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sexta-feira, 11 de novembro de 2016

O Guimarães

Mais coisa menos coisa, andar-se-ia pelos idos de 1930. Por esta altura ainda Salazar não tinha tido tempo de impor a ordem no Retângulo da Europa, quanto mais no império que lhe restava, ilhas e além-mar, da África à Índia e a Timor! Mas já conjeturara a lição que iria dar aos iletrados portugueses, que ficaria para a história!
Neste Portugal europeu, rural, pobre, alegre e simples, tal como o governante o imaginara, deambulavam malteses de pau e manta, vagabundos, pequenos ladrões, malfeitores de pouca monta (mas havia alguns perigosos que podiam matar!), pedintes e zés-ninguéns esfomeados! Em suma, miseráveis de toda a condição! A faixa da Beira-Serra, por alturas da Gardunha, não fugia à regra.
Nas cidades e vilas mais importantes da região já havia pequenas guarnições do corpo da Guarda Nacional Republicana, como acontecia no Fundão. Onde pontificava o austero sargento Silva, nascido na vila de S. Vicente da Beira, irmão do ti’ António da Silva, alfaiate, com atelier posto na rua Manuel Mendes e pai das manas “Silva” que moraram nesse mesmo local até há pouco tempo.
Na vila, porém, apenas o Regedor e a força de Cabos de Ordem tentavam suster o freio à vadiagem e manter a legalidade, como o sherife, com os seus ajudantes, num qualquer western americano.
Há muito que o sargento Silva esquadrinhava a serra da Gardunha e arredores, com a sua gente, na peugada de delinquentes como o Pistotira, o Cireneu ou o Tonel, considerados pelas autoridades como perigosos e, que se sabia ou se presumia, andarem pelas bandas da vila.
De entre os vários e conhecidos bandoleiros que varriam a região, havia um que dava pelo nome de Guimarães. Não se sabendo se de seu nome de batismo, se por ser oriundo da cidade berço. Eventualmente, andaria fugido às autoridades do norte, tendo vindo parar a estas terras beirãs por mero acaso ou estratégia de fuga. Apesar de ser um marginal e homem de porte atlético, capaz de bater qualquer um que lhe fizesse frente, não era, pelo menos por aqui, considerado dos mais temidos. Fosse porque, pelas dificuldades de comunicação, não se sabia do seu currículo, fosse porque ainda não tivera tempo de fazer desacatos, por estes lados, dignos de assinalar! Mas em todo o caso, já sinalizado como marginal de furtos menores!
Um dia — possibilidade sempre à espreita dada a sua atividade de risco, como assaltante — foi preso por vários vizinhos que, discretamente, se reuniram, na Oles, lugar em que se tinha aventurado à cata de galinhas para matar a fome. E onde foi encurralado, apesar da sua estrutura física de meter respeito! Mas, afinal, que faria ele contra vários homens decididos a guardar o que era seu, que tanto trabalho lhes custara e que era o seu próprio sustento e das suas famílias?! Quando se viu acossado, calculou as suas probabilidades. E entendeu que, sozinho, nada podia contra eles. Pois apercebeu-se que os vizinhos estavam firmes, para fazer justiça por suas próprias mãos, se resistisse. Ele bem sabia como a justiça, nestes casos, pode ser muito dura e pouco proporcional ao ato criminoso! Nem era pelo valor dos animais roubados, se bem que isso já fosse um prejuízo, mas pela violação da paz e sossego do lugar e pelo medo e inquietação causada. Estando ele apenas munido da faca com que degolara as aves que já levava debaixo do braço, pensou que o mais certo era algum dos do grupo que o cercava trazer o canhangulo, arma de fogo que, mais ou menos clandestinamente, quase todos tinham em sua casa, naquele tempo, com que matavam um ou outro coelho ou perdiz e que também os podia defender de maus encontros. Ora, duas ou três galinhas não valiam a sua vida! Por isso decidiu não oferecer resistência e rendeu-se.
Era já noite e os homens, após lhe terem atado as mãos, muniram-se de duas lanternas e cada um pegou em seu varapau para defesa contra imprevistos do caminho. Iniciaram a marcha para o levar à vila, a fim de o entregar às autoridades locais. Subiram a estrada de macadam desde o fundo da barreira da Oles até ao cruzamento com a Cascalheira, onde descansaram um pouco. E continuaram pela mesma estrada que os havia de levar à entrada da povoação, por S. Sebastião, Fonte Velha, rua do Beco, até à praça, em direção ao edifício da antiga câmara municipal.
Ao passar pelas tabernas que havia neste percurso, que ainda se encontravam abertas, aquele tropel de transeuntes levando um prisioneiro, não podia deixar de despertar a curiosidade de alguns basbaques que vinham à porta, com o copo de vinho na mão, meio bebido, a dar fé do que se passava. Uma ocorrência como aquela não era vista todos os dias. Muitos dos presentes deixaram a taberna, seguindo a turba até ao edifício da antiga câmara, a espreitar qual seria o desfecho daquele inusitado caso.     
Chegados ao local, um dos homens que trazia o delinquente foi dar parte da situação ao Regedor, que logo mandou chamar os Cabos de Ordem, enquanto os outros ficaram na praça velha, junto à porta que nos fica à mão direita quando observamos lateralmente o edifício desde essa praça.      
Aí se situava a cadeia. Mas também se recorria muitas vezes, como prisão improvisada, ao antigo coreto, entretanto demolido, existente na grande praça, ao lado do pelourinho, cuja construção assentava numa base sextavada, robusta, construída em pedra, com dois metros de altura. Tinha porta forçuda, numa das faces, a abrir ao nível térreo e dois estreitos óculos para entrada de luz e ar a meio de duas das outras faces. Esta base era coberta por uma laje de alvenaria e ferro. De cada um dos seis cantos desta laje, partiam altas colunas em ferro e uma ao centro, sobre as quais assentava uma cobertura em chapa de metal vigoroso, a tapar o coreto. A ligar as colunas em todo o perímetro da laje, uma grade de proteção em ferro de um metro de alto, com uma abertura a meio de um dos lados. Acedia-se ao coreto por essa abertura, através de uma escada metálica amovível que se colocava nos dias de concerto da banda. Era, aqui, por baixo, no coreto, neste autêntico forte de pedra, que se encarceravam os prisioneiros.
Foram convergindo, paulatinamente, para junto do edifício da câmara, onde se encontrava o adjunto dos vizinhos com o prisioneiro, o Regedor, os Cabos de Ordem e muitos mirones que deram pelo sururu e que tinham vindo das tabernas próximas.
Acontece que estava ocasionalmente em S. Vicente da Beira, por esses dias, o sargento Silva, na sua missão de tentar capturar os malfeitores que andariam aqui pela Gardunha, segundo informações que haviam chegado ao Posto da GNR do Fundão.
