quarta-feira, 16 de julho de 2025

Poesia Simples

 

Domingo de Festas, dia 3 de agosto, a nossa comunidade vicentina vai homenagear um dos nossos poetas populares, José Augusto Alves. Ou melhor, vamos conhecer as homenagens que ele nos deixou, narrando acontecimentos e falando de nós em versos rimados.

A sua poesia é um retrato de São Vicente da Beira, nas décadas de 1970 e 80. Um retrato cheio de autenticidade e despojado de paternalismos.

Encontramo-nos na Igreja da Misericórdia, às 15:30h. A edição é da Santa Casa da Misericórdia. Não deixem acabar as Festas de Verão sem terem a Poesia Simples deste filho da ti Rita e do ti Augusto. O preço é acessível, só para os custos da impressão.

José Teodoro Prata

domingo, 13 de julho de 2025

O Mártir São Vicente

 

Pintura de Nuno Gonçalves, séc. V, Museu Nacional de Arte Antiga

Vicente de Saragoça foi um diácono cristão que sofreu o martírio pelos romanos, em Valência, no ano de 304. A sua recusa em abdicar da sua fé cristã tornou-se um exemplo para os outros cristãos. Foi e é venerado como santo, culto que se prolongou pelos períodos visigótico e árabe e após a Reconquista Cristã. Entre as muitas localidades e igrejas portuguesas de que é orago, contam-se a Diocese do Algarve e o Patriarcado de Lisboa, em cuja Sé se encontram as suas principais relíquias.

Os muçulmanos deixaram-nos notícias do seu culto, em texto reproduzido no livro “Portugal na Espanha Árabe” de António Borges Coelho.

“E quando [Abderramão] entrou em Valência [780], tinham aí os cristãos que aí moravam o corpo de um homem que havia nome Vicente; e oravam-no como se fosse Deus. E os que tinham aquele corpo faziam crer a outra gente que fazia ver os cegos e falar os mudos e andar os cepos. E quando os cristãos viram Abderramão, houveram medo dele e fugiram com ele. E disse Abulfacem, um cavaleiro natural de Fez, que andava com sua companha a monte [pirataria] na ribeira do mar: que achara, em cabo da serra que vem por mar sobre o Algarve e entra em aquele mar de Lisboa [cabo de São Vicente], o corpo daquele homem com aqueles que fugiram de Valência com ele, e que fizeram aí casas em que moravam. E que ele matara os homens e deixara aí os ossos do homem […].”

D. Afonso Henriques teve conhecimento destes factos e ordenou que trouxessem, secretamente, os ossos do santo para Lisboa, recém-conquistada.

José Teodoro Prata

sexta-feira, 11 de julho de 2025

Mimoseiras infestantes

 

O único método de acabar definitivamente com a infestação das mimoseiras é este: tirar a casca totalmente, numa área aproximada de dois palmos, a contar da terra. Não podem ficar restos de casca rente à terra, caso contrário a planta pode rebentar por aí. Em todo o caso, convém verificar se há alguns rebentos, meses depois de tirar a casca. Este trabalho deve ser realizado com luvas, pois a seiva das árvores deixa as mãos tão negras que até com lixívia pura são difíceis de lavar.

O corte das plantas não pode ser opção, pois do chão brotam imediatamente inúmeras plantas das raízes de cada mimoseira cortada.

É o único método eficiente e também o único ecológico, pois os pesticidas com base no glifosato, da empresa Monsanto, são altamente cancerígenos, de tal forma que a empresa que detém a sua patente está a pensar em deixar de o produzir, pois tem, nos Estados Unidos, centenas de milhares de processos judiciais contra ela (são mesmo centenas de milhares!) e os lucros da sua venda não compensam as indemnizações que tem de pagar pelas doenças que tem provocado. Por outro lado, as raízes das mimoseiras rebentam em novas plantas, um ou dois anos depois.

Notas:

- O que acima escrevi resulta da minha experiência pessoal.

- O glifosato foi criado pela alemã Bayer, que vendeu a sua patente à americana Monsanto; por ser um produto alemão é que a União Europeia nunca proibiu o glifosato, apenas restringindo o seu uso há pouco tempo.

José Teodoro Prata

terça-feira, 8 de julho de 2025

Sardão à rasca

 

Este lindo juvenil da espécie dos sardões foi ao lavatório da minha casa de banho, no Ribeiro Dom Bento, e ficou lá, porque não tem ventosas como a sua prima osga.

Empurrei-o com um pau, mas saltou demasiado e caiu na sanita. Puxei-o pelo rabo, mas deixou-me a ponta na mão e foi à vida (subterrânea).

Tantas queixas que os seres vivos terão de nós, humanos!

José Teodoro Prata

Festas de Verão, 2025

Cortei os patrocínios, para se conseguir ler, mas continua difícil, pois são muitos dias de festa e consequentemente a letra tem se ser pequena.

José Teodoro Prata

sexta-feira, 4 de julho de 2025

Cuidar de nós

 
Hoje, desde o raiar do dia até o sol abrasar, a passarada do Ribeiro Dom Bento ofereceu-me um maravilhoso concerto. A certa altura passei por esta amendoeira, uma das poucas que ganhou frutos após uma época de floração excessivamente chuvosa. Fiquei chocado, indignado com os pássaros frugívoros. Mas depois ri-me de mim próprio. Querias concerto de graça?!

José Teodoro Prata

terça-feira, 1 de julho de 2025

Quinteiro, de quinto, originou quinta?

 No livro “Portugal na Espanha Árabe”, de António Borges Coelho, na “II Parte – História do Andaluz, no subcapítulo “Partilha da terra entre os conquistadores” informa Ibne Mozaine de Silves:

«Conquistada Espanha, Muça […] dividiu o território da península entre os militares que vieram à conquista, da mesma maneira que distribuíra entre os mesmos os cativos e demais bens móveis colhidos como presa. Então deduziu o quinto das terras e dos campos cultivados […]. Dos cativos escolheu cem mil dos melhores e mais jovens e mandou-os ao emir dos crentes […], mas deixou os outros cativos que estavam no quinto, especialmente camponeses e meninos adscritos às terras do quinto, a fim de que o cultivassem e dessem o terço dos seus produtos ao Tesouro Público. Eram estes a gente das planícies e chamou-se-lhes quinteiros e a seus filhos, os filhos dos quinteiros.»

