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segunda-feira, 17 de maio de 2021

Os nomes das nossas ruas (continuação)

 Partida

«…a aldeia seria em tempos recuados constituída por duas partes, separadas pela Ribeira do Portabeira. Seria, assim, uma povoação «partida» e daí o nome Partida.» (Luís Leitão em «Partida»). Esta explicação, não estando provada, é bastante plausível. Seria assim no tempo em que, segundo a lenda, o Santiago ainda penava nas Lameiras, antes de lhe terem feito a capela no cimo do Cabeço.

 

Dá-nos também ideia da antiguidade do povoamento daquele lugar.

À medida que foi crescendo a povoação trepou, encosta acima, em ruas íngremes, entrelaçadas umas nas outras, por onde dá vontade de nos perdermos.

A maior parte dos nomes confunde-se com os lugares que lhe são próximos e as culturas mais comuns nos campos à roda: Rua do Esteval, Rua das Hortas, Rua dos Olivais, Travessa da Moreira (Amoreira), Rua da Barroca, Rua do Cabeço…; outras lembram o nome dos santos da devoção das gentes da terra: Rua de Santiago, Largo de São Sebastião,

Rua da Igreja.

A caminho do Vale de Figueiras vai a Rua dos Almos. O nome eleva-nos o pensamento, a sugerir alguma divindade, mas é possível que lhe venha de uma das muitas espécies da vegetação que ladeia a Ribeirnha, a correr-lhe quase paralela.

À Rua do Coredágua, que desce desde quase o cimo do povo, assenta-lhe bem o nome: dizem que em dias de muita chuva é um louva a Deus de água por ela abaixo.     

À semelhança de todas as outras povoações da freguesia, também aqui muitas casas vão ficando vazias e, com o passar dos anos, acabam por cair. Mas, ao contrário do que se passa noutros lugares, há muitas a ser reabilitadas. É o caso destas na Rua do Outeiro. Na da esquerda terá funcionado a primeira Escola da Partida.


E que lindas ficam estas ruas!

 

Mourelo

Terão por lá andado os mouros? É possível… Existem ali à roda lugares, a fonte de mergulho e a Gruta da Moura, que podem prová-lo.

Logo à entrada do povo, no Largo da Portela, o Santiago a abençoar e proteger:

Depois são algumas ruas alinhadas, cortadas por outras que as atravessam e unem. Os nomes lembram-nos a importância da agricultura naquele lugar: Rua do Lameirão, Rua da Vinha Velha, Rua do Vale do Linho (poderia existir também a Rua dos Olivais, porque há oliveiras seculares por todo o lado).

A placa da Rua do Vale do Linho foi mudada para Rua da Escola; resta a memória desse tempo na Travessa do Vale do Linho.

O cultivo e tratamento do linho foi uma das principais atividades das mulheres do Mourelo até meados do século passado. Das poucas que lá vivem, falei com uma que recorda esse tempo e conta como era duro o trabalho: «Olhe aqui como estão os meus dedos, todos tortos. Foi de tanto fiar, desde que era pequena. De inverno, o serão era passado à roda do lume a dar ao dedo. Nem nos dias em que meu homem lá ia a casa a namorar-me tinha descanso. Mal podíamos falar um para o outro.» À beira dos oitenta anos e já viúva, naquele dia ainda andava a semear feijões numa horta que fazia inveja.

 

A Rua do Forno já foi Rua dos Correios. Ainda restam vestígios dos tempos em que as cartas eram levadas por mulheres, a pé, por caminhos de cabras, sujeitas a todos os perigos. Há quem por lá se lembre ainda da Ti Mari’ Correia e da Ti Mari’ Chamiça.

Na Rua da Portela encontramos alguns dos melhores exemplos da arquitetura da época, com casas de um ou dois pisos e paredes levantadas em xisto. Impossível não meter o olho pelo buraco da fechadura…

 

E nesta casa, na Travessa do Fundo da Rua, que pena não haver gente à varanda ou sentada no poial, entre as portas.

