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quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Fontes: Manuel Lopes e Manuel Simões

A Rua Manuel Lopes sobe pelo meio do Cimo de Vila. Já a Rua Manuel Simões é uma travessa que liga as artérias lá do alto quase todas. Encontram-se as duas na esquina da ti Mariazé Gata, onde também morava a sr.ª Celeste Dias, parteira, e o tio Miguel Jerónimo, carniceiro.
Penso que a casa do Manuel Lopes Guerra seria a da janela manuelina. E o Manuel Simões, clérigo licenciado que chegou a ser vigário de São Vicente da Beira, moraria na casa com balcão seiscentista, onde depois nasceu a Maria Benedita, que daria origem à Casa Cunha.
O meu primo João Benevides Prata contou-me, um dia, que estas duas casas estavam unidas pelos sótãos, havendo passagem de umas para as outras.
Mas qual a ligação familiar entre os Lopes Guerra e os Simões? Este registo de casamento de 1745 ajuda um pouco.
O noivo, o Doutor Francisco Simões Cardoso era filho de Manuel Lopes Guerra e de sua esposa Mariana Gracia, de São Romão. Uma das testemunhas foi o Doutor Cláudio António Simões, outro filho de Manuel Lopes. O apelido do Manuel Simões passou para os filhos de Manuel Lopes Guerra. Porquê?

José Teodoro Prata

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Pagar o vinho

O USO ACABOU MAS NÂO NAS
MÃOS DO SENHOR CAPITÃO

Como, todos os Vicentinos sabem, há anos atrás, era uso, qualquer rapaz de terra estranha que viesse cá namorar uma rapariga, era costume, digo, pagar um cântaro de vinho à rapaziada. Chamávamos-lhe nós “ter de pagar o vinho”.
Assim como nós teríamos de fazer o mesmo se fossemos namorar uma rapariga fora da terra.
Acontece que nos anos de 1950/51 veio cá o Senhor José Guardado Moreira, namorar a menina Mariazinha, filha do Senhor Manuel da Silva, e que nesse tempo já era capitão da G.N.R. E então nós a “malta” achávamos que esse senhor também tinha que pagar o vinho, mas todos tinham medo de lá ir – tínhamos até medo de que ele nos mandasse para a cadeia! Mas, não deixamos de o fazer, mas assim numa carta escrita em versos para ser mais bonito, visto ele ser um Senhor de mais respeito.
Então, foi assim que escrevemos os seguintes versos:

Meu capitão, dais-nos licença
para que a rapaziada exponha
em carta, por ter vergonha
de vir à vossa presença?

São costumes pertinazes
quando um estranho aqui vem
a pedir a filha à mãe,
ter de dar vinho aos rapazes!

Por isso, meu Capitão,
vede lá como há-de ser?
se esse uso tem de morrer,
que não seja em vossas mãos!

Não deixeis de acontentar
os rapazes, por favor,
para que Deus Nosso Senhor
abençoe o vosso lar.

Se formos atendido,
como todos esperamos,
desde já nos confessamos
altamente agradecidos.

Aí vai por comissão
João de Deus, bom rapaz,
se boas novas nos trás
recebe um chi coração!

Lá fui eu então, João de Deus Duarte e o José Maria Diogo, mais conhecido por Zé Águas, entregamos-lhe a carta e ficámos à espera até ao dia seguinte pela sua resposta. Assim foi.
Então o Sr. Manuel da Silva chamou-me e deu-me permissão para me dirigir à Viúva, para trazer o cântaro de vinho. Isto deu origem a uma grande alegria e a algumas bebedeiras…
Mas,…o Sr. Capitão teve de pagar o vinho!

João de Deus Duarte

Pelourinho, setembro/outubro de 1984
M. L. Ferreira

sábado, 7 de janeiro de 2017

Fontes: Rolão Preto, juiz de fora

 Uma das testemunhas de casamento de Joam Alberto de Carvalho, 
filho de Niculao Velozo Asenço, ambos de São Vicente da Beira, 
foi o juiz de fora da vila, Doutor Manoel Pires Rolam Preto. 
(Ver final do registo: quarta linha a contar do fim e penúltima assinatura)
O casamento teve lugar no dia 11 de fevereiro de 1745 e esta é de facto a novidade para mim: 
a antiguidade da família Rolão Preto nesta região.
Terá sido este o primeiro, chegado à região via cargo de juiz de fora de São Vicente da Beira?
O futuro o dirá!
Como podem verificar, este Nicolau Veloso Ascenso não é a mesma pessoa que Nicolau Veloso de Carvalho e Távora, há pouco tempo aqui referido. Mas seriam certamente familiares.


José Teodoro Prata

sábado, 31 de dezembro de 2016

S. Vicente (da Beira)



O livro acima apresentado é uma boa síntese do que se conhece sobre esta região, na época medieval.
Está à venda na Biblioteca Municipal de Castelo Branco.
Sobre o topónimo São Vicente da Beira, traz a seguinte nota:

Note-se que a vila até finais do século XIII foi sempre designada apenas por “S. Vicente”. Na carta de foro do herdamento de Rio de Moinhos, datada de Avis a 14 de Setembro do ano de 1291, surge como “S. Vicente de bejra do Caia”, referindo-se certamente à Gardunha, “a serra do Ocaya” ou a uma ribeira assim designada. Cf. AN/TT, Convento de S. Bento de Avis, Mç. 5, n.º 544. Só no primeiro quartel do século XIV aparece com o seu nome composto – S. Vicente da Beira – agora provavelmente em relação à província da Beira, mantendo-se as duas designações durante o século XIV, de acordo com a documentação compulsada proveniente do Convento de S. Bento de Avis, referente a esta vila. 

