sábado, 29 de junho de 2024

A lavadeira

São horas, está tudo a acordar

Um novo dia se aproxima

Vamos todos levantar

Em direção à cozinha

 

Após ter passado uma noite bem dormida ao lado de três irmãos, dois para cima e dois para baixo, eis que oiço o galo cantar, dando sinal de que vamos entrar num novo dia. Levanto-me, dirijo-me à cozinha e encontro a minha mãe já levantada, preparando o nosso pequeno-almoço, ou seja, café de cevada, que todos nós degustávamos com alguma satisfação, misturando um pouco de leite das ovelhas dos meus avós, quando havia e quando não havia era preto. Partíamos uma fatia de pão cozido no forno da tia Maria Estela para uma malga e tudo misturado, era a nossa primeira refeição, ou seja, o café migado.

 

Fizemos a higiene pessoal

Acompanhados da nossa mãe

A seguir fomos para o quintal

A ouvir o galo também

 

A minha mãe já tinha preparado uma grande bacia de roupa que iria lavar para a ribeira da senhora Encarnação (1), mas antes de sair de casa tinha a preocupação de nos lavar na casa de banho, porque já tínhamos esse miminho, não havia era a água canalizada ainda, tínhamos de a ir buscá-la à fonte, que está ali perto, despejá-la para um depósito no forro. A canalização estava feita internamente ligada a esse depósito, podendo assim utilizá-la na casa de banho e na cozinha, onde já havia uma torneira.

 

Tomámos o nosso café migado

Com alguma satisfação

Que a minha mãe tinha preparado

Antes de ir para a ribeira da senhora Encarnação

 

Acordo bem-disposto, porque finalmente entrámos de férias escolares, e feliz estava, porque tinha passado para a terceira classe. Depois de a minha mãe ter terminado todo este ritual e de ter acomodado as galinhas e os perus que tínhamos no quintal, dirige-se a mim, porque entendia que eu era o mais jeitoso para a ajudar, e diz-me:

- Daqui a três horas vais ter comigo à ribeira para me ajudar a trazer a roupa, porque é muita e eu não posso sozinha.

Eu, quando entendi, saio de casa, passo na Fonte Velha, vinha a Dona Zara a sair de casa, dirigindo-se a casa da Dona Maria; quando passo por ela, dou-lhe a salvação.

 

Desço rua abaixo contente

E na fonte paro um pouco

Vejo o João Carvalho e o Joaquim Valente

A entrar na tasca do João Coxo

 

Passo em frente à taberna do sr. João Coxo, estavam a entrar os senhores Joaquim Valente e João Carvalho, que de certeza iam matar o bicho. Vou direito à rua Velha, onde encontro o sr. Joaquim Ribeiro, mais tarde meu tio, porque casou com a minha tia e madrinha, à porta da sua casa, a ver quem passava. Chego a casa do sr. Albano Jerónimo e vejo um carro de bois à porta dele, sem o ganhão, que deveria estar a receber ordens dentro de casa; entretanto chega o sr. João Paulino com o seu grande burro, que devia ir para a propriedade que tinha na Senhora da Orada.

 

Em frente à casa do senhor Albano

Um carro de bois está parado

O ganhão recebe ordens do comando

E deve cumprir o que ficou combinado

 

Chego à Estrada Nova e vejo ao meu lado esquerdo o sr. Jaime Pique, que se encontra à porta do forno do sr. José Matias (2), a fumar o seu cigarrinho; e prossigo o meu objetivo direito à ribeira da senhora Encarnação. Entro no caminho onde se encontra agora o Nicho e chego à ribeira. Além da minha mãe, há outras mulheres a fazer o mesmo trabalho. Já estava calor, porque tínhamos entrado no Verão, mas a ribeira ainda levava água suficiente para lavar a roupa.



Com alguma satisfação

Finalmente chego ao destino

À ribeira da senhora Encarnação

Local onde bem me sinto

 

Eu gostava de estar ali, porque entrava na água e divertia-me. Não estava sozinho, havia outras crianças e todos nos divertíamos: uns apanhavam peixes com um cesto e outros divertiam-se a bachicarem-se uns aos outros e a jogarem às escondidas. Havia meninas em combinação, porque as mães aproveitavam para lhes lavarem os vestidos, para que no final viessem lavadinhas para casa.

