Descobri há tempos, em Nisa, esta escultura de homenagem ao emigrante. Fez-me lembrar as primeiras vezes que o meu pai regressou à terra, vindo de França, para onde tinha abalado quando eu, a filha mais velha, tinha oito anos e a mais nova acabara de nascer. Pelo meio havia mais dois filhos.
Lembro-me bem dele a subir a rua com a mala de viagem na mão, depois de dois dias de viagem num comboio apinhado de gente; mesmo assim com um sorriso de felicidade e um olhar que abarcava a família toda; lembro também as lágrimas de saudade da minha mãe transformadas numa alegria ausente durante tantos meses de espera. Depois fomos nós, os filhos mais velhos, divididos entre a alegria do reencontro e a expetativa dos presentes prometidos nas cartas semanais, se nos portássemos bem. Mas do que mais me lembro foi do desgosto do meu pai quando a mais pequena, teria uns oito meses, se recusava a ir para o colo dele e chorava quando o via aproximar-se. Foi como uma facada no coração.
Tenho ouvido contar histórias que repetem a da minha família. Quase todas falam da melhoria das condições de vida com a chegada do vale postal que o carteiro trazia no princípio de cada mês. Mas lembram também como a Páscoa era um vale de lágrimas, pela falta do chefe da casa durante a visita pascal; ou do fim das merendas comidas na Senhora da Orada, onde só se ia à missa e as mulheres choravam pelos maridos emigrados ou pelos filhos na guerra; ou das festas de Verão, limitadas às missas e procissões em que uma mão era pequena para abarcar as velas, tantas eram as intenções; e da dificuldade das mulheres, que tinham que ser pai e mãe, e sempre sujeitas à censura das vizinhas se não tinham mão nalgum filho mais rebelde.
Terão sido situações como estas que levaram alguns homens a voltar à terra mal cumpriam o desejo de levantar as paredes duma casa ou comprar umas leiras para a horta; outros acabaram por levar a família para junto deles. Mesmo assim, a lembrança da terra não os abandonava, e todos os anos regressavam para matar saudades dos que por cá tinham ficado, quase só os velhos. Entretanto mantinham a esperança de um dia voltarem de vez, desejo muitas vezes adiado e algumas apenas concretizado no toque do sino a dobrar pelos que morriam lá longe.
Desses primeiros heróis, regressam agora os filhos e os netos. Felizmente que já não são a imagem do emigrante do século passado. Chegam agora de avião ou a conduzir carros que muitos dos que por cá ficámos não podemos comprar, o que nos deixa adivinhar que têm vidas confortáveis e estão bem integrados nos países onde os seus pais passaram tantas dificuldades. Isso deixa-nos felizes, mas com pena que Portugal continue a não ter condições para os acolher definitivamente. As nossas terras seriam tão diferentes com eles por cá!
M. L. Ferreira
Nota: Desde há muito que Portugal é um país de emigrantes, principalmente para África, Índia e Brasil, mas é em meados do século XX que se verifica uma evolução mais significativa dos números: só entre os anos de 1955 e 1974 saíram do País cerca de 1,6 milhões de portugueses, uns 20% da população. As razões todos as conhecemos: a pobreza, principalmente no mundo rural.