Os marginais, quando eram capturados pelos vizinhos, uma espécie de milícias, como aconteceu com o Guimarães, estavam inevitavelmente sujeitos à exposição pública. Após serem amarrados, dados como inofensivos e submetidos à irrisão popular, desencadeavam na massa popular vários tipos de sentimentos contraditórios e mudanças repentinas de humor e agressividade coletiva. Certamente dependentes do caráter e da forma como cada um entendia as ofensas destes agentes do desassossego. Mas a maioria do povo assanhava-se muito contra eles, não tanto pelo que roubavam, como já se referiu, mas porque perturbavam a pacatez das suas vidas e eram, muitas vezes, uma ameaça séria para as pessoas, não hesitando em fazer sangue, se fosse caso disso. Pois, como muito bem se sabia, um ladrão acossado é como fera brava enjaulada. Torna-se furibundo e, no seu próprio desnorte, é capaz de matar e chacinar seja quem for que se atravesse no caminho da sua fuga.
Chegara, entretanto, à praça, o sargento Silva porque ouvira dizer que o Guimarães tinha sido preso por vários homens que já lá se encontravam e onde também já estavam o Regedor e os Cabos de Ordem. Vinha munido da competência e da legalidade que a farda da GNR lhe conferia. E diz ao prisioneiro do alto da sua autoridade, agarrando-o pelos colarinhos:
— O que te vale a ti, meu sacana, é não seres quem eu procuro!
É que o sargento Silva, como já se referiu, investigava, na altura, na vila, o paradeiro do Pistotira, do Cireneu ou do Tonel para lhes deitar a unha, o que, até então, ainda não tinha sido possível! 
Dito aquilo e, num assomo de fúria e gesto súbito, rápido como um raio que rasga o horizonte, atirou contra a face do prisioneiro um molho de chaves e algemas que trazia. E logo o sangue na sua fronte se soltou abundantemente!
O sargento talvez tivesse percebido, por momentos, que se tinha excedido no seu zelo e competências! Pois o homem permanecera, até ali, calado e aprisionado! Mas o tempo já era de repressão como preconizava o novo governante de Lisboa! Começava a faltar o respeito e dignidade pelas pessoas!
Com este passo, porém, a turma agitou-se e manifestava-se com grande algazarra:
— Ponham o homem na enxovia!
— Prendam-no e levem-no a tribunal!
— Deem-lhe umas valentes chicotadas no lombo!
— O que ele precisava, sei eu! Era ser metido num barco e levado para o degredo para as colónias de África! — diziam vários dos presentes.
— Mate-se já aqui este bandido! — gritava alguém mesmo ali ao lado do prisioneiro! 
— Escache-se agora este ladrão! — berrava o mesmo indivíduo!
O Guimarães, com a face cheia de sangue, olhou para ele. Não o conhecia! Mas era da vila! Era o Zé Parrito!   
Ao cabo de um bom pedaço nesta giga-joga, espécie de vindicta de rua, foi então que interveio o ti’ Zé Pedro, homem respeitado em toda a vila e arredores pelo seu caráter e pulso, talvez o único que se podia bater, mano a mano, com o possante Guimarães.
— Não senhor, aqui não se mata ninguém! — disse com firmeza.
— Então vai-se matar um homem como se fosse um animal?!
— Pois enquanto eu aqui estiver ninguém mais lhe toca!
Todos recuaram um pouco na sua sanha contra o preso, não só por respeito ao homem devido à autoridade natural que infundia como também pelo seu porte físico. Todo ele se impunha pela sua honorabilidade! Salvou-se o Guimarães, desta feita, de uma possível vingança popular, pela intervenção e verticalidade deste homem.
Um a um foram-se os espectadores da assistência afastando. Voltaram às suas vidas ou regressaram à taberna para acabar o sorvo do copo do vinho que o alarido da prisão do Guimarães lhes havia interrompido.
Ficava o detido agora apenas nas mãos do Regedor que deu ordens aos seus Cabos para que o encarcerassem, justamente, no coreto da praça. Não houve outro remédio porque a cadeia da casa da câmara estava em obras! Alegava que o homem era suspeito de vários assaltos. Tendo, inclusivamente, sido surpreendido em flagrante delito, a roubar galinhas, na Oles, por vários vizinhos que se uniram para o prender. Durante a noite em que o Guimarães dormiu, preso, dentro do coreto, alguns energúmenos ainda se divertiram a meter paus compridos pelos óculos da entrada de luz e ar, na tentativa de atingir o prisioneiro!
Mas o destino destes homens fora da lei, apanhados na Gardunha, estava traçado. Eram levados, no outro dia de madrugada, a pé, para a Soalheira. E dali, de comboio, até Castelo Branco, onde eram entregues às autoridades concelhias. Foi o que também aconteceu ao Guimarães. Uma vez na cidade e, após ser julgado e condenado pelos atos criminosos que cometera, cumpriu ou cumpria prisão — não se sabe bem porque as fontes não são esclarecedoras. Tudo aponta, porém, para a sua evasão da cadeia de Castelo Branco. O que se sabe, com certeza, é que o Guimarães tinha voltado à liberdade, pelo menos por uns tempos. Mas não mais se esqueceu daquela sua detenção na Oles, da prisão, por uma noite, no coreto de S. Vicente da Beira e das injúrias, afrontas e agressões de que então foi alvo!   
Sucede que, à época, havia bastante comércio de madeiras entre os proprietários dos pinhais da serra da Gardunha, designadamente, da freguesia de S. Vicente da Beira e os empresários da construção civil da cidade de Castelo Branco que crescia a olhos vistos! Como é bom de ver, os transportes rodoviários de camioneta não existiam ou eram incapazes. O transporte da madeira era então efetuado quase exclusivamente por carros de bois. Era vê-los, numa azáfama, a carregar madeira por esses pinhais! E juntarem-se depois, em fila, estrada abaixo, tão ronceiramente como vagarosos eram os bois, a caminho da cidade! Iam pelo escuro da manhã e estavam de volta à noite!
Ali pela estrada nacional, sensivelmente próximo de Alcains, costumavam parar a marcha para a bucha e descanso de pessoas e animais. Só se pondo em andamento após recobro de energias que bem precisas eram.
Os carros formavam-se numa grande fila, bem encostados ao longo de um dos lados da estrada, enquanto durava a pausa da fatigante caminhada. Eis senão quando aparece o Guimarães que então gozava tempos de liberdade fosse ela definitiva ou precária. O que é certo, é que ele ali estava, alto e garboso, junto dos ganhões de S. Vicente da Beira, com redobrada pujança e renovada energia. Ora, o Zé Parrito era um dos ganhões mais assíduos no transporte das madeiras, atividade com que ganhava a vida. O Guimarães tinha-o visto apenas daquela vez na praça em S. Vicente da Beira e não conseguia identificá-lo. Apenas se informara que ele costumava fazer o transporte da madeira por aquele trajeto, juntamente com os outros ganhões. Por isso, deveria estar por ali. O antigo prisioneiro do coreto da vila acercou-se, pois, do adjunto dos transportadores de madeira que ali se encontravam a repousar da jornada — e se eles eram muitos! E sem medo ou receio algum — que ele era um homenzarrão! — berrou, destemido, alto e bom som para que fosse bem entendido pelos presentes:
— Onde é que está aqui aquele que em S. Vicente da Beira, quando lá estive preso, disse: “Mate-se já aqui este bandido!” e “Escache-se agora este ladrão!”. Se o apanho, quem o mata já aqui sou eu!
Os presentes ouviram e calaram! O Guimarães apenas veio a saber, junto dos transportadores de madeira, por este e por aquele, por entre dentes que, nesse dia, o Zé Parrito, vá-se lá saber porquê, não fizera o transporte da madeira como era seu assíduo costume!
E foi assim, por um acaso da fortuna, que o Zé Parrito escapou a uma morte quase certa!
Outros tempos!

