Enxidros era a antiga designação do espaço baldio da encosta da Gardunha acima da vila de São Vicente da Beira. A viver aqui ou lá longe, todos continuamos presos a este chão pelo cordão umbilical. Dos Enxidros é um espaço de divulgação das coisas da nossa freguesia. Visitem-nos e enviem a vossa colaboração para teodoroprata@gmail.com
sábado, 23 de novembro de 2024
O barulho da Fonte da Fraga
quinta-feira, 21 de novembro de 2024
Dia dos sinos
Todos os anos, por esta altura, sinto um grande orgulho e muita inquietação.
Do orgulho tenho escrito aqui o gosto que é ver o nosso Pedro Inácio Gama a participar neste evento, sendo um dos dois únicos tocadores de sinos que restam nas povoações do concelho.
A inquietação tenho-a calado, mas este ano não me fico. Há quantos anos não se ouve o toque dos sinos em São Vicente? Não é um património a valorizar, um património que nos identifica como comunidade? Ou é porque não sabemos valorizar e acarinhar os nossos?
Em verdade vos digo, algo está muito errado em nós como comunidade, se temos um dos raros tocadores de sinos e estes não repicam durante a procissão do Santo Cristo e noutros momentos marcantes da nossa vida coletiva.
segunda-feira, 18 de novembro de 2024
Umas Festas de Verão diferentes
Estávamos no mês de setembro, do ano de 1973. Decorriam em S. Vicente da
Beira, na terceira semana do mês, as Festas de Verão em honra do Santíssimo
Sacramento, do Senhor Santo Cristo e de Nossa Senhora do Carmo.
As festas eram organizadas por uma comissão que todos os anos era
nomeada, por ruas. Nessa época, em São Vicente, não havia casas desabitadas,
havia mais de dois mil habitantes. Naquele ano, a nossa rua, ou seja, a Rua das
Laranjeiras, também foi a incluída para a comissão e o meu Pai foi um deles.
Estes festejos eram vividos e sentidos pela população com o maior
respeito. Era o momento em que as famílias se juntavam, os que se encontravam
ausentes regressavam, juntando-se aos seus, num franco e saudável convívio.
Quase todas as famílias tinham o seu borreguinho que criavam ao longo do ano. Mesmo
aqueles que não tinham terras, levavam-nos para a ribeira, onde comiam aquela
erva que ali crescia tenrinha. Nestes dias de festa sacrificavam o borrego, servido
como um grande pitéu nas nossas mesas.
Eu cumpria o serviço militar no quartel do RTM do Porto e vim passar o
meu fim de semana. Cheguei sexta-feira à noite, após ter apanhado o comboio na
estação de Campanhã, em direção ao Entroncamento, e a seguir, depois de algumas
horas à espera, apanhar o comboio que partira de Lisboa em direção à Guarda. Saí
na estação de Alcains e apanhei um táxi até a São Vicente.
Reinava na nossa casa a azáfama dos preparativos para estes três dias
festivos. O meu Pai, juntamente com outros vicentinos da comissão de festas,
não parava em casa na preparação dos festejos. A minha Mãe, além de estar
ocupada com todos estes preparativos, na parte da cozinha, também preparava os
doces tradicionais que se encontravam na nossa mesa, como o pão de ló, os
biscoitos, as cavacas, os esquecidos, os borrachos, etc.
Eu, devido à minha condição de militar, vinha somente passar o fim de
semana normal e na segunda-feira, pelas oito horas, devia dar entrada no
quartel. Assim, tinha de sair domingo à tarde, apanhar o comboio em Alcains e
seguir viagem até ao Porto. Confesso que me estava a custar partir, mas o meu
Pai teve uma ideia brilhante e disse-me: «- Estou a pensar e vou escrever uma
carta para o teu comandante, que lhe entregarás quando chegares.» Se bem o
pensou, melhor o fez e só parti terça-feira de manhã para o Porto.
A segunda-feira, em honra do Senhor Santo Cristo, era o dia mais
importante para nós Vicentinos, o dia em que vestíamos uma roupa nova. Passei a
festa alegre e satisfeito, na companhia da família, namorada e amigos e só
parti terça-feira de manhã.
Quando entrei no quartel, os colegas disseram-me que eu já estava dado
como desertor, já não escapava da TORRE ALTA, que era a prisão. Passei a noite
um pouco apreensivo. No dia a seguir, levantei-me ao toque da alvorada, fiz a
minha higiene pessoal e às oito horas fomos para a parada fazer a primeira
formatura; de seguida fomos tomar o café; às nove horas, dirigi-me ao gabinete
do comando e pedi para falar com o comandante; bati à porta e do outro lado ouvi
uma voz a dizer que podia entrar; abri a porta e fiquei de frente com o
comandante; fiz a continência e identifiquei-me; do outro lado, estava um senhor
não muito alto, de bigode, com um aspeto de respeito próprio do comandante da
companhia; era o CAPITÃO GUIRA.
