domingo, 17 de julho de 2022

Os Sanvincentinos na Grande Guerra

Joaquim Simão

Joaquim Simão, filho de João Simão e de Antónia Duarte, cultivadores, nasceu no Casal da Serra, a 31 de julho de 1895.

Era analfabeto e tinha a profissão de jornaleiro, quando assentou praça em Castelo Branco, como recrutado. Após a conclusão da instrução da recruta, foi mobilizado para a guerra, e embarcou para França no dia 21 de janeiro de 1917, integrado na 6.ª Companhia do 2.º Batalhão do 2.º Regimento de Infantaria 21, como soldado com o n.º 498, chapa de identidade n.º 9287.

Do seu boletim individual de militar do CEP constam as seguintes ocorrências:

a)   Baixa ao hospital em 23 de março de 1917; alta no dia 29;

b)   Diligência ao front em 20 de abril; presente em 26;

c)    Diligência para os postos da retaguarda, em vinte de janeiro de 1918; Punido em 14 de janeiro de 1919, com 4 guardas, por no dia 13 estar a fumar durante a formatura para a revista de saúde;

d)   Embarcou para Portugal com o Regimento de Infantaria 21, no dia 25 de fevereiro de 1919, a bordo do vapor Helenus.

Família:

Joaquim Simão casou com Olímpia da Conceição, no dia 26 de novembro de 1919, e tiveram 2 filhos:

·        João Joaquim, que casou com Maria da Conceição e tiveram uma filha;

·        Maria da Graça que casou com Joaquim da Cruz e tiveram três filhos.

Olímpia da Conceição faleceu em 1937, quando a filha mais nova tinha apenas cinco anos de idade. Joaquim Simão não voltou a casar.

Conta o neto João José que o avô era uma pessoa alegre e conversadora, mas não falava muito sobre o tempo da guerra. Lembra-se apenas de o ouvir falar de como era difícil a vida nas trincheiras e da fome que por lá passaram.

Viveu sempre com os filhos no Casal da Serra, onde trabalhou na agricultura e tratava de um pequeno rebanho. A terra e as suas cabras eram das coisas que ele mais gostava e, como diz o neto João José «mesmo já depois de muito velhinho, não largava o sacho da mão a arrancar as ervas da horta e ainda tinha uma cabra, mesmo só para se entreter.»

Depois do casamento da filha, acompanhou-a por várias localidades onde o genro ia sendo colocado como guarda de passagens de nível da CP. Por fim fixaram-se na Lardosa, localidade onde Joaquim Simão faleceu, no dia 3 de Março de 1974(?). 

(Pesquisa feita com a colaboração do neto João da Cruz)

Maria Libânia Ferreira

Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra

quarta-feira, 13 de julho de 2022

Caixa Multibanco

 



A notíca é do jornal Reconquista da semana passada.

Penso que as caixas ATM são geridas por uma empresa, a quem a entidade detentora de cada caixa tem de pagar pela sua manutenção. O que esteve aqui em causa é que a Caixa Geral de Depósitos não quis continuar a suportar essa despesa e mandou retirar a caixa na nossa terra.

Entretanto, a notíca do jornal informa que a junta e a câmara estavam já a trabalhar numa alternativa (a CGD não quis esperar) que será idêntica à de Tinalhas: as despesas são suportadas pelo poder local (Câmara e Junta ou só uma delas).

José Teodoro Prata

sábado, 9 de julho de 2022

Oxalá que não!

 O parabolista

Nunca foi apurado de onde partiu o primeiro disparo. As potências em conflito acusaram-se mutuamente, enquanto foi possível ouvir rádio. Nem sequer havia consenso sobre onde caiu a primeira ogiva nuclear. Aparentemente, houve um disparo de origem indeterminada, mas o que primeiro atingiu o alvo no solo terá sido uma resposta a esse fantasmático primeiro disparo. Só se percebeu que, em poucas horas, foram disparados alguns milhares de mísseis regionais e intercontinentais, portadores de bombas nucleares, dum lado e do outro do Atlântico.

