quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

O nosso falar: refeito

 Hoje a minha mulher levantou-se com alguma falta de apetite, realçada pelo meu apetite quase voraz na primeira metade do dia (à agricultor).

Provoquei-a: Estás refeita!

Depois pensei na origem desta expressão que me saíra espontaneamente.

A minha mãe usava-a, referindo-se a pessoas ou animais domésticos, satisfeitos após uma refeição.

De facto, o prefixo re, na palavra refazer, indica algo reconstruído, recuperado, corrigido. Neste caso o nosso equilíbrio físico através da alimentação.

O José Barroso, escreveu aqui, em "Crepúsculos I", a 6 de novembro de 2020:

"— O descanso está feito e o corpo refeito. Estais comidos e bebidos! Ide à vida! — dizia Garrancho incentivando-os ao trabalho! E eles lá iam, às vezes com um gesto a adivinhar uma pontinha de preguiça, a indiciar que os corpos queriam ainda permanecer na modorra por mais algum tempo."

Nota: Publicação alterada a 27 de fevereiro.

José Teodoro Prata

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Os Sanvicentinos na Grande Guerra

 Francisco Jerónimo

Francisco Jerónimo nasceu no Casal da Fraga, a 12 de agosto de 1892. Era filho de José Lopes, jornaleiro, e de Olália (Eulália) da Conceição.

Não se conhece muito sobre a sua participação na Grande Guerra, porque não foram encontrados documentos oficiais que o confirmem (folha de matrícula ou outro). Desse tempo sabe-se apenas o que contava Francisco Candeias, seu amigo e companheiro desde a recruta até às expedições em África.

Assim sendo, Francisco Jerónimo assentou praça em Castelo Branco, como recrutado, em 12 de julho de 1912. Foi incorporado no Grupo de Baterias de Artilharia de Montanha, em 14 de janeiro de 1913, e, pronto da recruta em 30 de março, passou à formação permanente em virtude de sorteio. Tomou parte na Escola de Recrutas de 1913 e passou ao Regimento de Artilharia de Montanha de Portalegre, em 1 de novembro. Foi licenciado em 5 de junho de 1914 e regressou à terra.

Apresentou-se novamente em agosto e, destacado para a Província de Angola, embarcou em 10 de setembro de 1914, fazendo parte da 1.ª Expedição para aquela província ultramarina. Chegou a Moçâmedes, no dia 1 de outubro, tendo depois seguido para sul, para a zona do rio Cunene, na fronteira com a Namíbia.

Participou na ação do dia 18 de dezembro de 1914, contra os alemães, fazendo parte das tropas que ocuparam o vau de Calueque. Pertenceu ao destacamento que reconquistou e ocupou o Cuamato, de 12 a 27 de agosto, e tomou parte na ação do Ancongo, em 13 de agosto de 1915, e no combate da Inhoca, em 15 do mesmo mês. Com o mesmo destacamento, avançou em 20 de agosto sobre Cunhamano, a fim de restabelecerem as comunicações que haviam sido cortadas pelo inimigo. No dia 24, participou no combate da Chana da Mula.

Embarcou de regresso à Metrópole, no dia 16 de novembro de 1915, e chegou a Lisboa a 5 de dezembro.

À semelhança do que aconteceu com o amigo Francisco Candeias, terá sido novamente mobilizado e seguido para Moçambique, integrando a 3.ª Expedição para aquela província ultramarina. É provável que tenha participado também nos ataques levados a cabo por aquela expedição para ultrapassar o rio Rovuma para a margem norte. Terá regressado à Metrópole, em dezembro de 1917.

Família:

Antes de partir para Angola, em 1914, Francisco Jerónimo já era casado com Luz Martins, natural da Partida. O casal passou a viver numa casa no Ribeiro Dom Bento, arredores de São Vicente, lugar onde os avós maternos de Luz Martins, Joaquim Duarte Remualdo (já falecido na altura do casamento) e Maria Martins, teriam algumas propriedades. Sabe-se que, nesse ano de 1914, lhes nasceu a primeira filha, Maria da Ascensão; provavelmente ainda antes da partida de Francisco para África.

