ML Ferreira
Enxidros era a antiga designação do espaço baldio da encosta da Gardunha acima da vila de São Vicente da Beira. A viver aqui ou lá longe, todos continuamos presos a este chão pelo cordão umbilical. Dos Enxidros é um espaço de divulgação das coisas da nossa freguesia. Visitem-nos e enviem a vossa colaboração para teodoroprata@gmail.com
terça-feira, 6 de maio de 2025
quarta-feira, 30 de abril de 2025
Portugal, anos 30-40
A exposição atualmente no Centro de Cultura Contemporânea de
Castelo Branco é absolutamente a não perder!
Consta de uma mostra de 60 fotografias selecionadas de entre
milhares, do fotógrafo amador António Cezar d´Abrunhoza (1881-1941), por Leonel
Azevedo. O restaurante O Lagar, na Póvoa Rio de Moinhos, está decorado com
fotos deste artista.
A foto que aqui se mostra faz-me lembrar o regresso da minha
família paterna à sua terra, São Vicente da Beira. Cerca de1942, o meu avô
Francisco decidiu deixar o seu trabalho de hortelão, na Feiteira, Castelo
Branco, propriedade da família deste fotógrafo, mas não fora ele que vivera na quinta,
pois o patrão era empregado bancário, segundo o meu pai. A tia Celeste era
ainda uma criança, mas tinha de tratar das vacas e restante ganal, além de
fazer trabalhos domésticos, mas a patroa espancava-a, por tudo e por nada. O
meu avô revoltou-se: “Porrada nos filhos, só ele!” Mandou vir um carro de bois,
embrulhou as tralhas numa manta e ala para a Vila.
Nessa altura, o meu pai, António Teodoro, tinha 16-17 anos e
andava a trabalhar como servente na construção do Liceu de Castelo Branco
(1941-44). Depois foi para o Balcaria, acima da Senhora da Orada, como pastor
do tio Joaquim Teodoro. Ali terá ficado até voltar a Castelo Branco, para fazer
a tropa.
Ele nasceu em Castelo Branco, em 1925, numa casita da Quinta
da Granja, que existia em frente à fonte da estrada que vai para as Sarzedas.
Esse palheiro existiu ali até à recente urbanização da Granja. Nessa altura, o
avô Francisco era o hortelão dessa quinta. Desconheço se a família terá vivido
em Castelo Branco desde antes de 1925 até cerca de 1942, quando voltou à Vila. Depreendo
que não, mas pelo local de nascimento dos irmãos mais novos é fácil verificar.
Sei que a tia Eulália era muito pequena quando regressaram.
José Teodoro Prata
quinta-feira, 24 de abril de 2025
Os feriados da liberdade
Amanhã comemora-se o 25 de Abril e logo a seguir o 1.º de Maio de
1974. Foram e são momentos marcantes na história da nossa jovem democracia.
Este ano com importância acrescida, pois amanhã completa-se meio século das
primeiras eleições livres após os 48 anos de ditaduras (Militar e do Estado
Novo) que sufocaram Portugal. Foi nestas eleições que se elegeram os deputados
à Assembleia Constituinte, a qual redigiu a Constituição democrática que nos serve
de guia, a nossa bíblia.
Nestas eleições de 1975, a percentagem de votantes foi de 91%,
tal era a sede de participação cívica dos portugueses! Depois começou a decrescer,
talvez porque muitos julgassem que isto de fazer um país é coisa fácil. Até os
compreendo, pois senti essa inquietação quando, no 25 de abril de 74, um
professor, o padre Vaz, disse na aula de Filosofia que isso de mudar um governo
era fácil, mas mudar as mentalidades demorava muitos anos. Mas aguentei o
choque e nunca deixei de participar na nossa vida democrática.
O mesmo não aconteceu nas comemorações destas datas marcantes.