José Teodoro Prata

domingo, 29 de junho de 2025

Egitânia

Ando a ler o livro “Portugal na Espanha Árabe”, de António Borges Coelho. Sobre a nossa Idanha-a-Velha, informa do seguinte, na “I Parte – Geografia”, capítulo “O Garbe no século X pelo mouro Ahmede Razzi", subcapítulo “Do termo de Egitânia”:

 

«O termo de Coimbra parte com o de Egitânia. Egitânia encontra-se a oriente de Coimbra e ocidente de Córdova. É uma cidade muito antiga, situada sobre o Tejo, forte e bem dotada com um território bem provido de cereais, de vinhas, de caça e de peixes e um solo fértil. Neste território há fortes castelos onde o clima é muito são, tal como o de Monsanto, que é muito sólido; o de Arroches; o de Montalvão, que se encontra no cimo de um monte muito elevado; o de Alcântara que é uma bela localidade. Há em Alcântara uma ponte sobre o Tejo de que se não poderia encontrar semelhante no mundo; o território desta vila é propício à criação de gado, à caça e à criação de abelhas. De Egitânia a Córdova são 380 milhas.»

 

Notas: Neste mesmo subcapítulo, Ahmede Razzi faz referência ao castelo de Ourique (Ereyguez), no termo de Beja; Garbe designava o território ocidental do Andaluz (Espanha muçulmana), o qual abarcava o território ocupado hoje por Portugal e ainda as cidades de Badajoz e Mérida; o Garbe (Ocidente) foi encurtando com a Reconquista, até ficar reduzido ao Algarve, topónimo que dele deriva; a Egitânia era pois a cabeça de um grande território, entre os territórios de Coimbra, Santarém e Beja (Évora pertencia a Beja); foto do interior da catedral da Egitânia, com seus arcos em ferradura, da época em que foi mesquita muçulmana (de https://www.minube.pt/sitio-preferido/catedral-de-idanha-a-velha-a3651823).


José Teodoro Prata

quarta-feira, 25 de junho de 2025

Ó meu São João Batista

 Acordei com um forte batuque e vozes de mulheres a cantar. Cheguei-me à janela e uma pequena multidão descia a rua, atrás de adufeiras, que cantavam e bailavam ao ritmo dos seus adufes.

São João subiu ao céu

A regar o seu jardim.

Trouxe um cravo p´ra Sant´Ana

Outro p´ra São Joaquim.


Vesti-me à pressa, saí para a rua e misturei-me com as pessoas. O que é isto?, perguntei. São as adufeiras de Penha Garcia, é uma homenagem à Ti Rita!, alguém me informou.


São João não tem capela

Venha cá que la darei.

Tenho cá cravos e rosas

E outras flores buscarei.


Descemos a rua e o cheiro a rosmano e marcela a arder sentia-se cada vez mais forte. Na praça ardia uma grande fogueira e em volta um grupo fazia coro com o Manel Ceguinho que tocava na concertina uma modinha do São João. As adufeiras e acompanhantes juntaram-se a eles e depois todos se dirigiram para o pelourinho, onde lançaram ginjas à rebatinha.

Esta noite hei de ir às ginjas

Esta noite hei de ir a elas – ai lindó.

Quem as tiver que as guarde – ai lindó

Se não ficará sem elas – ai lindó.


Fui beber água à fonte de São João. Como estava linda, enfeitada com vasos de cabeleiras brancas amareladas! Quem fez isto tudo? Como apareceram aqui? As crianças da escola!, disseram-me. E os papelinhos com as quadras ao São João? Também foram elas.

São João lá vai lá vai

Ai se lá vai, deixai-o ir.

Ai qu´ele é menino mimoso

Ai vai ao céu e torna a vir.


Desci a Rua do Beco e, em frente à padaria, as filhas da Sr.ª Céu tinham trazido um cântaro para a rua, que rapazes e raparigas, em fila e de costas, lançavam à pessoa que estava atrás de si. Além falhou e o cântaro caiu no chão e ficou em cacos. Risada geral.


São João era bom homem

Se não fosse tão velhaco.

Ia à fonte com três moças

E vinha de lá com quatro.


Mais animação no largo da Fonte Velha, também ela enfeitada com cabeleiras. Outra fogueira ardia, enchendo o largo de fumo acre do rosmaninho e adocicado da marcela. Rapazes saltavam as chamas, constantemente avivadas pelo guardião da reserva de rosmano ali ao lado. Um tocador desceu a Rua da Costa, vindo lá do alto de onde se avistava fumarada. Era o Zé Té-Té, com a concertina, que deu voltas à fogueira com os rapazes e as raparigas a cantar e a bater palmas.


Para o São João que vem

Já não moro nesta rua.

Inda não tenho casa

Menina arrende-me a sua!


Depois seguiu pela Rua Velha e eu segui os foliões. Ao fundo da Rua Nicolau Veloso, mais animação, e na Fonte de São António juntámo-nos às adufeiras acabadas de chegar. Os adufes e a concertina animaram um bailarico em frente à casa do sr.º Manel da Silva.


Donde vens tu São João

Donde vens tão molhadinho?

Venho do rio Jordão

De regar o cebolinho.


O cortejo voltou à Praça e, surpresa, já não era um tocador, eram muitos, cada um vindo de um cruzamento de ruas, todos convergindo para o centro. Quem são? Porquê tantos?, perguntei. São os da Carapalha e vieram recordar todos os nossos tocadores de concertina.


No altar de São João

Nasceu uma cerejeira.

Qual será a mais ditosa

Que lhe colherá a primeira?


O arraial de São João estava animado, mas eu regressei à minha rua, atraído pelo cheirinho a sardinha assada do tradicional arraial organizado pelo Zé Cavalheiro. Estavam os vizinhos todos, às voltas com sardinhas, pão e vinho, em alegre cavaqueira. Na fonte havia vasos de manjericos. Passei-lhes a mão, cheirei e fui ficando, sem pressas de voltar aos lençóis.


Do São João ao São Pedro

Quatro a cinco dias são.

Moças que andais à soledade

Alegrai o coração.

Notas:

1.     Não há sincronia neste texto, pois cruzo nele pessoas e tradições de épocas diferentes.

2.     Um dia, poucas semanas antes do início da pandemia, reuni-me com o Carlos Semedo, sugerindo-lhe a realização de algumas das nossas tradições do São João, no Festival Água Mole em Pedra Dura, que se realizava no fim de semana próximo da festa deste santo. Este texto é um pouco do que combinámos, mas ficou por concretizar.

3.     As quadras foram retiradas do livro Etnografia de S. Vicente da Beira, de Isabel Teodoro

José Teodoro Prata

segunda-feira, 23 de junho de 2025

Sardinhada dos santos populares

E depois fazemos estas coisas!