As primeiras dezenas de disparos apontavam para as áreas de lançamento e armazenamento das ogivas inimigas. A maior parte foi travada pelos sistemas de interceção, mas as explosões aconteceram na mesma, só que em altitude. A ogiva que atingiu a zona de Aviano, em Itália, provocou o rebentamento de, pelo menos, outras quatro ogivas, em prontidão. A explosão resultante vaporizou milhares de toneladas de solo e causou uma cratera de mais de um quilómetro de diâmetro.

À medida que os satélites adstritos ao uso militar foram sendo derrubados, perdeu-se grande parte da capacidade de deteção e interceção. Também os mísseis lançados deixaram de poder contar com os satélites para os guiar; passaram a usar sistemas de navegação incorporados, o que lhes baixou sensivelmente o grau de precisão. O que devia atingir a base da Nato em Oeiras foi cair perto de São Domingos de Rana.

Havia semanas que Eneias punha a eventualidade da guerra nuclear como muito possível. Percebia os apelos armamentistas, a retórica de confronto, a escalada bélica em crescendo. Quando o clarão apocalíptico acendeu o dia no seu quarto estremunhado, seguido de um abanão pavoroso, imediatamente mobilizou a família — o seu pai, com mobilidade reduzida, e as duas filhas adolescentes —, carregaram todos os víveres que tinham em casa e desligaram tudo. Provavelmente, não voltariam tão cedo. Tinha passado apenas meia hora depois do impacto e da onda de choque que estilhaçou janelas e destruiu edificações num raio de vinte quilómetros, quando partiram de Odivelas em direção ao interior.

Eneias optou pela circular exterior de Lisboa, pensando evitar o provável trânsito denso da autoestrada, mas, apanhou um engarrafamento monstro, logo ao entrar. Viram passar apenas duas viaturas da polícia de trânsito. Circulou a passo de caracol, contornando os inúmeros destroços e evitando os conflitos de trânsito quase forçosos, num contexto de enorme crispação e terror, percetível em muitos rostos. Meteu pela A10, assim que pôde e só conseguiu entrar na A1 quatro horas depois.

As notícias, das poucas rádios que se mantinham em funcionamento, eram alarmantes. Boa parte do leste dos Estados Unidos tinha sido destruída, assim como todo o ocidente da Rússia e variadas zonas no resto da Europa. Milhões de toneladas de cinzas radioativas subiam na atmosfera e toldavam o sol. Aparentemente, tinham parado os disparos, embora, presumivelmente, ainda houvesse alguns milhares de ogivas disponíveis. Eram horríveis os relatos das destruições e do estado dos corpos dos que ainda sobreviviam.

Eneias sabia que, provavelmente, ele e a família já carregariam alguma contaminação. Esperava tão só que as doses radioativas ainda não fossem mortais. Não tinha grandes planos. Para já, só fugir dos grandes centros, alvos mais prováveis de novos disparos e obrigatoriamente foco de desordens sociais. Quando passaram pela zona de Torres Novas, perceberam que o centro comercial que se via da estrada estava a ser alvo de pilhagem. Os dias que aí vinham prometiam provações terríveis para milhões de seres humanos.

Ainda antes de Abrantes, a mancha de cinza, que escondia o céu a oeste, sofreu vastos acrescentos negros a grande altura, de norte e leste, que foram enchendo o céu até tapá-lo completamente. Uma obscuridade estranha foi crescendo até transformar-se numa escuridão densa, que se tornaria a companheira de todos os dias, mas não era sensato parar. Ao longe percebiam-se incêndios em algumas povoações. Pouco depois do cruzamento de Belver, estranharam a inação do pai de Eneias. Estava morto. Frio, sem pulso, sem respiração, sem embaciar o ecrã do telemóvel que lhe puseram à frente da boca.

Eneias sentiu-se perdido. Não era aconselhável entrar numa cidade; as complicações que se seguiriam quando apresentasse o caso poderiam ser muito penalizadoras. E, para quê? O pai estava morto, sem qualquer dúvida. Assumiu a decisão de prosseguir com o pai no lugar do pendura, bem preso com o cinto, bem direito no banco. Na confusão reinante e no escuro, nenhuma improvável patrulha iria averiguar a saúde do idoso.

Ultrapassou os contrafortes da Gardunha quando uma ténue luminosidade anunciava que, por cima das nuvens de cinzas, brilhava o sol. Seria assim, daí para a frente, não se sabia se por uns dias, se por meses ou anos.

