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sábado, 17 de dezembro de 2022

Os Sanvincentinos na Grande Guerra

 José dos Santos

José dos Santos nasceu em São Vicente da Beira, no dia 11 de maio de 1895, filho de Theodósio dos Santos, natural de Alcongosta, e de Joaquina Mateus.

Era analfabeto e tinha a profissão de jornaleiro, quando assentou praça, como recrutado, em 1916.

Após a conclusão da recruta, foi mobilizado para fazer parte do CEP e embarcou para França, no dia 19 de janeiro de 1917, integrando a 8.ª Companhia do 2.º Batalhão do 2º Regimento de Infantaria 21, com o posto de soldado n.º 586 e chapa de identificação n.º 9753.

Do seu boletim individual consta apenas o seguinte:

a)   Baixa ao hospital em 19 de maio de 1917; alta no dia 22 do mesmo mês;

b)   Passagem à 3.ª Companhia. por Ordem de Serviço de 28 de janeiro de 1919.

c)    Regressou a Portugal com o Regimento de Infantaria 21, em 25 de fevereiro de 1919, a bordo do navio Helennus.

Família:

José dos Santos casou na 6.ª Conservatória de Lisboa, com Vitória Maria Quintela, natural da Póvoa de Rio de Moinhos, no dia 23 de dezembro de 1922.

O casal terá vivido em Lisboa, e posteriormente em Águeda, pois, de acordo com os averbamentos dos respetivos registos de batismo, foi nessa cidade que ambos faleceram. Não foi possível saber qual foi o seu modo de vida nem se deixaram descendência.

José dos Santos faleceu em Águeda no dia 22 de maio de 1962. Tinha 67 anos de idade.

Maria Libânia Ferreira

Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra

sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Os Sanvincentinos na Grande Guerra

 José Domingos

José Domingos nasceu na Partida, a 18 de Março de 1893. Era filho de António Domingos e Joaquina Freire.

Assentou praça no dia 9 de Julho de 1913, como recrutado, pertencente ao contingente de 1913, a cargo do concelho de Castelo Branco. Foi incorporado no Regimento de Artilharia de Montanha, no dia 13 de janeiro de 1914. De acordo com a sua folha de matrícula, sabia ler, escrever e contar, e tinha a profissão de jornaleiro.

Terminou a instrução da recruta em 4 de julho de 1914, e regressou à sua terra. Foi novamente mobilizado em Agosto desse ano, e destacado para a província de Angola, para onde embarcou em 11 de setembro, integrando a 1ª Expedição enviada para aquela província ultramarina. Chegou a Moçâmedes no dia 1 de Outubro de 1914.

De acordo com a sua caderneta militar, tomou parte na ação do dia 18 de Dezembro de 1914 contra os alemães, fazendo parte das tropas que ocuparam o vau de Calueque. Pertencia ao destacamento do Humbe, onde entrou em 7 de julho de 1915. Fez parte do destacamento de reconquista e ocupação do Cuamato, de 12 a 27 de Agosto, e participou no combata de Chana da Mula, em 24 do mesmo mês, dia em que, com o mesmo destacamento do Cuamato, se reuniu às forças do destacamento de conquista do Cuanham de Mongua. Fez também parte do estacamento da Ngiva, de 4 de setembro de 1915. Regressou à Metrópole, no dia 16 de Novembro de 1915, e desembarcou em Lisboa, a 4 de Dezembro.

Licenciado em 15 de Março de 1916, foi promovido a 1.º Cabo em 9 de Abril. Apresentou-se novamente em 27 de Abril e foi destacado para fazer parte das tropas da 3.ª Expedição enviada para Moçambique. Seguiu viagem no dia 24 de Junho de 1916 e desembarcou no porto de Palma, a 24 de julho. Terá participado nos combates levados a cabo para conquistar o território na margem norte do rio Rovuma, nos quais muitos militares perderam a vida. Felizmente não fez parte desse número e regressou à Metrópole, em 31 de Março de 1918.