José Teodoro Prata

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Fontes: os Calmão

No dia 20 de fevereiro de 1735, casaram Manoel Gomes Calmão e Francisca Nunes
Ela de São Vicente da Beira e ele de Castelo Branco.
Sabendo que depois desta data sempre houve pessoas de apelido Calmão em São Vicente, 
este Manuel poderá ter sido o primeiro Calmão.


José Teodoro Prata

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Fontes: Rua Nicolau Veloso

A chamada rua que vai da praça para a devesa tomou depois o nome de um homem que vivia nela: Niculao Vellozo de Carvalho e Tavora, natural de São Vicente da Beira.
Ele surge neste registo do casamento de sua filha Archangela da Cunha, realizado a 21 de fevereiro de 1733.


José Teodoro Prata

sábado, 17 de dezembro de 2016

O Pe. Tomás

No dia 11 de Novembro de 1888, nascia na vila de São Vicente da Beira um menino, Tomás da Conceição Ramalho. Filho de Antónia do Carmo Ramalho casada com o senhor João José Ramalho.
Depois de passar a sua meninice calcorreando as ruas da vila, ingressou nos seminários diocesanos. No dia 21 de Janeiro de 1913, foi ordenado sacerdote na vila de Fornos de Algodres. Celebra a primeira missa na sua vila natal, no dia 7 de Setembro do mesmo ano
O padre Tomás ingressou no seminário do Fundão, onde foi professor. Virgílio Ferreira recorda-o no seu livro Manhã Submersa.
Prefeito no seminário do Fundão, era um sacerdote muito activo. O realizador Lauro António adaptou a obra do escritor Virgílio Ferreira para o cinema. O padre Tomaz, representado pelo actor Canto e Castro, a certa altura aparece montado num cavalo dando ordens, era um verdadeiro líder.
Foi dos principais impulsionadores para que admitissem Joaquim Alves Brás no seminário. Certa vez, a convite do seu colega António Alves Pacheco, irmão de Joaquim, foi passar uns dias a Casegas. Joaquim Alves Brás teria os seus dezoito anos, dedicava-se à agricultura ajudando a família, ao domingo todos assistiam à santa missa.
Um dia, ainda jovem, andava no campo ajudando o pai, foi acometido de uma dor lancinante na perna direita, nunca mais se recompôs, por esse motivo ficou coxo. Ele dizia ao irmão que queria ser padre, mas este não aceitava.
O padre Tomás, conversando com o Joaquim, viu que possuía qualidades, foi ter com o colega dizendo:
- Qual o motivo de o teu irmão não poder ser padre!? Porque é coxo! Isso não é impedimento.
O padre Tomás insistiu até que obteve a anuência do colega.
Monsenhor Alves Brás foi o fundador das Casas de Santa Zita, cujo seu lema era “ajudar as criadas de servir”. A organização está espalhada por todo o Portugal e estrangeiro.
O padre Tomás paroquiou a sua paróquia Natal durante mais de quarenta anos. Nesses tempos os caminhos eram autênticas picadas, percorria a freguesia de lés-a-lés montado na sua égua, chovesse, nevasse, fizesse frio ou calor.
A missa do dia raramente se iniciava a horas. Os fiéis, paciência de Job, aguentavam estoicamente que chegasse o senhor vigário. Quando chegava à praça, entregava o cavalo ao Zé Maiaca que o levava para a loja.
João José Ramalho e Antónia do Carmo Ramalho tiveram quinze filhos, sete faleceram prematuramente, quatro foram consagrados.
·         D. João de Deus Ramalho, jesuíta.
·         Inácio Ramalho, jesuíta.
·         Maria de Jesus Ramalho, freira; estudou no colégio das irmãs Doroteias na cidade de Tuy, Galiza; entrando para o noviciado no dia 8 de Janeiro de 1919; professora de língua portuguesa, madre superiora no colégio da Imaculada Conceição, Viseu; nasceu no dia 25 de Outubro do ano 1896 e faleceu no dia 12 de Agosto de 1988.
·         O Padre Tomás da Conceição Ramalho faleceu no dia 28 de Novembro de 1986; há trinta anos.

Pesquisa: O padre Joaquim Alves Brás; Uma vida Uma obra, de Manuel Almeida Trindade

J.M.S

domingo, 11 de dezembro de 2016

A azeitona já está preta

Estamos em plena época da colheita da azeitona, fruto de inverno; muitos olivais este ano não produziram, nota-se no lagar; a que vingou é de muito boa qualidade.
Dizem os entendidos na matéria; devido às altas temperaturas do verão a mosca da azeitona não a estragou.   
Começava a colher-se a partir dos meados de Dezembro, Janeiro, Fevereiro… 
As mudanças climáticas, “uma realidade nos dias que correm” alteraram completamente a recolha.
Amadurece mais cedo. Se não se colhe a tempo, mirra, seca e cai.
Alguém mais madrugador dirigia-se à praça e tocava uma corneta que anunciava a partida para os olivais.
Os campos eram alegres, camaradas de azeitoneiros “armados” com uma escada ripavam e cantavam.

