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sábado, 11 de dezembro de 2010

O Hopital da Misericórdia

Sessão ordinária em 8 de Dezembro de 1918

Aos oito dias do mês de Dezembro do ano de mil novecentos e dezoito, n´esta vila de S. Vicente da Beira e sala destinada ás sessões da Gerencia da irmandade da Misericórdia d´esta mesma vila,pelas treze horas, estando presentes os cidadãos Eusebio Gomes Barroso, Provedor, João Mesquita, tesoureiro, João da Silva, secretario e os mesarios Manuel Roque e Francisco Duarte, aberta a sessão, foi lida e aprovada a acta da sessão anterior. O Provedor e vogais da mesa deliberaram que, antes de tudo fosse exarado n´esta acta o seguinte:
Não sendo de prever que as povoações d´esta freguesia fossem atacádas pela epidemia reinante tão rapidamente como foram, nem podendo resolver-se cousa alguma na sessão de dez de Novembro, que não se realizou por grassar já, com toda a intensidade, a epidemia e caírem com ela quase todos os membros da mesa e, em razão das circunstancias anormáes e angustiosas com que luctava a pobreza, tornando-se de urgente e absoluta necessidade, durante o período da doença internar no hospital um numero superior de doentes ao que em sessões anteriores se havia determinado, como então, por força dessas circunstancias extraordinarias e admitissem dez ou mais, a gerencia administrativa aprovada hoje por unanimidade o que se fez.
E bem assim aprova o augmento do preço da carne que em Outubro ultimo preterito foi de mais cinco centavos o kilo e passou depois em Novembro e nos demais a ser de dez centavos, por terem declarado os indivíduos do talho que não podiam continuar a fornecer a casa por menos.
Aprovaram ainda os pagamentos seguintes
(alterou-se o aspecto gráfico deste parágrafo):
• Ao Reverendo João Fernandes Santiago do oficio funebre pelos irmãos defuntos, doze escudos;
• a Manuel Simão de um dia de trabalho a traçar lenha, oitenta centavos;
• a Francisca Faustina de quinze quilos de batata, um escudo e cincoenta centavos;
• a diversos pobres de esmolas com que foram subsidiados, nove escudos e cincoenta e tres centavos;
• a Manuel Diogo de três kilos duzentas e cincoenta gramas de banha de porco, quatro escudos e noventa e cinco centavos;
• a Crestina da Conceição de dois dias de lavagem de roupa, sessenta e oito centavos;
• a Ambrosio Diogo de quatro kilos de toucinho, seis escudos e quarenta centavos;
• aos empregados do hospital de ordenados do mes de Novembro, trinta e dois escudos;
• a Viriato Lopes Russo de medicamentos fornecidos no dito mes, sessenta e dois escudos e setenta e tres centavos;
• aos fornecedores de pão, carne e leite, idem, cincoenta e sete escudos e sessenta e nove centavos;
• a Francisco Lourenço de mais dezasseis litros de leite, um escudo e sessenta centavos
• e de Maria Celeste Silva de mercearias e outros artigos quinze escudos e trinta e oito centavos.
Apresentou-se o balancete do referido mês de Novembro, verificando-se que a receita foi de setecentos setenta e seis escudos e dez centavos e a despesa de duzentos e cinco escudos e vinte seis centavos, resultando um saldo que transita para o mês seguinte de quinhentos setenta escudos e oitenta centavos. E não havendo mais nada a tratar se encerrou a sessão pelas quinze horas.