Fonte: História ficcionada que teve por base algumas passagens narradas pelo ti’ Albino Moreira.
Nota: Ressalva-se o eventual emprego, no texto, de alguma palavra regional ou local com grafia não oficial.


José Barroso   

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Pedintes

Naquele tempo a vida diária na vila era muito vagarosa, medieval. As três classes da sociedade medieva ainda imperavam. O clero estava acima na pirâmide social, o senhor vigário era uma pessoa respeitada ou temida, à hora da catequese mesmo os mais arredios tinham que deixar as brincadeiras, as rotinas diárias e entrar na igreja para aprender a doutrina.
As catequistas pacientemente ensinavam o pai-nosso, acto de contrição, confissão, credo, salve-rainha… Senhoras Matilde, Resgate, irmãs passaraças, Estela e Maria, menina Maria de Jesus;  as irmãs professoras, Susana e Teresinha…  Mestras do catecismo boas e pacientes. Se por ventura algum catraio não entrasse na igreja à hora marcada, o padre Tomaz ralhava, ameaçava que diria ao pai.
Naquela época ainda se viam homens, mulheres, crianças descalças; as mulheres do Casal da Serra trocavam o calçado atrás da capela de São Sebastião. As que viviam na charneca trocavam as chinelas debaixo da sobreira que ainda hoje existe no Casal, à entrada da quelha que dá acesso à ribeira; quando regressavam às suas casas, os sapatinhos eram guardados e voltavam a calçar umas alpergatas ou faziam o percurso descalças.
Os senhores eram os donos de quase tudo, as melhores terras pertenciam-lhes, as melhores casas eram deles e situavam-se nos locais mais nobres da vila. A praça atesta aquilo que estou explanando: o clero com duas igrejas, a nobreza com seus solares e o mais nobre de todos, ao menos isso, a domus municipalis, símbolo do povo.
Para os senhores trabalhava o povo de sol a sol, a troco de uma escudela… No tempo da azeitona, aos colhedores por cada oito ou nove litros de azeite cabia-lhes um; os rendeiros, para além de pagarem uma determinada quantia em dinheiro, tinham que levar ao senhor uma cesta com os melhores frutos; as uvas, a azeitona eram para os senhores, o desgraçado estrumava, cavava e só arrecadava o que a terra produzia com muito trabalho e suor:- batatas, cebolas, couves, figos, maçãs…
Se isto não eram tempos medievos!
Aos “nobres” não lhes interessava nada que alguém quisesse progredir, um exemplo flagrante foi a construção da serração, a fábrica, que empregava no primeiro quartel do século umas duas dezenas de pessoas. Quanto tempo durou?
Há um dito que diz: "Os espanhóis foram conquistando… quando encontraram pedras deixaram aos portugueses." Quem passar por Salamanca, Ciudad Rodrigo e por aí fora, em redor da estrada a paisagem, apesar de seca, não é pedregosa. Assim que entramos em Vilar Formoso, começam as serranias graníticas, pedregosas, giestais, matorrais…
Na vila acontecia a mesma coisa: Casa Conde, Casa Cunha, Casa Visconde de Tinalhas e por aí fora. O pobre tinha as serras, courelas pobres difíceis de arrotear, caminhos mal andamosos, estreitos e tortuosos, onde só passava o homem e o burro.
Parece que tudo isto se passou há uma porradoria de lustros, mas não.
As coisas só começaram a mudar com a partida dos homens para as Franças… as guerras de África, as saídas para Lisboa… Todos tinham um objectivo comum, a melhoria das condições de vida, melhores ordenados, menos horas de labor diário. Os que ficavam, os senhores não tinham outro remédio senão acompanhar a evolução dos tempos.
A prosa já vai longa e ainda não escrevi nada sobre a ideia que me fez escrevinhar todas estas palavras.
           