Em frente encontrava-se o lagar da Luz Mesquita, mas de momento não estava a trabalhar. Lá mais a cima, junto às passadoiras, havia outro lagar que pertencia à Casa Conde. De repente vejo um homem a passar as passadoiras do Casal para a Vila. Era o tio Tota que era o varredor das ruas e ao mesmo tempo o coveiro. Mais tarde vim a saber que tinha morrido uma pessoa e ele vinha abrir a cova.

 

Toca o sino a dobrar

Sinal de que alguém morreu

O tio Tota vai passar

Pergunto-lhe, quem é que faleceu?

 

Entretanto, a minha mãe já lavou a roupa, a pôs a corar ao sol, voltou a passar pela água e colocou a secar. Quando está quase seca, vimos para casa. E assim se passou mais um dia na ribeira da senhora Encarnação.

 

João Maria dos Santos

Notas:

(1)   Antes do lagar da sr.ª Luz Mesquita ser construído, havia uma azenha naquele local, cuja moleira era a senhora Encarnação; por isso o sítio da ribeira em frente tinha o nome da moleira.

(2)   O local primitivo do forno do sr. José Matias foi ao fundo da Rua Nicolau Veloso, à esquerda, já junto à estrada.

quarta-feira, 26 de junho de 2024

A MEMÓRIA DO CAMINHO DA FONTE FERREIRA com sapatos à mistura

Fonte Ferreira, atualmente. No passado, era uma fonte de mergulho.

Da minha casa vê-se este caminho.

Não a Fonte Ferreira, mas o caminho, a Barreira de São Francisco quase toda.

À Fonte Ferreira vinhamos buscar água para beber, que guardávamos em cântaro de barro - em todas as cantareiras, em todas as casas havia um cântaro de barro, para a água de beber.

Também se bebia água no local, joelho em terra, o nariz dentro da poça, a água tantas vezes a entrar tanto na boca como no nariz.

No Inverno a Fonte quase sempre desaparecia, era preciso refazê-la quando acabavam as enchentes de Inverno na Ribeira.

A água para outros gastos de casa era apanhada ali em cima, do lado de cima das passadouras, mesmo depois de fazerem a Fonte do Casal.

Isto só mudou, nesta parte, para quem morava do lado de baixo da Estrada, quando, muito mais tarde, se construiu uma outra Fonte, no lado de cima da Quelha, na junção com o caminho que agora se chama travessa ou rua dos Nicolaus, fonte essa mais recentemente destruída, quando passou a haver água canalizada nas casas.

Do lado do Casal, este caminho chamava-se A Quelha; do lado da Vila, Barreira de São Francisco.

E a ribeira, pelo menos lá em casa, era a daqui, a Ribeira das Passadouras, e ali em baixo, a Ribeira da Azenha. O nome desta vinha do que todos conhecem como Lagar do Zé Mesquita, para nós uma edificação que fazia parte da história da família: ali tinha sido uma azenha, de moer cereal, a minha avó Encarnação era a Moleira, e ali na Azenha lhe nasceram vários filhos e filhas, incluindo a minha mãe, a mais nova. Por isso, àquele edifício, ouvi muitas vezes chamar "a nossa Azenha".

Tenho memórias muito vivas associadas a este caminho:

- os peixeiros da Vila, quando o peixe chegava a SVB, de caixa às costas, descendo a correr, do lado de São Francisco, apregoando o que levavam, para chamar os fregueses do Casal, a começar pelos da parte de baixo da Estrada, tudo fazendo para serem os primeiros a chegar à "Charneca" - o Maiaca, a Palmira Sardinheira, António Brocha, creio que o Pinura,..."Dois, 25 tostões", o chicharro, em certa altura; "Fresca e boa! Olha que é boa e barata", se era sardinha que levavam;

- os grupos, aos 3 e aos 4, às vezes mais, nos domingos, a caminho da missa - víamos eles descerem a Quelha, subindo depois ali do lado de São Francisco;

- as "passadouras", que a ponte é um melhoramento recente, creio que posterior ao 25 de Abril. E as enchentes da ribeira, que deixavam as passadouras intransitáveis - e lembro-me de ver o meu pai a passar às costas, em dia de missa, várias mulheres, do lado do Casal para o da Vila;

