sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Futilidades

Demóstenes

Vou contar uma verídica história
Que se passou na Antiguidade
Numa grande e próspera cidade
Atenas; urbe de grande memória

Demóstenes o filósofo, discursava
Na grande praça central
A multidão passava e não parava no local
O povo distraído não lhe ligava

Atenienses; clamava irritado
Certo dia de muito calor e seca
Um rapaz alugou uma pileca
Para o levar a um determinado lado

Era a hora do meio-dia
Não havia sombra para o ir tapando
Aproveitou a sombra do burro e ia andando
O dono não gostou do que via

Eu aluguei meu burrinho
Não aluguei sua sombra benfazeja
Se a quiser aproveitar como deseja
Tem que me dar mais dinheirinho

Não acredito no que estou a ouvir
Diz o rapaz incrédulo e espantado
Ao alugar o burro sua sombra hei alugado
Nada mais tenho que pagar; disse o jovem a rir

Depois disto contado
Demóstenes desceu do púlpito
Perguntou o povo, de súbito
Que aconteceu ao coitado!

Então o grande orador
Para o céu os olhos voltou
Deuses, vejam como o povo se interessou
Por este conto balofo e sem grande valor

Assim é no tempo actual, de agora
Há interesse por futilidades
E lança-se o que é bom fora


Zé da Villa

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Casal da Fraga



Temos acima o registo de casamento de José Antunes e Maria Gonçalves, no ano de 1754. Ela era filha de Manuel Rodrigues e Luzia Gonçalves, moradores no Casal de Duarte da Fraga. Trabalharia para o Duarte da Fraga (antepassado dos Jerónimo) e por isso vivia no seu casal.
A segunda imagem é um pormenor da primeira, na qual está ampliado o nome do casal: Casal de Duarte da Fraga.
Para entender melhor esta questão, aconselho a reler a publicação Jerónimo. Basta escrever Jerónimo na janela do canto superior esquerdo. É a 3.ª publicação que aparece (salvo erro).

José Teodoro Prata

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Atrás de tempo, tempo vem

Talvez, na Taberna da Viúva

Chegou. 
Era um estranho de vestes brancas e longas! 
Assomou à porta da Taberna e disse à sociedade:
— Que estão vocês aqui a fazer, reunidos?!
— A olhar o calendário do ano de 2016 e a mirar de soslaio o passado – disseram.
— Já viram por aí os anos de 1893, 1924, 1951 ou 1960?!
— Ói, ói, ói, ói! Lá para trás, lá para trás!... Parece que somos os velhos destes tempos.
E o forasteiro, autoritário:
— Vocês já estão mortos, ouviram? E os vossos filhos também! Vocês são um "Coro de Defuntos".
— Ah! Sim?
— E quem é você?
— Sou um anjo do Senhor.
Jerolme tomou a palavra e disse:  
 — Atrás de tempo, tempo vem!
— Palavras de sábio - asseverou Canhoto.
E mais não queriam eles dizer!
Que as cruas palavras do anjo lhes tinham ferido fundo a alma, provocando-lhes enorme inquietação!
Mas Garrancho ergueu a voz para um dos mirones do adjunto, de modo que todos ouvissem:
— Sabes o  que é isto meu rapaz?
— Humm!
— É a senilidade!
Houve  um grande rumor entre os presentes.
E, de facto, como declarara o homem das vestes brancas, viu-se que se assemelhavam a um "Coro dos Tribunais", de voz fria e atitude austera.
Todavia, o anjo no seu esplendor, buscando alguma harmonia:  
- Olhai: os velhos de hoje não são vocês. São os vossos netos!
Ora, porque essa era a pura da verdade, não puderam responder-lhe.
Contra fatos não há jumentos! Pois todos sabiam que estes apenas usam albarda.  
Então, o anjo limpou a parede às suas vestes!
E, tal como surgira, assim dali se sumiu, lesto.
Mas antes, desejou:
— Tenham um bom futuro!


Boris de Viana

domingo, 10 de janeiro de 2016

Das trovoadas

Não encontrei a música sugerida pela Libânia (Santa Barborinha Bendita), mas esta é igualmente bela, vem das nossas raízes e também pede proteção contra as trovoadas.
Pertence ao album Cenários, dos Realejo. É um tema tradicional da Beira Baixa.



