sábado, 15 de agosto de 2020

O emigrante

Descobri há tempos, em Nisa, esta escultura de homenagem ao emigrante. Fez-me lembrar as primeiras vezes que o meu pai regressou à terra, vindo de França, para onde tinha abalado quando eu, a filha mais velha, tinha oito anos e a mais nova acabara de nascer. Pelo meio havia mais dois filhos. 

Lembro-me bem dele a subir a rua com a mala de viagem na mão, depois de dois dias de viagem num comboio apinhado de gente; mesmo assim com um sorriso de felicidade e um olhar que abarcava a família toda; lembro também as lágrimas de saudade da minha mãe transformadas numa alegria ausente durante tantos meses de espera. Depois fomos nós, os filhos mais velhos, divididos entre a alegria do reencontro e a expetativa dos presentes prometidos nas cartas semanais, se nos portássemos bem. Mas do que mais me lembro foi do desgosto do meu pai quando a mais pequena, teria uns oito meses, se recusava a ir para o colo dele e chorava quando o via aproximar-se. Foi como uma facada no coração.

Tenho ouvido contar histórias que repetem a da minha família. Quase todas falam da melhoria das condições de vida com a chegada do vale postal que o carteiro trazia no princípio de cada mês. Mas lembram também como a Páscoa era um vale de lágrimas, pela falta do chefe da casa durante a visita pascal; ou do fim das merendas comidas na Senhora da Orada, onde só se ia à missa e as mulheres choravam pelos maridos emigrados ou pelos filhos na guerra; ou das festas de Verão, limitadas às missas e procissões em que uma mão era pequena para abarcar as velas, tantas eram as intenções; e da dificuldade das mulheres, que tinham que ser pai e mãe, e sempre sujeitas à censura das vizinhas se não tinham mão nalgum filho mais rebelde.

Terão sido situações como estas que levaram alguns homens a voltar à terra mal cumpriam o desejo de levantar as paredes duma casa ou comprar umas leiras para a horta; outros acabaram por levar a família para junto deles. Mesmo assim, a lembrança da terra não os abandonava, e todos os anos regressavam para matar saudades dos que por cá tinham ficado, quase só os velhos. Entretanto mantinham a esperança de um dia voltarem de vez, desejo muitas vezes adiado e algumas apenas concretizado no toque do sino a dobrar pelos que morriam lá longe.   

Desses primeiros heróis, regressam agora os filhos e os netos. Felizmente que já não são a imagem do emigrante do século passado. Chegam agora de avião ou a conduzir carros que muitos dos que por cá ficámos não podemos comprar, o que nos deixa adivinhar que têm vidas confortáveis e estão bem integrados nos países onde os seus pais passaram tantas dificuldades. Isso deixa-nos felizes, mas com pena que Portugal continue a não ter condições para os acolher definitivamente. As nossas terras seriam tão diferentes com eles por cá!   

 

M. L. Ferreira

 

Nota: Desde há muito que Portugal é um país de emigrantes, principalmente para África, Índia e Brasil, mas é em meados do século XX que se verifica uma evolução mais significativa dos números: só entre os anos de 1955 e 1974 saíram do País cerca de 1,6 milhões de portugueses, uns 20% da população. As razões todos as conhecemos: a pobreza, principalmente no mundo rural.

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Mel dos Enxidros

 Ajudei o meu primo João Candeias a iniciar-se na apicultura...

...e ele não fez a coisa por menos!

José Teodoro Prata

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Vicentinos ilustres

 

José Hipólito Vaz Raposo

 

VIDA E OBRA

- Nasceu em S. Vicente da Beira, no ano de 1885.

- Era filho de João Hipólito Raposo, cultivador e natural e S. Vicente da Beira, e de Maria Adelaide Gama, cujo pai era natural de Janeiro de Cima

- Estudou com o irmão Pe. Domingos Raposo, o tio Francisco, professor nos Escalos de Baixo, e o Pe. José David dos Reis, professor do Ensino Primário Complementar, em S. Vicente da Beira.

- Frequentou o Curso Teológico do Seminário da Guarda e formou-se em Direito na Universidade de Coimbra.

- Casou, em Lisboa, com Valentina Pequito Rebelo. O casal tive seis filhos.

- Foi um dos principais ideólogos do Integralismo Lusitano, um movimento conservador, católico e monárquico que se opôs ao regime da Primeira República e depois à ditadura de Salazar.

- Exerceu advocacia, foi professor e escritor, realizou conferências, fundou e colaborou em jornais e revistas…

- Participou na revolta monárquica de Monsanto, em 1919, contra a Primeira República, sendo preso, expulso da função pública e exilado para Angola.

- Em 1940, publicou a obra Amar e Servir, na qual fez um duro ataque à política de Salazar, o que lhe valeu nova demissão dos cargos públicos e a deportação para os Açores.

- Faleceu, em Lisboa, no ano de 1953.

Casa onde nasceu Hipólito Raposo: esquina da Rua Velha com a Rua Nicolau Veloso, à direita de quem desce.

Casa onde viveu Hipólito Raposo: fundo da Rua da Costa, à Fonte Velha.

