sábado, 16 de maio de 2009

Quadra antiga

Vale a pena voltar a uma quadra, publicada na última postagem:

Nossa Senhora d´Orada
Meu coração lá me fica
Preso ao Vosso altar
Com vara e meia de fita.

A referência à vara, antiga medida linear, até à introdução do sistema métrico décimal, em 1814, demonstra a antiguidade de algumas quadras dedicadas a Nossa Senhora da Orada.
A vara era a medida padrão das antigas medidas lineares.
No século XVIII, a Câmara de S. Vicente da Beira tinha uma barra de ferro, onde estavam marcados a vara e o côvado. Era chamada a craveira, o padrão por onde a autoridade, o aferidor, fiscalizava as varas usadas, no concelho, pelas tecedeiras e pelos mercadores.
A vara media 5 palmos e correspondia a 1,10 metros.
A fita que os romeiros deixariam a Nossa Senhora da Orada media, então, 1,65 metros.



Eu e as minhas irmãs, no cruzeiro da entrada do terreiro da Senhora da Orada.
No sentido dos ponteiros do relógio, a seguir a mim está a Eulália, depois a Maria da Conceição (São), a Maria da Luz (Luzita) e a Maria Albertina (Tina). Estes nomes não são um espanto, mas são cá da terra, têm mais encanto, como diria o António Variações.
Romaria de Maio de 1976.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Nossa Senhora da Orada

A romaria é já no próximo fim de semana. Há que combinar a merenda e treinar as cantigas!

Nossa Senhora d´Orada
P´ra lá vou eu agora
Meu coração cada dia
Minha alma a toda a hora

Nossa Senhora d´Orada
O Vosso sino não soa.
Mandai vir um depressa
Da cidade de Lisboa.

Nossa Senhora d´Orada
Vossa capela cheira
Cheira a cravo, cheira a rosa
Cheira a flor de laranjeira

Nossa Senhora d´Orada
Quem vos varreu a capela
Foram as moças de São Vicente
Com um ramo de marcela

Nossa Senhora d´Orada
Quem vos varreu o terreiro
Foram as moças de São Vicente
Com um ramo de loureiro

Nossa Senhora d´Orada,
Que vive ao pé da serra
É a estrela mais brilhante
Que temos na nossa terra.

Nossa Senhora d´Orada,
Vinde abaixo à ribeira
A ver a mocidade
De São Vicente da Beira.

Nossa Senhora d´Orada,
Tem uma ´strela na testa
Que lhe puseram os pastores
No dia da sua festa.

Nossa Senhora d´Orada,
Tem uma estrela no manto
Que lha puseram os pastores
No dia do Espírito Santo

Nossa Senhora d´Orada
Meu coração lá me fica
Preso ao Vosso altar
Com vara e meia de fita.

Nossa Senhora d´Orada,
O Vosso terreiro é chão.
Este ano está de relva
Mas para o ano dará pão.

Nossa Senhora d´Orada
Vossa água tem virtude.
Com ela tantos doentes
Recuperam a saúde!

Nossa Senhora d´Orada
Tem um sino no telhado,
Para chamar os pastores
Que andam na serra com o gado.

Nossa Senhora d´Orada
Meu coração lá me fica
Preso ao Vosso altar
Com vara e meia de fita.

Nossa Senhora d´Orada
As costas Vos vou virando,
Minha boca se vai rindo
E os olhos cá vão chorando.

Recolha de João Caldeira dos Reis Couto, José Teodoro Prata e Maria Isabel dos Santos Teodoro.


Eu e a minha irmã Eulália, com o cabaz da merenda, nos Carqueijais, a caminho da Senhora da Orada, em 1976.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

As Invasões Francesas

A partir de hoje e até ao final do ano, mensalmente, daremos notícia dos carreiros (ganhões que transportavam de mercadorias nos carros de bois) da freguesia de S. Vicente da Beira, que prestaram serviços aos exércitos português e inglês, na Guerra Peninsular (1807-1812), conhecida por Invasões Francesas.
Na época, a esta requisição dos carreiros, para trabalharem obrigatoriamente e pelo tempo necessário, chamavam embargos.
Os dias indicados não incluem o tempo gasto a chegar ao local do início do serviço, nem o do regresso a casa. Com muito raras excepções, estes trabalhos não foram pagos.
Muitas vezes, o lavrador mandou o seu ganhão, mas indicou-se o nome do patrão.
Abundam os serviços em 1812, ano em que os exércitos português e inglês empurraram o exército francês para fora do território nacional, através da conquista das fortalezas que guardavam Portugal e Espanha, de cada lado da fronteira: Almeida-Cidade Rodrigo e Elvas-Badajoz. Os nossos ganhões foram fundamentais, no fornecimento das tropas, para esse último esforço de guerra.