Naquela segunda metade da década de 70, o meu pai aproveitava os dois feriados
para lavrar e semear as terras serranas que havíamos herdado dos avós maternos:
Ribeiro Dom Bento e Horta de Estêvão. Só nessa altura elas estavam prontas para
a lavoura e toda a família era mobilizada, sem contemplações, como no ano em que organizei, como membro da direção do Clube, um jogo de futebol entre
solteiros e casados para o 1.º de Maio ou o ano do meu estágio como professor,
em que passei um longo fim de semana, como o deste ano, a trabalhar e só à noite tinha tempo para planificar a semana de aulas que me cabia nos dias
seguintes. Claro que deu mau resultado!
Mas a verdade é que fiquei preso a esses anos e nunca a
posterior vida citadina me encheu tanto as medidas como aqueles dias a sentir o
despertar da terra. Fico por aqui, mas com a cabeça lá.
Viva a liberdade de eleger e ser eleito, a liberdade de lutar
por uma vida digna, a liberdade de ser quem somos!
José Teodoro Prata
sexta-feira, 4 de abril de 2025
O nosso falar - Dar a salvação
Uma
das melhores formas de aprender é por imitação, principalmente quando se trata
de regras de convivência social. Dar a salvação é um bom exemplo. Desde
crianças que começámos a dizer bons dias,
boas tardes ou boas noites a toda a gente por quem passávamos (os mais velhos
ainda nos lembramos de ouvir Nosso Senhor
lhe dê bons dias; Nosso Senhor o
ajude; Vá com Deus, Nosso Senhor o acompanhe…). Ninguém nos
disse que tínhamos de o fazer, mas imitávamos o que víamos aos nossos pais e a
outros adultos significativos, sempre que passavam por alguém na rua, fosse ou
não gente da terra.
Negar
a salvação era a pior ofensa que se podia fazer a alguém, e só acontecia quando
a zanga era séria; por isso, a primeira vez que íamos à cidade (para muitos era
a ida a Castelo Branco para o exame da quarta classe) achávamos estranho que as
pessoas passassem umas pelas outras e não dessem a salvação, como se andassem
todas zangadas. A situação piorava quando, como aconteceu com alguns de nós,
íamos viver para uma cidade maior. Sentíamos que parte da nossa humanidade
tinha ficado para trás.
Regressados
à terra, muita coisa mudara: as crianças tinham-se feito homens e mulheres e já
não tínhamos o nosso pai e a nossa mãe a esperar-nos à porta de casa. Apesar
disso continua a ser reconfortante passar por alguém na rua e, muitas vezes,
poder ir para além dum apressado «bom dia». Estranhamente, começa a ser
frequente cruzarmo-nos com pessoas, geralmente mais novas, que, de tão
mergulhadas nas próprias bolhas, passam pelos outros como seres invisíveis.
Há
quem diga que é só falta de educação; é possível que seja sobretudo sinal de um
tempo de maior isolamento e solidão…
ML Ferreira
quinta-feira, 3 de abril de 2025
Os sapos
Sapo entre
as ervas, ontem de manhã, na minha horta dos Cebolais. Por pouco não o cortei
com o foição!
O meu pai
vomitava de nojo, quando via um. E as cabras não deviam comer na zona onde um
sapo fosse avistado, pois envenenavam tudo! Por isso era procurado
incansavelmente até ser morto. Crenças injustificadas, segundo a ciência.
São bons
para as hortas, pois comem insetos, caracóis, lesmas... Acabo de ler na net que
são bioindicadores de um ambiente saudável! Vivem em ambientes húmidos, para a
reprodução e para manter a pele húmida, pela qual respiram.
sábado, 29 de março de 2025
Alheiras e brincadeiras
A matação tinha, no nosso passado, uma dupla função:
económica e social (Albano Mendes de Matos, “A Matação na Gardunha”. 2007).
Económica, pois garantia às famílias a proteína para alimentar os corpos ao
longo de todo o ano; social, porque era uma reunião de família e até agregava
amigos e vizinhos mais chegados.
A interajuda era por isso uma constante, começando na véspera
da morte do animal e prolongando-se pelos dias necessários, até o fumeiro estar
repleto e a salgadeira cheia. E, nessa partilha de tarefas e saberes, nunca
faltava o convívio, muitas vezes em forma de brincadeiras.