José Teodoro Prata

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Um São José de azulejo

(…) Pensamento dá-me uma dica; neste momento nada me ocorre…
Vai ao teu arquivo fotográfico e fala sobre as imagens de azulejo que decoram muitas casas da tua terra.
- Deste-me uma ideia genial, vai-me dar algum trabalho vasculhar, mas penso que irá valer a pena.
- Essas representações são painéis de religiosidade e devoção popular e servem, julgo eu, para protecção da família que habita a casa. Se no painel está uma imagem de São José, com certeza quem o mandou colocar chamava-se José: pode ser Pedro, João, António…


Sendo assim; começo pelo São Jorge. Segundo reza a tradição, São Jorge foi um soldado romano que viveu no tempo do imperador Dioclesiano, também foi padre; o que lhe valeu o martírio. Estamos habituados a vê-lo montado num cavalo, espada em riste matando o dragão que simboliza satanás; desde o tempo do nosso rei D. João I que é o patrono do exército português, também é dos escoteiros, quem introduziu o culto foram os soldados ingleses. Os primeiros reis de Portugal quando andavam em guerra, gritavam: Santiaaago… o problema era quando os exércitos de Castela e Portugal se defrontavam, os dois a pedirem a protecção ao santo, já viram a confusão, devia apanhar cada afronta!
- Diria: a minha sede está na Galiza, mas o portuga também é filho de Deus. Não queria estar na pele dele. Os nossos reis resolveram a situação adoptando o São Jorge, desta maneira Santiago deixou de ter problemas de consciência…
- Adiante; era tanta a fé no São Jorge que o santo condestável dizia que a batalha de Aljubarrota foi ganha graças a ele. Por influência inglesa ou pela fé, o rei D. João I substituiu Santiago pelo São Jorge.
- Terminaste?
- Acho que escrevi o essencial.
- Volta ao teu arquivo e descobre mais um painel de azulejos, conta também a história resumida da imagem.
- Numa casa ao lado encontra-se um painel que representa São João Baptista.
- Pensamento; repara na beleza, um São Joãozinho muito ternurento tendo por companhia um lindo e manso cordeiro, conta um pouco da história deste santo.
- Passou uma grande parte da sua vida no deserto, alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre, era um asceta. Um dia resolveu aparecer e começou a pregar, tinha muitos seguidores e baptizava no rio Jordão. Certo dia, estava baptizando, ao longe avista uma pessoa, era Jesus. 


Quando se aproximou disse-lhe: João baptiza-me… Senhor, eu não sou digno de desatar as tuas sandálias.
- Baptiza-me.
- Eu te baptizo…
- O rei Herodes mais tarde mandou-o degolar. É o São João das fogueiras, dos folguedos.

- Os lares querem-se abençoados, guardados, protegidos; dificilmente entra o maligno nesta habitação.



- O Menino não tem medo de nada, está protegido pelos braços fortes do pai. Cresce em sabedoria e força.
- Jesus, dá-me a serra para cortar esta tábua; pega na vassoura e varre a oficina.
- Jesus, anda para a praça brincar à espada lua.
- Agora não; estou ajudar o meu pai.
- Jesus: diga mãezinha;- vai à fonte buscar um jarro de água para fazer a ceia
- Assim que acabar de varrer a oficina do pai, vou logo.
- Não te demores; passa pela loja e compra um litro de petróleo.
- Ó pai, deixa-me aplainar esta tábua! Para que queres tu aplainar a tábua! Para fazer um banquinho.
- Essa não, pega antes esta. A plaina corre ligeira, tornando lisa a madeira, Jesus transpira, martela e o banco começa a tomar forma.
José, Maria e Jesus; família modelo. Tinha 33 anos quando o crucificaram numa cruz.

- António santo, de Jesus querido, valha-nos sempre o vosso patrocínio:-cantava-mos na sua capela durante a trezena. Santo casamenteiro, português, tinha um carinho muito grande para com o Menino, ainda hoje lhe confiam os animais para que os guarde e proteja.


- Que achas da ideia?
- Genial, não sei que seria de mim sem a tua ajuda. Também não é necessário exagerar. É verdade; se não fosses tu abrires as portas à minha memória…

- Não precisa de apresentação; o nosso São Vicente foi um mártir. Temos o privilégio de guardarmos na igreja paroquial um pedaço do seu queixo oferecido por D. Afonso Henriques.