Passou ao Batalhão n.º 1 da Guarda-Fiscal, como soldado de Infantaria, em 25 de Outubro de 1918, e novamente ao Regimento de Artilharia de Montanha em 25 de outubro de 1921. Licenciado em 28 de outubro, fixou residência na freguesia dos Olivais, em Lisboa, onde terá feito formação numa área relacionada com o seu percurso profissional futuro.

Em Janeiro de 1922, José Domingos regressou a Moçambique e foi colocado na Companhia do Niassa, no norte de Moçambique (o seu primo Albano Frade, que na altura se encontrava em Lourenço Marques, refere-se a ele, em notas biográficas que deixou, dizendo que José Domingos tinha passado por aquela cidade, em maio de 1922, a caminho do Niassa). Mais tarde exerceu o cargo de Chefe de Posto, na região de Porto Amélia.

Passou à Companhia de Trem Hipomóvel, em 2 de Setembro de 1930, e à reserva territorial, em 31 de Dezembro de 1934.

Condecorações:

·        Medalha das Operações no Sul de Angola 1914-1915;

·        Medalha da Vitória.

Família:

José Domingos voltou à Metrópole uns anos depois e casou com Maria Ana Lourenço, natural dos Pereiros, no dia 21 de Fevereiro de 1927. Era uma rapariga muito bonita, uns anos mais nova que o noivo, e que gostava muito da sua terra. Terá sido por isso que, tendo acompanhado o marido de regresso a Moçambique, e apesar da viagem de núpcias que ele lhe proporcionou através do Canal do Suez, com escalas e passeios pelas várias cidades por onde passaram, nomeadamente Veneza, nunca se adaptou à vida em África, nem superou as saudades da terra. Regressou pouco tempo depois, já grávida da primeira filha, que nasceu em dezembro de 1927.

José Domingos permaneceu em Moçambique por mais alguns anos, nesta altura já como Chefe de Posto da Administração Civil, na região de Porto Amélia. Apesar de alguma insistência por parte da esposa, para que regressasse à terra, só voltou quando a filha estava quase a completar a instrução primária e Maria Ana lhe terá dito que ia pô-la a aprender costura. Foi esta notícia que fez com que José Domingos regressasse mais depressa, porque não estava de acordo com a esposa quanto ao futuro da menina e queria que ela prosseguisse os estudos. Tiveram depois mais uma filha.

As duas filhas de José Domingos e Maria Ana foram:

1.    Aurora de Jesus Domingos Lourenço que casou com Alexandre Domingos Lourenço, do Ninho do Açor, e tiveram 3 filhos;

2.    Emília da Conceição Domingos que casou com Manuel Canário e tiveram 2 filhos.


Embora não tivesse sido muito do agrado de José Domingos, que pretendia mudar-se para uma localidade maior, o casal manteve a residência nos Pereiros, onde construíram uma das maiores casas da terra e se estabeleceram com uma mercearia e uma taberna. Adquiriram também bastantes terrenos de cultivo (alguns já tinham sido comprados por Maria Ana com o dinheiro que o marido lhe enviava de Moçambique) e tinham a sua própria junta de bois com ganhão e um grande rebanho com pastor. Na terra há ainda quem se lembre de o ver a visitar as propriedades montado no seu cavalo, coisa pouco habitual naquela altura.

Talvez por ter estado em África, era um homem de horizontes largos. Gostava de viajar e fez parte da comitiva que acompanhou o Governador de Porto Amélia por vários países vizinhos de Moçambique. Também fez questão que as filhas estudassem, e ambas concluíram o antigo Curso Geral do Liceu (a mais nova formou-se em Assistente Social).

Passados muitos anos, o casal vendeu a casa e o comércio nos Pereiros e mudou a residência para Castelo Branco onde viveu alguns anos. Já no fim da vida, Maria Ana adoeceu e mudaram-se para o Ninho do Açor, para junto da filha mais velha, e foi aí que faleceram os dois.