Houve tempos em que muitas casas tinham estes bancos de pedra. As mulheres, sentavam neles para descansar do trabalho no campo, que começava ainda antes do nascer do sol. Às vezes aproveitavam para remendar, fiar, ou a catar os filhos quando as pragas de piolhos atacavam. Depois da ceia, vinham só para dar à língua umas com as outras e aproveitar o fresco da noite. As crianças brincavam às escondidas ou sentavam-se ao pé, a ouvir contar histórias.

E ao fundo da Rua da Capela, quase à saída, o Santo António a dar proteção aos moradores e aos que passam a caminho do Tripeiro… 

M. L. Ferreira

(continua…)

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Os Sanvicentinos na Grande Guerra

 Domingos Rodrigues Inês

Domingos Rodrigues Inês nasceu na Partida, a dia 13 de novembro de 1893. Era filho de Manuel Rodrigues Inês, cultivador, e de Maria Joaquina.

Assentou praça em Castelo Branco, no dia 9 de julho de 1913, como recrutado, e foi incorporado no Regimento de Artilharia de Montanha. Na altura era analfabeto e tinha a profissão de jornaleiro.

Foi mobilizado para a província de Angola, para onde seguiu em 11 de setembro de 1914, integrado na 1.ª Expedição enviada para o sul daquela província ultramarina. Tinha a categoria de soldado condutor. De acordo com a sua folha de matrícula militar, participou na ação do dia 18 de dezembro de 1914 contra os alemães, fazendo parte das forças que ocuparam o vau de Calueque. Regressou a Lisboa a 5 de novembro de 1915 e foi licenciado no dia 15 de maio de 1916.

Em fevereiro de 1917 foi novamente mobilizado para servir na província de Moçambique, para onde embarcou no dia 2 de julho de 1917. Fez parte das tropas de reforço à 3.ª Expedição que na altura já se encontrava muito enfraquecida pelos ataques dos alemães e pelas doenças que incapacitaram ou vitimaram muitos militares. Não há registos do local onde terá estado, nem das ações em que participou. Regressou à Metrópole a 24 de outubro de 1918.

Licenciado em 4 de julho de 1919, passou ao 2.º escalão do Exército e ao 7.º Grupo de B. Reserva, em 31 de dezembro de 1923.

Condecorações:

·      Medalha militar comemorativa das operações realizadas no sul da província de Angola, com a legenda: 1914-1915;

·      Medalha comemorativa das campanhas na província de Moçambique, com a legenda: 1914-1918;

·      Medalha da Vitória.

·      Por o seu Regimento ter sido condecorado com a Cruz de Guerra de 1.ª Classe, ficou ao abrigo do Art.º 43 do Regulamento das Ordens Militares Portuguesas de 1919, podendo fazer uso do distintivo que lhe foi atribuído.

Punições:

a)    10 faxinas por estar ausente sem licença desde as 8.30h do dia 14 de abril de 1914 até à 12.30 h do dia 15. «Não foi punido mais severamente por se considerar que ainda não tinha muita compreensão das regras militares» (folha de matrícula);

b)   4 dias de detenção, por ter o cabelo comprido, quando se apresentou para a distribuição do pré, no dia 4 de maio de 1914;

c)    1 guarda, por se ter rendido no posto do sentinela sem a presença do cabo da guarda, no dia 2 de julho de 1914.

Família:

Domingos Rodrigues casou com Maria da Graça, no Posto do Registo Civil de Almaceda, a 31 de outubro de 1920, e passou a residir nas Rochas de Cima. Foi aí que lhes nasceram os 7 filhos que tiveram: Preciosa Maria, José Inês, Joaquim Domingos Inês, Maria do Carmo, Maria do Santos, Manuel Inês e Maria Inês.

«O meu pai era uma boa pessoa. Tratou sempre bem a minha mãe e aos filhos nunca nos bateu. Guardava respeito a toda a gente e toda a gente cá na terra gostava dele.