Não se sabe muito mais sobre a vida de Francisco Jerónimo, para além de que faleceu de pneumonia gripal (pneumónica), no Hospital de São Vicente da Beira, no dia 2 de novembro de 1918. Tinha 26 anos de idade. Ironicamente, no dia da sua morte nasceu-lhe a segunda filha, Maria de Jesus.

Após a morte do marido, Luz Martins e as duas filhas emigraram para o Brasil onde já vivia uma irmã. A família de Francisco nunca perdeu a esperança de as ver regressar. Dizem que quando fizeram as partilhas dos bens herdados dos pais, guardaram a parte da herança que lhes caberia, durante muito tempo.

Maria Libânia Ferreira
Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"

domingo, 14 de fevereiro de 2021

Janeiro quente, traz o diabo no ventre

 


Há alguns dias, os jornais noticiaram um estudo sobre as temperaturas mundiais no mês de janeiro. Este mapa tirei-o da notícia do Público.

Embora o nosso janeiro tenha sido muito frio, sobretudo a primeira quinzena, tal como em toda a Europa (ver zona azul, no mapa), a nível mundial as temperaturas foram, em média, muito altas para a época (ver zonas com cor avermelhada), um dos janeiros mais quentes desde que começaram as medições, há 140 anos.

Na semana passada e sobretudo nesta que agora começa, o tempo vai ser tipicamente primaveril e a Natureza vai explodir. Na sexta enxertei videiras e algumas bravas já estavam a gemer.

Chuva e nevoeiro tem havido em abundância. Já sabe bem sentir a luz do Sol!

José Teodoro Prata

Alteração de 16-02: O comentário do José Barroso sobre a diferença entre a ciência e a nosso opinião, formada apenas pelo que sentimos, leva-me a sugerir-vos este documentário que usamos nas aulas de Cidadania e Desenvolvimento, quando damos o tema do Desenvolvimento Sustentável: 

https://www.youtube.com/watch?v=Kkv8aF9Jy_Y

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Os Sanvicentinos na Grande Guerra

Francisco Gomes Barroso

Francisco Gomes Barroso nasceu em São Vicente da Beira, no dia 30 de janeiro de 1878. Era filho de António Barroso, sapateiro, e Maria do Patrocínio, moradores na rua da Misericórdia.

É provável que, após o nascimento do filho, António Barroso e Maria do Patrocínio tenham ido residir para Lisboa, onde Francisco fez a instrução primária e o exame de admissão ao Liceu. Contam que a família Barroso era bastante afamada em Lisboa, na arte da sapataria, chegando a trabalhar para a Rainha D. Amélia. Este facto terá criado alguma aproximação à Casa Real e facilitado o alistamento de Francisco Barroso no Regimento de Cavalaria n.º 2 – Lanceiros D’ El Rei, em Belém, que era uma tropa de elite.

Foi incorporado, como recrutado, em novembro de 1898, e terminou a instrução a 5 de setembro, no posto de 1.º Cabo. Completou depois os cursos da Escola Regimental e da Escola Regimental de Cavalaria e foi promovido a 2.º Sargento no ano de 1900. Em 1901, foi destacado para Moçambique, onde permaneceu cerca de um ano.

De regresso à Metrópole, fez o curso da Escola Central de Sargentos e passou a lecionar o Curso Elementar, a partir do ano de 1910.

Sendo Sargento-ajudante do Regimento de Cavalaria n.º 4, foi promovido a Alferes, por decreto de 25/09/1915.

Fez parte da Divisão de Instrução, em Tancos, no ano de 1916, e embarcou para França, no dia 23 de janeiro de 1917, integrando o Grupo de Esquadrões da GNR, Serviço de Polícia.

