segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Os Sanvicentinos na Grande Guerra

 Domingos Rodrigues Inês

Domingos Rodrigues Inês nasceu na Partida, a dia 13 de novembro de 1893. Era filho de Manuel Rodrigues Inês, cultivador, e de Maria Joaquina.

Assentou praça em Castelo Branco, no dia 9 de julho de 1913, como recrutado, e foi incorporado no Regimento de Artilharia de Montanha. Na altura era analfabeto e tinha a profissão de jornaleiro.

Foi mobilizado para a província de Angola, para onde seguiu em 11 de setembro de 1914, integrado na 1.ª Expedição enviada para o sul daquela província ultramarina. Tinha a categoria de soldado condutor. De acordo com a sua folha de matrícula militar, participou na ação do dia 18 de dezembro de 1914 contra os alemães, fazendo parte das forças que ocuparam o vau de Calueque. Regressou a Lisboa a 5 de novembro de 1915 e foi licenciado no dia 15 de maio de 1916.

Em fevereiro de 1917 foi novamente mobilizado para servir na província de Moçambique, para onde embarcou no dia 2 de julho de 1917. Fez parte das tropas de reforço à 3.ª Expedição que na altura já se encontrava muito enfraquecida pelos ataques dos alemães e pelas doenças que incapacitaram ou vitimaram muitos militares. Não há registos do local onde terá estado, nem das ações em que participou. Regressou à Metrópole a 24 de outubro de 1918.

Licenciado em 4 de julho de 1919, passou ao 2.º escalão do Exército e ao 7.º Grupo de B. Reserva, em 31 de dezembro de 1923.

Condecorações:

·      Medalha militar comemorativa das operações realizadas no sul da província de Angola, com a legenda: 1914-1915;

·      Medalha comemorativa das campanhas na província de Moçambique, com a legenda: 1914-1918;

·      Medalha da Vitória.

·      Por o seu Regimento ter sido condecorado com a Cruz de Guerra de 1.ª Classe, ficou ao abrigo do Art.º 43 do Regulamento das Ordens Militares Portuguesas de 1919, podendo fazer uso do distintivo que lhe foi atribuído.

Punições:

a)    10 faxinas por estar ausente sem licença desde as 8.30h do dia 14 de abril de 1914 até à 12.30 h do dia 15. «Não foi punido mais severamente por se considerar que ainda não tinha muita compreensão das regras militares» (folha de matrícula);

b)   4 dias de detenção, por ter o cabelo comprido, quando se apresentou para a distribuição do pré, no dia 4 de maio de 1914;

c)    1 guarda, por se ter rendido no posto do sentinela sem a presença do cabo da guarda, no dia 2 de julho de 1914.

Família:

Domingos Rodrigues casou com Maria da Graça, no Posto do Registo Civil de Almaceda, a 31 de outubro de 1920, e passou a residir nas Rochas de Cima. Foi aí que lhes nasceram os 7 filhos que tiveram: Preciosa Maria, José Inês, Joaquim Domingos Inês, Maria do Carmo, Maria do Santos, Manuel Inês e Maria Inês.

«O meu pai era uma boa pessoa. Tratou sempre bem a minha mãe e aos filhos nunca nos bateu. Guardava respeito a toda a gente e toda a gente cá na terra gostava dele.

Foi moleiro toda a vida, com uma azenha e dois moinhos ali na ribeira, por baixo do Ingarnal. Ele estava quase sempre a moer e eram as filhas mais velhas que andavam com o burro, por aquelas terras à roda, a trazer o cereal e a levar a farinha já moída. Teve uma vida difícil e de muito trabalho porque, naquele tempo, aquilo dava pouco e as bocas eram muitas. Era no tempo em que uma sardinha tinha que dar para três…

Também nunca recebeu nada por ter andado na guerra, porque não se soube mexer, nem teve quem lhe desse a mão: não tinha o braço torto….

Tanto o meu pai como a minha mãe morreram quando eu estava na França. Custou-me muito, mas é assim a vida…» (testemunho do filho Manuel Inês)

Domingos Rodrigues Inês faleceu no dia 30 de agosto de 1975. Tinha 81 anos de idade.