Faltando-nos a orientação dos poderes, juntamo-nos e convivemos, em multiplas inicativas. Desta vez, a Comissão das Festas de Verão. É sinal de uma comunidade bem viva!

(ver publicação anterior).

José Teodoro Prata
A foto penso que é do Paulo Mateus

quinta-feira, 19 de junho de 2025

Afirmação


No tempo das presidências da Junta pelo meu primo Prata e pelo Vítor Louro, organizei  passeios (não eram caminhadas) por São Vicente e cercanias, mas sempre com uma organização mais que rudimentar.

Lancei e organizei a Rota da Promessa, a cumprir o estabelecido por D. Afonso Henriques de ir todo o povo uma vez por ano, em romagem ao Castelo Velho a relembrar a batalha da Oles e a ajuda do nosso povo na vitória do exército português; isto em troca da criação da povoação e do nome São Vicente. Não pegou.

Também organizei e lancei a ideia da Rota da Garça Real, em volta da barragem, rota fácil e igualmente linda, mas também não vingou.

Numa das nossas festas de primavera, organizada pela Câmara e Junta, esteve na Vila o meu amigo André Gonçalves, em representação de Almaceda. Realizara de manhã um dos passeios, penso que o Por cantos e recantos de São Vicente (o título era mais bonito, mas não me  lembro). Falei-lhe desse projeto e no ano seguinte nasceu o projeto acima apresentado, contando no segundo ano com cerca de duzentos participantes. Vingou a ideia e tornou-se marca.

Tivemos uma marca fortíssima, o Festival Água Mole em Pedra Dura. Também a deixámos perder. E não me venham, dizer que... Sarzedas não abandonou a sua marca de sucesso, Sarzedas Vila Condal, mesmo quando deixou de ser uma organização conjunta da Câmara e da Junta para passar a ser apenas da responsabilidade da Junta, como são todas as que agora se realizam nas povoações do concelho.

Depois do tempo das infraestruturas dos mandatos do Francisco Alves, Ernesto Hipólito e Pedro Matias, veio o tempo do bem-estar. Já vamos na terceira liderança, nada se afirmou e continuamos em queda desde meados do mandato do Vítor Louro.

Mas podia e devia ser diferente!

Nota: Também se organizaram caminhadas pela Gardunha, promovidas por outras pessoas e entidades (Gega, Junta...), mas nenhuma logrou vingar.

José Teodoro Prata

segunda-feira, 16 de junho de 2025

O jogo da bola

 Janeiro de Cima, à beira do rio Zêzere, é uma aldeia com a qual tivemos no passado (anos 70 do século XX) uma forte ligação, chegando até a realizar-se intercâmbios entre as duas povoações, organizados pelo Pe. Branco, que ali paroquiou.

Há anos, encontrei um documento escrito do século XVIII que referia a existência em Tinalhas de um sítio chamado Jogo da Bola. Falei com a Berta Ramalhinho e localizámos o referido topónimo nas cercanias da atual sede do Centro Recreativo de Tinalhas. Que jogo de bola seria aquele que ali se jogara?

Ora recentemente fui a Janeiro de Cima visitar o meu amigo José Cortes, regressado à aldeia após uma vida de missão na Amazónia.

O anfitrião fez uma visita guiada pela sua Aldeia de Xisto e a certa altura chegámos à Rua do Jogo da Bola. Alto lá, o que é isto?

No momento passava na rua um senhor um pouco mais velho que nós e a quem o Zé pediu a confirmação das suas recordações de infância.

Nos anos 50 e 60 do século passado ainda ali se jogava um jogo com uma bola de madeira, feita de uma noça de pinheiro, acabada de arredondar por um carpinteiro. Não havia equipas, o jogo era individual e a ordem do lançamento da bola à mão era determinada por uma ordenação prévia obtida pela pontuação de cada um ao lançar a bola contra uns paus colocados ao alto, a certa distância.

Seguia-se o jogo propriamente dito. A bola era lançada por cada jogador, o mais longe possível. Por vezes a bola rachava logo ao bater no solo. Alguns jogadores que lançavam a bola até ao limite visível da rua tinham a sorte de ali o chão começar a descer e então todos, jogadores e assistência, se deslocavam para a parte da rua fora da vista, para conferir até onde fora a bola. Ganhava quem a lançasse mais longe. No final, iam todos beber uns copos para uma taberna que havia ali perto.

Era o jogo da bola, uma forma de convívio naquele Zêzere profundo.

Nota: Desconheço se se escreve noça ou nossa, mas inclino-me para a primeira; alguns pinheiros e outras árvores ganham, normalmente rente ao solo, uma saliência arredondada a que o povo chamava noça (ou nossa).

José Teodoro Prata

quinta-feira, 12 de junho de 2025

António Morão e José Jerónimo

 Estes dois padres, o nosso Padre Jerónimo e o Pe. António Morão, que paroquiava a Orca, deram um contributo muito importante para a consciencialização dos cristãos da necessidade de democratizar Portugal, antes e depois do 25 de Abril. 

Neste fim de semana de 14 e 15 de junho, inúmeros personalidades da região irão à Orca homenagear o Pe. António Morão, este ano em que se prefazem 100 anos do seu nascimento. Deixo-vos um texto que escrevi para um podcast que passou na Rádio Castelo Branco, no âmbito das comemorações dos 50 Anos do 25 de Abril.

A Homilia da Paz do Bispo do Porto, no dia 1 de janeiro de 1974, teve enorme repercussão entre os cristãos. Também nesse dia, um grupo de cristãos fez uma Vigília pela Paz, na capela do Rato, em Lisboa. Nela Sophia de Mello Breyner Andresen compôs a Cantata pela Paz, que começa pelos versos “Vemos ouvimos e lemos, não podemos ignorar.”

Estas ações vieram agitar as consciências dos cristãos, até então muito acomodados e até ativos colaboradores do regime ditatorial.

Logo nesse mês de janeiro, Frei Bento Domingos publicou na revista Brotéria um artigo que saiu no Jornal do Fundão, a 17 de março. Nele o autor refletia sobre a opção dos cristãos pelo socialismo, alicerçando-se na doutrina dos papas João XXIII e Paulo VI e nas tomadas de posição de muitos cristãos, dentro e fora da hierarquia da Igreja Católica.

Imediatamente após o 25 de Abril, a 12 de maio, um grupo de sacerdotes publicou no Jornal do Fundão o seu apoio ao Movimento das Forças Armadas e ao programa da Junta de Salvação Nacional, dando assim o seu contributo para o processo de democratização do país.