As netas lembram-se dele, sentado num banco no quintal, a ler o jornal. Quando uma notícia lhe despertava mais a atenção, chamava a filha e punha-se a ler em voz alta. Acontecia isto sempre que via qualquer notícia sobre África, da qual guardou saudades para sempre. 

Maria Ana Lourenço faleceu no dia 13 de abril de 1977. José Domingos teve uma vida mais longa: faleceu no dia 10 de outubro de 1979. Tinha 86 anos de idade. Está sepultado no cemitério do Ninho do Açor.

(Pesquisa feita com a colaboração das netas Maria Cristina Lourenço e Maria Teresa Lourenço)

Maria Libânia Ferreira

Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra

domingo, 13 de novembro de 2022

Os Sanvincentinos na Grande Guerra

 José de Matos 

José de Matos nasceu no Casal da Serra, em 30 de agosto de 1894. Era filho de Simão de Matos e Leonor Maria.

Assentou praça em Castelo Branco, a 9 de julho de 1914, no Regimento de Artilharia de Montanha. De acordo com a sua folha de matrícula, era analfabeto, solteiro e tinha a profissão de jornaleiro.

Destacado para integrar o contingente de reforço militar das fronteiras de Moçambique, embarcou para essa província ultramarina, no dia 7 de outubro de 1915, fazendo parte da 2.ª Expedição enviada para essa província ultramarina. Nessa altura um dos irmãos, José Simão de Matos, encontrava-se destacado na província de Angola. Regressaram os dois com vida à terra, mas, segundo contam, já não a tempo de voltarem a ver o pai, a coisa que eles mais temiam. José de Matos regressou à Metrópole, no dia 26 de Setembro de 1916.

Licenciado em seis de Junho de 1919, passou ao 2.º Escalão do Exército e ao Batalhão de Reserva em 31 de Dezembro de 1924. Passou à reserva ativa em 31 de dezembro de 1935.

Condecorações:

·        Medalha Comemorativa da Campanha em África;

·        Medalha da Vitória.

Família:

José de Matos casou com Maria do Rosário Cruz, no dia 21 de Abril de 1932. Tiveram vários filhos, mas faleceram quase todos ainda crianças. Sobreviveu apenas uma filha, Maria Irene, que chegou à idade adulta, mas faleceu sem deixar descendência.

Quem o conheceu, diz que tinha alguns problemas de saúde, provavelmente consequência daquilo que passou durante o tempo em que esteve em Moçambique. Toda a vida trabalhou na agricultura, quase sempre como jornaleiro, e no cultivo de alguns pedaços de terra que herdara dos pais.

Faleceu no Casal da Serra, a 7 de novembro de 1974. Tinha 80 anos de idade.

(Pesquisa feita com a colaboração do sobrinho José António de Matos)

Maria Libânia Ferreira

Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Os Sanvincentinos na Grande Guerra

 José da Silva Lobo 

José da Silva Lobo, filho único de Cipriano da Silva Lobo e Emília Maria Jerónimo Lopes, nasceu no Casal da Fraga, a 23 de Agosto de 1895.

Frequentou a escola primária e teve como professor o Padre José Antunes que, para além de o ter ensinado a ler, escrever e contar, o ensinou também a falar línguas estrangeiras.

Na juventude, aprendeu a tocar requinta, na filarmónica de São Vicente da Beira, e aprendeu também o ofício de alfaiate, profissão que tinha quando assentou praça.

Após ter concluído a instrução da recruta, foi mobilizado para integrar o Corpo Expedicionário Português e embarcou para França, no dia 21 de Janeiro de 1917, integrando a 1.ª Companhia do 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria 21, como soldado com o n.º 438 e a placa de identidade n.º 8894.

