Enxidros era a antiga designação do espaço baldio da encosta da Gardunha acima da vila de São Vicente da Beira. A viver aqui ou lá longe, todos continuamos presos a este chão pelo cordão umbilical. Dos Enxidros é um espaço de divulgação das coisas da nossa freguesia. Visitem-nos e enviem a vossa colaboração para teodoroprata@gmail.com
quinta-feira, 20 de junho de 2024
domingo, 16 de junho de 2024
Santa Pulquéria
Este texto já foi aqui publicado, mas voltamos a ele, porque é muito bonito e bom para vos abrir o apetite para a 4.ª tertúlia do Conta-me histórias, desta vez no Casal da Fraga, no próximo domingo.
“Olha
lá cachopos, se vandes pra Lisboa e virendes por lá a minha ‘sabel, dai-lhe
recomendações nossas!”
“Nossas”
era como quem diz, da tia Pulquéria e do irmão da Isabel, ambos moradores numa
casa que já foi abaixo, pedra em cima de pedra, com um balcão que dava para a
estrada, no que eu sempre acreditei ser o lugar mais soalheiro do nosso Casal
da Fraga.
Já
grandes e com a arrogância que o cosmopolitismo aparentemente confere,
sorríamos e acenávamos que sim, incapazes de compreender tanta simplicidade – é
mesmo desarmante, a simplicidade, não é?
A
mesma inocência com que, depois das pregações da Semana Santa, quando,
regressados da igreja, descíamos a barreira de São Francisco, a tia Pulquéria
repetia partes inteiras do sermão, exaltando a beleza de um gesto bíblico ou o
sentido de uma parábola, que ela retivera e a nós, adolescentes de fresco,
soava a prosa infantil. “Não é tão lindo, cachopos?”, ouvíamos ela dizer.
Nesses dias, por causa das exéquias, ela calçava uma espécie de sapatos de pano
– pretos, com uma presilha que abotoava de lado.
Nunca,
que eu saiba, houve pessoa mais pura neste mundo.
Incapazes
de perceber, pequenos e grandes, à uma, fazíamos pouco dela: do porco foçador, já
com oito ou nove anos, que por vontade da dona nunca iria à faca; ou da pressa
com que se mexia – ela não andava, corria, porquê? se não se lhe conhecia sombra
de compromissos ou obrigações; ou do xaile ou pano preto com que sempre se
cobria, já em muito mau estado; ou da horta e da criação que não tinha. E do
afilhado, já homem e de bom físico, que a madrinha não deixava trabalhar, ao
dia, porque se cansava, ou da limpeza por fazer, tanto da casa, como do corpo
de passarinho; ou, ainda, de ela ter uma interpretação literal das parábolas da
Bíblia ouvidas na igreja, e de, na sua ideia, Lisboa ser apenas um pouco maior
do que São Vicente. Sem semear, nem
colher, interrogava-se o senso comum, que éramos nós todos, de que é que viviam
aqueles dois pobres de Cristo – por que milagre, sem um vintém a entrar-lhes em
casa?
Pobre
de espírito ouvi chamar mais de uma vez à tia Pulquéria, uma senhora que, nós
já adultos, ainda nos chamava “meninos”, para quem a pobreza era como se não
fosse – antes, uma condição natural vivida com amorosa ingenuidade.
Em
boa verdade, tal transcendência, para mim, foi durante muito tempo um caso de
santidade. Hoje, mais incomodado com o conforto das certezas do que com o
desconforto da dúvida, não vou tanto por aí. Ainda assim, guardo dela uma
memória feliz, e isso para mim é mais importante que as questões da santidade.
Sebastião Baldaque
SET. 2022
quinta-feira, 13 de junho de 2024
No tempo das cerejas
Ao
lado da casa dos meus avós, no Casal, havia duas cerejeiras. Todos os anos
carregavam tanto que às vezes até esnocavam alguns ramos. Eram tão altas que só
os rapazes conseguiam trepar por elas, mas, para nós, o meu avô arrumava-lhes
uma escada, mal as cerejas começavam a ficar encarnadas, e só a tirava muito
tempo e grandes barrigadas depois, quando até as passas já tínhamos comido, a
meias com os pardais.
Era um tempo farto, e em que até as raparigas também ficavam mais bonitas, enfeitadas com os brincos novos todos os dias.
Contam
que a Amália Rodrigues, que terá nascido no Fundão, não foi registada logo à
nascença por falta de meios dos pais. Tempos mais tarde, quando a mãe a quis
registar e lhe perguntaram a data de nascimento da menina, terá respondido:
«Foi no tempo das cerejas». Isto prova que vem de longe a importância da cereja
na economia da região.
ML
Ferreira
Fotografia de Diamantino Gonçalves
terça-feira, 11 de junho de 2024
Eleições europeias, 2024
Resultados na freguesia de São Vicente da Beira:
PS - 39,55%
AD - 32,58%
CH - 8,54%
BE - 5,05%
IL - 3,31%
ADN - 2,26%
PCP-PEV - 1,92%
L - 1,57%
José Teodoro Prata
sábado, 8 de junho de 2024
Conta-me histórias, 2
Pe. José Hipólito Jerónimo, um democrata assumido
José Hipólito Jerónimo fez
a sua formação religiosa superior em diferentes geografias (Roma, Itália; Bona,
Alemanha; Chicago, Estados Unidos da América). Forçosamente, este contacto tão
prolongado (8 a 9 anos) com a vida democrática, que até então desconhecera,
impregnou-se-lhe no seu modo de ser pessoa.