Obras publicadas
Coimbra Doutora, 1910;
Boa Gente, 1911;
Sentido do Humanismo, 1914;
Caras e Corações, 1921;
Dois nacionalismos, 1925;
A Beira Baixa ao Serviço da Nação, 1935;
Aula Régia, 1936;
Pátria Morena, 1937;
Direito e Doutores na Sucessão Filipina, 1938;
Mulheres na Conquista e Navegação, 1938;
Amar e Servir, 1940;
D. Luísa de Gusmão – Duquesa e Rainha, 1947;
Oferenda, 1950;
Folhas do Meu Cadastro, 1911, 1925, 1926, 1940, 1952, 1986.

 

«Nas voltas da escola para casa, com a irrequieta curiosidade da puerícia, começava eu a soletrar as inscrições dos cruzeiros e das sepulturas, e diante dos Paços do Concelho, detinha-me a contemplar a pedra do escudo real, ladeado por duas esferas, ricamente doiradas pelo sol dos séculos.

Mas o meu interesse maior ia para o pelourinho da vila, coluna oitavada de granito, erecta sobre degraus circulares, coroada de robusto capitel em que pressentia residir um solene mistério de silêncio e sombras.»

(Hipólito Raposo, em “Lisboa Pequena”, Oferenda, 1950)

José Teodoro Prata

sábado, 1 de agosto de 2020

Civilidade

Na semana passada dei por um monte de vidros no cruzamento do Cabeço do Pisco. Hoje parei, fotografei e trouxe-os para o contentor.
Pensei que tinham sido ali colocados recentemente, mas não, por baixo deles nasceu erva que cresceu acamada e agora está seca, à espera de uma vaga de calor de 45º para despoletar um incêndio.
O meu primeiro pensamento foi que tivessem sido ali deixados com esse objetivo, mas agora penso que foi mesmo ignorância e falta de civilidade, que significa desrespeito pelas regras de convívio entre os membros da comunidade.

José Teodoro Prata

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Cresta, 2020

Tenho três colmeias. No ano passado, tinha duas e tirei 8 quadros de mel de uma delas, pois a outra nada produziu. No Outono, tirei mais três quadros.
Este ano prometia, pois o período de floração foi muito longo. Mas com dois perigos: choveu muito e nesses dias as abelhas comem mel, mas não o produzem; a abundância de pólen despoletou nas abelhas o desejo da multiplicação e enxamearam.
Desconhecia esta e por isso nada fiz quando encontrei a alça carregada de pólen e muitas realeiras (ovos/larvas de futuras rainhas). Era precisamente a colmeia em que depositava mais esperanças, pois era a mais forte. Passados uns tempos, comecei a ver poucas abelhas à entrada do ninho e fui ver: metade das obreiras tinham partido com uma das rainhas. Deveria ter feito um desdobramento, que me garantia uma nova colmeia.
Não achei piada ao que me fizeram, fiquei até magoado com elas (estavam tão bem comigo!), mas é precisamente aí que está o maravilhoso da coisa: ai de nós se conseguíssemos controlar completamente a Natureza!
Este ano colhi 11 quadros de mel e a colheita de outono promete, pois deixei muitos quadros em meio.  Não desfaço os favos de novembro, ficam para ir comendo no inverno (mastiga-se um pedacinho de favo, engole-se o mel e deita-se fora a cera).
Dizem que uma colmeia deve dar entre 10 a 16 litros de mel, mas nos apiários de transumância e de apicultores especializados chegam a dar 60 litros. Transumância é a movimentação periódica das abelhas para zonas onde a floração é mais forte, nas diferentes épocas do ano.
Estou ainda muito longe dos 10 litros mínimos, mas é uma festa!

Nota: uso sempre o termo colmeia para designar as caixas e as abelhas. É como nós dizíamos no passado, mas é incorreto agora: colmeias são as caixas onde estão as abelhas e ao conjunto das caixas e respetivas abelhas chama-se colmeia enxameada.

José Teodoro Prata

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Os Sanvicentinos na Grande Guerra


