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quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Dia de todos os santos/halloween

Vêm aí o dia de todos os santos ou halloween, como se diz em inglês.
As nossas tradições desta época foram-nos trazidas pelos celtas, grupo de povos que habitaram a Europa, há cerca de 3000/2500 anos. Os Lusitanos eram seus descendentes. As tradições que nos deixaram foram as mesmas que deixaram na Inglaterra e Irlanda, as quais depois atravessaram o Atlântico e retornam agora pela televisão, na forma do halloween, que deixa as nossas crianças cheias de pena por não terem tradições iguais.
Em vez de me perder em explicações, vou contar uma história verdadeira.


Estávamos no Outono de 1974 e, na ala nova do Seminário do Tortosendo, logo à entrada, ficava o dormitório de quatro vicentinos: o Chico Barroso, o Zé Augusto, o Zé Teodoro e o Quim Trindade. Este dormia no segundo dormitório e os outros três logo à entrada.
Tínhamos um grande amigo da cidade que nos moía o juízo com marcas e modelos de carros, entre outras coisas do mundo urbano, a nós repletos de terra e de sol, como escreveu o Eugénio de Andrade, e mais das águas que corriam nas fontes e regadias da serra.
Aproximava-se o dia de todos os santos e resolvemos ensinar-lhe como era na nossa terra. O Quim foi à quinta e escolheu uma abóbora bem grande. Mas não era coisa que se levasse debaixo do braço, pela porta de entrada. Arranjámos um cordel com o comprimento da altura da estrada à janela e, comigo a puxar a abóbora atada pelo Quim, lá em baixo, ela foi trazida para os quartos, não sem uma descida vertiginosa a meio da subida, pela passagem do carro do nosso reitor.
A abóbora ficou aos cuidados do Quim, que lhe cortou uma tampa, tirou o miolo e abriu uma boca dentada. Lá dentro, a meio, uma vela ficou a aguardar pelo escuro da noite.
Deitámo-nos e no primeiro dormitório ficámos a conversar tranquilamente, já com as luzes apagadas. Pouco a pouco, a conversa foi indo para as histórias de bruxas e almas penadas, pela boca do Chico Barroso. Eu e o Zé Augusto compúnhamos o ramo, ajuda fraca e até dispensável face à mestria do Chico nas artes do falar, apenas útil para reforçar a credibilidade do que ele contava. Só me lembrei da história do lobo branco, que aparecera, nas Tapadas, a um filho do tio Miguel Rodrigues e a tia Ana Prata. Ficou com os cabelos em pé, de tão arrepiado! E quando contei ao Chico que, à noite, da Tapada, víamos umas luzes na serra onde ele morava, em vez de explicar que era ele e o pai à cata do texugo que lhes comia o milho, falou de espíritos do outro mundo.
O ambiente foi-se carregando e no dormitório ao lado já o Quim trepara com dois amigos para a arrecadação das malas. Por entre as nossas histórias, começaram a ouvir-se uns barulhos e gemidos vindos do alto da arrecadação, fechada com uma porta. E a narrativa fantasmagórica passou da Gardunha para o nosso dormitório, com epicentro na arrecadação onde ninguém ia.
Os gemidos tornaram-se gritos e correrias, com malas atiradas pelo ar. Ambiente aterrador. Depois o silêncio, temperado com as nossas interpretações do que poderia ser: espíritos, almas do outro mundo, com certeza.
A tensão já estava no limite e os gritos e ruídos ainda redobraram de intensidade. No quarto, pairava um sentimento de terror total! De repente, no escuro da porta aberta da arrecadação, apareceu uma caveira iluminada a falar com uma voz cava, acompanhada de ruídos estranhos. O nosso amigo teve um ataque de pânico, começou a gritar e nós saltámos das camas, aflitos, a acender as luzes e a acalmá-lo, pois suava frio e tremia como varas verdes. Um de nós foi ao outro quarto dizer aos colegas que a brincadeira acabara e todos corremos a remediar o mal que tínhamos feito.