- ainda nos domingos - é uma memória de Verão - homens bêbados, virem de lá para cá, naquele estado, em graus diversos: foram à missa, trataram de algum pendente à saída da igreja, encontraram-se com este e aquele, "vai um copo?", o estômago em geral vazio, e regressavam a esta banda alguns em péssimo estado. O bêbado mais notório do Casal era o tio António Tota - lembro-me de o ver, dali da minha casa, sentado numa pedra, ali no cimo do Covão, em grande cantoria, dizendo de vez em quando "Eu sou o Tota", e chamando em altos berros: "Oh, Maria Amália", era a mulher, fula, com razão, fechada em casa, e ele por lá ficava naquilo...;

- muito viva ainda, a imagem das escadas do Calvário, ainda nos domingos, pejadas de gente, homens também, mas principalmente mulheres. Era o local e a hora de as mulheres mudarem de calçado, trocando os sapatos velhos, botas ou sandálias, cobertos de pó e lama do muito caminho andado, por "calçado de ir à missa"; no regresso, no mesmo sítio, voltavam ao "calçado de andar", para demandarem Pereiros, Mourelo, Partida, e não sei que mais. E eu, vendo-os, tinha um sentimento meio indistinto, acho que um misto de pena (acho que por sabê-los pobres) e de vergonha! Sei lá porquê, na verdade.

E por falar de calçado, há que falar de andar descalço. Na minha escola primária, havia miúdos que iam descalços à escola. Até me lembro da inveja que tinha, quando se jogava à "Espada Lua", em que é muito importante a velocidade de corrida, a inveja que eu (que era um cepo a correr) tinha de um outro miúdo, que corria muito - e eu associava o "correr muito" ao facto de ele andar descalço.

Também havia adultos que andavam descalços. Destes, a memória mais presente é de uma senhora que todos os dias, ou duas a 3 vezes por semana, fazia o caminho, a pé, de SVB para as Anexas - Pereiros, Mourelo, Partida - levando e trazendo o correio. Tenho ainda muito viva a imagem dessa senhora, cabeça, tronco e membros, o porte e o jeito de andar, mas ainda estou a ver, especialmente, os pés dela... Era a tia Maria Chamiça.

...

Se não tivesse já falado muito, ainda vos contava como eu e o meu irmão Artur fomos apresentados, aqui neste local, às batatas doces - que, de todo, não conhecíamos! -, e uma certa aventura de um martelo de brincar que me saiu numa rifa, cujo prémio maior era uma cobiçada bola de borracha, martelo esse que eu, a descer a Barreira de São Francisco, não tive coragem de deitar fora.

Casal da Fraga, 23 de Junho de 2024

J. Miguel Teodoro (que também assina Sebastião Baldaque)

segunda-feira, 24 de junho de 2024

Conta-me histórias do Casal da Fraga

Foi um bom passeio, com muitas histórias para partilhar!

Comecemos pelo fim:

No final, na taberna do Marcelino, esperava-nos um bom lanche, para retemperar forças, e cadeiras para descansar as pernas. Obrigado pela generosidade!

Recordámos a ti Pulquéria e falámos da origem do nome Fraga.


Na capela de Santa Bárbara, o João Barroso, a Libânia Ferreira, o José Manuel dos Santos e o José Teodoro partilharam as informações que a tradição e os documentos nos dão sobre a trasladação da capela do Valouro para aqui, em 1932.


Antes, tínhamos ouvido a Fátima Jerónimo falar da fonte de mergulho que existia por baixo da ponte ao fundo da rua do restautante da Mila. Finalmente, existe a promessa do seu restauro. E contou outras histórias, logo secundada pelo João Maria dos Santos.


Aqui, à sombra de um sobreiro, no alto do Casal do Baraçal, o António Pereira protestou por quererem estender o nome da rua (Eduardo Cardoso) pelo casalito adentro, acabando ali a urbanização da Devesa: é Rua do Casal do Baraçal! 

E tendo à nossa frente quase todo o vale do antigo casal do Monte do Surdo, o José Teodoro falou sobre a importância deste casal do Conde de São Vicente, no passado. 

Na ribeira, antes de subir para o Casal do Baraçal, a Libânia Ferreira, a Luz da Esperança, o José Teodoro e o João Manuel dos Santos contaram a história da guerra das lavadeiras, em 1970, quando Castelo Branco começou a beber a água da barragem do Pisco.