A azeitona já está preta
Ai solidó, solidó
Já se pode armar aos tordos
Ai; ai,ai, ai, ai

As mulheres estendiam mantas, apanhavam o fruto que estava por baixo das oliveiras, rebuscavam e limpavam-na.
De vez em quando, colhedores entravam em confronto verbal com as camaradas vizinhas:

Ó Jaquiiim! No sejas lambão
Colhe azeitona, no sejas calão

Por sua vez, o visado retorquia gritando:

Calão és tu, no podes com a escada
Tens a mania, no vales nada

É verdade, é verdade; respondiam todos, rindo

Passavam horas chacoteando-se.
As cachopas regra geral tinham sempre uns raminhos de oliveira enfeitados com alecrim…
Quando algum viandante passava no caminho, a rapariga mais atrevidota, ramo na mão, dizia:

Aceitai este raminho
Senhor António da Tapada
Sei que é pobrezinho
Sempre é melhor que nada

Continuava dizendo mais um verso ou dois, o contemplado metia a mão na algibeira, gratificava com algum dinheiro. Conforme a bolsa assim era a quantia dada.
Árvores milenares, milhares arrancadas para serem substituídas por olivais de regadio.
Carrasquenhas, cordovis, galegas… foram transportadas para longes lugares onde ornamentam jardins.
Levam a oliveira centenária, deixam a oliveira com duração limitada.
Mediterrânica, é um óleo natural muito apreciado e saudável, tem as mais diversas aplicações.
Era o nosso petróleo. Com a industrialização e a descoberta de jazidas de crude passou para um plano secundário, já não é utilizado na iluminação, mas continua a consumir-se na alimentação.
As tabornas (tibornas); simples, tão boas!
Gostava de acompanhar o meu avô José ao lagar do Major, quando ia medir o azeite. Levava uma fatia de pão, torrava-se no brasido da fornalha e o mestre lagareiro tirava da tarefa um pouco de azeite acabado de fazer, quentinho, temperava-a, era um petisco de qualidade. Por vezes havia umas postas de bacalhau a assar nas brasas, um pitéu.
No lagar existia um local que se chamava inferno! Metia-me cá uma confusão…
Era o lugar onde iam parar as águas russas misturadas com algum azeite que os lagareiros aproveitavam.
O azeite, noite e dia alimentava a lâmpada sagrada do sacrário, ainda é utilizado nos sacramentos do baptismo e da confirmação.
Oliveira, árvore milenar, juntamente com a pomba, simboliza a paz e a esperança.
O primeiro objecto que a pomba levou a Noé foi um raminho de oliveira. Estime-se e preserve-se
No dia 26 de Novembro, faleceu o grande compositor senhor Arlindo de Carvalho, que tão bem cantou a nossa região. Natural da vila da Soalheira, onde ficou sepultado. Autor e intérprete:- Chapéu Preto, Fadinho Serrano, Castelo Branco...

A azeitona já está preta
Já se pode armar aos tordos
Diz-me lá ó cara linda
Como vamos de amores novos

J.M.S

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Eleições na Misericórdia

No passado domingo, dia 4 de dezembro, 
realizaram-se as eleições dos órgãos sociais da Santa Cada da Misericórdia de São Vicente da Beira, 
para o quadriénio 2017-2020.
Candidatou-se uma única lista.
Os eleitos são:

Assembleia Geral
Dr. João Guilherme Macedo Dória, Presidente
Anabela da Conceição Pedro Matias, Vice-Presidente
Maria Lucília da Conceição Rodrigues, Secretária


Mesa Administrativa
Efetivos:
João Benevides Prata, Provedor
João Maria dos Santos
Maria Libânia S. M. Ferreira
Maria da Luz Prata Teodoro
Pe. José Manuel Dias Figueiredo

Suplentes:
João Fernandes
Domingos dos Santos O. Goulão
Luís Fernandes Moreira


Conselho Fiscal
Efetivos:
Francisco Eduardo C. Martins, Presidente
Pedro Manuel Vaz Gama, Vice-Presidente
Manuel Bernardino Baptista, Secretário

Suplentes:
Lilia Maria Moreira Mateus
António Rodrigues Inês
Sebastião Barroso Mendes

José Teodoro Prata

domingo, 4 de dezembro de 2016

As profecias do Pescão Seco

Chamava-se António Fernandes e nasceu no lugar de Pescanseco, Pampilhosa. Sabe-se lá porquê, veio ainda novo para São Vicente e por cá se casou com Maria de São João, no ano de 1884. Tinha vinte e oito anos e era soldado na reserva. Por causa da terra onde nasceu, começaram a chamara-lhe Pescão Seco.
Conta o Chico Insa que ouvia dizer ao avô e ao pai que era um homem muito instruído, que sabia ler e escrever muito bem e falava de coisas que davam que pensar. Havia uma que dizia mais ou menos assim: «Hão de vir tempos em que os caminhos estarão pintados de preto e no ar hão de voar coisas que deixam riscos no céu. Quando isso acontecer, virão cataclismos tão grandes que será o fim do mundo».
Naquele tempo, já lá vão cento e muitos anos, mal se imaginavam as voltas que o mundo havia de dar e as transformações no modo de vida das pessoas: carroças e carros de bois substituídos por automóveis e aviões; gente a viver em gaiolas (parece que em muitas cidades do Oriente é quase literal) e a alimentar-se com comida que cresce à custa de fertilizantes, hormonas e pesticidas; mezinhas substituídas por antibióticos que já se deixam enganar pelas bactérias; armas capazes de arrasar cidades inteiras; e tantas outras coisas que, a pouco e pouco, estão a tornar cada vez mais frágil a qualidade de vida das pessoas e do ambiente.
Ainda assim, ainda não há muito tempo, os mais desatentos dizíamos que os avisos sobre as ameaças da vida na Terra tinham origem em teorias alarmistas e pouco fundamentadas e continuávamos a olhar para o lado como se não tivéssemos nada a ver com o assunto e estas questões não tivessem a ver com cada um de nós.
Agora os cientistas já dizem que chegámos a um tempo em que, se não se tomarem medidas extremas dentro de um período muito curto de tempo, chegaremos a uma situação em que não haverá retorno em termos da sustentabilidade do Planeta.
Conscientes desta realidade têm-se conseguido compromissos por parte de um grande número de países, para a implementação de medidas que evitem males maiores, nomeadamente pela redução de gases poluentes. Mas logo agora que se estavam a dar passos importantes nestas questões, os americanos voltam a surpreender-nos com a escolha que fizeram para seu presidente: um homem que tem revelado uma atitude de negação e desprezo por grande parte das conquistas civilizacionais que fomos alcançando, incluindo a consciência ecológica e a preocupação pelas questões ambientais.
Se tivermos em conta a origem das primeiras felicitações que lhe chegaram do estrangeiro (Marine le Pen, Putin, Erdogan…), se calhar temos razões sérias para estarmos apreensivos quanto ao futuro; se não do nosso, pelo menos do dos nossos filhos.
Oxalá não se cumpra cedo demais a profecia do Pescão Seco!