Ele pediu-me que apresentasse uma justificação em relação à minha
ausência; eu peguei na carta que levava comigo e entreguei-lha; abriu a carta e
começou a lê-la; olhou para mim com alguma emoção e, após ler a carta escrita
pelo meu Pai, disse-me o seguinte: «- Vou abrir uma exceção e dar-lhe duas
hipóteses de escolha: dou-lhe voz de prisão e vai uns dias para a Torre Alta ou
vai oito dias para o refeitório fazer serviço de faxina.»
Eu nem pensei duas vezes e respondi-lhe que queria ir para o refeitório;
ele aceitou a minha escolha e mandou-me embora; quando cheguei à parada,
estavam os colegas à minha espera para saberem a resposta; eu pu-los ao
corrente da decisão do comandante e eles não acreditavam, porque este Capitão
por tudo e por nada mandava o pessoal para a Torre Alta, que estava quase
sempre lotada.
E assim se passou este episódio comigo, nas Festas de Verão do ano de 1973.
João Maria dos Santos
História contada na 5.ª sessão do projeto Conta-me histórias
quinta-feira, 14 de novembro de 2024
Os Sanvicentinos na Grande Guerra
Manuel Vaz
Manuel Vaz nasceu em São Vicente da Beira, no
dia 30 de abril de 1892. Era filho de Joaquim Vaz, jornaleiro e carvoeiro, e de
Ana Maria, natural da Paradanta, residentes na rua Nicolau Veloso.
Assentou praça no dia 3 de julho de 1912 e foi
incorporado a 15 de janeiro de 1913, como soldado condutor. Ficou pronto da
recruta em 31 de maio de 1913 e foi licenciado em 1 de junho, indo
domiciliar-se em São Pedro de Torres Vedras.
Foi novamente mobilizado para fazer parte do
CEP e apresentou-se no dia 5 de setembro de 1916. Embarcou para França, no dia
8 de agosto, integrando a 2.ª Bateria do Regimento de Artilharia n.º 1, como
soldado condutor. Tinha o número 253 e a placa de identificação n.º 26702-
série A.
O facto de Manuel Vaz ter partido para França
integrado o Regimento de Artilharia n.º 1 poderá dever-se ao facto de o pai ter
falecido muito cedo, deixando cinco filhos ainda menores. A mãe terá partido
para Lisboa com as crianças e foi lá que se criaram e viveram, pois não há em
São Vicente qualquer registo de casamento ou óbito de nenhum deles.
O boletim individual de Manuel Vaz refere
apenas o seguinte:
a)
Tomou
parte na batalha de La Lyz de 9 de março de 1918;
b)
Esteve
de licença de campanha por 10 dias, com princípio em 3 de fevereiro de 1919;
c)
Regressou
a Portugal a 4 de maio de 1919.
Por fazer parte do Regimento de Artilharia n.º
1, Manuel Vaz foi um dos dois sanvicentinos a tomar parte na batalha de
La Lyz.
Condecorações:
·
Medalha
de cobre comemorativa da expedição a França, com a legenda: França 1917-1918;
·
Medalha
da Vitória.
Após o regresso a Portugal, domiciliou-se em
Lisboa, na rua das Escolas Gerais, n.º 15, mas terá mudado a residência pouco
tempo depois.
Sem domicílio conhecido desde 2 de outubro de
1921, passou ao 1.º Grupo de Baterias de Reserva, em 31 de dezembro de 1922, e
à Companhia de Trem Hipomóvel, a 9 de outubro de 19130. Passou à reserva territorial
em 31 de outubro de 1933.
Não foi possível encontrar documentos ou familiares que pudessem informar sobre a vida de Manuel Vaz após o regresso de França. No seu registo de batismo também não consta qualquer averbamento que dê conta de um possível casamento ou a data e local do seu falecimento.
Maria Libânia Ferreira
Do livro Os Combatentes de São
Vicente da Beira na Grande Guerra
segunda-feira, 11 de novembro de 2024
Memórias da Praça
A
minha Praça não é a dos tempos idos da História, atravessada por presidentes,
juízes, tabeliães, condes e viscondes; nem a dos vigários e outros vultos
negros a caminho da igreja; ou a da gente presa na enxovia, açoitada no
pelourinho ou levada para a forca; nem sequer a dos gabões que invadiram a
câmara, queimaram os papéis e acabaram com o concelho.
A
minha Praça é a das olaias floridas, mal chegava a primavera; a dos bancos todos
com gente; a dos sinos a tocar as Ave-marias, para a missa, por ser festa,
haver fogo ou ir alguém a enterrar.
É a
Praça das tendas, nos dias de feira, onde os olhos nos ficavam presos a tanta
coisa linda a que mal podíamos chegar.
É a
Praça das tabernas a toda a roda, que aos domingos, depois da missa, se enchiam
de homens na conversa e a beber em sociedade; que quando o vinho falava mais
alto e qualquer questão de lana-caprina dava azo a zaragatas, era ver as
mulheres aflitas e as crianças curiosas, todas a correr, não fosse algum
parente chegado andar metido na bulha.