Foi moleiro toda a vida, com uma azenha e dois moinhos ali na ribeira, por baixo do Ingarnal. Ele estava quase sempre a moer e eram as filhas mais velhas que andavam com o burro, por aquelas terras à roda, a trazer o cereal e a levar a farinha já moída. Teve uma vida difícil e de muito trabalho porque, naquele tempo, aquilo dava pouco e as bocas eram muitas. Era no tempo em que uma sardinha tinha que dar para três…

Também nunca recebeu nada por ter andado na guerra, porque não se soube mexer, nem teve quem lhe desse a mão: não tinha o braço torto….

Tanto o meu pai como a minha mãe morreram quando eu estava na França. Custou-me muito, mas é assim a vida…» (testemunho do filho Manuel Inês)

Domingos Rodrigues Inês faleceu no dia 30 de agosto de 1975. Tinha 81 anos de idade.

(Pesquisa feita com a colaboração do filho Manuel Inês)

Maria Libânia Ferreira
Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Os Sanvicentinos na Grande Guerra

 Domingos Nunes (também da Partida)

Domingos Nunes nasceu na Partida, a 18 de março de 1892. Era filho de Francisco Nunes, cultivador, e de Maria José.

Tinha a profissão de jornaleiro e sabia ler e escrever, quando assentou praça, no dia 12 de julho de 1912. Foi incorporado no Regimento de Artilharia de Montanha, em 14 de julho de 1913, e passou ao quadro permanente em virtude de sorteio.

Foi mobilizado para seguir para Angola, para onde embarcou no dia 10 de setembro de 1914. Integrou a 1.ª Expedição que partiu para aquela província ultramarina, a fim de reforçar a força militar que já se encontrava no sul daquele território, ameaçado pelas tentativas de ocupação alemã.

De acordo com a sua folha de matrícula, participou na ação de 18 de dezembro de 1914 contra os alemães, fazendo parte das forças que ocuparam o vau de Caluéque. Também pertencia ao destacamento que reconquistou e ocupou o Cuamato, de 12 a 27 de agosto, tendo tomado parte na ação do Ancongo, em 13 de agosto de 1915, e no combate da Inhoca, em 15 do mesmo mês, dia em que o destacamento entrou no Forte de Cuamato. Com o mesmo destacamento, avançou em 20 de agosto sobre Cunhamano, a fim de restabelecerem as comunicações que haviam sido cortadas pelo inimigo. No dia 24, participou também no combate da Chana da Mula. Regressou à Metrópole, no dia 2 de outubro de 1915, e foi licenciado em 14 de Fevereiro.

Presente novamente no dia 27 de abril de 1916, foi mobilizado para integrar a 3.ª Expedição para o norte de Moçambique, para onde embarcou em 24 de julho. Não há registos da sua participação nas ações levadas a cabo pelos militares portugueses naquele território, mas terá participado nas operações que tinham como objetivo ultrapassar as margens do rio Rovuma, para norte, e ocupar algumas localidades que estavam na posse dos alemães. Felizmente não fez parte do elevado número de baixas provocado pelos ataques do inimigo ou pelas inúmeras doenças que vitimaram muitos militares.

Embarcou para a Metrópole, no dia 13 de fevereiro de 1917, e regressou à Partida, onde ficou a residir. Passou à reserva territorial, em 31 de dezembro de 1933, já tinha completado 41 anos.

Condecorações:

·      Medalha militar comemorativa das operações realizadas no sul da província de Angola, com a legenda: 1914-1915;

·      Medalha comemorativa das campanhas na província de Moçambique, com a legenda: 1914-1918;

·      Medalha da Vitória.