Passados estes anos, surpreende-me que as tradições ancestrais desta quadra estivessem tão vivas nas nossas cabeças, como que inscritas nos nossos genes.
Mandem as vossas crianças pedir o santorinho, mas que não digam doçuras e travessuras. Quanto às almas do outro mundo, não vale a pena assustar a criançada. Os nossos santos que descansem em paz.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

A Fonte Velha

Por Francisco Barroso

Já me apercebi que os Vicentinos que vivem fora e que gostam da sua terra têm hoje mais uma forma de matar saudades. Visitar o Dos Enxidros. Já o sabia quanto ao pessoal de Lisboa, onde o autor tem imensa família e amigos, mas confirmei, este Verão, o mesmo hábito no pessoal que vive em França.
É realmente bom visitar este blog. Saber as novidades e conhecer mais da sua história através dos textos que o Zé Teodoro nos oferece depois de horas imensas de investigação, em livros antigos que nós nem sequer conseguiríamos decifrar. Obrigado, Zé. Mas, o coração aquece mesmo é quando lá chegamos, depois de mais uma longa ausência fora.
Eu ainda sou do tempo em o pessoal de Lisboa ia à Senhora da Orada de camioneta e chegavam a cantar: Ó meu S. Vivente amado, tu és banhado pela ribeira, tu és a terra mais linda, p’ra mim tu és a primeira. Esta é a prova de que o aquecimento do coração é intemporal. Voltar à terra que nos gerou é sempre algo de reconfortante, de extraordinário.
Posto isto, no qual certamente todos estamos de acordo, há alguns factores que começam a mostrar-se preocupantes. O primeiro é a acelerada perda de população. Todos os anos há uns quantos que partem e nunca mais regressam do sítio para onde vão. As ruas cada ano mais desertas e cada vez mais casas fechadas. Os que estão fora e sonham regressar aquando da reforma vêm essa hipótese cada vez mais longínqua, com o provável aumento dos anos de trabalho para a obter. Chega a ser desolador quando vou à azeitona e às oito da noite não se vê vivalma nas ruas e os cafés desertos, sem ninguém para dois dedos de conversa.
O outro factor já é antigo. É o estado deprimido dum dos locais nobres e mais bonitos da Vila: a Fonte Velha. Uma terra como a nossa, com uma das praças medievais mais bonitas que conheço, bem arranjada e conservada e depois aquela fonte, meu Deus, que quase mete medo. Um local que é uma das suas principais portas de entrada, onde tantos vizinhos do Sobral, Ninho, Tinalhas e de C. Branco vêm no Verão buscar água e que era para estar num brinco, mas não sei porquê, nunca ninguém se preocupou com ela.
Porventura esquecemo-nos que a Fonte Velha é um lugar mágico, que não nos mata só a sede. Foi ali que os nossos pais sonharam o amor. Foi ali que se começaram tantos namoros. Era ali que se esperava pelas raparigas à tardinha, quando iam com o cântaro buscar água fresca para o jantar. Ali se trocaram (e trocam) tantos beijos, tantos afectos…é por isso que é mágico, porque é o ponto de tantos encontros.
Fiquei deveras feliz quando soube que a Banda vai fazer ali a sua sede e recuperar as casas a seu lado. Com a do Zé Passaraço que está um brinco, um dos lados fica arrumado.
Quanto ao outro, o barracão do Quintalinho já devia ter sido demolido há vários anos, porque não faz qualquer sentido manter-se, depois da Casa do Povo construída. A casa paroquial, que é da comunidade e não do Pároco, é outra vergonha nossa, porque nunca a conseguimos acabar. Nunca se pintou e ficou com uma varanda de costaneiros que acabou por cair de podre ainda há pouco tempo. E foi por falta de dinheiro? Não foi. Foi por falta de brio, de vaidade daquilo que é nosso.
Já agora acabo o projecto. O logradouro da casa paroquial, que mais parece um estaleiro deve ser arranjado. Um pequeno jardim fica muito caro? A Junta podia cuidar dele, porque é ela quem em primeiro lugar deve zelar pelos interesses colectivos. As flores e algumas árvores podiam ser oferecidas. A água para o regar não falta. Os contentores do lixo deviam estar num sítio menos visível e menos bonito.
Parece que o que falta mesmo é gosto e generosidade. Mas generosidade como? Se a Vila está cheia de gente generosa? Vejam a quantidade enorme de pessoas dedicadas à causa pública. Não sabem quem são? Eu digo. Todos os músicos da Filarmónica e a sua Direcção. O seu presidente, por exemplo, poderia estar a gozar a sua magnífica reforma a namorar a sua Daniela. Quanto do seu tempo dá à causa? Digo o mesmo das pessoas envolvidas no Rancho, novas e velhas. Querem um exemplo de grande dedicação à comunidade? O meu amigo Zé Taleta. Tem o seu emprego, trabalha a sua horta, faz os seus treinos com a regularidade de um relógio, levando o nome de S. Vicente a todas as corridas em que entra, andou anos e anos na Banda, e agora no Rancho. O João Paulino quanto do seu tempo deu e dá ao GEGA e o Zé Teodoro quanto do seu tempo nos dá para manter o seu (nosso) blog?
O meu muito obrigado a todos vós que ajudais a manter a Vila em pé. Sobre a recuperação da fonte é bom que pensemos nisso, ou como diria o outro: “era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto”. Não acham?
Lisboa, 15 de Outubro de 2011.