Do seu boletim individual de militar do CEP constam, entre outras, as seguintes informações:

a)   Promovido a 2.º Cabo, em 1 de abril de 1917, e a 1.º Cabo, a 12 de maio do mesmo ano;

b)   Em setembro de 1917, iniciou serviço no S.B.F. (Serviço de Bandas e Fanfarras?) onde continuou até julho de 1918;

c)    Licença de campanha de 1 de maio até 23 de junho de 1918;

d)   Promovido a 2.º Sargento Miliciano, em 18 de outubro de 1918;

e)   Entre o final de 1918 e março de 1919, foi em várias diligências a Paris, a fim de ali desempenhar um serviço dependente da comissão de codificação das disposições de execução permanente em vigor no CEP (contava que acompanhava os seus superiores servindo de tradutor);

f)     Regressou a Portugal, em 4 de maio de 1919.




Louvores e condecorações:

·        Louvado em 17 de abril de 1918, pelo diretor do S.B.F., «pelas muitas qualidades demonstradas durante a ofensiva alemã de 9 de Abril, desempenhando dedicada e serenamente o serviço de que estava incumbido, contribuindo valiosamente para que se tivesse salvado o arquivo do S.B.F.» (boletim individual do CEP);

·        Medalha comemorativa das campanhas do Exército Português em França;

·        Medalha da Vitória;

·        Cruz de Guerra pelos actos heróicos praticados em França.

Para além destas, recebeu ainda outras condecorações que não foi possível identificar e terá estado na primeira fila do Desfile da Vitória, nos Campos Elísios, após a assinatura do armistício.




Família:

Depois de regressar a Portugal, José da Silva Lobo ainda permaneceu algum tempo em Lisboa, fazendo parte do quadro privativo da Escola de Guerra. Foi lá que conheceu Maria da Piedade Dinis Mendes, a companheira da sua vida. Tiveram três filhos:

1.    Cipriano Dinis Mendes da Silva Lobo, que casou com Celeste Apolinário e tiveram dois filhos;

2.    Alfredo Dinis da Silva Lobo, que casou com Aurelina Afonso e tiveram dois filhos;

3.    Zulmira Mendes da Silva Lobo (herdou do pai as mãos e a voz de artista), que casou com Manuel Barata Lopes e tiveram três filhos.

Passados alguns anos, o casal fixou residência no Casal da Fraga onde, além de carteiro, José da Silva Lobo foi também alfaiate. Mas do que ele mais gostava era de tratar da sua horta e do pequeno rebanho de cabras que tinha. Dizem que às vezes até se esquecia das horas, e tinham que o chamar para regressar a casa. Foi também secretário da Santa Casa da Misericórdia de São Vicente da Beira durante alguns mandatos e pertenceu à Banda Vicentina.

Para além de ser um bom tocador de requinta, cantava muito bem, sobretudo o fado. Tinha um amigo, o Hermenegildo Marques, que tocava guitarra, e juntavam-se muitas vezes para tocar e cantar numa taberna que havia no Casal da Fraga. Era farra até altas horas. Outras vezes, de verão, quando ia regar de manhã ou à noite, ao serão, punha-se a cantar. Assim que o pressentiam, muita gente da Vila corria para a Estrada Nova só para o ouvir. Alguns até traziam bancos de casa para se sentar. De tão bem que cantava, chamavam-lhe o “Passarinho da Ribeira”.

José Cipriano foi toda a vida uma pessoa boa, e por isso muito querida dos seus conterrâneos. Faleceu no dia 11 de Abril de 1955. Ainda não tinha completado 60 anos.

(Pesquisa feita com a colaboração da filha Zulmira da Silva Lobo e da neta Susana Lopes)

Maria Libânia Ferreira

Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra

domingo, 16 de outubro de 2022

Os Sanvincentinos na Grande Guerra

     José da Cruz

José da Cruz nasceu no Casal da Serra, a 14 de outubro de 1892. Era filho de Bernardo Cruz, cultivador, e Maria Joaquina.