Domingos Mendes


Domingos Mendes nasceu no Mourelo, a 8 de julho de 1892. Era filho de Gonçalo Mendes, sapateiro, e Joaquina Maria.
Assentou praça no dia 12 de julho de 1912 e foi incorporado no Grupo de Baterias de Artilharia de Montanha, em 14 de julho de 1913. Sabia ler e escrever e tinha a profissão de jornaleiro.
Pronto da recruta, em 30 de maio de 1913, passou ao quadro permanente, em virtude de sorteio. Embarcou para Angola, no dia 11 de setembro de 1914, integrando a 1.ª Expedição enviada para aquela província ultramarina, a fim de reforçar o contingente militar que já se encontrava no sul daquele território, ameaçado pelas tentativas de ocupação alemã.
De acordo com a sua folha de matrícula, participou no combate de Naulila, em 18 de dezembro de 1914, e fez parte do Destacamento do Humbe, onde entrou em 7 de janeiro de 1915. Pertencia ao destacamento que reconquistou e ocupou o Cuamato, de 12 a 27 de agosto, tendo tomado parte também na ação do Ancongo, em 13 de agosto de 1915, e no combate da Inhoca, em 15 do mesmo mês, dia em que o destacamento entrou no Forte do Cuamato.
Com o mesmo destacamento, avançou sobre Cunhamano, em 20 de agosto, a fim de restabelecerem as comunicações que haviam sido cortadas pelo inimigo. No dia 24, participou também no combate da “Chana da Mula”.
Foi licenciado em março de 1916, mas novamente incorporado passado pouco tempo, para integrar a 3.ª Expedição para a província de Moçambique. Embarcou em 27 de julho de 1916 e foi destacado para Namoto, uma das localidades do norte de Moçambique que, uns meses antes, tinham sido atacadas pelos alemães. Não se conhece mais nada sobre Domingos Mendes durante este período, mas sobreviveu aos muitos ataques e dificuldades por que passaram os militares portugueses envolvidos naquela expedição. Regressou a Lisboa no dia 23 de dezembro de 1917.
Passou ao Batalhão n.º 1 da Guarda-Fiscal, como soldado de Infantaria, em 24 de Dezembro de 1917, e ao Regimento de Artilharia de Montanha, em 24 de dezembro de 1921.
Licenciado em 25 de dezembro, foi domiciliar-se em Lisboa, na rua Vale de Santo António, e alistou-se na Polícia Cívica de Lisboa, em 1 de agosto de 1925. Abatido ao efetivo desde 1933, deixou de pertencer à Polícia e foi aposentado em 26 de Novembro de 1936.
Condecorações:
·      Medalha das Operações Militares na Província do Sul de Angola
·      Medalha das Operações Militares em Moçambique
·      Medalha da Vitória.
Família:
Domingos Mendes casou com Maria Gama, em Lisboa, no dia 6 de dezembro de 1920. Terá vivido naquela cidade e foi lá que faleceu a esposa, em 1959.
Não foi possível saber se deixou descendência, nem a data e local exatos do seu falecimento, mas terá sido também em Lisboa, já depois da morte da esposa.

Maria Libânia Ferreira
Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"

terça-feira, 21 de julho de 2020

Vicentinos ilustres

D. Frei Fernando Rodrigues de Sequeira

Brasão da Ordem de Avis

VIDA E OBRA
- Nasceu em São Vicente da Beira, no ano de 1338.
- Era filho de Rodrigo Eanes Chim, tabelião, natural de São Vicente, e Maria Afonso, de Castelo Branco.
- Foi cavaleiro da Ordem de São Bento de Avis,.
- Tornou-se aio do infante D. João, futuro Mestre de Avis e depois rei D. João I. Lutou a seu lado no cerco de Lisboa e na Batalha de Aljubarrota (1385).
- Desempenhou o cargo de Mestre da Ordem de Avis (1386-1433; após D. João I; por eleição dos pares).
- Foi o Defensor do Reino, aquando da ida de D. João I a conquistar Ceuta (1415).
- Construiu a Igreja de Nossa Senhora das Neves, em Borba (1401).
- Faleceu em Avis, no ano de 1433.

Arco em ogiva, na Igreja Matriz de São Vicente da Beira.
Possivelmente, data da época em que Fernando Rodrigues de Sequeira aqui viveu.


Pintura representando o cerco de Lisboa, pelos Castelhanos.

Representação da Batalha de Aljubarrota.

Igreja Matriz de Borba, mandada edificar pelo Mestre D. Fernando Rodrigues de Sequeira.

Epitáfio do seu túmulo situado no batistério da Igreja Conventual em Avis:

«Aqui jaz em este moimento o Senhor, e Religioso D. Fernando Rodrigues de Sequeira, Mestre da Cavallaria da Ordem de Aviz, que criou o muy nobre Senhor Rey Dom Joaõ, a que o ditto Mestre succedeo depois que ElRey foy Rey, a prazimento de Deos, e seu e por eleiçom. O qual criou de idade de quatroze anos, e foy com el em seo serviço, logo primeiramente no cerco de Lisboa, onde foi cercado de ElRey de Castella, que matou o cavallo. E sendo el Mestre, e Regedor deste Reyno, o teve o ditto Rey de Castella cercado por mar, e por terra nove meses: e depois que o ditto Senhor Rey foi a terra de Mouros, e filhou a Cidade de Ceuta, leixou o ditto Mestre em o Reyno com sua Mulher a Rainha, com o Infante D. Joaõ, com o Infante D. Fernando, com a Infanta D. Isabel, seus filhos, por fazer o que delles mandassem, e por defensom do Reyno. O qual a Santa Trindade em que elle cre firmemente, e na Virgindade de Santa Maria, queiraõ perdoar todos seus pecados. Finou-se deste Mundo, era do Nascimento de Nosso Senhor Jesu Christo Filho de Deos, em que elle firmemente cre, e em sua morte, paixom, e Resurreiçaõ, que Elle padeceo por nos salvar, de 1433, postrimeiro dia de Agosto. Morreo depois de El Rey quatroze dias.»
(Agiologio Lusitano, Tomo IV, pp. 564 e 565)

José Teodoro Prata