Estes sacerdotes viriam depois a fundar um núcleo regional do Movimento dos Cristãos pelo Socialismo, um movimento cristão, internacional e não partidário, dos anos 70. Em toda esta dinâmica regional dos cristãos progressistas, o Pe. António Morão desempenhou um papel muito importante.

(Nota: O socialismo que aqui se refere é o que está consignado na nossa Constituição e que é apelidado de social-democracia e trabalhismo no norte da Europa e de socialismo mais no sul da Europa - palavras diferentes para designar a mesma ideologia política.)

José Teodoro Prata

segunda-feira, 9 de junho de 2025

E nós?

 


José Teodoro Prata

quinta-feira, 5 de junho de 2025

Balanço do ano agrícola

 Terminado que está o meu ano agrícola, pois faço apenas agricultura de sequeiro, é tempo de vos apresentar o balanço:

Alhos: A terra é apertada nos Cebolais, pois é formada por uma espécie de barro derivado da decomposição do xisto. Semeio alhos há quatro anos e os primeiros dois foram um desastre total, pois apanharam míldio e apodreceram com excesso de água da chuva e da minha rega. Comecei a semear os alhos em cima de cômoros e não os reguei; o ano passado e este foram um sucesso!

Favas e ervilhas: Ando farto de debulhar e escaldar para congelação; acabei agora a última debulha de ervilhas. Já nem as podia ver!

Alhos-porros: Este ano a produção foi média, inferior ao ano passado, em quem a produção foi enorme. O excesso de chuva e a falta de sol perturbaram o seu desenvolvimento, impedindo-os de engrossar mais.

Batatas: Boa produção, melhor na Picasso (também chamada Olho de perdiz) que na Laura. Foram semeadas em fins de fevereiro, já com os cortes secos e cinza espalhada na terra sobre a qual as coloquei. O local também ajudou, pois ficava virado a sul, com uma parede a protegê-las do vento e frio do Norte. Após a Páscoa, estavam muito lindas, mas uma semana depois começaram a secar. Afinal o mal que destruiu as de quase toda a gente também o apanharam, mas valeu-me estarem já quase criadas.

Cebolas: Má produção. As plantadas no outono sobreviveram metade e das plantadas no inverno tenho lá um quarto. Gostam de chuva, mas precisam de sol!

Couves, repolhos e nabos: Foi difícil fazer concorrência às lesmas e caracóis! Devem ser plantados em agosto e inícios de setembro para estarem feitos quando chega o frio da segunda quinzena de novembro. Foi o que a minha mãe me ensinou, mas eu atraso-me sempre e por isso…

Em fins de setembro, inicio um novo ciclo.

José Teodoro Prata

segunda-feira, 2 de junho de 2025

Restauro dos retábulos da Orada

Ia escrever no título "retábulos franciscanos", mas o que se fez na nossa ermida da Senhora da Orada foi mais que isso. Aos retábulos franciscanos foram acrescentadas pequenas partes, pois a adaptação ao espaço menor da capela terá motivado alguns cortes mais descuidados. É que a Igreja de São Francisco do extinto convento feminino franciscano era maior que a Igreja da Misericórdia e por isso o retábulo que hoje temos seria originalmente bastante maior. Já agora, a Igreja de São Francisco localizava-se no local onde depois o sr. José Lourenço fez um palheiro, cujo edifício ainda existe, encostado à casa que foi dos meus avós maternos e onde, na minha infância, viviam os meus tios Zé Lopo e Maria José Prata.

O meu pai participou na construção desse palheiro e contou-me que na abertura dos alicerces foram encontrados imensos ossos de pessoas ali sepultadas. Também o Pe. Branco me disse que na rua, em frente ao referido palheiro, apareceram imensos ossos humanos aquando da abertura das valas para o saneamento básico, nos últimos anos da década de 60 do século passado. Até cerca de 1826, data da construção do nosso cemitério, enterravam-se as pessoas dentro e em redor das igrejas!

Altar principal. No brasão, ao alto, pode ver-se o símbolo franciscano do braço desnudado de Cristo (aquando da sua morte) cruzado com o braço com o hábito franciscano. O retábulo é policromado, porque tem várias cores: amarelo dourado, azul e rosa. É de estilo barroco e terá sido construído cerca de 1700: porque a época áurea do convento terá sido na segunda metade do século XVII e na primeira metade do século XVIII; porque, na azulejaria barroca, o século XVII é o período do policromado (várias cores) e o século XVIII do monocromado (azul sobre fundo branco). Algo de semelhante se terá passado com a talha dourada. Já agora, este conceito vem do facto destes retábulos serem feitos de madeira trabalhada, talhada com o formão, e serem depois revestidos com tinta amarelo dourado / folha de ouro.


Os retábulos laterais, que eram muito pobres, foram significativamente melhorados. A estes retábulos foram acrescentados altares. Neste, do lado da Epístola (à direita do celebrante, quando virado para o altar), foi colocado São Brás.



Este, do lado do Evangelho (à esquerda), recebeu a Senhora da Graça, oferta de Nuno Álvares Pereira, segundo da lenda.

José Teodoro Prata

quinta-feira, 22 de maio de 2025

Restauro do retábulo do altar da Orada

 

No próximo domingo, dia 25 de maio, pelas 12:20h, realizar-se-á a cerimónia de inauguração do restauro do retábulo da ermida de Nossa Senhora da Orada, São Vicente da Beira, evento integrado na romaria anual à mesma Senhora.

Este acontecimento reveste-se de enorme importância, pois o dito retábulo, que adorna o altar-mor da capela, é policromado, data do século XVII e foi trazido da Igreja de São Francisco do extinto convento das religiosas franciscanas, que existiu nesta vila entre meados do século XVI e 1834, data da sua extinção.

E à enorme importância deste evento acresce o facto de o dito retábulo se encontrar em péssimo estado, a desfazer-se em pó, temendo-se a sua perda irreversível, se não fosse recuperado já.

Bastava esta obra para que o nome de Leopoldo Rodrigues, o presidente da Câmara que tornou esta recuperação possível, fique ligado para sempre à valorização do nosso património cultural e religioso. Por mim, o meu profundo obrigado.