Notas:
António Fernandes e Maria de São João moraram na Vila e aí lhes nasceram os dois primeiros filhos que morreram anjinhos. Viveram depois no Casal da Fraga, numa casa que seria mais ou menos no local onde eu moro agora e onde terão tido uma filha que se chamava Bernardina; mudaram-se a seguir para a Senhora da Orada, mais precisamente para o Vale Caria, onde lhes nasceu pelo menos mais um filho, Anselmo, que andou na Grande Guerra, mas que também deve ter morrido ainda novo.


A casa do Vale Caria, onde viveram, era muito humilde, e dela já só existem vestígios das paredes traseira e laterais e o sítio onde acendiam o lume.
Apesar de ser um homem com uma instrução acima da média para aqueles tempos, António Fernandes terá sido toda a vida jornaleiro. Dos poucos descendentes que teve, ainda vivem alguns no Casal da Serra. Continuam a ser conhecidos pelo nome de Pescão.

M. L. Ferreira

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Fontes: convento franciscano

A 7 de novembro de 1714, casou, em São Vicente, Joaõ Martins Mouzinho, natural de Estremoz, 
Tenente de Cavalos da Companhia do Capitão Antonio Velho de Britto, do partido da Beira Baixa. 
A noiva foi Barbara Maria de Oliveyra da Cunha e Sylva, filha do Capitão Manoel de Oliveyra e Cunha e de sua mulher Maria Figueyra de Castellobranco, de Aldeia Nova do Cabo.
Dirão que casamentos há muitos e é verdade. 
Só que esta noiva era recolhida «...no convento das religiosas desta vila...»
E esta? Os pais depositaram (não se choquem com o verbo, era mesmo assim) aqui a sua filha, mas depois arranjaram-lhe um bom partido e pediram autorização ao Reverendo Doutor Provisor deste bispado, que deu ordem ao vigário para que ela saísse do convento.
Tomara eu que a coisa fosse assim tão clara, mas de facto o pormenor que apresento mostra um conjunto de frases não totalmente claras de significado, na parte final.



Este Antonio Velho de Britto era o marido de Dona Ursulla Roballa, 
natural das Sarzedas, que em São Vicente deu nome a uma rua e a uma tapada.

José Teodoro Prata

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Fontes: Casal Duarte da Fraga

Já aqui me referi à origem do topónimo Casal da Fraga: 
durante muitos anos, apenas lá viveu uma família com o apelido Fraga.
E fraga tanto pode ser uma rocha como uma forja (neste caso, inclino-me para este segundo significado).
No dia 20 de agosto de 1714, casou a Luzia Gonçalves, filha de Duarte da Fraga e de Maria Rodrigues.
Mas os pais dela já haviam falecido. Na época, a vida era tão precária que eram poucos os jovens que tinham um dos pais vivo na altura do seu casamento.
Segue-se o registo de casamento da Luzia e por baixo em pormenor, para lerem melhor.



A 6 de novembro de 1715, casou um viúvo que vivia no casal Duarte da Fraga.
Talvez ali trabalhasse como ganhão ou pastor do herdeiro de Duarte da Fraga (sei que tinham gado).
Apesar de já falecido, o Duarte da Fraga deu o nome ao seu casal. Depois ficou só Fraga.
O registo deste segundo casamento apresenta-se em baixo, também com pormenor.



Estes Fraga deram origem aos Jerónimo, 
pelo casamento do filho de Duarte Fraga (Jerónimo Duarte) com a filha dos rendeiros do Casal do Pisco.

José Teodoro Prata

Fontes: Pouzão e Pinna

Na segunda metade do século XVIII (1750-1600), moravam em São Vicente, na rua que vai da praça para a ponte, futura Rua Nicolau Veloso, 
dois padres (Manoel Cabral de Pinna e Estevam Alvares de Pinna) 
e duas irmãs solteiras (Brittis Cabral e Joanna Cabral). 
Eram naturais do Violeiro, filhos de Domingos Nunes Pouzão e Brittis Maria Cabral 
(a tal que foi sepultada na Misericórdia de São Vicente, vestindo o hábito franciscano).
Também já sabeis que este casal tinha uma outra filha (Maria Cabral de Pinna) casada em Tinalhas, 
cujo bisneto foi o primeiro visconde de Tinalhas.
Os primeiros dois documentos abaixo apresentados são o registo de casamento deste casal Domingos Nunes Pouzão e Brittis Maria Cabral e o terceiro é um pormenor do segundo, para lerem melhor.