Família:

Domingos Nunes casou com Maria Josefa, em Maio de 1920(?), e tiveram 6 filhos:

1.    Maria Gracinda Nunes, que casou com António(?) e tiveram 6 filhos;

2.    Maria dos Ramos, que casou com José Pires e tiveram 4 filhos;

3.    Adelino Domingos Nunes, que casou com Maria Claudina (não tiveram filhos);

4.    Maria José, que casou com José Martins (não tiveram filhos);

5.    Maria dos Santos, que casou com António Bento Antunes e tiveram 3 filhos;

6.    Maria da Glória Nunes, que casou com António Martins e tiveram 1 filha.

Domingos Nunes viveu sempre da agricultura e da pecuária. Para além de um ganhão e de um pastor para guardar o rebanho, tinha quase sempre outros homens a trabalhar nas muitas terras que possuía e das quais se orgulhava muito. Entre as várias propriedades que tinha, também era dele o Caniço, uma das melhores terras da Partida. Tinha tanto orgulho naquela propriedade que começaram a chamar-lhe o “Conde Caniço” e assim ficou conhecido durante muito tempo.

A neta Maria José lembra o avô como «…um homem muito trabalhador e ambicioso, que por nada deste mundo seria capaz de se desfazer de uma leira de terra. Mas era boa pessoa e gostava de ajudar quem precisava. De roda dele ninguém passava fome.» 

Domingos Nunes faleceu na Partida, a 25 de Fevereiro de 1968. Tinha 75 anos de idade.

(Pesquisa feita com a colaboração da neta Maria José Nunes Pires)

Maria Libânia Ferreira
Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Os Sanvicentinos na Grande Guerra

 

Domingos Nunes (Partida)

 

Domingos Nunes, filho de António Nunes e Jacinta Ana, proprietários, nasceu na Partida, a 1 de Novembro de 1894, e aí viveu até à idade adulta. 

Era analfabeto e tinha a profissão de jornaleiro, quando assentou praça, no dia 9 de Julho de 1914. Foi incorporado em 13 de Janeiro de 1915, na 7ª Companhia de Saúde. Foi vacinado. Pronto da instrução da recruta, em 9 de Julho de 1915, domiciliou-se na Partida.

Foi mobilizado para a guerra e, fazendo parte do CEP, partiu para França no dia 22 de fevereiro de 1917, como soldado maqueiro, integrado no 1.º Grupo da 7.ª Companhia, Serviço de Saúde, Ambulância n.º 2. Tinha o n.º 476 e a placa de identidade nº 19128- séria A.

No seu boletim individual são pouco legíveis as ocorrências no teatro de guerra, mas podem ver-se algumas movimentações entre diferentes serviços de ambulância, durante o tempo que permaneceu em França.

Consta ainda uma hospitalização, entre 24 de Dezembro de 1917 e 20 de Janeiro de 1818, e um castigo de 10 dias de prisão disciplinar, por se ter recusado a descarregar alguns caixotes trazidos por um camião, dizendo que, como estava de faxina a três oficiais, não era obrigado a fazer mais nada. Foi amnistiado por este comportamento.

Regressou a Portugal, no dia 5 de 1919, a bordo do navio inglês Helenus. Passou à reserva ativa, em 11 de Abril de 1928, e à reserva territorial, em 31 de Dezembro de 1935.

Condecoração: Recebeu a Medalha comemorativa da Vitória.

 

Família:

Regressado a Portugal, Domingos Nunes casou com Maria Ana, em Outubro de 1919. Tiveram 3 filhos:

1.    Maria dos Anjos, que casou com Joaquim Duarte e tiveram 5 filhos;

2.    Maria do Patrocínio, que casou com Francisco Ivo e tiveram 4 filhos;

3.    Francisco Nunes, que faleceu ainda jovem. 

«O meu avô não era pessoa de falar muito dos tempos que passou em França, mas lembro-me de ele contar que esteve uns poucos de dias à espera de embarcar em Lisboa, porque diziam que não havia transporte, mas também se constava que era porque o Comandante da Companhia não queria embarcar. E que por lá tinham sido tempos muito difíceis. Era maqueiro e andava sempre nas ambulâncias, a acarretar os soldados apanhados pelas balas do inimigo. Havia dias que os bombardeamentos faziam tantos mortos e feridos que não davam vazão a socorrer tanta gente e muitos corpos ficavam para trás. Era isso o que mais lhe custava, muito mais do que a fome, o frio e o medo que também eram de morrer.