sábado, 15 de outubro de 2011

A capela-mor da Igreja Matriz

No «Anno de Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil oito centos e trinta e seis, em os sete dias do mez de Agosto…», reuniu a Junta da Paróquia, na sacristia da Igreja Matriz, como habitualmente.
O Presidente Francisco Lobo informou que já estavam tomadas as contas da Fábrica Maior, ao fabricário Joze Henriques, e que existia um alcance líquido de cinquenta e dois mil, duzentos e vinte e seis réis. Propôs então que desta quantia se despendesse o necessário para a feitura da parede da capela-mor da Igreja Matriz, em atenção à precisão que havia de se reparar aquela parede sem demora. A proposta foi aprovada.
Na reunião seguinte, 14 de Agosto, o Presidente anunciou que já ajustara a obra da parede da Capela-Mor com os pedreiros João Faustino e José António, por não haver outros mestres que a pudessem fazer com a brevidade necessária.
Os pedreiros pediam vinte e quatro mil réis, pela feitura da parede e pela grade de ferro para a fresta que havia de levar, livres de carretos de pedra e barro e madeira para os andaimes e dando-se-lhes alguma gente para a abertura do alicerce.
Os membros da Junta aprovaram o ajuste indicado e pediram ao Presidente que se encarregasse de dirigir a obra.
Tudo registado em acta, pelo secretário da Junta da Paróquia Caetano José dos Santos.

A actual capela-mor e a zona envolvente, incluindo a sacristia, datam dos anos oitenta do século passado, mas, na altura, o espaço apenas foi recuperado e reorganizado. Em termos de área útil, esta parte da Igreja resulta das obras de ampliação que ali se realizaram, em 1918, como informa a inscrição na porta da sacristia.
O Tó Sabino falou-me, há dois anos, de uma foto da Igreja antes desta ampliação, mas não a conheço. Por isso vou tentar descrever esta parte da Igreja, com base noutras fontes.
A capela-mor é a parte da Igreja onde se situam o altar e o sacrário e em que decorrem os ritos litúrgicos (missa…). Como bem sabem os rapazes e raparigas da minha idade, nos anos 60, as cerimónias religiosas decorriam no altar do fundo da capela-mor, quase sempre de costas para os fiéis, todos de frente para o sacrário. Só depois se acrescentou o altar onde actualmente decorrem os actos religiosos.
Seria naquele altar do fundo, cercado de adornos em talha dourada, do tamanho de toda a parede, que se celebravam os ritos religiosos. Mas, se repararem no tecto da capela-mor, existem duas filas de caixotões pintados e três filas de caixotões em madeira limpa. Até 1918, a capela-mor tinha apenas o tamanho dessas duas filas de caixotões decorados e por isso o altar-mor estaria imediatamente atrás do actual altar onde se celebram os actos.
A sacristia seria muito diminuta e localizar-se-ia na capela lateral do lado da Praça, onde hoje está o novo sacrário. Na parede exterior, por detrás do altar-mor, havia uma fresta com grade de ferro, como informam os documentos acima apresentados.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Reforma da Administração Local

O Governo apresentou, no passado dia 26 de Setembro, o Documento Verde da Reforma Administrativa Local.
Por acordo com a troika, em meados do próximo ano devem estar lançadas as bases desta reforma e publicada a legislação de suporte.
O jornal Gazeta do Interior, de C. Branco, traz esta semana artigo de fundo sobre o tema.