A sua casa entre serras, junto a Silvares, seria o refúgio possível num mundo enlouquecido. Com a devida discrição, sepultaram o avô das meninas numa pequena elevação sobranceira ao vale. Ninguém iria notar, ninguém iria saber. Ele deveria gostar, se soubesse.

Ainda nesse dia começou a cair muita cinza; radioativa, provavelmente. Tinha um cheiro fétido, um misto de plástico queimado, com reverberações olfativas metálicas. Eneias tinha consciência de que cada inalação que permitisse representava um foco de radiações a destruir o seu ADN, a facilitar cancros. A temperatura tinha baixado abruptamente e todos os dias foi baixando mais. O aquecedor a gás, mais o elétrico, eram insuficientes. Acenderam a lareira, mas nada conseguia aquecer a casa. A pilha de lenha diminuiu a olhos vistos.

As notícias das poucas rádios em funcionamento eram caóticas. Ainda havia crispação das grandes potências, mas as pequenas nações apelavam ao diálogo e ao trabalho conjunto para reconstruir o mundo. Um pouco por todos os continentes, os saques, o morticínio de grupos demonizados, os levantamentos militares, as revoltas populares estraçalhavam o que restara. Regimes oportunistas de todos os quadrantes surgiam e desapareciam no mesmo dia. A energia elétrica faltou de vez ao fim de três dias. Devia ser geral, porque nem o rádio de pilhas dava sinal. A sociedade desmoronava-se.

A casa já não era porto seguro. As cinzas tomavam tudo. Não era possível colher vegetais enegrecidos e “queimados” pela radiação, não era aconselhável consumir qualquer animal, qualquer ser exposto às cinzas. Viviam de conservas. O frio tornava-se debilitante. A temperatura tinha caído uns trinta graus, numa semana. O “Inverno nuclear”, teorizado pelos cientistas, confirmava-se. Sem luz solar, as plantas iriam mirrando e a maior parte morreria em poucas semanas ou meses. Havia que engendrar uma maneira de sobreviver. Ou então ousar partir para melhor refúgio.

Foi a proximidade das minas da Panasqueira, juntamente com a memória de uma visita, em tempos, a umas minas de sal-gema na Suíça, que iluminaram o espírito de Eneias. A temperatura em minas costuma ser baixa, mas constante. Lá, não chegariam poeiras radioativas, lá poderia captar água não contaminada, lá poderia cultivar cogumelos.



Caspar David Friedrich, Abadia no Carvalhal, 1809–1810.
Coleção Castelo de Charlottenburg, Alte Nationalgalerie, Berlim.

Passaram seis anos desde que Eneias chegou às minas da Panasqueira. A comunidade de uns cem refugiados que lá tinha já procurado refúgio passou a chamar-lhe Lote, por ter chegado com duas filhas, depois de um cataclismo de contornos de bombardeamento, como no episódio bíblico. Eram sobretudo habitantes da região, alguns muito maltratados pelas cinzas radioativas, das quais não tinham sabido proteger-se. A maioria morreu nos seis primeiros meses, alguns em grande sofrimento; outros foram morrendo de enfermidades não imediatamente relacionáveis com as cinzas. Até o desmoronamento, provocado por um dos vários terramotos de intensidade média, que se fizeram sentir no primeiro ano, fez duas vítimas.

Lote era tratado com curiosidade, por ter passado a falar por parábolas, que alguns achavam acertadas, mas, respeitavam-no por ter apontado alguns dos vários aspetos que podiam ajudar a mantê-los vivos. Havia quatro fontes nas galerias da mina. Não tinham garantia de que a água não viesse a chegar contaminada, mas tinham esperança que ainda demorasse uns anos. A cultura de cogumelos tinha sido um êxito. Desenvolviam-se bem em regime de ausência de luz solar, eram proteicos e havia quem lhes encontrasse nuances de sabor. A temperatura na mina, conforme previsto, era baixa, mas tolerável, desde que complementada com muitos agasalhos. A comunidade decrescia, apesar de as filhas de Lote e outras raparigas terem tido crianças, no entanto, caminhava-se para um equilíbrio. Não podiam deixar morrer a esperança.