Gravura da época das Invasões Francesas, representando os carreiros que transportavam as mercadorias dos exércitos. Clicar, para ver em pormenor.

S. Vicente da Beira
Em Abril e Maio de 1810, Pedro, ganhão de Berardo Joze Leal, feitor de Gonçallo Caldeira (pai do 1.º visconde da Borralha), andou 15 dias a transportar milho de Abrantes para a Guarda.
Em Abril e Maio de 1812, o mesmo ganhão andou a transportar palha de S. Vicente da Beira para Alpedrinha.

Em Maio de 1812, Francisco António Simoens transportou bolacha, durante 13 dias.
Francisco António Simoens era o escrivão da Câmara Municipal.

Em Maio de 1812, Francisco Ferreira, morador na Rua Velha, andou 29 dias, entre Abrantes e Nisa, a dar serventia às tropas. Este lavrador foi a pessoa do antigo concelho de S. Vicente da Beira que mais tempo trouxe a sua junta de bois a trabalhar para os exércitos português e inglês, durante toda a guerra. Foram 95 dias, no total.

Em Abril de 1812, Francisco Santo e Joaõ Bernardo, cada um com a sua vaca a puxar um carro, durante 12 dias, levaram arroz de Abrantes para Nisa e, em Vila Velha, carregaram bolacha e arroz, para Castelo Branco.

Em Maio de 1812, o ganhão de Ignes, viúva de Domingos Vas Rapozo, andou a fazer transportes em Abrantes, durante 24 dias.

Em Maio de 1812, Joaõ Roiz Lourenço Caio, natural da Torre, mas casado com a filha do foreiro (rendeiro) do Casal do Monte do Surdo, onde residia, prestou os seguintes serviços, durante 30 dias: ajudou a puxar o trem do Hospital Real entre Abrantes e Nisa, acarretou víveres em Abrantes e levou pólvora e bala de Abrantes para Elvas.
Joaõ Roiz Lourenço Caio era o capitão das ordenanças, a força militar local, e descendem dele as pessoas da família Caio, em S. Vicente da Beira.

Na próxima semana, apresentaremos os serviços dos ganhões das terras anexas desta freguesia.

Para saber mais, consultar: "O Concelho de S. Vicente da Beira na Guerra Peninsular", de José Teodoro Prata, publicado pela Associação dos Amigos do Agrupamento de Escolas de São Vicente da Beira, em 2006.

domingo, 10 de maio de 2009

Os 99 anos da Filarmónica


A Sociedade Filarmónica Vicentina assinala, no dia 17 de Maio, o seu 99.º aniversário. Para comemorar a efeméride, convidou a sua congénere Cidade de Castelo Branco.
A Sociedade Filarmónica Vicentina foi fundada, no decurso do ano de 1910, pelo P.e João Fernandes Santiago, pároco de São Vicente da Beira, com a colaboração do músico e maestro Valério de Paiva Boléo.
A preparação dos músicos foi rápida, o que permitiu, em tempo recorde, apresentar a Banda à população a tocar músicas da época.
Dezassete anos depois, por alvará do Governador Civil de Castelo Branco, Júlio Rodrigues da Silva, Capitão de Caçadores N.º 6,foi aprovada a Sociedade Musical e os estatutos que a regem. Decorria o ano 1927, a 24 de Maio.
Ao longo dos 99 anos de actividade da Sociedade, além do ‘Tio Valério’, como era chamado, houve mais dois músicos-maestros exímios que merecem ser salientados. Na formação e regência da Banda por longos períodos, mais de 40 anos e mais de 30, respectivamente, Joaquim dos Santos Ribeiro e Sebastião Breia fizeram o seu melhor, para manterem a Banda em actividade e produzir boa música, motivo porque foram agraciados pelos órgãos directivos. Outros músicos-maestros deram contributos valiosos, embora por períodos mais curtos.
Os órgãos directivos que, durante 99 anos, estiveram graciosamente ao serviço da Sociedade Filarmónica Vicentina, tudo fizeram para resolver problemas de diversa ordem, principalmente, pessoal e financeiro, para que Banda pudesse caminhar até aos dias de hoje, cumprindo os desígnios estatuários que são: “Cultura e educação musical” e “Realização de concertos e festas”.
Actualmente, a escola aposta em músicos e maestros formados na sua escola, de forma a melhorar a qualidade dos executantes, numa sede própria, com espaço e funcionalidade.