Assentou praça no dia 12 de julho de 1912, como recrutado, e foi incorporado no 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria 21, em Castelo Branco, no dia 15 de maio de 1913. Na altura era analfabeto e tinha a profissão de jornaleiro. Foi vacinado.

Ficou pronto da instrução da recruta em 28 de agosto e foi licenciado, regressando ao Casal da Serra. Apresentou-se novamente em 5 de maio de 1916 e foi mobilizado para fazer parte do CEP. Embarcou para França no dia 18 de janeiro de 1917, integrado na 6ª Companhia do 2º Batalhão do 2º Regimento de Infantaria 21, com o posto de soldado com o número 132 e a placa de identidade n.º 9157.


Do seu boletim individual consta apenas o seguinte:

a)   Baixa ao hospital, em 17 de setembro de 1917; evacuado para o Hospital de Sangue n.º 1, em 19, e alta a 28 do mesmo mês;

b)   Baixa ao Hospital de Sangue n.º 1, em 28 de fevereiro (1918?), e evacuado para o Hospital Canadiano, em 3 de março; alta para o Depósito Misto, a 6 do mesmo mês;

c)    Regressou a Portugal, em 28 de fevereiro de 1919.

Após o regresso a Portugal, continuou a residir no Casal da Serra.

Passou ao Regimento de Infantaria de Reserva 21, em 31 de dezembro de 1922, à reserva ativa, em abril de 1928, e à reserva territorial, em 31 de dezembro de 1933.

Família:

José da Cruz casou com Rosária da Conceição, no dia 26 de novembro de 1919, e tiveram 5 filhos:

1.    Maria do Rosário, que casou com Filipe Lourenço e tiveram 2 filhos;

2.    Lourenço, que morreu com dois anos;

3.    Lourenço Bernardo, que casou com Rosalina Bernardo e tiveram 3 filhos;

4.    Rosalina da Conceição, que casou com António Agostinho Simões e tiveram 4 filhos;

5.    Maria de Jesus Bernardo, que casou com Manuel Basílio e tiveram 6 filhos.      

«O meu pai falava pouco do tempo em que andou na Guerra; era a minha mãe que às vezes nos falava das coisas que ele lhe contou durante o namoro. Dizia que tinha passado por lá muita fome; que muitos dias a única coisa que tinha para comer era uma fatia de pão que metia no bolso de manhã e tinha que durar para o dia todo; às vezes ia à procura das migalhinhas que ficavam no fundo e só de lá tirava piolhos.

Diz que às vezes, durante a noite ou nos dias em que não havia combates, iam pelos campos à procura de alguma coisa com que pudessem matar a fome. Por causa disso, ele e mais uns poucos ainda estiveram para ser castigados porque foram para longe à procura de comida e foi um francês que os avisou que o batalhão já estava em retirada; se não tivessem ido depressa, ainda tinham sido presos.

Também falava do medo que tinha de morrer e da tristeza que sentia quando, no fim dos combates, tinham que abrir as valas para enterrar os que tinham morrido. Diz que havia alguns companheiros que ainda tinham coragem de tirar os relógios ou alguma coisa de valor aos que morriam, antes de os meterem nas valas. Ele nunca foi capaz de tirar nada, até porque nunca acreditou que conseguisse sair daquela guerra com vida, por isso não ia precisar daquilo para nada. Quando voltou, só trazia com ele uma talega e um cantil. Diz que, num dia em que houve lá um grande bombardeamento, foi aquela talega cheia de terra que aparou as balas que vinham na direção da cabeça dele e o salvou. Guardou-a durante o resto da vida. O cantil usava-o muitas vezes para beber água e era por ele que eu também gostava de beber.

Graças a Deus voltou à terra são e salvo e sem grandes problemas de cabeça, mas trazia um mal nos olhos que fazia com que visse mal e andasse sempre a chorar. Diz que foi por causa dos gases que os alemães por lá deitavam.