(Seguem-se as assinaturas dos participantes)


Algumas notas:
1. A esta sessão, faltaram os mesários Antonio da Silva Lobo e Joaquim dos Santos.
2. Na época, o farmacêutico da vila era Viriato Lopes Russo. A sua filha Maria Isabel (Belinha) casou com António Lourenço de Azevedo (Toninho Lourenço) e viveram no solar construído no local do antigo convento franciscano.
3. Maria Celeste Silva era a esposa de Manuel da Silva, que então se encontrava, com outros vicentinos, a participar na Primeira Guerra Mundial.
4. Esta guerra provocou uma grave crise económica, a qual acabaria por ser a principal causa do derrube da Primeira República. A acta informa sobre o aumento do preço da carne, em cinco centavos, em Outubro, e dez centavos, em Novembro.
5. Em 1918, 1 litro de leite custava 10 centavos, no produtor; 1 quilo de batatas também 10 centavos; 1 quilo de toucinho custava 1 escudo e 60 centavos. Em Junho, o preço do toucinho ainda era de 1 escudo e 20 centavos, mais uma prova da carestia de vida.
6. Nesse ano, um trabalhador braçal ganhava 80 centavos/dia e uma mulher a lavar roupa 34 centavos /dia.
7. De facto, a sessão de dez de Novembro não se realizou, por estarem doentes quase todos os membros da Gerência, assim como muitos funcionários do hospital.
8. A Misericórdia subsidiava os pobres e também pagava ao coveiro, pelas covagens (abertura da sepultura) feitas aos pobres falecidos. Por exemplo, na sessão de 30 de Junho deu-se ordem de pagamento de vinte centavos, ao coveiro Manuel Rodrigues, «...pela covagem feita a um pobre....».
9. Embora o segundo parágrafo não seja bem perceptível, entende-se que, durante a Pneumónica, o número de internados no hospital subiu para 10, número superior ao que dantes estava estabelecido pela Gerência.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Pneumónica 2

Os óbitos de Outubro

A freguesia de São Vicente da Beira registou, entre 1917 e 1919, uma média mensal de 4,8 óbitos, sem contar com Outubro e Novembro de 1918, os meses da gripe pneumónica. Nestes, o número de mortos subiu para 20, em Outubro, e 66, em Novembro.
Esta maior mortalidade em Novembro contraria a tendência nacional, em que o mês mais mortífero foi o de Outubro.
Como os registos do Hospital só nos dão informação detalhada de 4 óbitos por gripe pneumónica, temos de utilizar os registos paroquiais, que não apontam a causa da morte.
Nem todos morreram por gripe pneumónica, nestes dois meses, mas foram a quase totalidade. A gripe pneumónica atacou sobretudo os jovens e adultos jovens, pelo que temos de excluir os idosos, possivelmente já imunizados por uma epidemia da mesma doença ocorrida em 1889. Os bebés talvez também tenham sido vitimados pela gripe pneumónica, embora nestes não haja tantas certezas, pois ainda era habitual morrerem muito e raramente eram levados ao hospital.
Apresentam-se, hoje, os óbitos de Outubro de 1918. Transcrevem-se os nomes tal como foram registados.

02-10-1918: Leopoldina, de 1 ano, filha de Manuel Joaquim e Maria Domingas, naturais e moradores no Tripeiro.

02-10-1918: Maria, de 16 meses, filha de Antonio Soares cruz e Maria Serra, jornaleiros, naturais e moradores no Casal da Serra.

04-10-1918: Gracinda, de 4 anos, filha de Antonio Afonso e Maria da Conceição, jornaleiros, naturais e moradores no Tripeiro.

12-10-1918: Antonio, de 1 ano, filho de João Caio e Serafina da Conceição, jornaleiros, naturais e moradores no Casal da Serra.

12-10-1918: João Nunes, de 45 anos, solteiro, mendigo/jornaleiro, natural do Mourelo. Faleceu no Hospital, de febre paratifóide.

16-10-1918: Maria dos Anjos da Silva Leal, de 35 anos, casada, doméstica, natural dos Pereiros, filha de Joaquim da Silva Leal e Isabel Maria, proprietários.

22-10-1918: Jose Duarte Soalheira, de 70 anos, viúvo de Antonia Clara, jornaleiro, natural e morador em S. Vicente da Beira, filho de Francisco Duarte e Luiza Bernarda.

22-10-1918: Albertina, de 20 meses, filha de Francisco João e Joaquina Alves, naturais e moradores na Paradanta.