Curiosamente, a crise
académica coimbrã de 1969 não o entusiasmou. O já sacerdote José Hipólito
Jerónimo frequentava o último ano do curso de Filologia Germânica, onde foi
colega de curso de Artur Jorge, então jogador da Académica e mais tarde
treinador de futebol. O presidente da República Américo Tomás foi inaugurar do
edifício das matemáticas e o presidente da Associação Académica, Alberto
Martins, pediu a palavra, mas foi-lhe recusada.
Isto provocou a revolta estudantil, que levou ao fecho da academia, por
tempo indeterminado. O Pe. Jerónimo não ficou em Coimbra para viver a revolta
(o seu reino já não era deste mundo), mas regressou ao Verbo Divino com a
convicção de que o regime estava por pouco.
Precisamente quatro anos
após esta crise académica, o Pe. Jerónimo, então no Tortosendo, foi uma das
individualidades a quem o Jornal do Fundão pediu um depoimento sobre o estado
em que Portugal de encontrava e quais as perspetivas de futuro. Durante três
semanas, 7, 14 e 21 de maio de 1973, o jornal publicou as respostas às questões
colocadas. Da zona de Castelo Branco, participaram os Drs. Fernando Dias de
Carvalho, Francisco Rolão Preto, Albano Pina, Mário Branco e Manuel João Vieira.
Este último viria a ter um importante e ativo papel na implementação da
democracia, após o 25 de Abril, nesta parte sul do então distrito de Castelo
Branco.
Graças a esta defesa da
democratização do país, o Pe. Jerónimo esteve, por direito próprio, na festa do
25 de Abril no Tortosendo, a 27 de Abril, onde foi um dos oradores. Reproduz-se
seguidamente o seu discurso, publicado no Jornal do Fundão de 5 de maio:
(discurso apresentado na publicação anterior)
Semanas depois, ele e outros
padres da região manifestaram publicamente a sua solidariedade com o programa
da Junta de Salvação Nacional, criticando os bispos portugueses, ativos
colaboradores do regime ou simplesmente remetidos a «um silêncio cúmplice», com
exceção do bispo do Porto, e recordando o exemplo de muitos religiosos que
«conseguiram arrancar-se à apagada e vil tristeza em que colectivamente
mergulhou a comunidade cristã portuguesa». Esta tomada de posição de sete
padres foi publicada no Jornal do Fundão de 12 de maio.
Estes e outros cristãos
aderiram ao Movimento dos Cristãos pelo Socialismo, um espaço de reflexão
cristão, internacional e não partidário, dos anos 70, que pretendia conciliar a
doutrina social da Igreja Católica com os ideais igualitários do socialismo. E
assim se viveu a revolução nas comunidades católicas portuguesas, numa procura
constante de como viver os ideais da liberdade, igualdade e fraternidade.
José Teodoro Prata
quarta-feira, 5 de junho de 2024
25 de Abril - 50 Anos
Um democrata assumido
Discurso do Pe. José
Hipólito Jerónimo, na festa do 25 de Abril, no Tortosendo, a 27 de abril de
1974. Fonte: Jornal do Fundão, de 5 de maio de 1974 (agradece-se
partilha nas redes sociais)
Estamos aqui por uma
razão muito simples, mas muito importante, estamos aqui porque estamos
contentes. O dia 25 de Abril trouxe-nos a primeira alegria limpa, sã,
expontânea, de todo o bom povo português nos últimos 48 anos. Estamos a viver a
aventura de sermos livres pela primeira vez, de podermos mostrar abertamente,
sem medo, o que somos, o que pensamos, o que queremos. Numa palavra: estamos a
viver a felicidade de nos sentirmos, finalmente, homens no verdadeiro sentido
da palavra.
Amigos! Permiti que vos
dê conta de mais uma razão para o meu contentamento e para a minha presença
aqui. Eu, como cristão e como padre, estou feliz porque caiu um regime
anti-cristão, anti-democrático e anti-humano. Porque um regime que à mentira chamava verdade, às trevas
chamava luz, e, sobretudo, à opressão chamava liberdade, não era um regime
cristão, não era um regime humano.
Aliás, como cristão que
sou, e estou certo que muitos outros cristãos pensam como eu, não quero um
regime cristão para Portugal; quero sim um regime que represente todo o povo
português porque só assim poderá servir a todo o povo português.
Amigos! Não olhemos mais
para o passado. Não nos deixemos tomar do ódio nem da vingança, mesmo que
tenhamos sido - e todos fomos – agravados durante tantos anos. Sejamos
generosos! Mostremo-nos dignos da liberdade que o Movimento das Forças Armadas
nos conquistou, mas que nós próprios temos agora de consolidar através do nosso
trabalho, do nosso civismo, da nossa capacidade de escolha e das nossas opções!
Olhemos para a frente, demo-nos as mãos e, unidos, construamos todos
um Portugal mais justo, o Portugal do Futuro!
José Teodoro Prata