Não sei se repararam que este casamento é de 1714 
e que o vigário se chamava Estevaõ Alvares de Pinna.
A noiva, órfã de pais (Estevaõ Alvares de Pinna e Mariana Cabral, da Quinta da Canharda, Fornos de Algodres) viveria em São Vicente com o irmão, 
o qual lhe arranjou um bom partido para casar (foi sargento-mor). 
Mas vivia com eles um outro irmão padre, o Manuel Cabral de Pinna,
que aparece a celebrar um outro casamento, nesse ano de 1714, o da Luzia, uma minha parente dos Jerónimo, de quem darei notícias daqui a dias.
Este Manuel Cabral de Pinna foi depois prior da Igreja de São Silvestre, na Covilhã.

Curioso que os irmãos padres desta família, em duas gerações diferentes, eram um Estevão e outro Manuel.


José Teodoro Prata

terça-feira, 29 de novembro de 2016

As crianças devem sujar-se?

Muito se tem falado sobre a falta de contacto das crianças com as brincadeiras de rua. Médicos de família, nutricionistas e especialistas em psicomotricidade  alertam para a falta de mobilidade das crianças e para a obesidade infantil.
Habitualmente, desenvolvo um projeto sobre Horta Escolar e planto diversos legumes. Sempre que me é possível, dou um saltinho à horta e noto que inicialmente os miúdos sentem um grande constrangimento em mexer na terra. Os dias de rega são os favoritos, pois a mangueira verte alguma água e faz pequenas poças. Um dia, contei-lhes que quando era da idade deles brincava com a terra e fazia bolinhos. Incentivei-os a fazer a experiência e foram eufóricos para a sala a perguntar se para a próxima podiam repetir a brincadeira. Uns dias depois, voltámos à horta e uma aluna disse não poder ajudar; os pais tinham proibido por ter chegado a casa com os sapatos sujos de terra.
Fiquei perplexa por pensar nos pais atuais, com máquinas para tudo. A minha mãe criou oito filhos e nunca nos proibiu de brincar ou reclamou por nos sujarmos. Claro que o meu pensamento foi até à Tapada da minha infância. 

Aproveitávamos os dias em que a minha mãe ou a tia Stela despejavam as presas da Barroca, para regar as hortas ou armazenar água no tanque. As regueiras ficavam cheias de água límpida e nós começávamos a azáfama. Fazíamos um cone de terra e com o cotovelo uma cavidade na ponta. Deitávamo-nos ao lado do rego e com a boca, sorvíamos um gole de água que lançávamos na cova redondinha. Víamos a água a desaparecer e esperávamos um pouco. Com os dedos indicadores, íamos afastando a terra solta e com muito cuidado pegávamos na malguinha que colocávamos na palma da mão. Ficávamos encantadas por ver como tinha ficado perfeita! Era colocada, com muito jeitinho, nas saliências da rocha que servia de cozinha. Voltávamos ao rego e a brincadeira continuava pela tarde fora. Diversas sementes seriam o arroz que iria encher as malgas.
Entretanto, íamos vigiando o caudal do rego para sabermos o momento de irmos tapar as presas à Barroca. Pegávamos num sacho e íamos por uma vereda junto ao rego. Chegadas às presas, verificávamos se realmente estavam completamente despejadas. Colocávamos a tranca na parte exterior do alvanel e na parte de dentro colocávamos terra que era apertada coma as mãos e com o sacho, para não haver o perigo de vazar durante a noite. O mais difícil era tapar a mina. À entrada víamos um túnel cavado na rocha e ao fundo uma imensa escuridão. A água era escura, pois o desnível provocado pelas areias acumuladas, à boca da mina, fazia com que ela ficasse sempre com bastante água. Para a tapar por dentro, era preciso inclinar-me sobre a água e tatear até encontrar a cavidade que tinha que ser fechada com torrões para ficar completamente selada. Imaginava serpentes a enrolarem-se à volta do braço e, quando terminada a tarefa, suspirava de alívio. Regressávamos a casa felizes por termos cumprido bem a nossa missão. A nossa mãe perguntava sempre:
 - Então as presas ficaram bem tapadas? Vejam lá se amanhã, quando o dono da água as for despejar, não encontra lá nada!