Quando regressou à terra, continuou a trabalhar na agricultura, nas terras que eram dele, onde semeava e colhia de tudo, para ter uma casa farta de pão e o resto que era preciso.

Passados muitos anos, ainda conseguiu que lhe dessem uma pensão pelo tempo que andou na guerra, mas gozou-se já dela por pouco tempo» (testemunho do neto José Ivo).

Domingos Nunes faleceu, no dia 19 de Novembro de 1983. Tinha 89 anos de idade.

(Pesquisa feita com a colaboração do neto José Ivo)

Maria Libânia Ferreira
Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Os Sanvicentinos na Grande Guerra


Domingos Lourenço


Domingos Lourenço nasceu na Partida, a 11 do mês de junho de 1895. Era filho de Manuel Lourenço, cultivador, e de Maria Ana, natural de Rochas de Cima.
Era analfabeto e tinha a profissão de jornaleiro, quando se alistou, no dia 29 de junho de 1915. Assentou praça, em 13 de maio de 1916, sendo integrado no 2.º Batalhão do Regimento de Infantaria 21, de Castelo Branco. 
Mobilizado para a guerra, embarcou para França no dia 21 de janeiro de 1917, integrado na 4.ª Companhia do Regimento de Infantaria 21, como soldado, com o n.º 612 e a chapa de identificação n.º 9776. Foi vacinado.
Do seu boletim individual consta apenas o seguinte:
a)    Baixa ao hospital, a 15 de setembro de 1917; alta em 18 do mesmo mês;
b)    Punido pelo Comandante do Batalhão, em 5 de novembro de 1917, com cinco dias de detenção, por ter faltado à instrução sem motivo justificado;
c)    Embarcou para Portugal, com o Regimento de Infantaria 21, no dia 25 de fevereiro de 1919, e desembarcou em Lisboa, no dia 28.
Passou à reserva ativa, no dia 11 de abril de 1928, e à reserva territorial, em 31 de dezembro de 1935.
Condecoração: Medalha de bronze comemorativa da participação de Portugal na Grande Guerra, com a inscrição França 1971-1918.


Família:
Domingos Lourenço casou em Aldeia de Joanes, passado pouco tempo de ter regressado de França. Desse casamento terão nascido dois filhos (Adelino e Mercês?), mas não foi possível confirmar esta informação.
Enviuvou poucos anos depois e, em fevereiro de 1935, mudou o domicílio para o Fundão, onde voltou a casar com Maria das Dores, também já viúva. Não terá tido filhos deste casamento, mas também não foi possível confirmar este dado.
Para além do trabalho no cultivo de uma quinta que tinham e onde moravam, o casal teria também um forno comunitário. O sobrinho José da Silva (José “Marau”) diz que, ainda criança, se lembra de ir com o pai, a pé, da Vila até ao Fundão e, no regresso, traziam de lá uma bolsa cheia de pão que o tio lhes arranjava. Voltavam durante a noite, às escondidas, não só porque tinham medo de ser assaltados e ficar sem comer por uns tempos, mas também porque naquela altura era proibido transportar assim tanto pão. Estava-se no princípio dos anos 40 e havia muita fome por causa do racionamento imposto durante a 2.ª Guerra Mundial.
Filomena, uma das sobrinhas que vive na Partida, conta que tem poucas memórias deste tio, mas se recorda de o ter visto numa altura em que foi com os pais à feira do Fundão e dormiram em casa dele. Lembra-se que era um homem muito bonito e de ouvir dizer à mãe que toda a gente, na família, gostava muito dele, talvez por ser o único rapaz entre os cinco irmãos. Falavam também das lágrimas que tinham chorado quando ele abalou para a guerra e depois do desgosto quando o viram, no regresso: «Contava a minha mãe que só trazia a pele e o osso, de tanta fome que por lá passou. Nem parecia ele. Toda a gente dizia que não escapava. Foi preciso mais que tempos para arribar e voltar a ter forças para fazer qualquer coisa.» (a sobrinha Filomena)
Domingos Lourenço terá passado os últimos tempos de vida em Lisboa, provavelmente em casa de algum dos filhos. Foi lá que faleceu, na freguesia da Pena, no dia 13 de Agosto de 1966. Tinha 71 anos.