E aproveitando a sombra dos amieiros e o fresco da ribeira, o António Pereira partilhou connosco o processo judicial de que ele e outros habitantes do Casal do Baraçal foram alvo por se recusarem a deixar de passar no caminho que dali os levava à Vila, no tempo do Vila Franca, do Cavaco Silva e do Mário Soares.

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Na Fonte Ferreira, o José Miguel Teodoro contou as suas vivências pelas geografias em torno da fonte.
 

Antes, um pouco mais acima, onde começámos, falou-se da aventura que era atravessar as passadouras em dias de enchente, da sua substituição pelo pontão e de outras histórias que a ribeira guarda e só nos conta se lhe souberemos perguntar.

Aqui participaram tantos! Se não estiveram lá, terão de esperar pelas suas histórias, quando eles as passarem para o papel (como o João Maria já fez).


E voltando ao final, aqui a caminho da taberna do Marcelino, agora da Amália.

José Teodor Prata

Fotos de Francisco Barroso e Maria da Luz Teodoro

quinta-feira, 20 de junho de 2024

Conta-me histórias, 4 - Casal da Fraga

(Agradece-se partilha, noutrras redes sociais)

José Teodoro Prata
 

domingo, 16 de junho de 2024

Santa Pulquéria

Este texto já foi aqui publicado, mas voltamos a ele, porque é muito bonito e bom para vos abrir o apetite para a 4.ª tertúlia do Conta-me histórias, desta vez no Casal da Fraga, no próximo domingo.

“Olha lá cachopos, se vandes pra Lisboa e virendes por lá a minha ‘sabel, dai-lhe recomendações nossas!”

“Nossas” era como quem diz, da tia Pulquéria e do irmão da Isabel, ambos moradores numa casa que já foi abaixo, pedra em cima de pedra, com um balcão que dava para a estrada, no que eu sempre acreditei ser o lugar mais soalheiro do nosso Casal da Fraga.

Já grandes e com a arrogância que o cosmopolitismo aparentemente confere, sorríamos e acenávamos que sim, incapazes de compreender tanta simplicidade – é mesmo desarmante, a simplicidade, não é?

A mesma inocência com que, depois das pregações da Semana Santa, quando, regressados da igreja, descíamos a barreira de São Francisco, a tia Pulquéria repetia partes inteiras do sermão, exaltando a beleza de um gesto bíblico ou o sentido de uma parábola, que ela retivera e a nós, adolescentes de fresco, soava a prosa infantil. “Não é tão lindo, cachopos?”, ouvíamos ela dizer. Nesses dias, por causa das exéquias, ela calçava uma espécie de sapatos de pano – pretos, com uma presilha que abotoava de lado.

Nunca, que eu saiba, houve pessoa mais pura neste mundo.

Incapazes de perceber, pequenos e grandes, à uma, fazíamos pouco dela: do porco foçador, já com oito ou nove anos, que por vontade da dona nunca iria à faca; ou da pressa com que se mexia – ela não andava, corria, porquê? se não se lhe conhecia sombra de compromissos ou obrigações; ou do xaile ou pano preto com que sempre se cobria, já em muito mau estado; ou da horta e da criação que não tinha. E do afilhado, já homem e de bom físico, que a madrinha não deixava trabalhar, ao dia, porque se cansava, ou da limpeza por fazer, tanto da casa, como do corpo de passarinho; ou, ainda, de ela ter uma interpretação literal das parábolas da Bíblia ouvidas na igreja, e de, na sua ideia, Lisboa ser apenas um pouco maior do que São Vicente.  Sem semear, nem colher, interrogava-se o senso comum, que éramos nós todos, de que é que viviam aqueles dois pobres de Cristo – por que milagre, sem um vintém a entrar-lhes em casa?

Pobre de espírito ouvi chamar mais de uma vez à tia Pulquéria, uma senhora que, nós já adultos, ainda nos chamava “meninos”, para quem a pobreza era como se não fosse – antes, uma condição natural vivida com amorosa ingenuidade.

Em boa verdade, tal transcendência, para mim, foi durante muito tempo um caso de santidade. Hoje, mais incomodado com o conforto das certezas do que com o desconforto da dúvida, não vou tanto por aí. Ainda assim, guardo dela uma memória feliz, e isso para mim é mais importante que as questões da santidade.