Conceição Teodoro

sábado, 26 de novembro de 2016

Canja de cobra

O sacristão Manuel subiu as escadas da torre e encostou-se à varanda voltada para o cimo da vila, a saborear o ar fresco da manhã. De seguida pegou nos badalos e começou a badalar as ave-marias. O sol ainda se escondia por detrás da Oles, mas aos poucos inundou toda a vila e campos em redor. Camponeses, jornaleiros e proprietários iam a caminho das hortas para iniciarem mais uma jornada de labor.
O portão do quintal da casa do César abriu-se e o ganhão Dionísio à frente do carro de bois seguiu pela rua das Laranjeiras, em direção à Fonte Velha, a caminho da Tapada do João Gago. Todos os ganhões; “e eram muitos” seguiam cada um sua vida. Alguns dirigiam-se aos pinhais carregar lenha para os fornos comunitários…
Jornaleiros trabalhavam de sol a sol.
Antes de partirem para os trabalhos campestres muitas pessoas assistiam à missa da manhã.
Quando os homens trabalhavam perto da vila as mulheres levavam-lhes o café “por volta das dez da manhã fazia-se uma pausa”. À uma hora, ao toque das trindades, jornaleiros paravam os trabalhos, jantavam e dormiam a cesta. À tarde, nova paragem para se merendar: Um naco de pão com umas azeitonas, uma fatia de queijo…
Naquela época um novo prior tinha chegado há poucos meses à vila, depressa granjeou a simpatia do povo, sempre bem-disposto, comunicativo, mestre-escola…
Ao novel hospital chegavam doentes de toda a freguesia e das freguesias vizinhas para encontrarem a cura dos seus males. Em frente situava-se o tronco do senhor Bonifácio, quando não havia alimária para ferrar ele e o seu ajudante Joaquim da “burra” faziam ferraduras e canelos. Joaquim da “burra” de vez em quando gritava, rebolava no chão cheio de dores.
Meu pai dizia que lhe saiam as tripas “mais tarde soube que era quebrado”.
Ciganos acampavam detrás da capela de São Sebastião e o mestre Ventura juntamente com seus filhos fazia carros de bois na oficina que ficava por baixo da sua casa. Certa vez; eu ia a passar, encaro com uma cigana a esfolar uma cobra, uma panela de ferro aquecia água na fogueira, cortou-a em vários pedaços e meteu-a na panela. Assustado, segui caminho com a cesta na mão onde ia o jantar do meu pai. Quando cheguei à Oles, contei-lhe e respondeu-me:
- As cobras fazem uma canja tão boa ou melhor que a canja de galinha
Não fiquei convencido…
Era o tempo das malhas, ganhões transportavam faixas de centeio, trigo, para as eiras.
A eira da dona Luz estava cheia de rolheiros.
Malhadores desatavam os nagalhos, estendiam as faixas, ouviam-se os manguais com cadência ritmada debulharem as espigas, a palha ia sendo retirada ficando a semente misturada com as praganas, à tardinha aproveitando a nortada, procediam à sua limpeza enchiam um meio alqueire que levantavam no ar e iam lançando a semente para a eira, o vento empurrava as praganas e as rabeiras. A semente caia em cima de umas giestas, aos poucos o monte crescia, os catxiços eram retirados e juntavam-se a um canto. A palha de centeio aproveitava-se para as enxergas, a trigueira não prestava, desfazia-se, dava-se aos animais.
O ar fresco dava lugar ao calor que se tinha feito sentir durante o dia, os notáveis, remediados e os ricos da vila reuniam-se em São Sebastião, sentavam-se nos cais que cercam a capela, cavaqueavam sobre os mais diversos temas.
Uma das pessoas habituais nas tertúlias estivais daquela época era o padre José David.
Conversa puxa conversa “são como as cerejas”; a certa altura diz:
- Meus amigos; quando cheguei a São Vicente a primeira pessoa que confessei foi uma mulher; disse-me que era bruxa, fiquei sem saber o que lhe havia de dizer, não contava com tal segredo. Absolvi-a e, como penitência mandei-a rezar cinco pai-nossos e cinco ave-marias.
Eis senão quando na estrada passa uma mulher com um cesto à cabeça cheio de hortaliças:
- Boa tarde; saiba vossa reverência que tenho a consolação de ser a primeira pessoa que vossa reverência confessou na nossa terra.
O padre ficou sem pinta de sangue, todos os presentes ficaram a saber quem era a bruxa.
Anoitecia, sacristão tocava as ave-marias. À vila chegavam os camponeses, jornaleiros… na Fonte Velha sentavam-se nos cais com a enxada ao lado, as mulheres esperavam a sua vez para encher cântaros, regadores… algumas passavam com o tabuleiro à cabeça deixando um rasto cheiroso e agradável a pão acabadinho de cozer.
Outros, entravam na taberna do João coxo e emborcavam um cajeirão.
Fiquem bem.

J.M.S 

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Fontes: Barbaído



No dia 13 de setembro de 1713, casaram Manoel Gonçalves e Izabel Fernandes.
Como podem ver no pormenor, o noivo era 
«...do Casal do Barbaído desta freguesia de Nossa Senhora da Assumpçaõ...».
Já sabia que era a Câmara de São Vicente que nomeava anualmente o juiz do Barbaído, em vez de ser escolhido pelos moradores do Freixial e do Barbaído, como acontecia com a Torre do Louriçal.
E também que era o Vigário de São Vicente e não o cura do Freixial quem ia anualmente fazer a festa de São Brás, recebendo por isso o respetivo pagamento.
Agora, este registo de casamento vem informar que, em 1713, o Barbaído ainda pertencia à freguesia (paróquia) de São Vicente.

José Teodoro Prata

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

D. João de Deus Ramalho


Nasceu em 8-1-1890, em São Vicente da Beira, sendo filho de João José Ramalho e de Antónia do Carmo Ramalho. Ingressou nos jesuítas a 7-9-1906, no Colégio do Barro, Lisboa; em 1910, foi preso em Caxias com outros jesuítas; dali seguiu para Gibraltar e depois para Exaten, no Holanda, e a seguir para a ilha de Jersey, continuando sempre a estudar. No Hospital dos Irmãos Hospitaleiros de São João de Deus de Paris, fez 6 operações quase seguidas devido à intoxificação na masmorra de Caxias; seu irmão Inácio, também jesuíta, fez 14 e morreu.
De Paris passou a Davos, na Suíça, a Bolengo, na Itália e depois a Genebra, onde tirou um curso de enfermagem; depois, a Turim, ao Colégio de Placeres, em Espanha, a La Guardia (1916-1917), a Ernani, perto de San Sebastian e a Oña, onde se ordenou a 30-7-1921. A 14-12-1923, embarcou em Marselha para a China, aportando a Hong Kong, a 17-1-1924, e a Shiu-Hing, a 22 desse mês. Em 1926, foi colocado como missionário no distrito de Shui-Hang, onde trabalhou até à sua elevação ao episcopado. Em Janeiro de 1925, fundou a revista mensal “Ecos da Missão de Shiu-Hing” que durou até Julho de 1946 e onde publicou interessantes trabalhos sobre os antigos jesuítas na China.
A 13-6-1940, foi nomeado superior e Vigário Geral da Missão de Shiu-Hing e, a 26-9-1942, bispo de Macau, sendo sagrado em Shui-Hang, a 6-11-1942, dia em que tomou posse da diocese por procuração. Chegou a Macau, a 23-2-1943.