Trabalhou sempre no campo, à jorna e a tratar da parte das terras que lhe couberam por morte do pai. Teve uma vida cheia de trabalho. Não havia os mimos nem dinheiro como há hoje, mas não nos faltava o pão na mesa e, no tempo dela, também não nos faltava a sardinha.

Nunca recebeu nenhuma pensão por ter andado na Guerra, porque nunca teve ninguém que lhe desse a mão, como houve alguns.» (Testemunho da filha Maria do Rosário).        

José da Cruz faleceu no Casal da Serra, a 13 de setembro de 1968. Tinha quase 76 anos.

 

(Pesquisa feita com a colaboração da filha Maria do Rosário)

Maria Libânia Ferreira

Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra

terça-feira, 11 de outubro de 2022

Os Sanvincentinos na Grande Guerra

 José Caetano Amoroso

José Caetano Amoroso nasceu no Louriçal do Campo, a 24 de fevereiro de 1892. Era filho de Manuel Caetano, jornaleiro, natural do Casal da Serra e Maria José, natural do Louriçal do Campo (o apelido Amoroso veio-lhe da parte da avó paterna, que se chamava Maria Amorosa).

Como quase toda a gente naquele tempo, começou a trabalhar ainda em criança, primeiro acompanhando o pai nos trabalhos agrícolas e a guardar cabras e depois como criado, no Colégio de São Fiel, onde se ocupava dos animais e da horta.

Assentou praça em Castelo Branco, como recrutado e, após ter concluído a instrução da recruta, foi licenciado e regressou ao Casal da Serra. Voltou a ser mobilizado em 1916, para fazer parte do CEP, e, de acordo com o seu boletim individual e folha de matrícula, embarcou para França, no dia 20 de Janeiro de 1917. Tinha o posto de soldado n.º 209 e placa de identificação n.º 6709. Integrava a formação da Ambulância n.º 1. Terá depois seguido para a formação da Ambulância n.º 2 e posteriormente colocado no depósito de roupa.

Em dezembro de 1917, foi-lhe concedida uma licença de 30 dias para gozar em Portugal. Após o gozo dessa licença, já não terá regressado a França. Foi abatido ao efectivo da Ambulância n.º 2, em 29 de Julho de 1918.

Família:

Após ter regressado de França, José Caetano voltou ao Casal da Serra, onde residia a esposa, Maria Rita de Jesus, com quem tinha casado, no dia 27 de Novembro de 1915, ainda antes de ter sido mobilizado para a guerra. Foi aí que lhes nasceram e criaram os filhos que tiveram:

1.    Manuel Amoroso, que casou com Maria da Anunciação e tiveram 1 filha;

2.    Maria de Lurdes, que casou com Simão Jacinto e tiveram 5 filhos;

3.    Leonor Amoroso, que casou com António Soares e tiveram 2 filhos;

4.    Maria da Anunciação, que morreu solteira e sem descendência;

5.    António Amoroso que casou com Isaura Patrocínio e tiveram 2 filhas;

6.    Joaquim Amoroso, que casou com Fernanda Amoroso e tiveram 1 filho.

José Caetano toda a vida trabalhou na agricultura e na pecuária, ocupando-se das terras que herdou do pai e de outras que foi adquirindo.

Foi sempre um homem bem-disposto, conversador e honesto. Por isso era muito considerado por todos os conterrâneos. Diz o filho Joaquim que, quando morreu, o padre lhe fez um elogio como poucas vezes se tinha ouvido na terra.

Faleceu em março de 1984. Tinha 92 anos de idade.