Sebastião Baldaque

SET. 2022

quinta-feira, 13 de junho de 2024

No tempo das cerejas

Ao lado da casa dos meus avós, no Casal, havia duas cerejeiras. Todos os anos carregavam tanto que às vezes até esnocavam alguns ramos. Eram tão altas que só os rapazes conseguiam trepar por elas, mas, para nós, o meu avô arrumava-lhes uma escada, mal as cerejas começavam a ficar encarnadas, e só a tirava muito tempo e grandes barrigadas depois, quando até as passas já tínhamos comido, a meias com os pardais.

Era um tempo farto, e em que até as raparigas também ficavam mais bonitas, enfeitadas com os brincos novos todos os dias.

Contam que a Amália Rodrigues, que terá nascido no Fundão, não foi registada logo à nascença por falta de meios dos pais. Tempos mais tarde, quando a mãe a quis registar e lhe perguntaram a data de nascimento da menina, terá respondido: «Foi no tempo das cerejas». Isto prova que vem de longe a importância da cereja na economia da região.

ML Ferreira

Fotografia de Diamantino Gonçalves

terça-feira, 11 de junho de 2024

Conta-me histórias, 4 - Casal da Fraga

 

Agradece-se partilha nas redes sociais.

José Teodoro Prata

Eleições europeias, 2024

Resultados na freguesia de São Vicente da Beira:

PS - 39,55%

AD - 32,58%

CH - 8,54%

BE - 5,05%

IL - 3,31%

ADN - 2,26%

PCP-PEV - 1,92%

L - 1,57%

José Teodoro Prata

sábado, 8 de junho de 2024

Conta-me histórias, 2

Pe. José Hipólito Jerónimo, um democrata assumido

José Hipólito Jerónimo fez a sua formação religiosa superior em diferentes geografias (Roma, Itália; Bona, Alemanha; Chicago, Estados Unidos da América). Forçosamente, este contacto tão prolongado (8 a 9 anos) com a vida democrática, que até então desconhecera, impregnou-se-lhe no seu modo de ser pessoa.

Curiosamente, a crise académica coimbrã de 1969 não o entusiasmou. O já sacerdote José Hipólito Jerónimo frequentava o último ano do curso de Filologia Germânica, onde foi colega de curso de Artur Jorge, então jogador da Académica e mais tarde treinador de futebol. O presidente da República Américo Tomás foi inaugurar do edifício das matemáticas e o presidente da Associação Académica, Alberto Martins, pediu a palavra, mas foi-lhe recusada.  Isto provocou a revolta estudantil, que levou ao fecho da academia, por tempo indeterminado. O Pe. Jerónimo não ficou em Coimbra para viver a revolta (o seu reino já não era deste mundo), mas regressou ao Verbo Divino com a convicção de que o regime estava por pouco.

Precisamente quatro anos após esta crise académica, o Pe. Jerónimo, então no Tortosendo, foi uma das individualidades a quem o Jornal do Fundão pediu um depoimento sobre o estado em que Portugal de encontrava e quais as perspetivas de futuro. Durante três semanas, 7, 14 e 21 de maio de 1973, o jornal publicou as respostas às questões colocadas. Da zona de Castelo Branco, participaram os Drs. Fernando Dias de Carvalho, Francisco Rolão Preto, Albano Pina, Mário Branco e Manuel João Vieira. Este último viria a ter um importante e ativo papel na implementação da democracia, após o 25 de Abril, nesta parte sul do então distrito de Castelo Branco.

Graças a esta defesa da democratização do país, o Pe. Jerónimo esteve, por direito próprio, na festa do 25 de Abril no Tortosendo, a 27 de Abril, onde foi um dos oradores. Reproduz-se seguidamente o seu discurso, publicado no Jornal do Fundão de 5 de maio:

(discurso apresentado na publicação anterior)

Semanas depois, ele e outros padres da região manifestaram publicamente a sua solidariedade com o programa da Junta de Salvação Nacional, criticando os bispos portugueses, ativos colaboradores do regime ou simplesmente remetidos a «um silêncio cúmplice», com exceção do bispo do Porto, e recordando o exemplo de muitos religiosos que «conseguiram arrancar-se à apagada e vil tristeza em que colectivamente mergulhou a comunidade cristã portuguesa». Esta tomada de posição de sete padres foi publicada no Jornal do Fundão de 12 de maio.

