Feira e a Rádio Cova da Beira veio à Vila gravar um programa. Afinal, a que lado da Gardunha pertencemos?
Os jornais de Castelo Branco podem defender-se com os seus critérios e a sua independência, mas nós não temos de gostar, comer e calar!

sábado, 2 de julho de 2011

O nosso falar: Lisboa branca

Veio o calor e com ele os primeiros figos. São os maiores do ano, por nós chamados figos do Algarve.
Que sejam do Algarve é natural, pois certamente os nossos antepassados mouros trouxeram-nos de Marrocos e o Algarve foi a região do actual território nacional onde os mouros ficaram mais tempo (711-1249).
E nunca diríamos figos do Minho, pois nesta região não faz calor suficiente para produzir figos.
Assim, é lógico dizer figos do Algarve. Mas já me espanta não encontrar quase ninguém a usar esta expressão fora de São Vicente da Beira. Eu próprio já só a uso na nossa terra, pois fora dela ninguém me entende. O nome mais comum que se usa é figos de São João, por darem na época da festa deste santo.
Algo parecido se passa com os figos Lisboa branca ou figos de Lisboa. Ainda na terça-feira a minha mãe me disse que certa figueira era de figos de Lisboa. Referia-se aos figos pingo de mel brancos.
É provável que este variedade tenha sido trazida de Lisboa, pois do seu porto saíam, já na Idade Média, grandes carregamentos de figos para o Norte da Europa. A variedade mais comum no Ribatejo e na Estremadura, as regiões agrícolas envolventes de Lisboa, seria pois a pingo de mel branca.
E os nossos antepassados chamaram-lhe figos de Lisboa, pois de lá vieram estas figueiras, para este interior.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

101.º aniversário da banda

Houve festa, no passado domingo, 26 de Junho. A nossa Sociedade Filarmónica Vicentina fez 101 anos.

Programa:
09:30 - Arruada, pela Banda Filarmónica Vicentina e pela Banda Filarmónica Idanhense.
11:00 - Missa, na Igreja Matriz de São Vicente da Beira, em memória dos músicos, directores e maestros já falecidos.
12:00 - Sessão Solene na Praça Medieval de São Vicente da Beira.
13:30 - Almoço.
15:30 - Concerto da Banda Filarmónica Vicentina e da Banda Filarmónica Idanhense.


Houve missa, cantada e tocada, como antigamente.


Cantaram-se os parabéns, apagaram-se as velas e partiu-se o bolo, como manda o ritual. Parabéns à velhota!


As homenagens foram ao meio dia. Ao centro, o senhor Albino. Sempre o conheci como músico da nossa banda filarmónica.


À tarde, concerto na Praça.


Passei por lá, em outras andanças, e gostei de ver a Praça cheia de gente, em ambiente festivo. Eram já 19.30 h.

Nota: Fotos do Dário Inês, a quem agradeço, por tornar possível esta notícia. As informações do programa tirei-as do blogue da Junta de Freguesia (http://jfsvbeira.blogspot.com).

domingo, 26 de junho de 2011

Vale de Figueiras

São bonitas as nossas aldeias de montanha: Casal da Serra, Paradanta e Vale de Figueiras.
A primeira aconchegada no colo da serra, a segunda estendida ao longo de um caminho de canseiras e a terceira metida num beco da montanha.
Sentado no penhasco do Castelo Velho, contei ao Ernesto Hipólito que visitara finalmente a única aldeia da freguesia que ainda não conhecia, Vale de Figueiras.
"Lá estás tu a dizer Vale de Figueiras. Já no blogue fazes a mesma coisa. É Vale de Figueira!"
De repente, alguém nos desviou a conversa para outro assunto e não concluímos este. Faço-o agora.
Primeiro, adorei conhecer o Vale de Figueiras. Da Partida, segue-se por um vale ribeirinho e de repente chegamos. É uma típica aldeia de montanha: vale estreito ajardinado por hortinhas bem cuidadas, casas alcantiladas nas encostas íngremes, o verde garrafa da vegetação salpicado pelo castanho das casas antigas e pelo branco das mais novas. Gente simpática, de cabelos loiros e olhos azuis. Perdeu-se aqui uma tribo de germanos, no seculo V! À entrada da povoação, termina o caminho fácil. Depois segue-se a pé ou de carro, mas com o credo na boca. O vale do ribeiro acaba um pouco mais à frente e por todos os lados a serra se empina. Caminhos bons para cabras e montanheses.
Vista dos meus enxidros, não se adivinham na serra encostas tão íngremes, para os lados da charneca. Pensava que só no Casal da Serra, do Cavaco para cima.
Segundo, o uso do plural no nome. Em toda a documentação em que tenho trabalhado, anterior a 1850, a povoação é sempre designada por Vale de Figueiras.
Tem lógica, pois o lugar tem as duas condições para ser abundante em figueiras: água com fartura e calor (o vento frio passa por cima). E haveria (há) muitas figueiras, pois uma não seria notícia neste nosso já sul mediterrânico.
Temo que a passagem do plural para o singular se deva a um lapso ou a uma decisão sem fundamento, como aconteceu recentemente com Cafede.
Sempre se escreveu Cafede, mas há anos o nome da povoação apareceu, nas placas das estradas, escrito com acento gráfico: Caféde. E pouco a pouco as pessoas interiorizaram que a palavra se escrevia assim e até os jornalistas da região passaram a escrever com acento. Agora já começam a emendar, mas as placas lá continuam, para baralhar.
E porque não leva acento agudo? Porque é uma palavra grave e estas não precisam de acento gráfico, para marcar a sílaba tónica, a que se lê com mais força. Há excepções, mas não para a palavra Cafede.

Nota: Estive em casa de uma sobrinha da Ti Mari´Zé Afonsa, daqui natural. Havia uma figueira enorme, que agora estará carregadinha de figos do Algarve.