O Chico, matador experiente e grande contador de histórias
passadas, contou-nos algumas. Havia um homem muito mulherengo, que achou no
bolso do casaco a genitália de uma porca várias vezes parideira acabada de
matar. Ficou furioso e logo apontou um culpado. Não, disse uma mulher, fui eu,
para que tenhas uma ao teu dispor, sempre que te apetecer e essa é bem grande!
Outro costume das matações era os homens meterem nos bolsos
dos rapazes os cascos (as sapatas/as unhas) que tiravam das patas dos porcos.
Arrancá-las era das tarefas mais complicadas, pois tinham de ser bem queimadas,
até ficarem quase em brasa, depois eram pontapeadas e finalmente arrancadas com
um puxão violento e rápido, antes que se queimassem as mãos, que se queriam
calejadas. Um dia, alguém arrancou uma unha e atirou-a ao ar, na urgência de a
largar. Um rapaz abalou aos gritos e saltos, pois a unha quase em fogo
entrara-lhe pelo colarinho da camisa desabotoada e descera pelas costas.
Estes meses frios, próprios para as matações, seriam dos
períodos do ano mais complicados para aqueles dos cristãos-novos que nos
séculos passados persistiam secretamente nas crenças e práticas do judaísmo.
Para os povos do Médio Oriente, o porco é um animal imundo, que não se deve
comer. Tanto o judaísmo como o islamismo incorporaram essa regra na sua
teologia, embora a crença seja possivelmente anterior a estas religiões. É
estranho que mesmo ao lado, na civilização egípcia, muito anterior àquelas, se
acreditava que a deusa Nut, a abóbada celeste, era uma porca deitada a
alimentar as suas crias, os corpos celestes (devorava-os ao amanhecer, por isso
estão ocultos à luz do dia, mas vomitava-os no crepúsculo da tarde, tornando-se
visíveis na escuridão da noite). Outros povos no passado e no presente (Nova
Guiné) consideram o porco um animal sagrado e por isso o sacrificam e consomem apenas
em moimentos especiais, como oferenda aos deuses. Sabendo nós que judeus e
muçulmanos não comem porco por ser imundo, mas consomem galinha, igualmente devoradora
de imundices, será que esta interdição de comer carne do porco teve antes
origem, em épocas primitivas, no seu carácter sagrado? Aqui socorremo-nos
novamente da obra “A Matação na Gardunha” de Albano Mendes de Matos.
Desconhecemos a origem da crença e os nossos antepassados
cristãos novos também não saberiam, nem isso lhes interessaria, se fosse essa a
sua fé. Para a esconder, inventaram as alheiras, enchidos feitos de carnes de aves e caça, com
que compunham o fumeiro e assim enganavam os vizinhos cristãos velhos. Mas como
evitar a “festa” da matação, sobretudo para aqueles bem inseridos nas
comunidades e até unidos por laços de sangue?
Crenças à parte, o porco devia ser bem alimentado, o que
dependia muito das posses dos seus donos. A sua rotina alimentar constava da
habitual lavadura, água obtida de uma pré-lavagem das loiças da alimentação
humana, a que se misturavam os farelos (cascas dos cereais). Pelos campos,
apanhavam-se saramagos, labaças, beldroegas… Na minha infância, contava-se que
o Doutor Alves dissera a alguém que desse couves ao porco para tornar a sua
carne mais saborosa. Comia, pois, couves, nabos e botelhas da horta e meses ou
semanas antes da matação engordava-se com bolota e bagaço dos lagares. Era uma
delícia comer o rabo do porco cozido, acompanhado de legumes, no Domingo Gordo!
(Coisas de que falámos na 6.ª sessão do Conta-me histórias,
no Casal da Fraga, dia 17-03-2025)
José Teodoro Prata
quarta-feira, 26 de março de 2025
Quaresmas
Chamamos-lhes quaresmas (as brancas) e por este dias enfeitam os nossos campos. Estas estão nos bordos do caminho, no Ribeiro Dom Bento, para as Quintas e a Senhora da Orada.
Nome científico: Saxifraga granulata.
José Teodoro Prata