                                    
Homem rude, forte, valente. Segue-me, a partir de agora vou fazer-te pescador de homens. Desde já te aviso, antes que o galo cante três vezes tu vais negar-me.
- Eu mestre, nunca.
- Nunca diga nunca.
- Perdoa-me Senhor.
- Simão, és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, o que ligares na terra será ligado no céu, o que desligares na terra será desligado no céu.


Terra de Santa Maria, Senhora da Conceição nossa padroeira e rainha, mãe carinhosa, bondosa, salvé santa mãe de Deus, avé ó cheia de graça o Senhor é contigo, bendito o fruto do teu ventre…


A treze de Maio, na Cova da Iria… Não há português no mundo que não conheça a história da Senhora de Fátima. Não tenhais medo, eu sou a Senhora do Rosário. Vocemecês não a viram? É uma Senhora muito bonita, mais brilhante que o sol, o seu brilho não nos ofusca, seu sorriso é doce, sua voz meiga…


Ó anjo da minha guarda, ó meu doce companhia, guarda minha alma noite e dia… é uma oração do meu tempo de criança, que minha mãe me ensinou. Todos temos um ser celestial que o Pai nos cedeu para nos guiar, ajudar, orientar e guardar, não o vemos, mas ele acompanha-nos. É ou não é verdade Pensamento! Podes crer.



J.M.S





José Teodoro Prata

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

A felicidade

Faz parte da Constituição Francesa e Americana já dos finais do séc. xviii, como um dos direitos do ser humano, a procura da felicidade.
Antes como hoje, todos a procuramos e poucos a encontram, porque a procuramos fora, quando ela está dentro de nós.
A felicidade exterior é como o horizonte por cima do Ingarnal. Se nos dermos ao trabalho de lá subir, (um sítio maravilhoso, que recomendo) verificamos que se desloca invariavelmente para a Serra do Muradal, um bocado mais a baixo.
O meu pai contou-me que, quando era criança, julgava que o mundo acabava ali (no horizonte) e que ficou deslumbrado quando, ainda gaiato, foi ao Zêzere apanhar umas pedras para afiar o podão, os machados e as facas. Ao atravessar a serrania, viu que outras serras lhe apareciam, umas atrás das outras.
A vida é assim…uma tentativa constante de ultrapassarmos o nosso Ingarnal, no sentido do Cabo das Tormentas, (para os infelizes que não conhecem o Ingarnal), mas sempre na expectativa que se converta para cada um de nós no Cabo da Boa Esperança.

F. B.



O Francisco Barroso tem a enorme capacidade de dizer tudo sobre determinado assunto, em poucas palavras.
Neste caso, foi sobre a felicidade. O texto acima foi enviado em forma de comentário à história da Libânia, mas eu passei-o para aqui, com medo que alguém o perdesse, o que seria uma pena, sobretudo para esse alguém.
A paisagem mostra o Ingarnal, aldeia e cume.

José Teodoro Prata


É verdade! Às vezes também fico desconsertada pela forma simples, e aparentemente fácil, como o Francisco define e fala das coisas mais complexas. Oxalá todos conseguíssemos viver a vida assim!
Deixo esta fotografia de uma das últimas luas cheias de 2015, como paga da do Ingarnal. É para todos, mas principalmente para o Francisco, já que, penso, tem ao fundo a sua Serra. É o meu presente de Natal! 


M. L. Ferreira

domingo, 3 de janeiro de 2016

Casamento à moda antiga

Deliciosa e desconcertante a história da Celina, na introdução de “Olha a noiva se vai linda”! Fez-me lembrar esta que me contaram há tempos, bem mais triste, mas parece que bastante comum naquele tempo.