Estes e outros cristãos aderiram ao Movimento dos Cristãos pelo Socialismo, um espaço de reflexão cristão, internacional e não partidário, dos anos 70, que pretendia conciliar a doutrina social da Igreja Católica com os ideais igualitários do socialismo. E assim se viveu a revolução nas comunidades católicas portuguesas, numa procura constante de como viver os ideais da liberdade, igualdade e fraternidade.

José Teodoro Prata

quarta-feira, 5 de junho de 2024

25 de Abril - 50 Anos

 Um democrata assumido

Discurso do Pe. José Hipólito Jerónimo, na festa do 25 de Abril, no Tortosendo, a 27 de abril de 1974. Fonte: Jornal do Fundão, de 5 de maio de 1974 (agradece-se partilha nas redes sociais)

Estamos aqui por uma razão muito simples, mas muito importante, estamos aqui porque estamos contentes. O dia 25 de Abril trouxe-nos a primeira alegria limpa, sã, expontânea, de todo o bom povo português nos últimos 48 anos. Estamos a viver a aventura de sermos livres pela primeira vez, de podermos mostrar abertamente, sem medo, o que somos, o que pensamos, o que queremos. Numa palavra: estamos a viver a felicidade de nos sentirmos, finalmente, homens no verdadeiro sentido da palavra.

Amigos! Permiti que vos dê conta de mais uma razão para o meu contentamento e para a minha presença aqui. Eu, como cristão e como padre, estou feliz porque caiu um regime anti-cristão, anti-democrático e anti-humano. Porque um regime         que à mentira chamava verdade, às trevas chamava luz, e, sobretudo, à opressão chamava liberdade, não era um regime cristão, não era um regime humano.

Aliás, como cristão que sou, e estou certo que muitos outros cristãos pensam como eu, não quero um regime cristão para Portugal; quero sim um regime que represente todo o povo português porque só assim poderá servir a todo o povo português.

Amigos! Não olhemos mais para o passado. Não nos deixemos tomar do ódio nem da vingança, mesmo que tenhamos sido - e todos fomos – agravados durante tantos anos. Sejamos generosos! Mostremo-nos dignos da liberdade que o Movimento das Forças Armadas nos conquistou, mas que nós próprios temos agora de consolidar através do nosso trabalho, do nosso civismo, da nossa capacidade de escolha e das nossas opções! Olhemos para a frente, demo-nos as mãos e, unidos, construamos todos um Portugal mais justo, o Portugal do Futuro!

José Teodoro Prata

segunda-feira, 3 de junho de 2024

Outros tempos eleitorais

 Este discurso de um candidato a deputado às Cortes é ficção, mas o retrato nos sugere do Portugal de há quase duzentos anos, comparando-o também com outros países da Europa de então, não andará longe da realidade:

«Meus amigos. Aconteceu no penúltimo Verão percorrer, na comitiva de Sua Mercê o senhor visconde de Santarém, uma grande parte de França e Áustria, países de hereges, hoje limpos desse escorbuto. E eu vos digo o que vi e que gostaria de ver na nossa terra. De norte a sul há estradas, riscadas a cordel e a teodolito, de brita formando concreto com a terra à força de cilindrada. Por semelhantes estradas novas, a que dão o nome de reais, onde não empoça a água das chuvas e se não perde tempo em desvios e rodeios, passam magníficas seges e malas-postas. Nas aldeias há um mestre que ensina a ler gratuitamente quem queira e um maire que administra a comuna com vara firme e segura. A água vem encanada das nascentes e cai por uma bica para tanques e lavadoiros. Fontes de chafurdo, não há. É falso que tenham posto fogo às igrejas e assado os padres nos espetos. Conversei com um e outro e, gordos e prósperos, louvam a Deus e aos paroquianos, e estes os respeitam e estipendiam. Outrossim, vi belas casas a servir de paços do concelho, tribunais e outros edifícios de interesse público, cheios de imponência e da melhor ordem. Nada vos digo sobre os costumes, mas creio que neste capítulo nós ganhamos aos Franceses. Não que amemos a Deus melhor do que eles, mas em matéria de guardar o dia do Senhor, eles lá só não trabalham ao domingo e não observam mais nenhum dia santo, desdenhosos dos preceitos da Santa Madre Igreja. Trabalham como moiros, por isso estão ricos. É Verdade! Mas como o trabalho não é recomendação perante o Senhor e, sim, a prece, eu quero que continuem a guardar-se no Reino todos os dias santos que marca a folhinha, e vêm a ser uns quarenta na roda do ano, permitindo deste modo que o bom povo ouça a missa e a homilia, sempre que se comemora um grande santo ou fasto religioso. Não vos falo da superioridade dos Portugueses sobre os Franceses em matéria de outros preceitos do Decálogo. Se não fosse o abuso que os frades mendicantes fazem das casas mal guardadas de homens, dir-vos-ia que a nossa terra é na cristandade um dos baluartes do sexto mandamento.