(Pesquisa feita com a colaboração do filho Manuel Inês)

Maria Libânia Ferreira
Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Epidemias do passado (e do presente)

As epidemias, causadas principalmente por bactérias e vírus, atingiram a humanidade desde a antiguidade, e foram responsáveis por mais mortes que todas as guerras e cataclismos juntos.

Alguns números:

A peste bubónica, também conhecida por peste negra por ter sido a mais mortífera que atingiu a Europa e a Ásia, teve o primeiro grande surto no século XIV. Teve depois outras vagas, a pior no século XVII, quando atingiu dramaticamente as cidades de Londres, Amesterdão e outras capitais. Sem capacidade de acorrer a todos, muitos doentes eram abandonados nas ruas e deixados durante vários dias até morrerem. Estima-se que tenha feito para cima de 50 milhões de mortos.

A cólera, que teve a primeira epidemia global em 1817, causou centenas de milhares de mortes em todo o mundo. Na Europa existem atualmente apenas alguns surtos pontuais, mas continua a matar muita gente, sobretudo crianças, nos países mais pobres de África, Ásia e até da América Latina.

A tuberculose foi uma das doenças mais mortíferas em todo o mundo. Estima-se que tenha matado mais de 100 milhões de pessoas. O combate através da vacinação quase a eliminou de grande parte dos países desenvolvidos, mas continua presente em muitas regiões do globo, principalmente em África e alguns países asiáticos.

A varíola, conhecida entre nós por bexigas, atingiu a humanidade durante mais de três mil anos. Só entre 1896 e 1980, altura em que foi erradicada do planeta por efeito da vacinação, terão morrido em todo o mundo mais de 300 milhões de pessoas.

Os registos de óbito raramente referem o motivo da morte, mas entre dezembro de 1874 e dezembro de 1875 morreram em São Vicente 85 pessoas com bexigas, quase todas crianças até aos 10 anos, mas também alguns adultos jovens.

A pneumónica, também chamada gripe espanhola, que afetou o mundo entre os anos de 1918 e 1919, foi uma da mais mortíferas de todos os tempos. Infetou cerca de um quarto da população mundial e deixou um rasto entre os 50 e os 100 milhões de mortes. Só em Portugal morreram para cima de 60 mil pessoas e o distrito da Castelo Branco foi um dos mais atingidos (12 659 pessoas, tantas como no Porto). Em São Vicente também terá matado muita gente. Ainda hoje se ouvem contar histórias desses tempos, em que os mortos eram tantos que não davam vazão a enterrá-los.

O tifo, que afetou o exército de Napoleão aquando da invasão da Rússia e também os militares durante a Grande Guerra, matou para cima de três milhões de pessoas entre 1918 e 1922.

A febre-amarela é uma doença viral transmitida pela picada de um mosquito. A vacinação erradicou-a da maior parte dos países, mas continua a matar nas zonas mais pobres do mundo. Só entre 1960 e 1962 fez cerca de trinta mil mortes na Etiópia.

O sarampo, que muitos de nós ainda apanhámos na infância obrigando-nos a ficar fechados no quarto quase às escuras, fez para cima de seis milhões de mortes em todo o mundo, até 1963. A par da varicela e da varíola, levadas pelos colonos da América, foi responsável pela morte de muitos povos indígenas daquele continente. Com a vacinação foi quase erradicado na maior parte dos países, mas continua a ameaçar e a matar ainda atualmente.

A malária, a pior doença parasitária da atualidade, encontra-se disseminada ainda por muitos países de clima quente e húmido, condições ideais, a par da pobreza, para o desenvolvimento das larvas do mosquito que a provoca. Só em África mata mais de três milhões de pessoas todos os anos.

O HIV, a doença que mais fez tremer o mundo quando surgiu nos anos 80 do século XX, já fez cerca de 22 milhões de mortes. O tratamento que está disponível no mercado é tão caro que o vírus continua a infetar e matar muita gente, principalmente nos países mais pobres de África, Ásia e América.

E algumas curiosidades:

Ligados às epidemias surgiram termos, crenças, práticas e conceitos que ainda hoje se mantém. Aqui ficam alguns:

Quarentena: É o período em que um indivíduo ou uma mercadoria têm que ficar isolados para evitar a propagação de uma doença. Dura normalmente o tempo de incubação do vírus ou da bactéria, que não é, normalmente, de quarenta dias. O termo surgiu por associação aos quarenta dias e quarenta noites em que Jesus se isolou no deserto da Judeia e, resistindo às tentações do demónio, saiu purificado.