Quando os meus pais se casaram, não tinham onde cair mortos e passaram muito para criar os filhos. Éramos oito, fora os que morreram. Fui a última, mas nem por isso tive mais mimos, que naquele tempo a gente nem sabia o que isso era.
Aos cinco anos já andava atrás das cabras e com molhos de lenha à cabeça, e mal tive corpo para ir ao terço ou à azeitona, não ficava um ano que fosse em casa. Eram três meses de calma, no verão, e outros três de gelo, no inverno. Tempos ruins, os de antigamente!
À medida que os meus irmãos se casavam, iam saindo de casa, e fui eu que fiquei a tomar conta dos meus pais, cada vez mais velhos e doentes.   
Nunca tive um namorado, que o meu pai, mal eles começavam a rondar a porta, empontava-os logo. Houve um que ainda lhe foi pedir ordem para falar p’ra mim. Era um bonito rapaz, mais ou menos da minha idade, e eu até nem desgostava dele, mas também não tinha onde cair morto e o meu pai dizia que para pobre bondávamos nós.
Um dia, estava a chegar da missa, que nesse tempo ainda tínhamos que vir à Vila, vejo uma burra presa à argola da porta da nossa casa. Mal ponho o pé na soleira, ouço um homem a dizer:
- Falem cá com a rapariga que eu torno cá p’rá semana pra levar a cédula, a ver se damos andamento aos papéis. Quero recebê-la quanto antes. E vossemecê, se for até à Vila, passe lá pela taberna, que este ano tenho lá uma pinga da boa.
- Ande vá descansado que eu me encarrego cá do assunto.
Vi logo quem era o homem e pressenti ao que vinha, mas nem queria crer que estavam a arranjar-me o casamento; ainda por cima com um velho, já viúvo. Saí porta fora e pus-me à espreita a uma esquina, e só tornei a casa quando vi o homem a abalar, em cima da burra. Fiz-me de nova, como se nada fosse, e tratei logo de esconder a cédula no fundo duma arca, na loja.
Passado um bocado, o meu pai chega-se ao pé de mim e começa-me para lá com um palavreado, a dizer que estava na altura de arranjar um amparo e que tinha lá ido a falar com ele um homem que queria casar comigo.
- Mas quem é que lhe disse a vossemecê que me quero casar? Estou muito bem como estou, não preciso d’ homem nenhum!
- Mas tu não vês que com a idade que tens, daqui amanhã já não há quem te pegue e ficas pr’aí feita uma desgraçada?
- E olhe que eu bem ralada!
- O homem é de boa gente e já não é nenhum garoto. E ainda p’ra mais até já tem casa posta e uma barroca que dá renovo com fartura p’ra todo o ano. O que é que tu queres mais?
- Já lhe disse que não quero saber disso p’ra nada! Ainda por cima, um velho, e já viúvo. Era o que a mim me havia de faltar! Tirem daí o sentido, que nem morta ele me leva!
- Ai leva, leva, que já lhe dei a minha palavra!
E a minha mãe a ajudar:
- Não sejas torta, Maria, e recebe lá o homem. Olha que uma mulher arrumada é outra coisa; toda a gente a respeita. E depois não hás de passar necessidades como as que eu passei com o teu pai, que ainda tive que ir muita vez a pedir às portas para vos dar de comer.
Mas eu continuei sempre a ateimar que não me casava.
Não sei como é que deram com a cédula, mas a verdade é que daí a pouco tempo já corriam os banhos na igreja e o casamento tinha data marcada.
Foram ao Fundão, compraram um corte de pano e mandaram-me fazer um fato de saia e casaco, numa costureira da Vila. Uns dias antes mataram umas galinhas e fizeram arroz doce e uns pães leves. E eu sempre a ateimar que era escusado andarem naquele afogadilho todo, que eu não me casava, nem com aquele, nem com outro qualquer.
Na véspera, ainda vim a correr à Vila a falar com uma irmã minha que já cá estava casada, a dizer-lhe que não fizessem o comer, porque eu não aparecia na igreja. Ela só me disse assim:
- Ó Maria, tens de casar com o homem. Olha a vergonha para os nossos pais... Da maneira que eles andam, ainda lhes dá alguma. E ele é boa pessoa; trabalhador, não é nenhum borrachão como o meu é e ainda p’ra mais tem alguma coisa de seu.
Eu chorava que nem uma Madalena.
No dia do casamento levantei-me, ainda era noite e abalei para a horta a regar. Já o Sol ia alto, quando tornei a casa. Fiz uma trouxa com o fato, meti-a debaixo do braço e pus-me a caminho da Vila. Vinha eu e mais alguns parentes mais chegados; tão triste que mais parecia que vinha para um enterro.
Quando cheguei ao ribeiro, despi a roupa que trazia, lavei-me e vesti o fato do casamento. Os sapatos eram de pano e tinham-me sido dados por uma tia que fazia limpezas num teatro em Lisboa. Emprestaram-me um véu de renda que pus na cabeça. Era preto, mas mais preta era a tristeza que tinha dentro de mim.
E foi assim que eu me casei…
- E depois, deram-se bem?
- Quer que lhe diga? Quem tem filhos tem cadilhos, diz o povo e é verdade; mas mais cadilhos tem, quem casa descontra vontade.

M. L. Ferreira