(A foto do brasão franciscano do retábulo é do Jaime da Gama e foi tirada em 2015)

José Teodoro Prata

terça-feira, 20 de maio de 2025

segunda-feira, 19 de maio de 2025

Legislativas 2025

 Como aconteceu em todas as eleições legislativas, desde que existe este blogue (2009), o vencedor na nossa freguesia foi o mesmo a nível nacional. Os dados apresentam-se pela seguinte ordem: freguesia de SVB, concelho de CB e todo nacional (ainda sem estrangeiro):

PSD-CDS: 40,03 / 30,79 / 32,08%

PS: 24,36 / 30,79 / 23,39%

CH: 21,12 / 28,48 / 22,60%

IL: 1,36 / 3,92 / 5,51%

L: 2,21 / 2,87 / 4,18%

PCP-PEV: 1,36 / 1,63 / 3,04%

BE: 1,02 / 1,64 / 2,00%

PAN: 0,68 / 1,00 / 1,35%


José Teodoro

terça-feira, 13 de maio de 2025

Milho-rei

Na última sessão do projeto Conta-me histórias, realizada no Casal da Fraga, o Marinheiro e o Chico Insa falaram da descamisa, nas Quintas, onde houveram nascimento e criação. E a Teresa Marcelino cantou as cantigas que nela se cantavam. Depois a Libânia escreveu este texto, com as histórias que contaram e outras informações que recolheu.

Gosto de broa. Tanto que, em tempos, quase achava estranho o desabafo de quem, como os nossos pais e muitas gerações de avós, não teve outro pão em criança: «Quero cá agora broa! Enchi a barriga dela em novo, que era o pão que havia: broa e centeio; trigo, só nas Festas.» Quase achava estranho porque me lembrava dela ainda a fumegar, aberta pelas mãos da minha avó, logo à saída do forno, regada com um fio de azeite. E era um regalo, nos dias em que passava a Ti Palmira, o Maiaca ou o Pinura, uma fatia de broa com uma sardinha assada a pingar por cima, comida nas escadas da Casa do Casal, entrada de tanta gente…

 

Não vão longe os tempos em que, fins de abril, princípios de maio, todos os lameiros à roda da Ribeira estavam prontos para a sementeira do milho. Era trabalho para toda a família e, se fosse preciso, podia sempre contar-se com a mão de algum vizinho. Depois da semente na terra, estando a Lua de feição, passado pouco tempo era um mar de verde por aí acima.

Durante meses não havia descanso a arrelentar, sachar, mondar e regar. Em alturas de seca havia quem tivesse que regar a meio da noite, alumiado pela Lua ou à luz da lanterna (em tempos idos, o avistamento destas luzes alimentou o imaginário popular, que acreditava tratar-se de almas penadas a vaguear pelo mundo). Lá para finais de setembro o milho estava pronto a ser colhido. Nos anos bons, cada grão deitado à terra dava umas três maçarocas. Não haveria fome na mesa nem na manjedoura.

Naquele tempo, entre o Rabaçal, o Vale Caria, a Senhora da Orada, o Ribeiro Dom Bento e as Quintas viviam para cima de dez famílias, algumas com muitos filhos. Quase toda a gente tinha terras suas, e quem não tinha arrendava-as ou tratava-as ao terço, como a Ti Maria Etelvina ou o Ti Luís Teodoro, que eram terceiros do António Neto.

Era uma vida difícil e de muito trabalho. As crianças vinham a pé para a escola, às vezes descalças e mal agasalhadas. Há quem ainda não se tenha esquecido dum par de reguadas em cada mão só porque, para fugir dum aguaceiro, se demorou num curral à espera que estiasse. Há também quem ainda sinta o gelo a estalar na sola dos pés, memórias de quando vinha por aquele caminho abaixo, nas manhãs frias de inverno.

Os mais velhos trabalhavam de sol a sol durante quase todo o ano. Domingos, só para a missa; quando muito, um copo com algum amigo, que o ganal não esperava. Só se perdia algum dia para ir ao mercado ou à feira do Fundão, onde se aviava o que era preciso e vendia o que se pudesse, quase sempre alguma cabeça de gado. Com tanto trabalho, não havia tempo para grandes folguedos, mas qualquer oportunidade que aparecesse servia para tirar a barriga de misérias. Era assim no tempo das descamisas.

 

«Antigamente as pessoas eram mais dadas e ajudavam-se umas às outras naquilo que podiam. Na altura de colher o milho, era só dizer:

 - Ó Ti Matias (é só um exemplo), amanhã vamos colher o milho, apareçam para a descamisa.

No fim da ceia as pessoas iam chegando, as que tinham sido convidadas e outras só por terem ouvido dizer. Naquele tempo havia poucas ocasiões para divertimentos, e as descamisas, por serem à noite, eram oportunidades que ninguém queria perder, principalmente os rapaz e as raparigas. Quando se sabia duma, passava-se logo a palavra. 

À medida que chegavam, sentavam-se numa roda à volta do monte de milho colhido durante o dia. Não havia lugares marcados, mas toda a gente fazia por se sentar ao pé de alguém por quem tinha alguma preferência, às vezes amores secretos. Arranjaram-se muitos namoros assim.

Os serões eram sempre animados a contar piadas e anedotas que punham toda a gente a rir; e quando alguém começava a cantar:

 

Ó malmequer mentiroso,

Quem te ensinou a mentir?

 

 Toda a gente ia atrás:

 

Tu dizes que me quer bem,

Quem de mim anda a fugir.

 

Desfolhei o malmequer

Num lindo jardim de Santarém,

Malmequer, bem me quer,

Muito longe está quem me quer bem.

 

Malmequer não é constante,

Malmequer muito varia,

Vinte folhas dizem morte,

Treze dizem alegria.

 

E atrás desta vinham outras: “Milho verde”, “No cimo daquela serra”, “Água leva o regadinho”… Mas as mãos não paravam, entre a pressa de acabar o trabalho para começar a festa, e a cata de uma maçaroca vermelha.

Quando se ouvia gritar:

- Milho-rei! Milho-rei!

Calava-se tudo a ver quem tinha sido o felizardo ou a felizarda. Quem quer que fosse, levantava-se e corria a roda a dar um abraço a toda a gente. Para os mais novos era uma libertação, que podiam abraçar-se às claras, sem a censura própria daqueles tempos. Desconfiava-se mesmo que alguns rapazes já levavam de casa uma maçaroca vermelha, só para poderem abraçar as raparigas.

No fim do trabalho, os donos ofereciam qualquer coisa para comer e beber, quase sempre pão com queijo, passas, maçãs… e aguardente para os homens ou jeropiga para as mulheres A seguir fazia-se um bailarico ao toque de realejo. Naquele tempo havia muitos rapazes que sabiam tocar bem, mas o Joaquim Feijão, o João Borrego e o Manel Primo, que vinha do Casal da Serra de propósito, eram dos melhores e estavam lá sempre caídos.