Distância Social: É o espaço que é recomendado manter entre as pessoas ou os grupos para evitar o contágio de uma doença. No caso da atual pandemia a distância é de dois metros, mas a recomendação dessa medida já vem de longe. Diz-se que antigamente os médicos usavam um bastão com esse comprimento e colocavam-no entre eles e o paciente, durante a consulta, para evitarem o contacto físico.

Lazaretos: Eram os edifícios construídos para isolar e desinfetar os doentes ou mercadorias vindas de locais contaminados e evitar o contágio no seio da população. Na foz do rio Tejo existiu um lazareto, na zona de Porto Brandão, onde eram colocados em quarentena os barcos e viajantes vindos de longe, já no início das viagens marítimas.

Provavelmente relacionado com esse local, existe no concelho de Almada uma localidade chamada Lazarim. Em Coimbra e Lisboa existiram também os hospitais de São Lázaro, destinados ao acolhimento e cuidado dos leprosos.

O nome tem a ver com Lázaro, um homem que terá morrido de lepra e Jesus ressuscitou.

Os santos protetores: As doenças, principalmente as contagiosas, eram consideradas castigos de Deus pelos pecados dos homens. Para apaziguar a ira divina as populações arranjavam intermediários (os santos) a quem recorriam para pedir proteção. Existem na Igreja 875 santos protetores, para 223 doenças diferentes. Cinquenta e três são “especializados” na proteção contra a peste; São Sebastião e São Roque são os mais conhecidos e venerados. São Sebastião porque, tendo sido martirizado com lanças que lhe deixaram o corpo coberto de feridas abertas, conseguiu sobreviver. Acreditava-se que quem se “apegasse” com ele também se salvaria. São Roque terá ajudado a tratar muitos contaminados pela peste. Ele próprio terá contraído a doença, como prova a chaga que mostra numa das pernas.

Acreditava-se também que a peste “recolhia” aos santos, aliviando as pessoas, porque, quando saíam nas procissões, as imagens enegreciam. De facto ficariam mais escuras, mas era por efeito das fogueiras e defumações com enxofre que se faziam por todo o lado para purificar os objetos, as casas, as ruas e mesmo as pessoas. Há tempos, numa reportagem da televisão passada no Alentejo, alguém lembrava que no tempo da pneumónica soltavam as vacas pela aldeia porque se acreditava que a doença “recolhia” a elas. Estariam agora a pensar fazer o mesmo.

Sobre a construção de capelas dedicadas a muitos destes santos protetores nas entradas das localidades, o José Teodoro acrescentou uma nota na publicação do dia 24 de março (São Roque e Lisboa) que ajuda a compreender essa prática. Em São Vicente houve várias capelas que, há uns cem ou duzentos anos, estariam mesmo no limite da Vila; algumas deixámo-las cair, talvez porque se pensasse que não íamos voltar a necessitar da proteção dos seus santos. Enganámo-nos…

M. L. Ferreira

Nota: O título deste artigo é também o de uma emissão do programa Encontros com o Património, da TSF, de onde retirei muita da informação que aqui deixei.

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Vicentinos ilustres

José Pires Lourenço

VIDA E OBRA

- Nasceu na Póvoa da Atalaia, em 1891.

- Era filho de António Lourenço e Maria Vitória, naturais e residentes na Póvoa da Atalaia.

- Entre 1905 e 1909, trabalhou como ajudante de feitor agrícola, nas Zebras, em casa de Albano Caldeira.

- Aos 14 anos, a antologia «Poesias Selectas» revelou-lhe a paixão da sua vida: a poesia.

- Em 1920, casou com Palmira Ribeiro de Azevedo, natural de S. Vicente da Beira.

- De 1909 a 1926, viveu na Borralha, na casa mãe dos condes da Borralha.

- No ano de 1926, fixou-se em S. Vicente da Beira, como feitor da Casa Conde.

- Viveu na rua do Convento, em solar de 1888, construído no local do antigo convento das Religiosas Franciscanas.

- Foi poeta durante toda a vida, mesmo depois de cegar, em 1957. Ditava os versos ao filho António Lourenço Azevedo ou a quem lhos pedia. Reuniu a sua poesia em dois volumes que nunca publicou.