Naquela época, estávamos ainda nos anos cinquenta do passado século, de vez em quando os tambores rufavam pelas ruas basálticas da vila, comediantes anunciavam a sua chegada. Na praça montavam o trapézio, à noite comediavam e o povo encantava-se com as momices que se iam desenrolando.
Os porcos eram criados paredes meias com as pessoas, as furdas situavam-se nas lojas rés-do- chão das habitações. Não eram só os porcos que lá viviam; burros, galinhas, vacas… As ruas eram “enfeitadas” com bostas, galinhas esgravatavam à procura do milho rei. Os ganhões transportavam nos seus carros toda a espécie de géneros, os rodados iam desgastando os granitos que se encontravam nos caminhos, deixando sulcos por onde escorriam as águas na estação invernal. A miséria campeava, era rainha em muitos lares, de vez em quando apareciam pessoas que andavam de porta em porta a pedir, eram os pedintes.
Um deles era o Mudo da Torre, pessoa simples, andrajosamente vestido, bonacheirão, risonho, não fazia mal a uma mosca. Quando o víamos, não o largávamos e clamávamos: "Mudo da Torre… Mudo da Torre." Voltava-se para nós com um brilhozinho nos olhos e um sorriso nos lábios, tirava a gorra levantava-a no ar e dizia "É! É! É! É…" e nós voltávamos ao princípio "Mudo da Torre…"
Havia um que era o oposto do Mudo da Torre, chamava-se Diamantino. Timantino um homem alto, bem-posto, fato coçado, andar meio torcido, na cabeça usava uma boina. Parece que era natural da Lardosa. Até certa altura tinha tido uma vida estável, uma desavença e foi parar à cadeia onde passou alguns anos. Quando saiu, transtornado com a vida, passou-se. Andava de terra em terra a pedir, Mudo da Torre aceitava tudo que lhe davam, Timantino só pedia nas casas ricas. Nós, os catraios, um pouco afastados, atanazavamo-lo gritando: "Ó Timantino… Ó Timantino, Tino, Tino…". Com cara de mau, corria atrás de nós com uma faca na mão…
Havia um pedinte discreto, natural de Niza. Uma vez por ano visitava a casa do senhor José Lourenço que lhe dava uma esmola.  José Lourenço era o senhor todo-poderoso da Casa Conde, punha e dispunha, ia às feiras ver os gados, comprava, vendia… Este pedinte, quando saía, dizia-lhe: "Senhor José, se algum dia passar por Nisa, terei muito gosto em o receber na minha casa."
O feitor sorria amareladamente. Certo dia, resolveu ir a Nisa a uma feira e lembrou-se de o procurar. Dirigindo-se a um transeunte, perguntou onde morava o tal pedinte, este só faltou pôr-se em sentido. "Vá por esta rua abaixo, a sua casa fica ao fundo da rua."
Seguiu as instruções do transeunte e quando chegou ao local indicado disse para o criado que tinha ido com ele: "Não pode ser esta a casa, isto é um palácio."~
Em todo o caso, bateu à porta e imediatamente aparece um criado. "Diga ao seu patrão que está aqui o José Lourenço de São Vicente da Beira…" Subiu as escadas do casarão e aparece à sua frente o pedinte. O pobre era mais rico que ele. "Olhe senhor José, foi a pedir que consegui o que tenho."
A partir dessa altura nunca mais voltou à vila.
Naquela época ainda havia usos, costumes e preconceitos muito arreigados entre as populações, as sociedades viviam em espaços rurais muito fechados, o espírito comunitário imperava, assim como a miséria grassava e campeava. Havia uma coisa nos nossos dias cada vez mais rara: alegria. As pessoas mesmo com a barriga vazia mourejando de sol a sol, cantavam, ajudavam-se e à noite, ao toque das ave-marias, viam-se ranchos que regressavam às suas casas rezando ou galhofando.
Hoje não falta nada, mas falta o principal que se chama alegria e amor solidário.
Fiquem-se com mais esta: A ambição cerra o coração; mas o amigo conhece-se na adversidade; em contrapartida, o amigo fingido conhece-se no arruído.