No seu boletim individual consta apenas o seguinte:

a)   Promovido a tenente, por despacho de 29 de setembro de 1917;

b)   Licença de campanha de 53 dias, a partir de 07/02/1918; regressou a França no dia 15 de julho;

c)    Regressou a Portugal, a bordo do navio Pedro Nunes, tendo desembarcado em Lisboa, no dia 10 de julho de 1919.

Voltou ao Regimento de Cavalaria Lanceiros d’El Rei e foi considerado supra numerário, por despacho de 10/2/1922. Foi colocado na situação de adido, em agosto de 1924, e como supra numerário permanente, em 25/10/1930. Passou à reserva em 30/01/1936, no posto de capitão.


Louvores e condecorações:  

·        Louvado «…porque, como comandante do Destacamento de Polícia do Corpo se houve sempre correcta e criteriosamente no desempenho dos serviços a seu cargo, dedicando na parte administrativa do seu destacamento, grande parte da sua atenção aos interesses da Fazenda Nacional, no que é verdadeiramente modelar, tornando-se digno dos melhores elogios. (O. S. do Corpo n.º 162, de 18 de Junho de 1919)» (processo individual);

·        Medalha de prata comemorativa das campanhas do exército português, por ter feito parte do CEP, com a legenda: França 1917-1918;

·        Medalha de assiduidade;

·        Medalha militar de ouro da classe de comportamento exemplar, por ordem de 26/01/1929;

·        Para além destas condecorações, em vários documentos de avaliação do seu desempenho, que constam do seu processo individual militar, são salientadas qualidades morais, de disciplina, zelo, inteligência, competência, capacidade de iniciativa, etc. 

Família:

Francisco Gomes Barroso já era casado com Maria do Carmo Lopes de Carvalho, quando partiu para França. Enviuvou em 1932 e voltou a casar em 1933, com Laurinda da Conceição Estêvão, na cidade de Santarém. Não terá tido filhos de nenhum dos casamentos porque, de acordo com a sua certidão de óbito, não deixou descendência nem herdeiros.

Faleceu de hemorragia cerebral, no dia 5 de junho 1939. Tinha 61 anos de idade.

Maria Libânia Ferreira
Do livro "Os Combatentes de São Vicente da Beira na Grande Guerra"

sábado, 6 de fevereiro de 2021

Já recebi!

Encontrei esta campainha que os meus antepassados me deixaram há mais de 100 anos. Estava dentro da parede do palheiro do Ribeiro Dom Bento. Está partida e por isso tem som de cana rachada. Tem colar de cabedal preso com cavilha de madeira.



Digo mais de 100 anos, pois a zona pertencia toda ao Conde de São Vicente, que vendeu as suas propriedades na segunda metade do século XIX. O tio da minha avó Doroteia era dono disto, nos finais do século XIX, talvez até tenha sido ele a comprar. Ele é que terá mandado contruir o palheiro, onde alguém meteu a campainha. Era também dono da Oriana que a minha avó herdou dele. Em volta há propriedades de primos meus, pois os seus avós herdaram igualmente deste Guilherme dos Santos ou dos pais dele. A Oriana fora também do Conde de São Vicente.

José Teodoro Prata

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

O seminário na pandemia

Como a família verbita é numerosa pelas nossas bandas, aqui deixo informação do jornal Notícias da Covilhã (imagem) e do boletim interno da SVD, que reproduz uma informação do VIVA SERRA.pt.

É com orgulho que constatamos o facto de os nossos missionários não ficarem à margem do combate à pandemia.


A “célere” evolução da pandemia de COVID – 19 na região da Cova da Beira obrigou a uma expansão de recursos para prestação de cuidados de saúde. Este facto esteve na origem da criação de uma nova “Unidade de Apoio Pós-Alta”, nas instalações do Seminário do Verbo Divino, na freguesia de Tortosendo, concelho da Covilhã, a qual se prevê abrir “muito em breve”, segundo comunicado enviado pelo Centro Hospitalar Universitário Cova da Beira (CHUCB).