- Colaborou nos jornais «Voz do Santuário», «Beira Baixa» e «Pelourinho».

- Faleceu em S. Vicente da Beira, no ano de 1970. Lá por eu em S. Vicente / Não ser nado nem criado, / Espero sinceramente / De ser aqui sepultado.



 

Ao meu livro

(petição)

 

Ó livro dos meus amores,

Ó meu leal companheiro,

Alívio p´ras minhas dores,

Meu amigo verdadeiro.

 

Encontro em ti as doçuras

Que não tem qualquer amigo,

Quantos dias de amarguras

Eu só distraio contigo.

 

Tu és o meu confidente

Só em ti encontro calma,

Tens, em teus versos, pendente

Aos pedaços a minha alma.

 

Quantas vezes refletindo

Em tristes horas desertas

Me vai o pranto caindo

Nas tuas folhas abertas!

 

No teu conteúdo se encerra,

N´uma grande saudade,

Os sonhos de alta quimera

Que sonhei na mocidade

 

Toda a tua cantilena

Foi feita por minha mão,

Tendo, no bico da pena,

O meu próprio coração.

 

Como amigo que sou teu

Pedir-te um favor queria,

Se eu fosse livro e tu eu,

Eu também te atenderia.

 

Peço me não desampares

(Somos amigos diletos)

Se eu morrer e tu ficares

Diz cá meu nome aos meus netos.

 

Fazes-me isso, ora diz?

Prometes de assim fazer?

O nome deste infeliz

Só tu lho podes dizer.

 

E p´ra estares mais lembrado

Dou-t´o nome por extenso

Do teu muito afeiçoado

Amigo José Lourenço.

 

José Teodoro Prata

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Refugiados

 O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados colocou, em São Vicente da Beira, três famílias vindas do Sudão. Duas chegaram esta semana e a terceira virá depois. Há crianças e jovens, que tanta falta fazem ao nosso interior. Ficarão até maio do próximo ano. Nessa altura termina o apoio financeiro da ONU e eles serão livres de ficar ou de tentar a sorte noutras paragens, por sua conta e risco.

Na parte Sul, formou-se recentemente um novo país, o Sudão do Sul, na tentativa de trazer alguma paz àquela região, dilacerada por muitos anos de guerra. É uma terra árida, pois integra o deserto do Saara, apenas com terras férteis nas margens dos cursos de água da bacia hidrográfica do Nilo. Foi nesta região da África Oriental que uma espécie animal evoluiu ao longo de milhões de anos e deu origem à espécie humana. Por isso somos primos dos recém-chegados!

Na nossa terra, o seu anfitrião é a Misericórdia. Estão alojados nas casas do bairro Dr. Lemos, desta irmandade.

O meu sentimento é o mesmo do José Mário Branco, quando, nos anos 80 ou 90, para impulsionar a música portuguesa, afirmou: Que floresçam 100 Marcos Paulos!. 

Sejam bem-vindos e oxalá que alguns por cá fiquem.

Oxalá é uma palavra árabe que significa Deus queira. Refere-se ao deus dos muçulmanos, que é o mesmo dos cristãos e dos judeus, só que adorado com igrejas e rituais diferentes. Estes refugiados poderão ser muçulmanos (muçulmano significa crente) ou cristãos, pois no Sudão existe uma minoria de cristãos, os coptas, descendentes dos primitivos cristãos, mas que não estão integrados na estrutura da Igreja Católica. Estes cristãos coptas são a maioria no novo país do Sudão do Sul.

José Teodoro Prata

Nota: há comentários novos na publicação No tempo da outra senhora.

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Os Sanvicentinos na Grande Guerra

 Domingos Nunes (também da Partida)

Domingos Nunes nasceu na Partida, a 18 de março de 1892. Era filho de Francisco Nunes, cultivador, e de Maria José.

Tinha a profissão de jornaleiro e sabia ler e escrever, quando assentou praça, no dia 12 de julho de 1912. Foi incorporado no Regimento de Artilharia de Montanha, em 14 de julho de 1913, e passou ao quadro permanente em virtude de sorteio.

Foi mobilizado para seguir para Angola, para onde embarcou no dia 10 de setembro de 1914. Integrou a 1.ª Expedição que partiu para aquela província ultramarina, a fim de reforçar a força militar que já se encontrava no sul daquele território, ameaçado pelas tentativas de ocupação alemã.