(Pesquisa feita com a colaboração do filho Joaquim Amoroso e da nora Fernanda Amoroso)

Maria Libânia Ferreira

Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Os Sanvincentinos na Grande Guerra

 José Caetano

José Caetano nasceu no dia 29 de janeiro de 1894. Era filho de Joaquim Caetano e Maria Joana, carvoeiros. De acordo com o registo de batismo, os pais viveriam na Paradanta na altura do seu nascimento, mas, a ser assim, terá sido durante pouco tempo, porque eram naturais do Casal da Serra e foi lá que José Caetano se criou.

Assentou praça em Castelo Branco, no dia 9 de junho de 1914, e foi incorporado no Regimento de Artilharia de Montanha, como Atirador de 3.ª Classe. Na altura era analfabeto e tinha a profissão de jornaleiro. Terminou a recruta em 24 de maio de 1915 e passou ao quadro permanente, em virtude de sorteio.

Foi destacado para Moçambique, integrando a 2.ª Expedição enviada para aquela província ultramarina. Embarcou no dia 7 de outubro de 1915 a bordo do paquete Moçambique, um dos maiores navios portugueses da altura. Durante o período em que esteve em Moçambique, registaram-se muitas baixas, sobretudo por efeito das doenças que atingiram os militares portugueses, mas às quais José Caetano conseguiu sobreviver. Regressou à Metrópole, em 28 de setembro de 1916, após cerca de um ano em África. Desembarcou em Lisboa no dia 5 de novembro.

Passou ao 2.º escalão do Exército e ao 7.º Grupo de Baterias de Reserva, em dezembro de 1924, e ao depósito de Licenciados do Regimento de Artilharia de Montanha, em Outubro de 1926. Em 31 de dezembro de 1935, passou à reserva territorial, por ter atingido o limite de idade.

Condecorações:

  • Medalha comemorativa das operações militares na Província de Moçambique;
  • Medalha da Vitória.

Família:

José Caetano casou com Maria do Nascimento, no Posto do Registo Civil de São Vicente da Beira, a 30 de novembro de 1921. Tiveram 5 filhos, um dos quais faleceu com dois anos de idade. Criaram:

1.    Manuel Caetano que casou com Maria Rosa Barroca;

2.    Maria da Purificação Batista que faleceu ainda jovem;

3.    João Batista da Ressurreição que casou com Ana da Conceição Candeias;

4.    António Batista que casou com Maria do Nascimento Candeias.

José Caetano viveu sempre no Casal da Serra e trabalhou a vida inteira na agricultura, nas terras que herdou e foi comprando. Sobre esse tempo, lembra o filho João Batista:

«Tivemos sempre uma vida boa e uma casa farta, mas de muito trabalho, tanto para o meu pai e para a minha mãe, como para filhos. Trabalhávamos todos para o mesmo e criávamos de tudo para casa e até para vender. Uma vez ainda me desafiaram para ir trabalhar para as minas, que era onde trabalhavam muitos rapazes da minha idade, mas o meu pai disse logo que não me deixava abalar, que depois tinha que andar a pagar ordenados aos estranhos, e mais valia pagar-me a mim. Ele era assim, muito boa pessoa, mas quando dizia uma coisa tinha que se fazer. Acabei por não ir e, se calhar, hoje até lhe dou razão.

Também tivemos sempre uma boa cabrada, com um ou dois pastores, e a minha mãe fazia todos os dias uns poucos de queijos, para casa e para vender. Eram tão afamados que até vinha gente de fora à procura deles, principalmente o pessoal que, naquele tempo, andava por cá a trabalhar nas águas.»

José Caetano enviuvou em março de 1970, após quase 50 anos de casamento. Faleceu pouco tempo depois, em 18 de agosto de 1971. Tinha 77 anos de idade.

Maria Libânia Ferreira

Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Os Sanvincentinos na Grande Guerra

José Ambrósio



José Ambrósio nasceu em São Vicente da Beira, no dia 26 de julho de 1891. Era filho de Manuel Ambrósio, jornaleiro, natural da Aldeia do Cabo, e de Catarina Narcisa, moradores na rua Manuel Lopes.