A infraestrutura “estará dotada, com todas as amenidades e condições logísticas, que lhe permitirá receber utentes com alta clínica, provenientes dos internamentos não-covid do CHUCB”, de acordo com a mesma nota. O espaço está preparado para receber um máximo de 30 doentes.

O objetivo é tratar doentes que já não necessitem de cuidados especializados, mas que podem ainda “não dispor de alguns preceitos elementares, tais como: autonomia para a realização de atividades básicas diárias, condições de salubridade ou estruturas adequadas no domicílio, apoio familiar ou de terceiros, e outras, que até aqui eram asseguradas pelo Hospital, até se alcançar uma resposta social adequada”.

“Esta solução irá beneficiar aqueles que dela verdadeiramente precisam, mas permitirá especialmente aliviar a pressão, que se faz sentir nas áreas de internamento do CHUCB”, segundo a mesma fonte.

O CHUCB lança o apelo para a “participação cívica de todos” para suprir a “necessidade extraordinária de recursos humanos, a que uma estrutura desta natureza obriga”. Por isso lança “desde já o apelo, a quem queira colaborar de forma livre e voluntária neste projeto, para que se manifeste, na certeza de que por esta via estará a ajudar a cuidar de concidadãos, que se encontram em situação de maior vulnerabilidade socioeconómica e a ajudar o Hospital a libertar camas, para quem delas realmente precisa”.

Assim todos aqueles que tenham alguma experiência ou apetência na área da prestação de cuidados e se pretendam voluntariar para este projeto, de grande responsabilidade social deverão contactar o Serviço de Comunicação do CHUCB através do email: eventos@chcbeira.min--saude.pt, informando o nome completo, idade, situação profissional ou ocupação e contacto telefónico.

In VIVA SERRA.pt

José Teodoro Prata

sábado, 30 de janeiro de 2021

A festa de aniversário

 Era novembro. O dia acordou frio, mas tornou-se mais ameno, à medida que o sol ia subindo no céu. Uma boa ajuda para que a festa corresse bem.

Deram-lhe banho logo de manhã. Agora, despida do pudor que carregara desde menina, já não protestava quando lhe tiravam a roupa e metiam na banheira, tinha-lhe até tomado gosto; mas ao princípio, quando a filha mais velha a trouxe para casa dela, depois da morte do marido, era um castigo, agarrada à combinação:

 - Há lá precisão duma pessoa ficar toda encarrapata para se lavar? Foi preciso chegar a velha para me verem nestes preparos. Até é pecado! É por isto que o mundo anda como anda, que Deus Nosso Senhor não dorme…

Depois vestiram-lhe a melhor saia, preta desde há muitos anos, e a blusa, também preta com uma mosquinha branca. Fizeram-lhe a trança, já toda branquinha e muito minguada, uma sombra do que tinha sido, e enrolaram-lha na nuca, presa com ganchos, como usara desde nova. E sentaram-na no sofá da sala, onde ultimamente passava a maior parte das horas, de terço na mão, muitas vezes a dormitar. Daí a pouco viram-na de pé, a olhar à roda:

 -Precisa de alguma coisa, minha mãe? – Perguntou-lhe a filha da porta da cozinha.

 - Falta-me o avental. Onde é que ele se meteu?

 - Hoje é dia de festa, minha mãe! Fica mais bonita assim, sem avental.

 - É dia de festa porquê?

 - Então não é o dia dos seus anos? Noventa! Que conta tão linda! Já lhe cantei os parabéns quando a fui levantar. Não se lembra? Vai ser uma grande festa!  

 - Ah, não me lembrava. Esta minha cabeça já anda muito esquecida. Mas põe-me o avental, que não me sei ver sem ele. E traz-me também o terço e um lenço, que já tenho o nariz a pingar.

Dai a pouco chegou outra das filhas, a que vivia mais perto.

 - Dê cá um beijinho minha mãe. Muitos parabéns!

 - Parabéns porquê?