De acordo com a sua folha de matrícula, participou na ação de 18 de dezembro de 1914 contra os alemães, fazendo parte das forças que ocuparam o vau de Caluéque. Também pertencia ao destacamento que reconquistou e ocupou o Cuamato, de 12 a 27 de agosto, tendo tomado parte na ação do Ancongo, em 13 de agosto de 1915, e no combate da Inhoca, em 15 do mesmo mês, dia em que o destacamento entrou no Forte de Cuamato. Com o mesmo destacamento, avançou em 20 de agosto sobre Cunhamano, a fim de restabelecerem as comunicações que haviam sido cortadas pelo inimigo. No dia 24, participou também no combate da Chana da Mula. Regressou à Metrópole, no dia 2 de outubro de 1915, e foi licenciado em 14 de Fevereiro.

Presente novamente no dia 27 de abril de 1916, foi mobilizado para integrar a 3.ª Expedição para o norte de Moçambique, para onde embarcou em 24 de julho. Não há registos da sua participação nas ações levadas a cabo pelos militares portugueses naquele território, mas terá participado nas operações que tinham como objetivo ultrapassar as margens do rio Rovuma, para norte, e ocupar algumas localidades que estavam na posse dos alemães. Felizmente não fez parte do elevado número de baixas provocado pelos ataques do inimigo ou pelas inúmeras doenças que vitimaram muitos militares.

Embarcou para a Metrópole, no dia 13 de fevereiro de 1917, e regressou à Partida, onde ficou a residir. Passou à reserva territorial, em 31 de dezembro de 1933, já tinha completado 41 anos.

Condecorações:

·      Medalha militar comemorativa das operações realizadas no sul da província de Angola, com a legenda: 1914-1915;

·      Medalha comemorativa das campanhas na província de Moçambique, com a legenda: 1914-1918;

·      Medalha da Vitória.

Família:

Domingos Nunes casou com Maria Josefa, em Maio de 1920(?), e tiveram 6 filhos:

1.    Maria Gracinda Nunes, que casou com António(?) e tiveram 6 filhos;

2.    Maria dos Ramos, que casou com José Pires e tiveram 4 filhos;

3.    Adelino Domingos Nunes, que casou com Maria Claudina (não tiveram filhos);

4.    Maria José, que casou com José Martins (não tiveram filhos);

5.    Maria dos Santos, que casou com António Bento Antunes e tiveram 3 filhos;

6.    Maria da Glória Nunes, que casou com António Martins e tiveram 1 filha.

Domingos Nunes viveu sempre da agricultura e da pecuária. Para além de um ganhão e de um pastor para guardar o rebanho, tinha quase sempre outros homens a trabalhar nas muitas terras que possuía e das quais se orgulhava muito. Entre as várias propriedades que tinha, também era dele o Caniço, uma das melhores terras da Partida. Tinha tanto orgulho naquela propriedade que começaram a chamar-lhe o “Conde Caniço” e assim ficou conhecido durante muito tempo.

A neta Maria José lembra o avô como «…um homem muito trabalhador e ambicioso, que por nada deste mundo seria capaz de se desfazer de uma leira de terra. Mas era boa pessoa e gostava de ajudar quem precisava. De roda dele ninguém passava fome.» 

Domingos Nunes faleceu na Partida, a 25 de Fevereiro de 1968. Tinha 75 anos de idade.

(Pesquisa feita com a colaboração da neta Maria José Nunes Pires)

Maria Libânia Ferreira
Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

No tempo da outra senhora

Encontrei agora, este blogue (https://estatuadesal.com), de onde tirei o artigo que se segue e quem vem na linha da penúltima publicação (da Libânia). Não me lembro de o ter lido na altura e publico-o aqui, pois é muito rico.