Dário Inês

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Sopas e missas

Nutriu-se delas até vingar e dos rendimentos continuou a sustentar-se, já depois de ser gente.
É dessa experiência de vida que nos dá testemunho o blogue: http://sopasemissas.blogspot.com/
Mistura os poetas com sopas e relatos de vida, num regresso constante à nesga de terra que foi o seu torrão natal, ali, a meia encosta do Casal da Fraga.
O autor é José Miguel Teodoro, um dos filhos da tia Jú e do tio João Teodoro.
A prosa é de se lhe tirar o chapéu!

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Os coutos das Vinhas

Das terras baldias de S. Vicente da Beira, nos séculos passados, já demos notícia em dois trabalhos anteriores: “Os Enxidros” e “Coutos e mais enxidros”. Como prometido, aqui deixamos as confrontações dos coutos das Vinhas.

«E logo no mesmo dia, mês e ano atrás escrito e declarado (dezasseis dias do mês de Novembro da era de mil setecentos e sessenta e sete anos), pelo dito Doutor Juiz de Fora e deste Tombo, foi mandado aos medidores medissem os coutos das Vinhas e por eles foi dito que, pelos muitos cantos que em si tinham, se não podiam medir à vista, do que o dito ministro lhes mandou dessem as confrontações dos mesmos.
(…)
E costumam-se arrendar, o ano de restolhos, os pastos deles, por doze mil réis, e o segundo ano se fica por oito mil réis e no terceiro ano se semeiam de pão. E o Cabeço da Velha se costuma arrendar por três mil réis e uns anos vão por mais e outros por menos. E todas estas terras dos coutos são de ervas e só o Cabeço da Velha é do concelho. E nestes ditos preços tem o concelho duas partes e a terça de Sua Majestade Fidelíssima.»

Como um dia me ensinou o meu tio João Teodoro, a tendência natural das pessoas é para aldrabar e, por isso, quem manda não pode transigir.
Condescendeu o juiz de fora à preguiça dos medidores e fez-se a confrontação dos coutos, muito por alto, sem rigor. Tiveram de lá voltar, a 3 de Dezembro de 1768,
«...visto a confusão em que se achavam os Coutos das Vinhas e as contendas que havia sobre o dar das coimas nos ditos coutos...»

«Acharam que principiavam os mesmos no sítio do Penedo Sombreireiro e deste correm direito toda a estrada abaixo, até chegar aonde chamam a Tapada de Simam Dias do Louriçal, e daí vai todo o ribeiro abaixo, até chegar aonde chamam o Porto.
Do dito sítio do Porto vai toda a estrada adiante, que vem do dito lugar do Louriçal para o do Sobral, até chegar à de João Gago, aonde se ferrou um marco defronte da quina da vinha que é de Francisco Joze do Casal da Serra, junto à dita estrada pela parte de baixo.
E deste dito marco pela dita estrada adiante, direito aonde chamam o Vale de Topadela e daí vai toda a estrada velha, que vai do Louriçal para o Sobral, direito à laje do Ribeiro da Ordem e daí vai a dita estrada velha adiante até chegar a um penedo redondo, que está no sítio do fundo da terra, que é do Excelentíssimo Conde desta vila de São Vicente, no qual penedo se fez uma cruz.
E daí vai direito o vale acima, partindo com o limite do lugar do Sobral, até chegar à ribeira, e daí vai toda a dita ribeira acima até chegar ao Casal do Pisco, que também é do mesmo Excelentíssimo Conde.
E daí corre pegando com o dito casal até chegar à Fonte da Portela, vai toda a estrada adiante até chegar ao casal de Antonio de Azevedo, que administra e traz de foro Manoel Vas Rapozo, ao ribeiro que chamam dos Aldeões, e daí vai todo ao longo acima da parede da tapada, que chamam dos Aldeões, que é do Capitão-Mor Manoel Caetano de Morais Sarmento, até chegar ao carril de carro ao cimo do Vale de Miguel Vicente e daí vai direito ao dito Penedo Sombreireiro, aonde se deu princípio a esta demarcação e confrontação.
Os quais coutos se costumam coutar somente de dia de São Tiago por diante, até que se vindimem as uvas das vinhas. E costumam-se vender, como se disse no primeiro termo.»