J.M.S

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Na escola de São Vicente


As professoras Rosa Caetano e Idalina Oliveira, respetivamente diretora do agrupamento e professora responsável pela ilustração do livro, 
em equipa com a professora Luísa Nave, ao seu lado na mesa.

No passado dia 20 o livro “Dos Enxidros aos Casais Histórias e Gentes de São Vicente da Beira” foi apresentado na escola de São Vicente.
A sala da biblioteca encontrava-se cheia de alunos; o livro também é deles, os alunos do segundo ciclo do agrupamento José Sanches de Alcains e São Vicente, com a ajuda das professoras, ilustraram muito bem com desenhos algumas das histórias.
À medida que ouviam as histórias que cada autor contava, parecia que queriam mastigar as palavras, tal a atenção, nomeadamente os mais novinhos.
A certa altura, um aluno perguntou se o livro trazia alguma história que falasse do Louriçal do Campo; o José Teodoro respondeu que sim, ficou contente.
Coube-me ler a lenda da Pedra da Sobreposta; finda a leitura, alunos do Louriçal fizeram perguntas.
Tão perto se encontra da vila e quase ninguém a conhece, vale a pena ir ao local, é enorme…
O envolvimento entre autores, professores e alunos foi notório; incentivaram-se os alunos a escreverem histórias que ouçam contar aos avós, pais...
A hora passou depressa, a campainha chamava-os para outra aula, os alunos partiram mais enriquecidos e nós também.
À directora do agrupamento, aos professores e funcionários que tão bem nos acolheram, bem hajam.

José Manuel dos Santos


Entrei neste projeto com muito entusiasmo e cheia de confiança, principalmente porque sabia que tinha a proteger-me, a mim e aos mais inexperientes, alguém com algum traquejo nesta andanças. Era um caminho que tinha tudo para dar certo.
Mas como em qualquer projeto, sabemos de onde partimos e não sabemos onde vamos parar. É assim quase como que um tiro no escuro; neste caso, penso que foi mais como um papagaio que lançámos e voou mais alto do que supúnhamos.
Há dias, à saída do Lar onde tínhamos ido retribuir aos nossos “Crescidos” algumas das histórias que eles nos tinham contado, o José Teodoro desabafava: «Só por este bocadinho já valeu a pena todo o trabalho que tive com o livro». Estou completamente de acordo com ele, e a prová-lo também está o comentário da Luzita Candeias sobre o assunto.
E a experiência repetiu-se nas escolas de Alcains e São Vicente. Foi muito gratificante ver o interesse com que os alunos nos receberam, a atenção com que ouviram as histórias que levámos para eles e a participação curiosa no final, com perguntas sobre o que tinham ouvido.
A nós (escritores, como eles já nos chamavam) faltou-nos tempo para falar de tudo o que tínhamos para dizer e ouvi-los com mais atenção. Mas esperamos que, para além do prazer que tivemos em estar todos juntos, lhes tenhamos deixado uma sementinha e dentro de algum tempo sejam eles a convidarem-nos para a leitura das histórias que eles mesmo tenham escrito.


M.ª Libânia Ferreira


Já se escreveu acima quase tudo o que eu poderia escrever. De entre os autores, nós os três tivemos a sorte de viver os melhores momentos no contacto com o público.
Este projeto ultrapassou todas as minhas melhores expetativas, quer em número de livros vendidos neste primeiros três meses, quer em contactos com o público, seja ele infantil, idoso ou diversificado.
Por outro lado, este êxito junto do público é também a prova de que juntos valemos muito mais cada um em separado. Só o trabalho em equipa permitiu o sucesso das apresentações, tal como já se provara na feitura do livro, quer pela equipa de autores, quer pela colaboração dos alunos do agrupamento de escolas de Alcains e São Vicente.
E por último, a valorização do nosso património. Temos sido muito bem recebidos, porque falamos às pessoas nas coisas que são suas, que fazem parte da sua cultura.
Proximamente, voltaremos a Alcains, para contar as nossas histórias aos alunos do 1.º ciclo. E no dia 5 de novembro, estaremos na Partida.


José Teodoro Prata

Os desenhos dos alunos do 1.º ciclo, após a nossa apresentação.




José Teodoro Prata
Colaboração da professora Maria da Luz Teodoro e da funcionária Célia Francisco

domingo, 16 de outubro de 2016

Nas férias grandes

As férias são um tempo extraordinário na vida dos trabalhadores, amarrados semana a semana, mês a mês, a um horário de trabalho de que não há escapatória. Bem, nos trabalhadores dos nossos tempos, que o direito a férias é coisa recente, legalmente consagrado em 1937, em Portugal. E o que foi preciso lutar para o alcançar!
A dimensão que trago aqui hoje à baila é a da disponibilização do trabalhador com vista à sua participação social e cultural (palavreado legal), que quer dizer, ao reencontro e socialização com familiares e amigos que, devido a distâncias e outras circunstâncias, só na altura das férias (grandes) podem com vagar matar saudades, trocar experiências, passear juntos e sonhar.

O grupo dos amigos da Praça, como invariavelmente acontece todos os agostos, lá voltou a reunir, só que em vez de se por a sonhar com projetos incapazes de ganhar quaisquer simpatias, como dar uma demão de tinta à Casa Paroquial, coisa que ela nunca viu desde que nasceu, ajardinar o Quintalinho que lhe serve de logradouro (com plantas e flores oferecidas pelos Vicentinos), manter as fachadas que dão para a Fonte Velha apresentáveis, este ano repensou a estratégia e virou-se para outros lados. Cultura e desporto.