TÃO FELIZES QUE NÓS ÉRAMOS

(Clara Ferreira Alves, in Expresso, 18/03/2017)

Autor

                              Clara Ferreira Alves

Neste filme a preto e branco, pintado de cinzento para dar cor, podia observar-se o mundo português continental a partir de uma rua. O resto do mundo não existia, estávamos orgulhosamente sós

Anda por aí gente com saudades da velha portugalidade. Saudades do nacionalismo, da fronteira, da ditadura, da guerra, da PIDE, de Caxias e do Tarrafal, das cheias do Tejo e do Douro, da tuberculose infantil, das mulheres mortas no parto, dos soldados com madrinhas de guerra, da guerra com padrinhos políticos, dos caramelos espanhóis, do telefone e da televisão como privilégio, do serviço militar obrigatório, do queres fiado toma, dos denunciantes e informadores e, claro, dessa relíquia estimada que é um aparelho de segurança.

Eu não ponho flores neste cemitério.

Nesse Portugal toda a gente era pobre com exceção de uma ínfima parte da população, os ricos. No meio havia meia dúzia de burgueses esclarecidos, exilados ou educados no estrangeiro, alguns com apelidos que os protegiam, e havia uma classe indistinta constituída por remediados. Uma pequena burguesia sem poder aquisitivo nem filiação ideológica a rasar o que hoje chamamos linha de pobreza. Neste filme a preto e branco, pintado de cinzento para dar cor, podia observar-se o mundo português continental a partir de uma rua. O resto do mundo não existia, estávamos orgulhosamente sós. Numa rua de cidade havia uma mercearia e uma taberna. Às vezes, uma carvoaria ou uma capelista. A mercearia vendia açúcar e farinha fiados. E o bacalhau. Os clientes pagavam os géneros a prestações e quando recebiam o ordenado. Bifes, peixe fino e fruta eram um luxo. A fruta vinha da província, onde camponeses de pouca terra praticavam uma agricultura de subsistência e matavam um porco uma vez por ano. Batatas, peras, maçãs, figos na estação, uvas na vindima, ameixas e de vez em quando uns preciosos pêssegos. As frutas tropicais só existiam nas mercearias de luxo da Baixa. O ananás vinha dos Açores no Natal e era partido em fatias fininhas para render e encharcado em açúcar e vinho do Porto para render mais. Como não havia educação alimentar e a maioria do povo era analfabeta ou semianalfabeta, comia-se açúcar por tudo e por nada e, nas aldeias, para sossegar as crianças que choravam, dava-se uma chucha embebida em açúcar e vinho. A criança crescia com uma bola de trapos por brinquedo, e com dentes cariados e meia anã por falta de proteínas e de vitaminas. Tinha grande probabilidade de morrer na infância, de uma doença sem vacina ou de um acidente por ignorância e falta de vigilância, como beber lixívia. As mães contavam os filhos vivos e os mortos, era normal. Tive dez e morreram-me cinco. A altura média do homem lusitano andava pelo metro e sessenta nos dias bons. Havia raquitismo e poliomielite e o povo morria cedo e sem assistência médica. Na aldeia, um João Semana fazia o favor de ver os doentes pobres sem cobrar, por bom coração.

Amortalhado a negro, o povo era bruto e brutal. Os homens embebedavam-se com facilidade e batiam nas mulheres, as mulheres não tinham direitos e vingavam-se com crimes que apareciam nos jornais com o título Mulher Mata Marido com Veneno de Ratos. A violação era comum, dentro e fora do casamento, o patrão tinha direito de pernada, e no campo, tão idealizado, pais e tios ou irmãos mais velhos violavam as filhas, sobrinhas e irmãs. Era assim como um direito constitucional. Havia filhos bastardos com pais anónimos e mães abandonadas que se convertiam em putas. As filhas excedentárias eram mandadas servir nas cidades. Os filhos estudiosos eram mandados para o seminário. Este sistema de escravatura implicava o apartheid. Os criados nunca dirigiam a palavra aos senhores e viviam pelas traseiras. O trabalho infantil era quase obrigatório porque não havia escolaridade obrigatória. As mulheres não frequentavam a universidade e eram entregues pelos pais aos novos proprietários, os maridos. Não podiam ter passaporte nem sair do país sem autorização do homem. A grande viagem do mancebo era para África, nos paquetes da guerra colonial. Aí combatiam por um império desconhecido. A grande viagem da família remediada ao estrangeiro era a Badajoz, a comprar caramelos e castanholas. A fronteira demorava horas a ser cruzada, era preciso desdobrar um milhão de autorizações, era-se maltratado pelos guardas e o suborno era prática comum. De vez em quando, um grande carro passava, de um potentado veloz que não parecia sujeitar-se à burocracia do regime que instituíra uma teoria da exceção para os seus acólitos. O suborno e a cunha dominavam o mercado laboral, onde não vigorava a concorrência e onde o corporativismo e o capitalismo rentista imperavam. Salazar dispensava favores a quem o servia. Não havia liberdade de expressão e o lápis da censura aplicava-se a riscar escritores, jornalistas, artistas e afins. Os devaneios políticos eram punidos com perseguição e prisão. Havia presos políticos, exilados e clandestinos. O serviço militar era obrigatório para todos os rapazes e se saíssem de Portugal depois dos quinze anos aqui teriam de voltar para apanhar o barco da soldadesca. A fé era a única coisa que o povo tinha e se lhe tirassem a religião tinha nada. Deus era a esperança numa vida melhor. Depois da morte, evidentemente.