(Pesquisa feita com a colaboração dos sobrinhos José da Silva, Aurélio da Silva e Maria Filomena)

Maria Libânia Ferreira
Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Fontes de mergulho


As fontes de mergulho têm origem muito antiga, provavelmente ainda no tempo dos Romanos, e depois dos Árabes. A sua construção e utilização foi retomada mais recentemente, nos últimos duzentos ou trezentos anos, e foram a principal fonte de abastecimento de água às populações urbanas e rurais.
São constituídas por um tanque de tamanho variável, coberto por uma cúpula. Eram construídas abaixo do nível do chão, e para retirar a água tinha que se mergulhar o cântaro dentro do tanque, por isso lhes davam aquele nome. A sua arquitetura variava de acordo com as posses de quem as mandava construir, e os materiais utilizados eram os que abundavam na região – o xisto ou o granito; algumas vezes uma mistura dos dois. Para além da estrutura da fonte, existia um poial para se pousarem os cântaros e, quase sempre, um banco em pedra para as pessoas poderem descansar enquanto esperavam a vez.
Por se considerar que eram uma ameaça para a saúde pública, porque muitas vezes serviam também de bebedouros dos animais, as fontes de mergulho foram substituídas por fontes de bica. Finalmente, já na última metade do século XX, quase todas as habitações foram dotadas de rede de água canalizada e devidamente tratada. Apesar disso, podem encontrar-se ainda fontes de mergulho um pouco por todo o pais; algumas muito simples, outras mais elaboradas, revestidas a azulejo ou com pinturas de frescos no seu interior. Algumas são autênticas obras de arte.
À semelhança de muitas outras regiões do país, na freguesia de São Vicente da Beira também podemos encontrar bastantes fontes de mergulho, algumas ainda bem preservadas, outras nem tanto, o que é pena porque constituem uma parte importante do nosso património. Embora muitas vezes estejam em propriedades privadas, eram de acesso público. Talvez por isso, algumas se chamem “Fonte do Povo”.

Fonte de Santiago (1878?), Partida

Chama-se assim porque se situa junto de uma vereda, no fundo da encosta que leva à capela de Santiago, na margem direita da ribeira.
Há ainda muitas pessoas que se lembram de lá ir todos os dias buscar a água que precisavam para os gastos de casa. A água era muito boa e fresca, por isso, no tempo em que não havia ainda frigoríficos, era também usada para manter frescos alguns alimentos e bebidas: «Quando era pequeno acarretei de lá muitos cântaros para encher os bidões onde o meu pai refrescava as cervejas e as gasosas que vendia na taberna. E a minha mãe também a usava para meter a panela da sopa, para não azedar.»
A fonte ainda tem alguma água, mesmo no verão, e disseram-me que ainda há quem lá vá buscá-la para beber. Como curiosidade, por cima da pedra que encima a abóbada, pode ver-se uma cruz esculpida no granito.

Fonte das Hortas (1886?), Partida

Esta fonte situa-se mais perto da zona urbana da Partida, numa zona de hortas. Talvez por isso, seja este o nome por que é conhecida. Por ficar mais perto da povoação, foi muito usada noutros tempos, mas atualmente, como diz um vizinho, «…já está quase seca e a precisar de limpeza. Não serve senão para regar algum pé de couve
     