Na rotina do cultivo dos cogumelos, há sempre quem, para dar resposta aos seus pensamentos, faz uma ou outra pergunta:

— Lote, não teria havido uma maneira de travar a guerra no início?

Lote tornou-se um ancião de olhos encovados e face macilenta. Abranda por uns momentos a atividade e depois debita uma inspiração:

— Em tempos que já lá vão, um jovem combinou uma saída com os amigos, para celebrarem a noite, a amizade e o álcool. No Cais do Sodré, já depois de uns shots e em clima de boa disposição, o jovem foi surpreendido por uma chapada que quase o atirou ao chão, sem saber como nem porquê. Virou-se ao agressor, contudo, este era um marinheiro nórdico, cheio de tatuagens e um corpanzil que aconselhava alguma prudência. Mesmo assim, galarito empertigado, o jovem pediu-lhe satisfações, mas recebeu de volta outro bofetão. Aí, percebeu que era melhor nem tentar saber porque é que estava a levar pancada; o que era urgente era tentar apaziguar os ânimos, porém, os amigos começaram a atiçá-lo, a gritar-lhe que não se podia ficar, que tinha de retaliar. «Tu podes derrotá-lo. Lembra-te de David e Golias», gritavam-lhe. «Tu chegas bem para ele. Nem te vamos ajudar, porque aí ele pode puxar de alguma faca, mas ficamos aqui a desmoralizá-lo.» E faziam um coro ruidoso de «Cara de avestruz! Cheiras mal da boca. Vais morrer de cancro. Estás a levar tantas que já não te tens em pé. Bêbado!» Ora, o desgraçado rapaz fez o melhor que pôde, mas acabou a noite muito amassado e foi mesmo parar ao hospital. Verdade seja dita que os amigos foram todos visitá-lo à enfermaria e alguns levaram-lhe flores. Depois veio a saber-se que o moço teria dito um piropo à rapariga do marinheiro, ou, pelo menos, este assim o entendeu. Eis aqui que não havia razão suficiente para a agressão inicial, não obstante, foi uma temeridade insensata enfrentar sozinho o brutamontes. Mais valia ter reconhecido a desvantagem física e ter ido para casa só com um olho negro.

Na tarefa de aparar o fino fio de água gelada que escorre da rocha, lá vem com frequência uma dúvida:

— Lote, porque é que começou a guerra e o que é que a Nato e a América tinham a ver com o caso?

Lote olha para o negro invisível do fundo da galeria e, depois de uns momentos de silêncio, debita uma lucubração:

— Havia em tempos um grande apicultor que prezava muito a qualidade do mel que produzia. Gabava-se de que o seu produto estava isento de pesticidas ou outros químicos nocivos. Num outro concelho, havia um grande agricultor que ensaiava todo o tipo de práticas agrícolas para obter boas produções de cereais, incluindo o uso de agrotóxicos, que o apicultor abominava. Ora isto durou, e nenhum problema houve, mas, aos poucos, os pequenos lavradores vizinhos do apicultor foram passando a usar os mesmos químicos que o grande agricultor usava e produzia. «Não quero aqui venenos junto ao meu terreno! O vento traz tudo para o lado de cá. Mata-me as abelhas e estraga-me o mel», gritava o apicultor. Porém, cada pequeno produtor ripostava: «No meu terreno não posso fazer o que quero?» E o mandante instruía-os: «Ninguém manda no vento. Se vai para a terra dele não é culpa vossa.» No entanto, o apicultor sentiu-se ameaçado no seu negócio e no seu modo de vida. Vendo as suas colmeias a morrer e a qualidade do mel a deteriorar-se, foi acumulando ressentimento e vontade de retaliação, sobretudo contra o produtor de venenos e instigador da pressão tóxica sobre os seus colmeais. Um dia de junho, já muito irritado, aproveitando uma brisa favorável, acendeu dezenas de balões de São João e lançou-os, em procissão punitiva. Conforme esperava, alguns balões caíram nos terrenos próximos e outros elevaram-se e foram aterrar lá longe na propriedade do grande produtor cerealífero, incendiaram as searas e causaram uma destruição avassaladora. Ao furioso coro do “Núcleo Agro-tóxico Ocidental”, como lhe chamava, o apicultor respondia com todo o cinismo: «Acaso não posso festejar o São João no meu terreno? Ninguém manda no vento.» E, para si, autojustificava-se, com um aforismo ouvido há muito: “Dizem do rio que é violento porque arrasou todo o vale, mas ninguém se preocupou com as margens que o oprimiam.” Eis assim que no nosso mundo ambientalmente encapsulado, nenhum terreno é uma ilha. Faltou muito respeito mútuo, muita capacidade de se pôr no lugar do outro, muita empatia pelo que é diferente, muito diálogo, muitas relações de boa-vizinhança. Porém, uma conversa franca e honesta, um entendimento de seres racionais, podia ter evitado aquele desacato.