Tiraram tudo da sala de jantar, estenderam a mesa elástica e aumentaram-na com a da cozinha. Cabiam à vontade umas vinte pessoas sentadas; os mais novos comiam em pé.

Ao longo da manhã foram chegando os que viviam mais longe; alguns vieram até de Lisboa. Dos nove filhos só não estava o primeiro, que morreu à nascença, e mais outros dois, que morreram antes de chegar a velhos, levados por um mal ruim. E vieram também muitos dos mais de trinta netos, quase todos já casados e com filhos.

Chegaram alegres, ruidosos, aos abraços e beijos uns aos outros, depois de terem felicitado a aniversariante e oferecido os presentes que traziam. Alguns já não se viam desde o enterro do avô, há três anos. A vida nem sempre é o que a gente quer, e chega uma altura em que as famílias já quase só se encontram nos funerais. Mas desta vez não era o caso. Nem toda a gente se pode gabar de festejar os noventa anos duma mãe ou duma avó, e não queriam perder a oportunidade de se juntarem todos à roda dela; quem sabe se seria a última vez, que a saúde e a cabeça viam-se fugir de dia para dia.

A última a chegar foi uma das netas. Trazia uma criança ainda de colo. Uma menina que mais parecia uma boneca, com um vestido de veludo verde e um grande laço na cabeça, a condizer.

 - Olhe aqui, minha avó, é a minha filha. Chama-se Mariana, como vossemecê.

 - Que cachopinha tão desenxovalhada! De quem é que ela é?

 - É minha, avó. Fez seis mesinhos.

 -- Não sabia que já te tinhas casado.

 - Então não se lembra de ter ido ao meu casamento? Ainda o avô era vivo, e foram os dois; estavam tão bonitos que até pareciam os noivos.

 - O teu avô, onde é que ele se terá metido? A casa cheia de gente e ele ainda por lá. É capaz de ter ido deitar as cabras, que não se calam na loja.

 - Se calhar foi… – respondeu a neta, sem saber se eram estas as palavras mais certas.

 

Cada um trouxe a sua especialidade culinária: salgados, doces, pratos frios, pratos quentes, bolos de toda a qualidade; e tudo com fartura. À medida que iam chegando iam compondo a mesa, que em pouco tempo se encheu com tudo o que era bom. Ao centro, o bolo de aniversário, grande, colorido, as noventa velas cor-de-rosa a toda a volta. Nem um banquete de casamento!

Sentaram a aniversariante à cabeceira da mesa e serviram-lhe um prato:

- Coma, minha mãe. Está tudo tão bom! Vai ver.

E cada um tomou também o seu lugar. Provavam um bocadinho daqui, um bocadinho dali e conversavam e riam alto, lembrando histórias antigas, muitas alegrias e algumas tristezas, fazendo promessas de novos encontros. Passado um pouco repararam que a aniversariante mal tinha tocado no que lhe tinham posto no prato.

- Então não come, minha mãe?

 - Tenho tempo de comer. Temos que esperar pelos que ainda não chegaram.

 - Mas já cá estamos todos. Não falta ninguém.

 - Ai isso é que falta. Ainda cá não vejo a minha mãe.

 - A sua mãe já morreu há tanto tempo!

 - Como é que ela morreu e ninguém me disse nada? E o que é que lhe vestiram, se eu é que lá tenho a mortalha na mala da roupa.

 - Vá comendo, minha mãe. Está tudo muito bom! Vá lá.

E ela foi comendo, devagarinho, de olhos quase fechados a saborear. De vez em quando abria-os e olhava à roda, como se lhe faltasse alguma coisa ou estivesse à espera de ver aparecer alguém que se tivesse atrasado. E o que muitos não viram foi que, à medida que lhe iam pondo comida no prato, ela ia escondendo alguns pedaços nos bolsos do avental.

 - É para os que cá faltam, que também precisam de se consolar – respondeu, quando a filha lho perguntou, depois de todos terem abalado.

 

M. L. Ferreira