Vai daí, organizou um passeio pedestre às antenas, onde seria comida uma bela merenda, com a reconstituição da batalha da Oles, pelo meio, embora deslocada para um sítio em que a vitória nos fosse garantida, tendo-se apresentado como sítio ideal a fraga escarpada sobre o Louriçal.

Armámo-nos de varapaus e cachaporras e, à medida que as cabeças dos infiéis apareciam por trás das pedras, era cacetada no toutiço até o diabo dizer bonda. Eram seguramente dez vezes mais que nós, mas os apedrejadores dizimavam-nos lá do alto, a rolar penedos enormes para cima deles, com a ajuda imprescindível do bom gigante, que veio da Terra dos Francos fazer a cobertura do evento e mesmo com pedradas certeiras que eram como balas. Os que fugiram iam tão acagaçados que só se atreveram a olhar para trás depois de passar a Soalheira.

A vitória esmagadora foi efusivamente festejada, como testemunha o retrato com os vencedores ufanos, de armas no ar. Admiravelmente poucos, para tão enorme tarefa. Descontando o narrador, temos o repórter vindo da Terra dos Francos com o seu irmão e outro combatente. Assim: João e Tó Passaraço; Chico Pinheiro e o cunhado Tó, que é como irmão, nunca o deixando combater sozinho, dadas as mazelas da coluna; o Zé Barroso e o Daniel, aguerrido combatente das serranias.


Para nos recompormos do esforço da luta, fomos presenteados pelo Chico Pinheiro com uns belos quadrados de chocolate preto do bom, 80% de cacau, no final da bucha, devorada no miradouro sobre Castelo Novo. Depois, uma pequena pausa onde se fizeram os necessários curativos e se retemperaram as forças. A batalha passou à história, como sabem.

O grupo seguiu animadíssimo, serra acima. Aliás, viajar com o Zé Barroso é sempre um prazer incalculável, quer seja a pé, quer tenha sido naquele calhambeque, em que há muitos anos atrás se faziam os arraiais das redondezas, que qual jumento adorava ir à berma da estrada abocanhar um bocado de carqueja ou giesta tenra e que ele sistematicamente repreendia, com demasiada altivez, dizendo: mato, mas tu queres mato?

O Daniel, meu sobrinho, teve como companheiro privilegiado o Tó Passaraço que lhe foi mostrando a vastidão do território calcorreado vezes imensas com 12, 13, 14 anos, a colher resina no Rolão Preto, com o avô Joaquim Barroso e, no próprio local da batalha, com o ti Zé Candeias, numa das voltas mais difíceis da região. Explicou-lhe as voltas, área geográfica correspondente a um dia de trabalho, a colha, que consistia em retirar a resina das tijelas para o caldeiro, que depois de cheio era despejado no barril. O caldeiro de chapa de zinco, com uma cinta no fundo, que tinham de encher de madeira ou cortiça para não se enterrar nos tenros ombros da sua adolescência. A merenda invariavelmente de pão e conduto. Os acidentes do território, fragas ruins de escalar. A sede em certos dias abrasadores sem fontes por perto. Uma lição de vida.

E assim fomos subindo, subindo, parando por vezes para que o João mantivesse o batimento cardíaco dentro da guide line, fixada pelo seu cardiologista. Ao chegarmos ao planalto que antecede a última e mais agressiva subida às antenas, aconteceu algo deveras surpreendente.
Avistámos um ancião de cabelo branco, que não veria tesoura há anos, junto a uma charca a admirar um bando de perdizes que ali matava a sede e que se tentou enfiar numas giestas mal  nos pressentiu. Como o chamámos, parou e caminhou ao nosso encontro.

Alguém perguntou – É muito parecido com o Gandalf, da Terra Média, o nome diz-lhe alguma coisa? Ao que respondeu – Desconheço tal personagem.

- Afinal quem é o Senhor e o que faz aqui? - Perguntámos impressionados pelo seu ar altivo e olhar perturbador.

- O nome não importa, mas a minha função é a de guardião do Portal da Senhora da Penha, - virou-se para nascente e apontou com o indicador direito - além naquela fraga, milenar local de culto, que alguns querem que caia no esquecimento. E perguntou de seguida – E vocês quem são e que procuram?

- Um grupo de amigos com laços familiares, que vivendo separados, se junta em agosto para matar saudades e por a conversa em dia, que decidiu dar um passeio ao cume da Serra. – Dissemos.

- Sinto que estão ligados por uma energia positiva e que são pessoas de bem. - Fez uma pausa e pediu para que nos sentássemos um pouco, que os anos dele e o nosso cansaço o mereciam e continuou – Não sei se já ouviram falar de mim, porque raramente sou visto e peço sempre para omitirem estes encontros. É que, infelizmente, não há muita gente preparada para eles. E eu como guardião dum local privilegiado de comunicação entre o Profano e o Sagrado sei isso muito bem.

Olhámos uns para outros a tentar perceber o impacto daquelas palavras e pergunta o Zé Barroso, com uma desenvoltura que me impressionou, mas habitual nele – Mas afinal que conversa é essa, onde é que o Senhor quer chegar?

Ele olhou-nos com o seu olhar profundo e, com voz que irradiava uma paz absoluta, continuou – A humanidade parece andar distraída, mas há milhares de anos que alguns homens sabem que o alto das montanhas são locais ideais de comunicação com a Divindade. Aliás, um dos pilares da vossa cultura, o Livro, refere-o imensas vezes. Todos já ouvistes falar que foi numa montanha como esta, bastante longe daqui, chamada Sinai, que a Divindade entregou a Moisés um código de conduta, bem pequeno, comparado com os de hoje, claro, unicamente com 10 artigos, mas que raros homens são capazes de cumprir.