Nas muitas vezes em que a pequena comunidade se junta, durante horas, em círculo à volta de uma chama, para se autogerir, para conversar, para socializar — imagem pós-apocalíptica de um grupo de silhuetas espetrais, embrulhadas em cobertores, em ambiente de quase escuridão —, com frequência lá surge um lamento, uma especulação, um desalento: «Será que voltaremos a ver um céu estrelado, que um dia voltaremos a percorrer campos abertos, respirando ar puro a plenos pulmões, com o sol no rosto e o futuro nos olhos?» E outro acrescenta: «E, se voltarmos a ter uma vida lá fora, não teremos de nos armar para a guerra, nem que seja com paus e pedras, já que ela parece estar no nosso “ADN social”?

Lote está muitas vezes de cabeça baixa. Certos temas levam-no a responder:

— Um escritor escreveu um romance, em que um homem e os seus irmãos chegaram a uma terra desconhecida, onde construíram uma casa e em que moraram em harmonia durante muitos anos, entretanto, um dia veio uma cheia que lhes derrubou a casa e lhes destruiu as colheitas. Era, pois, um drama que passava uma mensagem de tristeza e desalento. Ora, o escritor não gostou daquele final, não obstante, em vez de o alterar, prosseguiu a história. Deste modo, pôs os irmãos a corrigir o percurso, a reconstruir a casa fora do leito de cheia e a levantar uma pequena barragem, para regulação do rio. Eis que a história já continha uma mensagem de esperança e resiliência, todavia, surgiram alguns conflitos, alguma falta de solidariedade, algum desleixo social. Assim, o escritor não resistiu a fazer rebentar a barragem, com a consequente destruição do que tinham construído. Ora, este final também não lhe agradou e novamente continuou a história. Entretanto, suspeitando que o autor tinha inclinação para a desgraça ou as personagens para a asneira, experimentou mudar de personagens; então, pôs a nova geração de primos a fazer a reconstrução, com novos paradigmas. As novas personagens, só por serem outras e jovens, levaram a história por outros caminhos: logo fizeram nascer uma grande quinta e uma pequena sociedade em que, ainda que havendo problemas, eram resolvidos com diálogo e racionalidade. Eis que, depois de um final dramático, pode-se sempre imaginar uma continuação, uma nova narrativa, um final motivador.

O pequeno círculo de espetros vivos parece esperar mais respostas, soluções concretas, mas Lote baixa novamente a cabeça e cala-se. A meditação de cada um começa a divergir da de cada um dos outros, talvez alguma vislumbre um futuro viável, para quando a missão de cada um aspire a mais do que só sobreviver outro dia.

Joaquim Bispo

segunda-feira, 4 de julho de 2022

Os Sanvincentinos na Grande Guerra

 Joaquim Ramalho

Joaquim Ramalho nasceu em São Vicente da Beira, no dia 31 de julho de 1892. Era filho de João Ramalho e Maria Sabina, residentes na rua da Costa.

Assentou praça no dia 12 de julho de 1912, como recrutado, pertencendo ao contingente de 1912, a cargo do distrito de Castelo Branco. Foi incorporado no Grupo de Baterias de Artilharia de Montanha, em 14 de janeiro de 1913. Segundo a sua folha de matrícula, foi vacinado e não apresentava sinais de ter tido bexigas. Na altura sabia ler, escrever e contar corretamente e tinha a profissão de jornaleiro.