Obras

Comprou o edifício da Escola Normal do Colégio de S. José. Acolheu em Macau todas as Ordens Religiosas que aqui se vieram refugiar durante e após a guerra civil na China. Os padres de PIME (Missões Estrangeiras de Milão) instalaram-se no Seminário e em São Agostinho, ficando encarregados desta igreja, que serviu de paróquia aos refugiados de Hong Kong; os jesuítas da Província Irlandesa de Hong Kong da Companhia de Jesus instalaram-se na Vila Flor e no Colégio de S. Luís Gonzaga, fundado por eles a 4-1-1943, para a educação dos refugiados; as irmãs de São Paulo de Chartres abriram na Penha, em Janeiro de 1950, um pensionato para as crianças de menos de 4 anos; os Maristas alojaram-se em 1950 com os seus alunos na Casa de Campo do Seminário na Ilha Verde; os Franciscanos, em 1949, na Vila Flora; os Salvatorianos, na Estrada da Vitória; os Carmelitas de Pequim, a 21-11-1948, no Seminário de S. José; os Lazaristas no Orfanato da Imaculada Conceição; os Redentoristas, em S. Agostinho; as Irmãs do Precioso Sangue, no n. º 3 da R. da Praia Grande. D. João Ramalho construiu em 1954 o externato, a sala de estudo e o teatro do Seminário e restaurou a igreja em 1953. Resignou em 1954 e retirou-se para Portugal. Morreu em Vilar do Paraíso a 26-2-1958.



Estátua de Nossa Sra. de Fátima no antigo destacamento militar de Mong Há.
“Desde o dia 13 de Novembro está exposta à adoração dos fiéis, no Aquartelamento de Mong Há, uma imagem de Nossa Senhora de Fátima, que foi confiada pelo Bispo de Leiria ao Destacamento Expedicionário quando da partida da Força Expedicionária para Macau. Cavada na rocha, uma gruta de aspecto propositadamente rude, concebida pelo talento artístico de Osseo Acconci, serve como de engaste para um pequeno retábulo, donde emerge a Imagem na sua esplêndida beleza. Uma pequena grade de bronze, a meia altura, e alguns lavrados junto ao tecto, onde se distingue o emblema da Artilharia, dão com a sua singeleza um timbre branco de boas-vindas a quem se aproxima. Num dístico à porta lê-se: "Portugal, terra de Fé" e, à esquerda, um lampadário sempre acesso que foi oferecido pelo Bispo de Macau, D. João de Deus Ramalho, simboliza a crença viva de quantos militares vivem naquele quartel, onde se encontram quatro unidades expedicionárias de Artilharia e Infantaria. A inauguração da gruta que se deu a 13 de Novembro, teve a assistência de Governo, das restantes autoridades e de todas as pessoas qualificadas da Colónia além de muito povo.
in revista Mosaico em 1950

Em:
Nota: O meu Avô Jaime Craveiro era primo em 4.º grau de Dom João de Deus Ramalho.