Fez uma longa pausa e diz – Quando toda a humanidade agir segundo aquelas normas, que não são para católicos, como pensais, mas servem toda a humanidade, a terra fundir-se-á com o Céu e a humanidade passará a viver uma paz e felicidade permanente. Então, eu e outros guardiães deixaremos de ser necessários. - Calou-se e argumentámos, - Mas isso são balelas, não passa de um mito!

Encarou-nos um a um e disse serenamente – O ser humano é conhecido pela sua tradicional falta de fé. É velh,a mas bem significativa a frase do Homem Divino que por cá passou há dois mil anos «se tiveres fé como um grão de mostarda, poderás mover montanhas». O caminho é longo e difícil, mas homens santos e sábios conhecem os desígnios do Alto. Os Mais já o sabiam há séculos e eram chamados primitivos pelos espanhóis. Sabem que eles já tinham conhecimento que em 2012, se iniciaria uma nova era cósmica em que a materialidade começaria a ceder terreno à espiritualidade e ao sentimento geral de fraternidade?

Aqui não me contive e argumentei – Como é que acha isso se o planeta continua a viver tragédias terríveis por todo o lado? A guerra da Síria, as mortes de refugiados no Mediterrâneo… Não sabe o que se passa, certamente!

Olhou-me tranquilo e disse – A evolução é demasiado lenta para o vosso tempo de vida, mas os sinais são animadores e visíveis aos mais atentos. Reparem na quantidade de grupos que têm surgido para defesa ambiental, preocupados com a saúde do planeta, grupos pacifistas que arriscam a própria vida pela segurança dos outros e as ondas de solidariedade que surgem, cada vez com maior frequência, para salvar um ser humano, vítima de um terrível infortúnio.

Olhámos uns para os outros com ar de assentimento. Ele olhou-nos, sorriu pele primeira vez e continuou – A mudança mais profunda começa no interior de cada um de nós. A conquista de nós próprios é a chave. Continuem a cultivar a amizade que se sente em cada um de vós, a alegria e a paz, e atendendo ao lugar santo a que vão subir, recolham-se por um momento no vosso íntimo e ofereçam à Divindade a graça da saúde que tem recebido e vos permite ainda subir a este lugar, do amor que respiram nas vossas famílias e da amizade que vos une. São valores muito importantes, mas ao mesmo tempo tão frágeis.

Subitamente sentiu-se uma ligeira brisa, a luz pareceu vibrar com mais intensidade, talvez pelo calor que começava a apertar, e o velho desapareceu sem darmos por ela.

Subimos o resto que faltava para o cume, em silêncio, sem percebermos bem o que se passara. Teria sido uma alucinação colectiva, devida à conjugação do cansaço e calor ou apenas um sonho interior ocasionado pelo ar rarefeito da montanha?

No alto comemos a merenda, admirámos a paisagem e tiramos outro retrato a comprovar a felicidade de termos chegado juntos à meta.


No regresso o calor era abrasador e, enquanto nos refrescávamos, um pouco, à sombra do mais majestoso castanheiro das redondezas, à chegada ao Casal pelo lado de Nordeste, o Zé Barroso vai de soltar uns valentes assobios, «à pastor» e eis a revelação. O encontro com o guardião não fora irreal e as coisas estão a acontecer. Pois jamais fora visto noutros tempos e não foi ilusão: três cabras aparecerem a espreitar, no primeiro andar duma casa, ao balcão.

De maneiras que foi assim…

F. Barroso
Fotos do João Craveiro (Passaraço)

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Conferência das andorinhas


Fim de tarde de verão.

Depois de um dia de imenso calor, procuro o fresco do jardim.
Entre as flores e a beleza encontro a serenidade e a paz no infinito azul do céu.
Voam abelhas de flor em flor. Atarefadas nas suas missões, nem dão pela minha presença.
Enlaçam-se as flores para chegarem mais alto e mais longe e saudarem o sol a cada manhã (Bons dias).

Olho o céu.
Voam andorinhas, pardais, carriças, labrandeiras e sei lá que mais.
Inquietos os voos de hoje. Nervosos e barulhentos. Porque será?
Vou investigar, talvez descubra porquê.
Sigo-as.
Oiço o barulho que fazem, cada vez mais e mais perto.
Fios de telefone, eletricidade e beirais cheios de andorinhas inquietas.
Algumas fogem com a minha presença mas regressam novamente, outras vão chegando.
Intensifica-se o som e olho mais além e mais alto.
Não há poiso para tantas patinhas de andorinha.
Reunidas em conferência na mais alta e abandonada antena de TV. Qual “sala” mais improvisada, arejada e pequena para poiso de tantas outras que reclamavam nos fios e beirais.

Que discutiam? Que reclamavam?
Estariam só algumas em conferência, (as da antena) e as outras, (dos fios e beirais), protestando?
Que dirão de sua justiça?
Que regras terão de mudar, pela instabilidade do tempo e pela destruição humana?
De que leis terão de abdicar para continuar a seguir os seus instintos naturais e os seus voos livres?
Que liberdade terá o futuro?

Subitamente fez-se silêncio.
As andorinhas abandonaram os seus poisos e regressaram aos seus ninhos.
O sol já finda no horizonte e a noite não tarda a chegar.

É hora de regressar a casa e no aconchego dos seus ninhos, adormecerem entre penas e sonhos de liberdade.

Luzita

21/Julho/2010

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

O livro em Castelo Branco



A apresentação iniciou-se com o José Teodoro a falar do processo que levou à concretização deste projeto.


E continuou com a leitura de algumas das histórias que selecionámos…


…acompanhadas pelo coro do nosso rancho, na parte das cantigas.


Dois dos alunos do Agrupamento de Escolas José Sanches e São Vicente da Beira explicaram o processo de ilustração de algumas das histórias do livro. 
Fizeram-no lindamente!


Finalmente, as individualidades convidadas (representante da RVJ editores, Presidente da Junta de S. Vicente da Beira, Vereador da Cultura da C. M. Castelo Branco e Diretora do A.E. José Sanches e S. Vicente da Beira) falaram da participação de cada uma destas instituições neste projecto. 
Salientaram sobretudo a importância que iniciativas como esta têm na preservação da nossa identidade cultural e na passagem de testemunho às gerações que nos sucederem.


A plateia não estava cheia, mas estavam certamente os melhores!
Para a semana iremos às escolas de Alcains e São Vicente e, no dia cinco de novembro, ao Pequeno Lugar, na Partida.

Até lá!

M. L. Ferreira

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Estivemos no Lar

Fomos ao nosso Lar conviver com as pessoas que ali vivem. E levámos o coro do Rancho Folclórico Vicentino para cantar alguns poemas integrados em histórias do livro. Cantaram a nossa Paixão, é lindíssima!
Foi muito bom. Faço minhas as palavras que a Luzita Candeias me enviou:

Gostei da tarde de sábado, entre Crescidos com tantas histórias vividas e por contar.
Gostei de ver os sorrisos deles, os olhos a brilhar a quererem que as histórias e canções se prolongassem pela tarde.

Têm de voltar outra vez, ouvir e contar novas histórias e cantar outras cantigas.
Pode ser?
E como é que aparece uma burra assim? ["...forte como uma mula, elegante como uma égua e muito mansa."] É isso que vamos ver. Há 60 anos havia uma família cigana no Cimo de Vila, que morava numa casa hoje em ruínas, que era do Tonho Russo e portanto vizinhos do meu avô Bernardo.
Num inverso particularmente agreste, a vida não estaria a correr muito bem ao Chico Cigano que, com a casa cheia de filhos a chiar de fome, lá se encheu de coragem e foi pedir ao meu avô um conto de réis para relançar o negócio. Que lhe pagaria pelo São Miguel.
Dos Enxidros aos casais: histórias e gentes de São Vicente da Beira, "A Preta", 
de Francisco Barroso, pp. 64 e 65.
Ilustração dos alunos do 2.º ciclo do Agrupamento de Escolas de José Sanches e São Vicente da Beira

Amanhã estaremos na Biblioteca Municipal de Castelo Branco...

José Teodoro Prata

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Fui aos Chocalhos


Fui aos chocalhos; aproveitei o primeiro dia, andamos mais à vontade, menos pessoas; gostei.
A câmara do Fundão e a junta de freguesia de Alpedrinha em boa hora criaram este evento. Já lá vão quinze anos, único na região, quiçá em Portugal. Atrai milhares de pessoas de toda a nossa Beira e país.
No belo solar do Picadeiro “Sarafanas” estava uma representação dos amigos espanhóis, não sei se foi este ano a primeira vez, já se internacionalizou. Ruas medievais apinhadas de gente; janelas, portas, lojas escancaradas onde se expõem os mais diversos produtos:- gastronómicos, artesanais, artísticos… Diversão a rodos, bombos, pandeiros, gaitas de fole, conjuntos, pífaros… a animação, é grande.
Dá gosto passear pelas ruas da bonita Alpedrinha, as casas bem conservadas mantêm a traça original. Solares, capelas, a bela igreja paroquial, a monumental fonte, o palácio do picadeiro, a capela do leão que nos recorda o célebre cardeal. Parece que era aparentado com o nosso D. Álvaro da Costa. Ilustres, os Costas.
Fui aos chocalhos; há alguns anos que lá não ia, deixei o carro num parque improvisado junto ao cruzamento das Atalaias, os autocarros transportam-nos para o local, tudo muito bem organizado.
A nossa vila também foi testemunha do fenómeno transumante; era garoto, na estrada nova passavam enormes rebanhos de ovelhas a caminho do Alentejo. No outono desciam a Estrela, na primavera regressavam na direcção dos montes Hermínios. Era um espetáculo bucólico, pessoalmente adorava ver. O chocalhar misturado com os assobios e as ordens dos pastores, formavam uma campestre orquestra. Eram às centenas as ovelhas, uma nuvem de pó à medida que passavam, pastores com seus safões, manta e alforge caminhavam. “Caminho faz-se caminhando, não é verdade”!
A vila possuía também grandes rebanhos, na casa conde havia um canzarrão enorme chamava-se leão; só lhe faltava a juba, o pescoço estava enfeitado com uma grande coleira de picos de ferro por causa dos lobos. Dizem que quando atacam atiram-se logo ao pescoço do animal. O Leão estava protegido, um animal corpulento como ele não precisaria. De vez em quando ia à praça passear, nós os catraios, fazíamos festas ao Leão. Cabradas, ovelhadas; à noite, quando regressavam das pastagens, o chocalhar e campainhar alegravam nossos largos e ruas.
Não chegou a meio século para a sociedade se transformar radicalmente. O chafariz já não mata a sede aos animais, é uma peça decorativa, as bicas da fonte velha já não enchem cântaros, regadores, baldes…
O mundo pula e avança …
Resta a recordação.


J.M.S