Algumas questões:

- Confirmaram-se os meus receios: incentiva-se a fusão de municípios, mas a extinção de freguesias é a prioridade. Pudera, é nos concelhos e em volta das câmaras que gravitam as elites partidárias locais, no poder agora ou daqui a uns anos. Afrontá-las seria criar fracturas nos partidos, comprometendo apoios às direções nacionais!

- Na reforma administrativa que extinguiu o concelho de S. Vicente da Beira, em 1895, salvaram-se os concelhos minúsculos de Vila de Rei, Vila Velha de Ródão, Penamacor e Belmonte. Alguns chegaram mesmo a ser extintos, mas restauraram-se de novo, só pelo de S. Vicente ninguém acudiu, como se lamentava Hipólito Raposo. Agora, cem anos depois, preparam-se para continuar a sobreviver. Pelo menos o de Vila de Rei não será tocado, pelo peso que tem dentro do partido do Governo.

- No artigo da Gazeta, vários autarcas da região defendem que, em vez de extinguir freguesias isoladas, a prioridade devia ser extinguir as freguesias das sedes dos concelhos, que não servem para nada, pois aí são as câmaras que fazem tudo. Nas sedes dos concelhos, apenas no século XIX foram criadas as Juntas da Paróquia, nos séculos anteriores eram as câmaras a cuidar dos assuntos das sedes concelhias. Sem esta medida e sem a extinção dos concelhos pequenos, não vejo onde se vá poupar alguma coisa, sendo esse o principal objectivo desta reforma.

- O critério será, segundo o documento, extinguir freguesias com menos de 500 habitantes. No nosso concelho, estão nesta situação o Sobral do Campo, Ninho do Açor, Freixial do Campo, Juncal do Campo, Cafede, Monforte da Beira e Mata. São Vicente da Beira, com 1261 habitantes (Censo de 2011), é a quarta freguesia mais populosa do concelho e também uma das maiores em área geográfica. A lei não a obrigará a alterações.



- Em princípio, não sou um partidário cego das freguesias atuais. Muitas vezes, elas dividem os povos mais do que os unem. Por exemplo, Cebolais de Cima e Retaxo são duas freguesias do mesmo concelho, encostadas uma à outra, por uma rua que nem sei a qual pertence. Juncal e Freixial, quase igual. Cafede é uma minúscula aldeia ao lado de C. Branco, quase um mini dormitório. Dos tempos antigos, perdemos a solidariedade, a partilha, a união. São valores a renovar nesta reforma. Associação generalizada de freguesias pequenas e/ou contíguas, independentemente do número de habitantes, porque não? (Mas não percebo onde se consiga poupar dinheiro que se veja!)

- Mas temo por este extingue-se e depois logo se vê. Não vai haver tempo para as ideias amadurecerem, fazendo germinar novas realidades, novas práticas de vida comunitária. O que está em risco de morrer é nada menos que a democracia local, a proximidade com as pessoas, a participação das comunidades na resolução dos seus problemas. Claro que não é a associação de freguesias, só por si, que implicará esse risco, mas sim as soluções apressadas. Há uns tempos conheci um ditado que retrata esta ideia: cadelas apressadas parem cachorros mortos. Estamos a esquecer-nos demasiado das pessoas: a lógica atual é a precaridade e o desemprego, porque se poupa; fechar serviços, porque se poupa; diminuir os transplantes, com a consequente morte dos pacientes, porque se poupa… Cresce um sentimento generalizado de abandono, entre as gentes.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O nosso falar: trogalho

É um trogalho, trogalhão ou trogalheiro quem se engana frequentemente naquilo que quer dizer. Troca tudo, mete os pés pelas mãos.
O dicionário informa-me que um trogalho é uma pequena corda para servir de atilho. Não foi por aqui que os nossos antepassados qualificaram quem diz trogalhices.
Trogalho significa também uma pessoa desajeitada. Mais não diz o dicionário e por isso ficamos sem saber se esta falta de jeito se aplica a tudo ou só ao falar, como na nossa freguesia.
Chamar a alguém trogalhão ou trogalheiro é uma forma carinhosa de se referir às suas dificuldades em se expressar pela fala. Normalmente, aplica-se às crianças e aos idosos, pessoas em quem a trogalhice é natural. Mas, por uma questão de respeito, raramente a usamos em relação a alguém que diz trogalhices por motivos de saúde.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Uma sede para a banda