O meu pai é que, mal começava o baile, punha-se logo:

- Ó meninos, dois palmos, dois palmos!

E levantava as mãos espalmadas, unidas pelos polegares. Até parecia que se pegava algum mal, quando o que a gente queria era divertir-se.

E por aqueles dias havíamos de ter outros serões iguais, quer fosse na descamisa do António Remualdo, do Francisco Insa, do João Serra, do António Passaraço, ou doutro vizinho qualquer.»

ML Ferreira

terça-feira, 6 de maio de 2025

quarta-feira, 30 de abril de 2025

Portugal, anos 30-40

 

A exposição atualmente no Centro de Cultura Contemporânea de Castelo Branco é absolutamente a não perder!

Consta de uma mostra de 60 fotografias selecionadas de entre milhares, do fotógrafo amador António Cezar d´Abrunhoza (1881-1941), por Leonel Azevedo. O restaurante O Lagar, na Póvoa Rio de Moinhos, está decorado com fotos deste artista.

A foto que aqui se mostra faz-me lembrar o regresso da minha família paterna à sua terra, São Vicente da Beira. Cerca de1942, o meu avô Francisco decidiu deixar o seu trabalho de hortelão, na Feiteira, Castelo Branco, propriedade da família deste fotógrafo, mas não fora ele que vivera na quinta, pois o patrão era empregado bancário, segundo o meu pai. A tia Celeste era ainda uma criança, mas tinha de tratar das vacas e restante ganal, além de fazer trabalhos domésticos, mas a patroa espancava-a, por tudo e por nada. O meu avô revoltou-se: “Porrada nos filhos, só ele!” Mandou vir um carro de bois, embrulhou as tralhas numa manta e ala para a Vila.

Nessa altura, o meu pai, António Teodoro, tinha 16-17 anos e andava a trabalhar como servente na construção do Liceu de Castelo Branco (1941-44). Depois foi para o Balcaria, acima da Senhora da Orada, como pastor do tio Joaquim Teodoro. Ali terá ficado até voltar a Castelo Branco, para fazer a tropa.

Ele nasceu em Castelo Branco, em 1925, numa casita da Quinta da Granja, que existia em frente à fonte da estrada que vai para as Sarzedas. Esse palheiro existiu ali até à recente urbanização da Granja. Nessa altura, o avô Francisco era o hortelão dessa quinta. Desconheço se a família terá vivido em Castelo Branco desde antes de 1925 até cerca de 1942, quando voltou à Vila. Depreendo que não, mas pelo local de nascimento dos irmãos mais novos é fácil verificar. Sei que a tia Eulália era muito pequena quando regressaram.

José Teodoro Prata

quinta-feira, 24 de abril de 2025

Os feriados da liberdade

 

Amanhã comemora-se o 25 de Abril e logo a seguir o 1.º de Maio de 1974. Foram e são momentos marcantes na história da nossa jovem democracia. Este ano com importância acrescida, pois amanhã completa-se meio século das primeiras eleições livres após os 48 anos de ditaduras (Militar e do Estado Novo) que sufocaram Portugal. Foi nestas eleições que se elegeram os deputados à Assembleia Constituinte, a qual redigiu a Constituição democrática que nos serve de guia, a nossa bíblia.

Nestas eleições de 1975, a percentagem de votantes foi de 91%, tal era a sede de participação cívica dos portugueses! Depois começou a decrescer, talvez porque muitos julgassem que isto de fazer um país é coisa fácil. Até os compreendo, pois senti essa inquietação quando, no 25 de abril de 74, um professor, o padre Vaz, disse na aula de Filosofia que isso de mudar um governo era fácil, mas mudar as mentalidades demorava muitos anos. Mas aguentei o choque e nunca deixei de participar na nossa vida democrática.

O mesmo não aconteceu nas comemorações destas datas marcantes. Naquela segunda metade da década de 70, o meu pai aproveitava os dois feriados para lavrar e semear as terras serranas que havíamos herdado dos avós maternos: Ribeiro Dom Bento e Horta de Estêvão. Só nessa altura elas estavam prontas para a lavoura e toda a família era mobilizada, sem contemplações, como no ano em que organizei, como membro da direção do Clube, um jogo de futebol entre solteiros e casados para o 1.º de Maio ou o ano do meu estágio como professor, em que passei um longo fim de semana, como o deste ano, a trabalhar e só à noite tinha tempo para planificar a semana de aulas que me cabia nos dias seguintes. Claro que deu mau resultado!

Mas a verdade é que fiquei preso a esses anos e nunca a posterior vida citadina me encheu tanto as medidas como aqueles dias a sentir o despertar da terra. Fico por aqui, mas com a cabeça lá.

Viva a liberdade de eleger e ser eleito, a liberdade de lutar por uma vida digna, a liberdade de ser quem somos!

José Teodoro Prata

sexta-feira, 4 de abril de 2025

O nosso falar - Dar a salvação

Uma das melhores formas de aprender é por imitação, principalmente quando se trata de regras de convivência social. Dar a salvação é um bom exemplo. Desde crianças que começámos a dizer bons dias, boas tardes ou boas noites a toda a gente por quem passávamos (os mais velhos ainda nos lembramos de ouvir Nosso Senhor lhe dê bons dias; Nosso Senhor o ajude; Vá com Deus, Nosso Senhor o acompanhe…). Ninguém nos disse que tínhamos de o fazer, mas imitávamos o que víamos aos nossos pais e a outros adultos significativos, sempre que passavam por alguém na rua, fosse ou não gente da terra.

Negar a salvação era a pior ofensa que se podia fazer a alguém, e só acontecia quando a zanga era séria; por isso, a primeira vez que íamos à cidade (para muitos era a ida a Castelo Branco para o exame da quarta classe) achávamos estranho que as pessoas passassem umas pelas outras e não dessem a salvação, como se andassem todas zangadas. A situação piorava quando, como aconteceu com alguns de nós, íamos viver para uma cidade maior. Sentíamos que parte da nossa humanidade tinha ficado para trás.

Regressados à terra, muita coisa mudara: as crianças tinham-se feito homens e mulheres e já não tínhamos o nosso pai e a nossa mãe a esperar-nos à porta de casa. Apesar disso continua a ser reconfortante passar por alguém na rua e, muitas vezes, poder ir para além dum apressado «bom dia». Estranhamente, começa a ser frequente cruzarmo-nos com pessoas, geralmente mais novas, que, de tão mergulhadas nas próprias bolhas, passam pelos outros como seres invisíveis.