Parte da Carta Militar n.º 268. À direita da Fonte da Portela, está escrito Curral do Pisco. É erro, devia estar Casal do Pisco. A parte norte dos Coutos das Vinhas, onde se situava o casal que trazia aforado Manoel Vas Rapozo (o Casal do Aires) e os Aldeões, pertence a outra carta militar. Clicar, para ver em pormenor.

Num futuro próximo, apresentaremos a demarcação do Cabeço da Velha, da Fonte da Portela e da fonte concelhia das Vinhas, todos situados dentro destes coutos das Vinhas.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Memórias de Abril e Maio


Em 1974, eu frequentava o 6.º ano (actual 10.º ano), no Seminário do Tortosendo.
No dia 25 de Abril, logo cedo, o P.e Guerra, pároco diocesano de Peraboa, chegou de carro e saiu a correr para a sala de professores. A seguir tivemos aula com ele. Com um rádio junto à secretária e outro no fundo da sala, em emissoras diferentes, tentávamos saber mais qualquer coisa do que se estava a passar em Lisboa.
Contagiou-nos com o seu entusiasmo, mas cumpriu o dever de educador: atenção, pois liberdade rimava com responsabilidade! Uma chatice, para quem tinha 16 anos.
No dia seguinte, fomos ao Tortosendo. Pessoas ligadas ao Unidos disseram-nos que queriam o nosso P.e Jerónimo no comício de 28 de Abril!
O Unidos era o grande clube desta vila operária, um centro da oposição ao regime, com o qual o Seminário tinha uma boa colaboração cultural e desportiva.
E depois veio Maio.
Já conhecia as tradições das lutas dos operários do Tortosendo no 1.º de Maio. Anualmente, vários trabalhadores teimavam que era feriado e faltavam ao trabalho. Os patrões avisavam a GNR e, pela tarde, os guardas e a Pide iam buscá-los, eles que apenas estavam a comer umas chouriças assadas e a beber uns copos com outros amigos, à sombra de uma latada.
Mas o 1.º de Maio de 1974 foi diferente. A Vila preparou os farnéis e mudou-se para a ponte Pedrinha, no rio Zêzere. O meu pai andava a fazer a instalação da rede de esgotos no Cabeço e também foi à festa. Encontrámo-nos na estrada, mas eu fui com os outros seminaristas e ele com a família de um companheiro.
Meses depois, veio a greve dos operários dos Lanifícios. Nas últimas semanas, já havia fome. Os operários das aldeias em redor tiveram de trazer comida para os camaradas do Tortosendo. E venceram.
A Construção Civil foi igualmente beneficiada. Melhoraram os salários e reduziu-se a semana de trabalho. Com mais dinheiro e tempo livre, o meu pai já passava o sábado connosco e pode comprar e recuperar a casa da Vila, que se tornou a nossa morada. Ele costumava dizer que a nossa casa fora construída graças ao 25 de Abril.
Em 1975, criaram-se as camionetas dos estudantes e os adolescentes, bloqueados após a conclusão da Telescola, puderam prosseguir os estudos em C. Branco. Também eu, sem emprego, nem possibilidades de ir para a universidade, beneficiei delas um ano depois e tornei-me professor do Ensino Primário.
Durante muitos anos, em cada 25 de Abril, emocionava-me aos primeiros acordes da Grândola Vila Morena. Agora, felizmente, já não. A liberdade e os direitos dos trabalhadores tornaram-se tão naturais como o ar que respiramos. E se, infelizmente, as coisas não mudaram o suficiente para o bem de todos, temos a liberdade de contribuir para que tudo melhore.


Quadros de Helena Vieira da Silva