«Mas, fora do domínio espiritual, eu sou pelos caminhos limpos e rectos, onde possam passar reses, carros de lavoira e seges, e onde vacas e burras não enterrem os jarretes e partam o pernil. Sou pela água a cair duma bica em cada aldeia, embora ouça dizer que é mais saborosa e fresca essa que repousa nos limos da madre e entre merugens, e tirada por um cantarinho de mergulho. Pelo menos, a dos canos é mais limpa. Não entram para a fonte cobras nem lagartos, nem moscas que gostam no pino do Verão de se acolher à frescura que lhes oferece o sobrecéu de pedra das fontes cobertas com uma laja ou abobadadas. Sou por um mestre, já não digo em cada terra, que seria ciência supérflua e perigosa, porquanto os livros se propagam o bem também propagam o mal, mas ao menos uma escola em cada vila onde os senhores morgados, os fidalgos e mesmo aqueles que dispõem de alguns teres, vão aprender a ler, escrever e a fazer as contas dos gastos e receitas de suas casas. Gostaria mais de ver malas-postas para cá e para lá, cruzando a nossa terra, carregando abades, fidalgos e senhoras, já que a boa gente pobre do povo não pode nem deve usar de tais luxos. E, como Sua Senhoria o doutor Cabeça Ancha, entendo que hereges, franchutes, constitucionais devem ser banidos do Reino para as Pedras Negras e expropriados os seus bens em benefício de quem os der à dica e desmascarar. E, sobretudo, porque hão-de as alçadas reais vir cá tão longe fazer soldados para a guerra? Não, três vezes não. Têm muita soma de gente, de braços a abanar, lá pelo Sul, a quem custará menos, depois, a voltar para suas casas, porque estão perto. Deixem-nos, que nas nossas igrejas rezemos pala paz do rei e a vitória das suas armas, e trabalhemos dobrado pelo engrandecimento da Nação.

«Agora, eu vos digo – e tenham-no em vista para que não sofram decepções – representar o Braço do Povo da nossa comarca não é legislar. Isso virá em seguida à assembleia magna da coroação e proposição do nosso dilecto monarca D. Manuel I, em que vos representarei, se me derdes a honra de me designar. Para essa conjectura é que elaboro a lista das aspirações da comarca que irei levar à Secretaria do Reino a fim de que sejam ponderadas e atendidas, na medida em que o nosso real amo assim o julgar e o favor que lhe merecer a minha instância, que vos prometo aturada e infatigável. Viva a monarquia absoluta! Viva D. Miguel, rei e arcanjo!»

Retirado do livro “Casa do Escorpião” de Aquilino Ribeiro

M. L. Ferreira

sábado, 1 de junho de 2024

Festival do Pão


Festival do Pão – Programa

8.00 - Arruada dos Bombos Vicentinos

8.30 – Preparação do Pão com Chouriço com as Crianças, orientado pelo Zé Carlos

Local: Padaria Matias

9.00 – Passeio de Motorizadas nas Aldeias da Freguesia

10.30 – Jogos Tradicionais para Crianças na Praça

12.00 - Arruada dos Grupos de Concertinas Águias Vermelhas*

15.00 - Homenagem ao Senhor António Inverno

Salão Nobre da Junta de Freguesia

16.00 – Animação com os Bombos Sempre Frescos do Sobral do Campo

16.30 – Lanche com Pão com Chouriço

22.00 – Animação com DJ Rui Sargento

* Grupo onde brilha o nosso conterrâneo Artur Teodoro

M. L. Ferreira