Pronto da instrução da recruta em 30 de maio de 1913, passou ao quadro permanente, em virtude de sorteio. Passou ao Regimento de Artilharia de Montanha, em 1 de novembro, e ao Regimento de Artilharia n.º 3, de Viana do Castelo, em 1 de março de 1914; voltou ao Regimento de Artilharia de Montanha, em 22 de agosto do mesmo ano.

Destacado para a província de Moçambique, seguiu viagem em 11 de setembro, com o posto de soldado condutor, integrando a 1.ª Expedição enviada para aquela província ultramarina. Após o cumprimento do tempo de serviço para que fora destacado, passou à Bateria Mista de Artilharia de Moçambique, por concessão do governo daquela província.

Condecoração:

Recebeu a medalha de cobre das campanhas do Exército Português na colónia de Moçambique.

Família:

Joaquim Ramalho casou com Maria de Jesus Cardoso e tiveram 4 filhos: Jaime Nascimento Ramalho (o único ainda vivo), Rita de Jesus Ramalho, Mário de Jesus Ramalho e Hermínia Ramalho.

Durante muitos anos, a família residiu em Moçambique, onde Joaquim Ramalho foi inspetor da Companhia de Caminhos-de-Ferro e depois chefe de estação. Seriam cargos de alguma importância que lhe permitiram ter uma vida confortável em termos económicos e sociais.

Passados alguns anos, provavelmente após a aposentação, Joaquim Ramalho regressou a São Vicente da Beira e fixou residência numa casa da rua do Convento. Foi aí que a esposa faleceu, no dia 5 de abril de 1956. Voltou a casar com Maria da Natividade Lino, em 10 de junho de 1957. Não tiveram descendência.

Joaquim Ramalho faleceu no dia 14 de abril de 1962. Tinha 70 anos de idade.

(Pesquisa feita com a colaboração do neto Carlos Ramalho)


Maria Libânia Ferreira

Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra

quinta-feira, 30 de junho de 2022

Os Sanvincentinos na Grande Guerra

 Joaquim Inácio 

 

Joaquim Inácio nasceu em São Vicente da Beira, no dia 14 de setembro de 1895. Era filho de Joaquim Inácio, jornaleiro, e Mariana dos Santos.

Fazendo parte do CEP, embarcou para França no dia 21 de janeiro de 1917, integrando a 1.ª Companhia do 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria 21, como soldado com o n.º 467 e a placa de identidade n.º 48920.

Do seu Boletim Individual constam as seguintes ocorrências:

a)    Baixa ao hospital a 14 de Julho de 1917; alta em 24 do mesmo mês.

b)    Punido em sete de agosto de 1917, com dois dias de detenção, por se ter ausentado da instrução, no dia 6 de agosto, sem autorização.

c)    Punido com dez dias de detenção, por ter faltado sem motivo justificado às refeições de 12 de janeiro de 1919, apresentando-se algumas horas depois.

d)    Baixa ao hospital no dia 18 de fevereiro de 1919 e alta em 28 do mesmo mês.

e)    Embarcou de regresso a Portugal, no dia 6 de março de 1919, a bordo do vapor inglês Helenus.




Condecorações: Não foi possível consultar a folha de matrícula de Joaquim Inácio, nem no Arquivo Geral do Exército nem no Arquivo Histórico da G.N.R., pelo que não tivemos acesso a esta informação.

Joaquim Inácio casou em Lisboa com Gracinda Gomes, de Couto do Mosteiro, Santa Comba Dão, no dia 19 de Novembro de 1921. Sabe-se que tiveram filhos, mas já ninguém recorda os seus nomes.

Depois de regressar de França, ingressou na GNR e esteve colocado em vários quartéis de Lisboa. Um deles terá sido o do Carmo, onde, dizem, alguns conterrâneos o procuravam para lhe dar um abraço ou pedir ajuda quando precisavam.

Conta o senhor José da Silva (Zé Marau) que um dia, ainda rapaz novo, foi a Lisboa e passou pelo Palácio de São Bento onde vivia o Salazar. Devem tê-lo confundido com outra pessoa, porque mal parou para olhar para aqueles jardins tão bonitos, veio um polícia que o agarrou e levou preso para o quartel do Carmo. Quando lá chegaram, encarou logo com o conterrâneo que, depois de um grande abraço, pegou nele e foram os dois beber um copo numa taberna que havia ali ao pé.