Assentou praça em Castelo Branco, onde fez a instrução da recruta. Alguns anos após ter sido licenciado, foi novamente mobilizado para fazer parte do CEP. Embarcou para França no dia 21 de janeiro de 1917, integrado na 1.ª Bateria do 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria 21, como soldado com o n.º 156 e placa de identidade n.º 8798.

Do seu boletim individual constam as seguintes ocorrências:

a)   Baixa ao hospital, no dia 1 de outubro de 1917; alta a 6 do mesmo mês;

b)   Baixa à Ambulância n.º 3, no dia 27 de dezembro; evacuado para o Hospital Sangue n.º 1, no dia 31;

c)   Evacuado para o Hospital Canadiano n.º 3, em 2 de janeiro de 1918; alta no dia 15; baixa à Ambulância n.º 3, no dia 26, e evacuado para o H. de Sangue 1 no dia 27; alta a 28; baixou de novo à ambulância em 2 de fevereiro; julgado incapaz para todo o serviço no dia 11;

d)   Embarcou para Portugal, no dia sete de Abril de 1918, a bordo do Cruzador Auxiliar Pedro Nunes.

Família:

José Ambrósio casou com Maria Inês Martins, no dia 2 de Abril de 1921. Maria Inês era natural dos Pereiros e foi aí que ficaram a viver e criaram os quatro filhos que tiveram:

1.   Justina Inês, que casou com João Lourenço e tiveram 6 filhos;

2.   Maria do Carmo, que não se casou nem deixou descendência;

3.   Maria Natividade, que casou com Joaquim Louro, mas não teve filhos;

4.   António Joaquim, que casou com Maria Angelina Varanda e tiveram 1 filho.

José Ambrósio trabalhou a vida inteira na agricultura, nas terras que herdou e noutras que foi comprando. Tinha uma casa farta de tudo o que a terra dava, o que, juntamente com a pensão que lhe foi atribuída por ferimentos na guerra, lhe permitiu ter sempre uma vida desafogada.

«Eu era o neto mais velho do meu avô e, se calhar por causa disso, gostava muito de mim e dava-me muitos mimos. Eu também gostava muito dele e, se me queriam encontrar, era atrás dele. 

Às vezes chegava da escola e ia destapar a panela para ver o que era o comer; se não me agradava, saía porta fora e ia direitinho à casa dos meus avós, porque sabia que lá se comia melhor. Já havia arroz, açúcar e tudo, coisa que na casa dos pobres era rara, naquele tempo.

Lembro-me dele lá ter um copo de esmalte, com uma asa, que disse que tinha trazido da França, e era por ali que eu gostava de beber sempre. Ele ficava todo orgulhoso e comovido por eu estimar assim tanto aquela recordação que tinha trazido da Guerra com tanto empenho.

Como naquele tempo a casa do meu avô era das mais fartas da terra, era lá que o padre Tomás ia comer muitas vezes, nos domingos em que ia dizer a missa aos Pereiros. Faziam-lhe sempre uma galinha para o almoço e ele, enquanto a não comia toda, não se levantava da mesa. Eu bem andava ali à roda a ver se me dava alguma coisa, mas ele até fazia que não me via.

Nos dias da feira, o meu avô trazia-me à Vila e comprava-me roupa e calçado novo. Era uma alegria!

E o tempo foi passando. Quando chegou a altura, fui para a tropa, para Moçambique, e andei por lá três anos; depois casei e fui viver para Lisboa. Mas sempre que podia vinha à terra, e ia sempre visitá-lo aos Pereiros.

Morreu já lá vão uns bons anos, e continuo a ter muitas saudades dele.» (testemunho do neto Domingos Lourenço).

José Ambrósio faleceu no dia 10 de Abril de 1981. Tinha quase noventa anos.

 

(Pesquisa feita com a colaboração do neto Domingos Lourenço)

Maria Libânia Ferreira

Do livro: Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra