Há muitos anos vivia na Partida uma
família a que chamavam “As Mari’ Joanas”. Eram duas irmãs solteiras que viviam
com o pai, e já naquele tempo eram consideradas das pessoas mais abastadas da
terra.
Um dia, já rente à noite, bateram-lhes
à porta. Estranharam a hora, mas foram assomar à janela e viram dois homens,
cada um com sua mula pela mão, que disseram ser almocreves. Pediram que lhes
dessem alguma coisa que cear e os deixassem dormir por uma noite, que vinham
com fome e cansados do muito caminho que tinham andado. E que não tivessem
medo, que tinham com que pagar o comer e a dormida.
Fazendo justiça à fama da
hospitalidade das gentes da terra, as duas irmãs prepararam logo ali num
instante uma bela sopa de couves temperada com um bom naco de presunto. Os
viajantes comeram-na tão sôfregos e calados que até parecia que não comiam há
uma semana. Entretanto foram fazer as camas com os melhores lençóis de linho
que havia na casa.
Depois de comerem, os viajantes
levantaram-se da mesa e disseram que queriam fazer contas. O dono da casa bem
disse que não senhor, que as contas se faziam de manhã, e que ficassem mais um
pouco para dois dedos de conversa e a reza do terço. Disseram que não, que
tinham que abalar de manhã cedo, antes do nascer do Sol, mas antes agradeciam
muito que lhes indicassem para que lados era um sítio, ali nas redondezas, que
dava pelo nome de Porto, e qual era o melhor caminho para lá chegarem.
O dono da casa achou estranha a pressa
dos dois homens em abalar, mas desconfiou ainda mais da curiosidade deles em
saberem onde era o tal lugar. Não pregou olho em toda a noite, a pensar no caso
e à escuta de qualquer barulho, não fossem eles abalar sem ele dar conta. Já
agora não queria perder a partida de tão estranhos hóspedes e ver se tirava a limpo
as intenções que os trazia a vaguear por aquelas bandas.
Ainda o dia vinha longe, sentiu o
ranger das tábuas. Deviam ser eles a levantarem-se, e ficou à escuta. Mal ouviu
a porta da rua a ranger, pôs-se a pé e foi espreitar. Viu-os a descer a rua,
cada um montado na sua mula. Nem se preocupou de estar em camisa de dormir e
barrete na cabeça; enfiou só as botas nos pés e foi atrás deles. Quando
chegaram lá ao sítio, viu-os parar e pôs-se à espreita, um pouco mais longe, a
ver o que é que eles faziam. Nem queria acreditar quando os viu a encherem umas
sacas e a carregarem uma das mulas com elas. Aproximou-se mais e viu que eram
moedas de ouro o que estavam a ensacar. Assim que o viram, os dois homens
voltaram-se para ele, zangados:
- Se não tivéssemos comido ontem à
sua mesa e dormido nos seus lençóis, era hoje aqui o fim da sua vida. Mas,
assim sendo, nós já cá levamos o nosso quinhão; ainda aí fica esse pote, acabe
vossemecê de o rapar.
O homem não perdeu tempo e, tão
depressa quanto pôde, apanhou as moedas que restavam no fundo do pote e encheu
o barrete com elas. Correu depois para casa o mais depressa que as pernas
deixaram, não fosse alguém dar por ele, e foi contar às filhas o sucedido.
Se já eram abastadas, as Mari’Joanas
ficaram ainda mais ricas. Quando morreram, como eram solteiras e nem sobrinhos
tinham, quem herdou tudo foram os primos Fernandes. Vem desses tempos a fama, e
só eles sabem se o proveito, de serem das famílias mais ricas da terra.
M.
L. Ferreira