Jaime Gama

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Ir à marouva

Andávamos de noite e éramos sempre uns poucos, que enquanto uns trepavam às árvores, os outros ficavam à espreita, a ver se lá vinha a Guarda ou o dono.
 Uma vez, já rente ao sol-posto, era eu, o Chico Vaca, o Albertino da Lusitana, o Jorge Gato e o Justino Escavaterra. Estávamos todos sentados na Fonte Velha à espera das cachopas que vinham à fonte, e às duas por três diz o Justino assim:
- O meu avô é que lá tem umas laranjas boas! São doces que nem mel! Mas onde elas estão ninguém lá chega, que a laranjeira está mesmo defronte da janela da cozinha.
Ninguém lá chega? Ai não que não chega! Olha para quem ele o estava a dizer! Fizemos logo sinal uns aos outros e assim que ele se levantou para se ir embora, levantámo-nos logo todos também e abalámos cada um para seu lado, como se fôssemos para casa. Não tardou muito, estávamos outra vez todos juntos, na Estrada Nova, ao pé da quelha. Todos menos ele, que não deu conta de nada.
Saltámos a parede do Pomar, que era onde havia a tal laranjeira, espreitámos pela janela e vimos que a candeia ainda estava acesa e o ti Tomás e a mulher ainda levantados, mas cada um com a cabeça já a cambalear para seu lado. Só o gato é que parece que deu razão de qualquer coisa e pôs-se coca, mas como não viu nada, tornou a enroscar-se aos pés do dono.
Saltámos para cima da laranjeira e toca a colher e a encher a camisa por dentro, que a tínhamos atado com a correia das calças. Só deixámos as que não víamos ou aquelas aonde não chegávamos.
Quando foi ao outro dia, ajuntámo-nos outra vez na Fonte Velha e chega lá o Justino, que até parecia que nos havia de comer:
- Seus cabrões, que fosteis às laranjas do meu avô e não deixasteis nem uma!
- Nós? Atão não nos vistes abalar também aquando tu? Alguém lá terá ido a elas, mas nós não fomos…
Ele calou-se e lá ficou na dele; nunca teve a certeza de quem tinham sido os ladrões.
Doutra vez, era no tempo das ameixas. Havia uma ameixoeira numa horta para lá do Marzelo, carregadinha delas; grandes e tão encarnadinhas que metiam cobiça. Até faziam água na boca, só de olhar pra elas. Um dia lá vamos nós, pela calada da noite, prontos para uma barrigada.
Assim que lá chegámos o Chico Vaca saltou logo para cima dum ramo tão carregadinho que até amochava; mas teve tanto azar que o ramo esnocou-se e ele foi parar ao leirão de baixo, mesmo por cima dum poço que lá havia. A noite estava como breu, e só o ouvíamos a berrar.
- Tirem-me daqui! Tirem-me daqui, que eu morro!
Fomos à horta e arrancámos uma empa dum tomateiro, e foi assim que o conseguimos tirar de lá; ele agarrado ao pau e nós a puxar pra cima. Vinha todo esfarrapado e a escorrer tanto sangue que até parecia um Cristo. E a sorte dele foi que o poço estava tapado com um basculho de silvas e o ramo tinha-o amparado, senão tinha morrido, que o poço era fundo como o diabo.
Jurou pra nunca mais, mas foi sol de pouca dura, que não tardou muito tempo e já andávamos todos aos gachos naquilo da dona Judite. Era cada um, dos brancos, mais doces que o mel! Mas dessa vez íamos sendo apanhados pela Guarda. O que nos valeu foi que demos conta da patrulha pelas passadas das botas e tivemos tempo de nos agachar atrás duma parede. Passaram mesmo à nossa frente, com a arma às costas, mas assim que deixámos de os ouvir, ó gachos duma figa! Foi até não podermos mais!
E estava aqui até à noite só a contar partes destas. Naquele tempo não havia a fartura da fruta que há agora, que até a deixam apodrecer, caída ao tronco da árvore. Se queríamos comer alguma coisa que nos consolasse, tínhamos que ir a ela, aonde a havia, naquilo dos ricos. Raras vezes éramos descobertos, mas mesmo que fôssemos, tínhamos as pernas leves e era difícil sermos apanhados.
Belos tempos! Quem me dera lá neles!...

M. L. Ferreira

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Passeio e magusto, 2016

Éramos metade dos do ano passado, mas só contam os que estavam e esses eram o absoluto.
Primeira paragem, o nicho. Edificado ainda no tempo do Pe. Tomás, cerca de 1964, com dinheiro angariado em peditórios, numa ação coordenada pela Menina Maria de Jesus (Rosário). Estranhou-se, então, uma Nossa Senhora estilo modernista, tão diferente do habitual (Libânia). E as crianças da escola, perfiladas de bata branca, cantaram (José Teodoro):
Passageiros e transeuntes
Que passais a qualquer hora
Nunca deixeis de rezar
À Virgem Nossa Senhora, Ave
Ave Maria, Ave Maria, Ave Maria, Ave
Versos do sr. José Lourenço? Certamente…
Depois seguimos pelo caminho da discórdia. Lembra-te homem que és pó…
Ao fundo, na ribeira, aprendemos que a fazenda do Casal do Monte do Surdo, propriedade do Conde de São Vicente, no século XVIII, terminava na foz no ribeirito com a ribeira.
Este casalito que se segue é os dos ossos, derivado da atividade de carniceiro do ti Miguel, e é também dos Paiáguas e dos Sarnas (as 3 famílias que ali viviam). Mas o nome verdadeiro é Baraçal.
No alto de Devesa, o nosso baldio ao pé da porta, recordámos a forca, lá no alto, onde havia uma pedra grande que a plantação de eucaliptos destruiu (José Manuel). E havia restos de uma casa, ainda em 1940 (José Teodoro).
O Adelino levou-nos depois pelo seu Vale Covo abaixo e mostrou-nos tudo: as charcas, as árvores de fruto…Tanto sobreiro jovem! O calor no verão, as terras de xisto, outro Douro para a vinha?
A seguir, boa baixa de oliveiras, do ti João da Corredoura, agora aos cuidados da Silvina e do seu Zé. Depois, subida até à estrada dos Pereiros. Mas os caminhos estão bem lançados, esta montanha-russa é suave.
Estrada fora até ao Casal do Monte do Surdo, onde o ti António Rodrigues (último morador descendente dos Leitão Paradanta e Rodrigues Caio) ainda é da lembrança de quase todos. 
Descemos pelo caminho de terra até ao ribeirito, onde havia uma fonte que ficou debaixo da ponte e a mulher do Jerónimo viu, um dia, duas cobras enormes erguidas enlaçadas, formando um tronco.
Subimos e voltámos à estrada. Depois descemos para as passadouras da ribeira. Foram substituídas pelo pontão, cerca de 1972, obra do povo do Casal da Fraga. Das passadouras lembra-se o Zé Manel, metido debaixo do braço, para atravessar. A Rosário vinha do Casal dos Ramos, por aqui, a caminho da escola, tal a cegueira que elas davam nos cachopos e nas cachopas.
O curso da ribeira passa agora no lugar da fonte Ferreira. Não faz mal, já não é necessária…
Chegámos cedo, ainda a tempo de ajudar a cortar as castanhas. Já caía a noite quando o povo de juntou, a dar conta delas, empurradas pela jeropiga do Zé.
Para o ano há mais!



Texto de José Teodoro Prata
Fotos de Luís Ferreira e José Teodoro