Há quem diga que é só falta de educação; é possível que seja sobretudo sinal de um tempo de maior isolamento e solidão…

ML Ferreira

quinta-feira, 3 de abril de 2025

Os sapos

Sapo entre as ervas, ontem de manhã, na minha horta dos Cebolais. Por pouco não o cortei com o foição!

O meu pai vomitava de nojo, quando via um. E as cabras não deviam comer na zona onde um sapo fosse avistado, pois envenenavam tudo! Por isso era procurado incansavelmente até ser morto. Crenças injustificadas, segundo a ciência.

São bons para as hortas, pois comem insetos, caracóis, lesmas... Acabo de ler na net que são bioindicadores de um ambiente saudável! Vivem em ambientes húmidos, para a reprodução e para manter a pele húmida, pela qual respiram.

José Teodoro Prata

sábado, 29 de março de 2025

Alheiras e brincadeiras

A matação tinha, no nosso passado, uma dupla função: económica e social (Albano Mendes de Matos, “A Matação na Gardunha”. 2007). Económica, pois garantia às famílias a proteína para alimentar os corpos ao longo de todo o ano; social, porque era uma reunião de família e até agregava amigos e vizinhos mais chegados.

A interajuda era por isso uma constante, começando na véspera da morte do animal e prolongando-se pelos dias necessários, até o fumeiro estar repleto e a salgadeira cheia. E, nessa partilha de tarefas e saberes, nunca faltava o convívio, muitas vezes em forma de brincadeiras.

O Chico, matador experiente e grande contador de histórias passadas, contou-nos algumas. Havia um homem muito mulherengo, que achou no bolso do casaco a genitália de uma porca várias vezes parideira acabada de matar. Ficou furioso e logo apontou um culpado. Não, disse uma mulher, fui eu, para que tenhas uma ao teu dispor, sempre que te apetecer e essa é bem grande!

Outro costume das matações era os homens meterem nos bolsos dos rapazes os cascos (as sapatas/as unhas) que tiravam das patas dos porcos. Arrancá-las era das tarefas mais complicadas, pois tinham de ser bem queimadas, até ficarem quase em brasa, depois eram pontapeadas e finalmente arrancadas com um puxão violento e rápido, antes que se queimassem as mãos, que se queriam calejadas. Um dia, alguém arrancou uma unha e atirou-a ao ar, na urgência de a largar. Um rapaz abalou aos gritos e saltos, pois a unha quase em fogo entrara-lhe pelo colarinho da camisa desabotoada e descera pelas costas.

Estes meses frios, próprios para as matações, seriam dos períodos do ano mais complicados para aqueles dos cristãos-novos que nos séculos passados persistiam secretamente nas crenças e práticas do judaísmo. Para os povos do Médio Oriente, o porco é um animal imundo, que não se deve comer. Tanto o judaísmo como o islamismo incorporaram essa regra na sua teologia, embora a crença seja possivelmente anterior a estas religiões. É estranho que mesmo ao lado, na civilização egípcia, muito anterior àquelas, se acreditava que a deusa Nut, a abóbada celeste, era uma porca deitada a alimentar as suas crias, os corpos celestes (devorava-os ao amanhecer, por isso estão ocultos à luz do dia, mas vomitava-os no crepúsculo da tarde, tornando-se visíveis na escuridão da noite). Outros povos no passado e no presente (Nova Guiné) consideram o porco um animal sagrado e por isso o sacrificam e consomem apenas em moimentos especiais, como oferenda aos deuses. Sabendo nós que judeus e muçulmanos não comem porco por ser imundo, mas consomem galinha, igualmente devoradora de imundices, será que esta interdição de comer carne do porco teve antes origem, em épocas primitivas, no seu carácter sagrado? Aqui socorremo-nos novamente da obra “A Matação na Gardunha” de Albano Mendes de Matos.

Desconhecemos a origem da crença e os nossos antepassados cristãos novos também não saberiam, nem isso lhes interessaria, se fosse essa a sua fé. Para a esconder, inventaram as alheiras, enchidos feitos de carnes de aves e caça, com que compunham o fumeiro e assim enganavam os vizinhos cristãos velhos. Mas como evitar a “festa” da matação, sobretudo para aqueles bem inseridos nas comunidades e até unidos por laços de sangue?

Crenças à parte, o porco devia ser bem alimentado, o que dependia muito das posses dos seus donos. A sua rotina alimentar constava da habitual lavadura, água obtida de uma pré-lavagem das loiças da alimentação humana, a que se misturavam os farelos (cascas dos cereais). Pelos campos, apanhavam-se saramagos, labaças, beldroegas… Na minha infância, contava-se que o Doutor Alves dissera a alguém que desse couves ao porco para tornar a sua carne mais saborosa. Comia, pois, couves, nabos e botelhas da horta e meses ou semanas antes da matação engordava-se com bolota e bagaço dos lagares. Era uma delícia comer o rabo do porco cozido, acompanhado de legumes, no Domingo Gordo!

(Coisas de que falámos na 6.ª sessão do Conta-me histórias, no Casal da Fraga, dia 17-03-2025)

José Teodoro Prata

quarta-feira, 26 de março de 2025

Quaresmas

 

Chamamos-lhes quaresmas (as brancas) e por este dias enfeitam os nossos campos. Estas estão nos bordos do caminho, no Ribeiro Dom Bento, para as Quintas e a Senhora da Orada.

Nome científico: Saxifraga granulata.

José Teodoro Prata

quinta-feira, 20 de março de 2025

A matação


 
É de gelo o ar na alvorada deste fim de janeiro; o céu, coberto de nuvens, talvez para que a falta de claridade encubra um pouco o que está prestes a acontecer.

Aqui, sou a única mulher entre vários homens, quase todos partilhando semelhanças, físicas e de modos, comuns a irmãos, filhos, tios e primos. Estão de copo na mão, à roda de uma fogueira, perto da pocilga. «Não tem menos de oito arrobas!», gaba-se o dono, que andou a engordá-lo a bolota e bagaço nas últimas semanas. Há quem se ria do exagero.

Esvaziados os copos, um dos homens entra dentro da pocilga, ata uma corda numa das patas do porco e tenta arrastá-lo para fora. Mas ele não quer sair, e grunhe, aflito. Entram mais dois: um empurra o animal pelo rabo e o outro puxa-o pelas orelhas. Já cá fora, ajudados por outros homens, levam-no até perto de um banco de madeira, comprido e largo; juntando forças, estendem-no em cima, deitado de lado, e tentam amarrar-lhe as patas com cordas, mas o animal continua a grunhir e a estrebuchar, e quase cai do banco abaixo. Os homens enervam-se e berram, atribuindo culpas uns aos outros, mas, por fim, conseguem imobilizá-lo. O dono do porco desculpa-se com outros afazeres e afasta-se.