Joaquim Inácio voltava à terra sempre que podia, e as Festas de Verão e a Senhora da Orada não se faziam sem ele. Parece que a mulher e as filhas poucas vezes o acompanhavam, mas a guitarra trazia-a sempre consigo. Era uma alegria quando se juntava com os amigos e corriam as ruas da Vila a tocar e a cantar. Só paravam à porta das tabernas, para molhar a garganta. E na Senhora da Orada, depois de comerem a merenda, punha a família toda a dançar.



Os irmãos tinham um grande orgulho nele e disputavam entre si quem é que lhe dava de comer e de dormir, sempre que vinha à terra. Apesar de serem todos muito pobres, esmeravam-se nos mimos, cedendo-lhe a enxerga mais macia e pondo-lhe na mesa o que de melhor tinham em casa. Conta-se que um ano coube a um dos irmãos mais pobres recebê-lo. Como não tinham roupa de cama à altura do que pensavam que ele merecia, foram pedir a outra das irmãs os lençóis do casamento para lhe fazerem a cama. Dizem que ficou tão bonita que até parecia um altar!

Joaquim Inácio faleceu no dia 19 de Maio de 1961. Tinha 65 anos. Dizem que nesse ano ninguém da família foi à Senhora da Orada…


Maria Libânia Ferreira

Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra

segunda-feira, 27 de junho de 2022

O São João na Etnografia da Beira

 

Lembro-me da nossa banda tocar a música desta canção. Vem na Etnografia da Beira, II Volume, tal como a da Marcelada, que acrescentei agora à publicação A marcela do São João, de 23 de junho.

Segundo Jaime Lopes Dias, o autor da Etnografia da Beira, nos festejos do São João, por toda a Beira Baixa, queimam-se rosmaninho, alecrim e marcela, para que o cheiro e o fumo afugentem a bicharada que prejudica as pessoas, os animais, as casas e os campos. Em Outeiro da Lagoa (Sertã) até se esfumam com eles as casas, para evitar o horror das trovoadas, e os currais, para que as doenças não ataquem os animais.

Outra tradição celebra-se em volta das fontes, onde os ranchos de folgazões vão beber à meia noite a água de São João. Em certas povoações de Oleiros e Sertã ia-se de seguida regar as hortas. A água de São João era talismã para o todo o ano.

Em Tinalhas, na noite de São João, os rapazes iam às hortas colher flores e frutas e roubavam os vasos floridos das janelas das casas para os levarem para o campanário.

São também nossas estas tradições: as fogueiras de rosmaninho e marcela, a ida à fonte  (Velha e de São João de Brito na Praça) beber água, o roubo de frutas (a ti Rita a atirar ginjas às crianças) e o enfeitar das fontes com os vasos roubados (tradição que passou depois do São João (na fonte da Praça) para a festa da Inspeção (na Fonte Velha). E ainda as cabeleiras, sementeiras de cereais em local escuro de que resultavam lindos vasos com uma cabeleira de fios de um amarelo esbranquiçado. E claro, os folguedos.

Não encontrei no Youtube a canção acima apresentada, que nos é familiar, mas não resisti a estas duas:

https://www.youtube.com/watch?v=UtsdNMiIhS4

https://www.youtube.com/watch?v=XxFhSWUBOj4

(a música desta última tem parecenças com a das nossas Janeiras)

José Teodoro Prata

sábado, 25 de junho de 2022

O nosso Festival

Em 2019, o nosso Festival Água Mole em Pedra Dura realizou-se neste fim de semana do São João. Lembro-me de meses antes do Festival de 2020 ter estado com o Carlos Semedo e termos conversado sobre alguns eventos a realizar, nomeadamente a recuperação das nossas tradições do São João. Depois veio a pandemia e ficou tudo adiado.

Entretanto, as Sarzedas já tiveram a sua Festa no fim de semana passado e em Castelo Branco realiza-se o evento Terras Templárias no próximo fim de semana. Nós saímos do mapa? 

Deixo-vos algumas fotos dos Festivais de 2018 e 2019, em que tivemos connosco artistas de projeção nacional.



O Serafim, contador de histórias




Chapitô, espetáculo de dança e luz


As Sopa de Pedra, celestial!

José Teodoro Prata