 

José Teodoro Prata

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Os Sanvicentinos na Grande Guerra

 

Domingos Nunes (Partida)

 

Domingos Nunes, filho de António Nunes e Jacinta Ana, proprietários, nasceu na Partida, a 1 de Novembro de 1894, e aí viveu até à idade adulta. 

Era analfabeto e tinha a profissão de jornaleiro, quando assentou praça, no dia 9 de Julho de 1914. Foi incorporado em 13 de Janeiro de 1915, na 7ª Companhia de Saúde. Foi vacinado. Pronto da instrução da recruta, em 9 de Julho de 1915, domiciliou-se na Partida.

Foi mobilizado para a guerra e, fazendo parte do CEP, partiu para França no dia 22 de fevereiro de 1917, como soldado maqueiro, integrado no 1.º Grupo da 7.ª Companhia, Serviço de Saúde, Ambulância n.º 2. Tinha o n.º 476 e a placa de identidade nº 19128- séria A.

No seu boletim individual são pouco legíveis as ocorrências no teatro de guerra, mas podem ver-se algumas movimentações entre diferentes serviços de ambulância, durante o tempo que permaneceu em França.

Consta ainda uma hospitalização, entre 24 de Dezembro de 1917 e 20 de Janeiro de 1818, e um castigo de 10 dias de prisão disciplinar, por se ter recusado a descarregar alguns caixotes trazidos por um camião, dizendo que, como estava de faxina a três oficiais, não era obrigado a fazer mais nada. Foi amnistiado por este comportamento.

Regressou a Portugal, no dia 5 de 1919, a bordo do navio inglês Helenus. Passou à reserva ativa, em 11 de Abril de 1928, e à reserva territorial, em 31 de Dezembro de 1935.

Condecoração: Recebeu a Medalha comemorativa da Vitória.

 

Família:

Regressado a Portugal, Domingos Nunes casou com Maria Ana, em Outubro de 1919. Tiveram 3 filhos:

1.    Maria dos Anjos, que casou com Joaquim Duarte e tiveram 5 filhos;

2.    Maria do Patrocínio, que casou com Francisco Ivo e tiveram 4 filhos;

3.    Francisco Nunes, que faleceu ainda jovem. 

«O meu avô não era pessoa de falar muito dos tempos que passou em França, mas lembro-me de ele contar que esteve uns poucos de dias à espera de embarcar em Lisboa, porque diziam que não havia transporte, mas também se constava que era porque o Comandante da Companhia não queria embarcar. E que por lá tinham sido tempos muito difíceis. Era maqueiro e andava sempre nas ambulâncias, a acarretar os soldados apanhados pelas balas do inimigo. Havia dias que os bombardeamentos faziam tantos mortos e feridos que não davam vazão a socorrer tanta gente e muitos corpos ficavam para trás. Era isso o que mais lhe custava, muito mais do que a fome, o frio e o medo que também eram de morrer.

Quando regressou à terra, continuou a trabalhar na agricultura, nas terras que eram dele, onde semeava e colhia de tudo, para ter uma casa farta de pão e o resto que era preciso.

Passados muitos anos, ainda conseguiu que lhe dessem uma pensão pelo tempo que andou na guerra, mas gozou-se já dela por pouco tempo» (testemunho do neto José Ivo).

Domingos Nunes faleceu, no dia 19 de Novembro de 1983. Tinha 89 anos de idade.

(Pesquisa feita com a colaboração do neto José Ivo)

Maria Libânia Ferreira
Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"