24-10-1918: Jacinta Maria, de 34 anos, casada com Joaquim Bartolomeu, natural e moradora na Partida, filha de João Alexandre e Joaquina Maria.

26-10-1918: Adrião Mateus, 27 anos, solteiro, jornaleiro, natural e morador em S. Vicente da Beira, filho de José Mateus e Maria Luxindra, também de S. Vicente.

26-10-1918: Maria de Oliveira, de 52 dias, filha de Lopo Vitorino e Carolina de Oliveira, naturais e moradores em S. Vicente da Beira.

28-10-1918: Maria Luisa, de 3 anos, filha de Alexandre Caio e Antonia Carlota, naturais e moradores no Casal da Serra.

29-10-1918: Maria Amalia Roque, de 21 anos, solteira, doméstica. Filha de Manuel Roque e Ludovina Varanda, moradores em S. Vicente da Beira, na Rua Nicolau Veloso.

30-10-1918: Emilia do Rosario, de 23 anos, doméstica, filha de Francisco Afonso e Maria Sebastiana, naturais e moradores no Tripeiro.

30-10-1918: Maria do Rosario, de 23 anos, doméstica, filha de Antonio Fernandes (já falecido) e Maria Ludovina, moradora em S. Vicente da Beira.

30-10-1918: Antonio Caio, de 16 meses, filho de Alexandre Caio e Antonia Carlota, naturais e moradores no Casal da Serra.

31-10-1918: Ana Ramalho, de 29 anos, doméstica, filha de João Ramalho e Maria de São Pedro, todos naturais e moradores no Casal da Serra.

31-10-1918: Antonio Lourenço, de 28 anos, natural do Tripeiro, filho de José Lourenço e Maria Joaquina, moradores também no Tripeiro.

31-10-1918: Antonio Candeias, de 14 anos, pastor, filho de Manuel Luis Candeias e Maria da Conceição, naturais e moradores em S. Vicente da Beira. Faleceu de gripe pneumónica, no Hospital.

31-10-1918: João Marcelino, de 25 anos, filho de Joaquim Marcelino e Maria Ana, todos naturais e moradores no Tripeiro.

sábado, 13 de novembro de 2010

Nas XXII Jornadas de Medicina

Acabo de chegar das XXII JORNADAS DE MEDICINA DA BEIRA INTERIOR DA PRÉ-HISTÓRIA AO SÉCULO XXI, realizadas, na Biblioteca Municipal de Castelo Branco, nestes dias 12 e 13 de Novembro de 2010.
Tive a companhia de Albano Mendes de Matos, habitual nestas Jornadas, há muitos anos. Albano de Matos é natural do Casal da Serra e vive na região de Lisboa. Em anos anteriores, já fez comunicações sobre temas da sua terra natal.
Apresentei, oralmente, o estudo A GRIPE PNEUMÓNICA EM SÃO VICENTE DA BEIRA, da minha autoria e do meu filho Tiago Rodrigues Teodoro. O trabalho precisa ainda de ser aprofundado e escrito, para depois ser publicado, nas próximas jornadas, daqui a um ano, na Revista CADERNOS DE CULTURA, onde anualmente se publicam as intervenções do ano anterior.
Este estudo tem por base consultas que fiz no Arquivo da Santa Casa da Misericórdia, a quem agradeço, na pessoa do Provedor Pedro Matias, toda a disponibilidade manifestada. Também consultei os livros de registos dos óbitos da Paróquia de São Vicente da Beira, graças à boa vontade do pároco, o Pe. José Manuel, a quem também deixo o meu bem-haja.

A gripe pneumónica atacou Portugal em três vagas: a 1.ª, em Maio a Julho de 1918, bastante benigna; a 2.ª, em Outubro e Novembro desse ano, desta vez muito mortífera; uma última, em Fevereiro e Maio de 1919, novamente pouco violenta.
Na nossa freguesia, apenas em Outubro/Novembro de 1918 a gripe pneumónica foi fatal, tendo-se, nos outros dois períodos, confundido com as gripes normais da época.
Brevemente, publicarei informações de que já disponho.