Fonte do Rabo de Coelho, Mourelo

«Não havia outra na terra e era lá que toda a gente ia buscar a água para beber. É tão boa, aquela água, que ainda hoje lá vai muita gente buscar garrafões para levar para fora, e quem lá passa não fica sem ir beber dela; até lá está uma malga de propósito. Por causa disso, ainda é limpa todos os anos, mas já não é como antigamente, que não se via ali uma erva.
Chamam-lhe a Fonte do Rabo de Coelho por causa duma lenda que se conta que diz que um dia, logo ao nascer do sol, um velhote passou por ali e viu um coelho, de rabo encarnado, a beber água da fonte. Quando acabou de beber fugiu para o mato e desapareceu. O homem achou aquilo muito estranho porque nunca por ali se vira um coelho com o rabo daquela cor. No dia a seguir passou por lá à mesma hora e tornou a ver o coelho a beber água no mesmo sítio. E o caso repetiu-se por mais alguns dias.
O velhote já andava a ficar intrigado, mas não contou nada a ninguém, com medo que se rissem dele. Mas o pessoal da terra começou a desconfiar que alguma coisa se passava, porque todos os dias o viam passar, de madrugada para os lados da fonte; logo ele que não tinha horta para ali, e tinha tanta dificuldade em andar ou fazer o que quer que fosse, todo apanhado pelo reumatismo. Quando lhe perguntavam o que é que ele ia lá fazer, respondia que ia beber água, mas ninguém acreditava.
Um dia, com medo que descobrissem o que se passava, resolveu apanhar o coelho com uma armadilha. Foi lá durante a noite armar o ferro e na manhã seguinte, quando chegou à fonte, estava o coelho morto, lá dentro. Tirou-o e levou-o para casa, bem escondido. Depois de o ter esfolado, meteu-o numa panela de ferro, a cozer. Esteve todo o dia ao lume, mas a carne cada vez estava mais rija. Já farto de esperar, deitou a carne aos cães, mas nem eles foram capaz de a comer. Alguma coisa de estranho se passava, e resolveu enterrar tudo. Pegou na pele e, mal lhe tocou, sentiu o braço e a mão a mexer como se não tivesse nada. Até a perna, que já arrastava com dificuldade, parecia como nova.
Ficou tão contente, que não se teve e contou o segredo ao povo inteiro. A partir dali, toda a gente que tivesse uma dor, passava com o pêlo do coelho por cima do sítio que lhe doía, e o mal abalava, como que por milagre. Chegou até a vir gente de fora para experimentar a pele milagrosa, e abalava curada.
A partir daí, aquela fonte passou a chamar-se Fonte do Rabo de Coelho; até hoje.»
Esta fonte fica numa zona de hortas, num caminho à direita da estrada que vai para o Tripeiro, logo à saída do Mourelo. De todas as que encontrei, é a que tem a água mais fresca e limpa.

Fonte do Cimo do Povo (1932?), Vale de Figueira
 

«Chamam-lhe assim porque era lá que, quem morava deste lado de cima do povo, íamos buscar a água; não havia outro sítio. Os de lá de baixo tinham uma fonte ao pé da ribeira, mas essa já se não pode lá ir, que foi comida pelas ervas e pelas silvas. Agora ninguém limpa nada, mas também já cá há pouco quem o faça.
Antigamente as famílias tinham muita gente e era preciso ir lá duas e três vezes para dar para as necessidades da casa: para fazer o comer e lavar a loiça, para a gente se lavar e para os vivos; só a roupa é que a íamos a lavar lá abaixo, à ribeira.
No inverno, quando nevava ou geava, era muito perigoso porque a gente escorregava, e era ver os cântaros a rebolar por essa rua abaixo. Vi muito cântaro em cacos, e eu também ainda parti alguns.
Agora já está quase seca, mas ainda a limpam todos os anos e há gente que ainda cá vem buscar água para beber, quando a há

Fonte do Povo (1943?), Violeiro

«Antigamente, quando era nova, não havia outra fonte onde a gente ir à água, de modo que toda a gente aqui vinha a ela. Quando vinham aqueles grandes sequeiros, a nascente não dava vazão a encher tanto cântaro, e às vezes a água acabava-se. Era preciso ficar à espera. Formavam-se aqui uns carreiros tão grandes de gente, que havia quem de cá saísse já para lá da meia-noite. Também havia quem tivesse poços, mas a água da fonte era melhor e toda a gente cá vinha a ela, que mais não fosse para beber. E para o gado, tiravam-na da fonte com caldeiros e deitavam-na nesta pia que ainda aqui está, quando não, também a bebiam da fonte e tudo.
Agora a água que vem das torneiras não é tão boa, mas é outro asseio; e a gente também já está velha para aqui vir a buscá-la, que também já cá há pouca, calha bem. Mas, mesmo assim, ainda há quem venha cá buscá-la para beber».
Esta fonte encontra-se ao fundo da rua da Fonte, que começa perto da capela. É de granito e xisto e tem uma placa com a data. Está limpa, mas já tem pouca água. Ainda se pode ver a pia que servia de bebedouro aos animais.