É a
Praça das procissões, dos foguetes, da banda a tocar no coreto, das cantigas de
Natal, à roda da fogueira, à saída da Missa do Galo.
É a
Praça onde ríamos à gargalhada, sentados no chão ou em bancos levados de casa,
quando vinham as comédias; ou quando, nas noites de circo, de coração aos
pulos, até fechávamos os olhos quando os acrobatas davam voltas no trapézio ou tentavam
equilibrar-se em cima do arame.
É a
Praça dos ceguinhos que apareciam aos domingos e nos dias de feira, e cantavam
histórias fabulosas de amor e tragédia que alimentavam um imaginário sem
limites.
É a
Praça onde, nas vésperas da Senhora da Orada e das Festas de Verão, chegavam as
excursões vindas de Lisboa: uma camioneta grande, cheia de gente, e era uma
alegria se vinha algum parente próximo, que, quase de certeza, havia de nos
trazer uma prenda.
É a
Praça da escola: horas sem fim a dizer a tabuada, as serras, os rios e
caminhos-de-ferro, na ânsia do recreio. E o tempo era pouco para as rodas, o
paspelho, a linda falua, os jogos da pela, da corda, do anel, do espeta ou das
conchinhas; às vezes só a partilha de segredos íntimos, inocentes, com a melhor
amiga.
É a
Praça onde ia à fonte e ficava horas esquecida na brincadeira ou na conversa,
enquanto esperava a vez para encher o cântaro; e a minha mãe à espera da água,
às vezes já com o chinelo à mão…
É a
Praça onde, aos domingos à tarde, paravam carros com senhoras bem vestidas ao
lado de homens engravatado, que vinham à procura de raparigas sérias e
despachadas para criadas de servir; uma vez quiseram levar-me e tive de fugir
para casa. Passei o resto da tarde encolhida debaixo da cama, com medo que a
minha mãe desse comigo e me obrigasse a ir para a Covilhã.
É a Praça
onde esperava sempre, no dia certo, a carrinha da Gulbenkian; às vezes tinha
que me esconder para ler os livros que levava para casa; talvez por isso me
davam tanto prazer.
É a
Praça dos primeiros bailes de domingo, no balanço das músicas da moda, tocadas
num gira-discos manhoso. Foi num desses bailes que dancei o primeiro slow e
quis o primeiro beijo.
Passaram muitos anos, e o mundo deu tantas voltas, que a minha Praça já é quase só memórias…
ML
Ferreira
sábado, 9 de novembro de 2024
Uma mulher, um telemóvel
Isto hoje mete drama!, aviso já.
Aqui, a dois passos de Almada (quinze minutos a pé, de minha
casa) há um parque. Daqueles verdes, muitas árvores, alguns caminhos que se
bifurcam e se cruzam, para se andar, de terra batida, outros já com piso de
alcatrão, bastantes empedrados. Parque da Paz, o nome de baptismo. A toda a
volta, autoestrada, estradas várias, principais, muito trânsito.
Sou dos assíduos, ao cantar dos galos. Conheço praticamente
todas as pessoas que lá vão, a maioria caminhando apenas, uns poucos a correr.
Conheço-os pelo andar, a andarem para mim, um bom-dia quando nos cruzamos;
outros, à minha frente como a desafiar-me a apanhá-los, outros ainda, mais
rápidos, vindos de trás, a ultrapassar-me - é pelo andar, sim, que os
identifico.
Nas mesmas horas, quase sempre os mesmos; dá-se por quem
falta, e, se aparece alguém novo, dá-se por isso.
Não conhecia aquele andar! Lá mais à frente, onde a vereda
dos carvalhos cruza com o caminho principal, vinda daí, uma senhora. Até me
pareceu alguém de São Vicente! Acompanhei-a como pude, a uns 80 metros de
distância, depois 100 e por aí adiante, até a perder de vista. À altura do
nariz, seguro na mão direita da senhora, um telemóvel - por onde ela lia,
concentrada, sim, em andamento. Opinioso, como toda a gente, quando a vi
encaminhar-se para fora do parque, do lado que tem mais trânsito, pensei para
mim: "Oxalá, não tenhas algum azar!"
Curioso q.b., sou assim, mas não ao ponto de me deslocar dez
metros para dar fé de um acidente automóvel; nem de perguntar a quem passa, com
ar de saber, "o que é que se passou ali?". Só vos posso dizer que
ouvi a sirene de uma ambulância, para aqueles lados, parou, depois arrancou,
ainda com maior ruído. Nem sei se foi a senhora do telemóvel, atropelada, sei
lá!, nem se ela sempre é de São Vicente...
Quando, e se, souber alguma coisa, volto à antena.
S. Baldaque, um vosso criado.
segunda-feira, 21 de outubro de 2024
Ontem, na Praça
Na Praça, junto ao balcão da antiga Câmara
No interior da Igreja Matriz


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