Uma mulher aproxima-se com um alguidar de barro e coloca-o por baixo do pescoço do porco, já bem lavado e seco. O matador espeta a faca de forma certeira e o sangue escorre, farto, para o alguidar onde a mulher o apula e vai mexendo com uma colher de pau. Depois de muita luta, o animal desiste, e deita cá para fora o último sopro de vida. Há quem se ria: «Olha, já deitou a morcela!».

Alguns homens vão chamuscando o corpo do porco com carqueja a arder; outros, por traz, raspam-lhe a pele com a navalha que cada um traz no bolso. Demoram-se mais nas orelhas, até ficarem bem limpas, e nos pés, até saltarem as unhas. O cheiro a pele e a pelo queimado mistura-se com o cheiro a sangue e a medo. Depois de bem lavado, carregam o animal para a loja, preso no chambaril pelas patas traseiras, e penduram-no na sonave.

O dono do porco reaparece; chegam também algumas mulheres; uma com um tabuleiro de madeira debaixo do braço. É nele que o matador coloca as tripas retiradas através de um corte feito desde a cabeça até ao rabo do animal. Corta depois um pedaço de toucinho da barriga e entrega-o a uma delas: é para o seventre. Um homem reclama a passarinha e as morejas para o petisco a acompanhar a prova do vinho da última colheita.

Três mulheres abalam para a ribeira; uma com o tabuleiro à cabeça; as outras com baldes cheios de laranjas, sal e vinagre, para lavarem das tripas. As outras juntam-se na cozinha e, enquanto umas se ocupam do almoço, outras pegam em facas e tesouras, e todas sabem o que têm a fazer. A forma como aproveitam a carne ensanguentada, a cortam e temperam com sal, cominhos, salsa e sumo de laranja, tudo misturado no alguidar onde guardaram o sangue, diz bem da experiência e das memórias colhidas de mães e avós. Na rua, os homens falam mais alto, alguns já a justificar o dito «Porco morto, aguardente no corpo; porco virado, mais um copo emborcado; vira-se outra vez….», que cumpriram à risca.

 

À mesa, entre novos e velhos, sentam-se para cima de vinte pessoas; quase só homens, que as mulheres, depois da sopa, não param de encher travessas com arroz de bacalhau, feijão baqueado, batatas cozidas, ervas e seventre, que vão servindo aos homens. «E o vinho, já se acabou? Tragam mais vinho, não quero copos vazios em cima da mesa!» reclama o dono da casa.  

O cheiro à morcela da prova, acabada de assar, espevita o resto da gula de todos.

 - Parece que este ano ainda estão melhor!» Comenta alguém.

 - Cá na minha casa é tudo bom, que eu trato o ganal como é dado!

 - Estás a dizer que eu não trato bem o meu?

 - Então quanto é que o teu pesava? Vá, diz lá!

 - Cento e dez…

 - Pois fica sabendo que o meu há de pesar mais uns vinte.

 - Como é que sabes? Já o pesaste?

 -Não pesei, mas avalia-se pelos presuntos, ou não sabes que é pelos presuntos que se vê?

 - O que eu sei é que todos os anos dizes a mesma coisa e depois vai-se a ver…

 - Quando? Quando é que eu disse que o meu pesava mais que o teu e era mentira?

A cunhada interrompe:

 - Já chega! Mas será possível que sempre que vocês os dois se juntam à mesa, há discussão?

 - Se sou ofendido, não tenho que me defender? Que diabo!

 - Acabem lá com isso e comam as papas, que estão de comer e chorar por mais.

E a conversa prossegue durante o café, amolecida agora por mais um copinho de aguardente «para ajudar a desmoer»:  

 -Este até me seguia. Era só dizer: «anda, anda» e ele vinha atrás de mim. Levava-o para o leirão de baixo para comer a azeitona caída e no fim era só dizer: «Anda embora», e ele vinha.

O matador não quis ficar atrás:

 - Um cabrito que eu lá tinha também era a coisa mais esperta que já se viu. A mãe rejeitou-o e tive que o criar a biberão. O corno andava comigo para todo o lado. Eu vinha para aqui e ele vinha, eu ia para ali e ele ia. Pelo Natal chamaram-me aí numa casa para ir matar um cabrito. Fui e quando volto o gajo vem ter comigo, que sempre que chegava, ele vinha ter comigo. Chego-me à beira dele para lhe fazer uma festa e o gajo cheira-me e começa recuar, desconfiado. Chamo-o “Anda cá”, e ele foge-me. Fiquei preado! “Anda cá, seu filho duma cabra, que eu já te enxofro”, corri atrás do gajo e pumba: acertei-lhe mesmo no meio dos cornos. Nem fui capaz de o comer… Isto para dizer que os animais são espertos… Mais que algumas pessoas.

Depois, volta-se para o dono da casa:

- Mas se te custa tanto matar os bácoros, porque é que os crias? Deixa-te disto.

- Já estava criado, o que é que querias que lhe fizesse? Fazia como a Ti Porquéria que teve lá um que até já tinha os dentes revirados?

- Eu sou franco, também não é trabalho que goste de fazer, mas se não sou eu e mais um ou dois que ainda por aí há, quem é que mata algum porco que por aí se vai criando? Dantes havia cá muitos matadores: era o Mudo, o Fernando Latoeiro, o João da Resgate, o Fecisco Ramalho…; no Casal era mais o Jaquim Pique, mas havia outros que também se ajeitavam. Nesse tempo, por esta altura, não tinham mãos a medir. Quase que se governavam só com os presentes que recebiam. Tudo do bom e do melhor; só de lombo, quem desse menos que uma mão-travessa, estava chapado…

Já era noite quando o matador foi desmanchar o porco. Depois, ajudado pelo dono, meteu os presuntos e outros bocados de carne e toucinho na salgadeira, cada peça devidamente separada da outra com sal: por cima as que se comiam mais cedo; por baixo as que ficavam para o tarde.  

As mulheres terão ainda muito que fazer durante alguns dias a cortar e temperar as carnes e gorduras destinadas aos enchidos: primeiro as morcelas, depois as chouriças e no fim as farinheiras. As varas do fumeiro vão ficar penduradas sobre a lareira até tudo estar capaz de ser guardado para ser comido pelo ano fora.

 

ML Ferreira