Fonte do Povo, Tripeiro

 
Esta fonte situa-se num desvio da estrada que vem do Mourelo, pouco antes de se chegar ao Tripeiro. Durante muito tempo foi quase a única fonte de abastecimento de água à população, mas, dizem os mais velhos, há muito tempo que ficou quase seca, e tiveram que fazer uma mina logo do lado de baixo do caminho. Vê-se que fizeram obras há pouco tempo, mas parece que não tiveram muito cuidado em preservar alguma coisa do que ainda existiria da antiga estrutura. Também não encontrei quem explicasse o facto de estar fechada.

Casal da Fraga

Esta fonte situa-se no ribeiro que passa pelo Casal Poisão e desagua na Ribeira, por baixo do “Casalito”. Era lá que muitas pessoas do Casal da Fraga iam buscar a água para uso de casa. Originalmente estava no local onde, há alguns anos, fizeram a ponte que vai do Casal para a Devesa. Com as obras, deslocaram-na um pouco para baixo. Infelizmente foi reconstruída sem grande rigor, não respeitando o que existia antes. Há pedras de granito, que fariam parte da fonte original, espalhadas ali por perto. Pode ser que ainda venha a ser reconstruída com a dignidade que merece, mesmo que fora do local de origem.

Fonte da Portela, São Vicente da Beira

Esta fonte poderá ser das mais antigas da freguesia. Encontra-se à saída de São Vicente, num local de passagem de pastores, ganhões, jornaleiros, comerciantes, etc. que se deslocavam a caminho de Castelo Branco ou outros locais mais a sul. Para além da fonte, destinada às pessoas, existia um tanque para onde escorriam as sobras, que servia de bebedouro para os animais. Ainda se pode ver, à direita. Atualmente, quer a fonte quer o tanque ficam completamente secos durante o verão.

Senhora da Orada, São Vicente da Beira


Esta fonte, reconstruída há pouco tempo, foi feita a partir do que terá sido uma antiga fonte de mergulho, soterrada há anos, durante as obras de alargamento do terreiro do Santuário da Senhora da Orada. Ainda há pessoas que se lembram dela e do efeito milagroso das suas águas.  Contam que muita gente lá curou o “cobrão” e outras doenças de pele, banhando-se nela.
Algumas das pedras de granito são originais, outras foram postas agora, durante as obras de restauro. O cano que serve de bica não existia antes, e terá sido colocado por razões de higiene e para facilitar a tomada da água.

Para além destas fontes, que são públicas e motivo de orgulho e muitas memórias (por ali nasceram muitos amores), há outras mais modestas, que são menos visíveis por se encontrarem em terrenos privados e de difícil acesso. Parece-me que será o caso destas, na Quinta do Infante, que se avistam do caminho que passa em frente da antiga casa da quinta, do lado direito da ribeira.


Haverá ainda muitas outras pequenas fontes de mergulho na freguesia. Algumas ainda à vista, outras escondidas por mato e silvas, e de acesso muito difícil (será o caso de uma que me disseram que existe perto da capela de Santiago, na Partida, onde os peregrinos que se dirigiam ao santuário matavam a sede). Algumas terão desaparecido por razões de vária ordem, principalmente pelas alterações que se fizeram nos terrenos onde se encontravam, por terem secado as nascentes ou terem deixado de ser utilizadas após o abastecimento domiciliário de água. Provavelmente já não vamos a tempo de as recuperar.

M. L. Ferreira