Com 100 anos, a Filarmónica Vicentina já merece uma casa sua. A Direcção e a Câmara Municipal estão a tratar disso.
O local é um dos mais bonitos da Vila: a casa e quintal que foi de João Coxo, junto à Fonte Velha, e uma outra casa encostada, a dar para a Rua Dona Úrsula.
A nossa banda ganha uma sede e requalifica-se aquele espaço, já em ruínas.
Só falta a casa da família Cunha e o largo da fonte ficará um brinquinho!

terça-feira, 27 de setembro de 2011

O nosso falar: malina

A palavra tem outros significados, mas, nos sentidos que lhe damos, é o mesmo que maligna.
No referente à saúde das pessoas, a palavra malina designa uma doença contagiosa, como uma gripe, mas tem sobretudo o sentido de algo ruim, incurável.
Nas plantas, aplica-se a doenças como o oídio (cinza) e o apodrecimento dos gachos ou a cinza e os piolhos nos feijoeiros. Como viram em recente comentário do Ernesto Hipólito, a vindima este ano foi fraca, porque deu a malina dos gachos.
Conheço um agricultor de fim de semana que se iludiu com o bom tempo do ano passado, não tratou as videiras, nesta primavera, e agora restam-lhe as uvas morangueiras. E viva a festa!
Mas malina também pode usar-se para apreciar o carácter de uma pessoa. Uma mulher malina é maldosa, mal-intencionada, gosta de fazer mal. No masculino, a mesma coisa e ainda sinónimo de diabo. Ele que não existe no feminino, talvez porque, quando foi criado, as mulheres não eram suficientemente importantes para serem dignas da maldade de que ele é capaz.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

A côngrua de 1836

A Junta da Paróquia reuniu, no dia 9 de Outubro de 1836, a fim de «…arbiterar ao Reverendo Parrocho desta Freguesia huma congrua decente e razoável, conforme o seo trabalho e as posses dos Fregueses…».
A ordem vinha do poder central, via Câmara Municipal, acompanhada de cópia do decreto de 19 de Setembro.
O que sendo tomado em consideração «…com toda a madureza, que o objecto demanda, acordou a Junta que em atenção áo trabalho, que o Reverendo Parrocho tem na Administração dos Sacramentos por ser esta Freguezia numerosa e constar de Povos dispersos, que a Congroa annual fosse arbiterada na quantia de duzentos mil reis em dinheiro não só por que nesta quantia veria a emportar a sua congroa antiga, que as Comendas lhe pagavaõ em géneros, mas (…) naõ devia parcer excessiva tendo consideraçaõ á grandeza da Freguezia.»

Há séculos que as comendas de Avis e de Cristo beneficiavam dos rendimentos da Igreja, no concelho, e por isso pagavam as suas despesas. Em 1758, Ordem de Cristo pagava ao Vigário 17500 réis em dinheiro, 4000 réis em casas de aposentadoria, 300 alqueires de pão meados trigo e centeio, 40 almudes de vinho em mosto, 7,5 alqueires de azeite e metade do pé de altar; a Ordem de Avis pagava-lhe 14000 réis e metade do pé de altar.
Mas a revolução liberal de 1820, confirmada pela vitória dos liberais na guerra civil de 1828-34, acabou com essa realidade, ditando novas regras, que aqui dou a conhecer.

O mesmo decreto mandava «…arbiterar áo cobrador huma cota razoável pelo seo trabalho…» e por isso acrescentou-se a quantia de seis mil reis, «…que vinham a ser dois e meio por cento como se costuma dar aos recebedores da fazenda Publica.»
E era necessário ordenado para o sacristão «…que ajude o Parrocho no serviço da Igreja…» . Como a Junta não tinha dinheiro para lhe pagar, decidiu-se cobrar mais cinco mil e setecentos e sessenta réis.
Côngrua para o pároco + ordenado do sacristão + pagamento ao cobrador = duzentos e onze mil, setencentos e sessenta réis. Esta quantia devia ser derramada (dividida) pelos fregueses.
No dia 1 de Janeiro do ano seguinte, o rol (lista) dos chefes de família da freguesia já estava pronto e por isso se decidiu cobrar a côngrua, imediatamente, sendo nomeado, para cobrador, João Duarte Marques.

sábado, 17 de setembro de 2011

O nosso falar: gacho


Gacho de moscatel branco.

Com as vindimas quase no fim, há que recordar a palavra gacho. Este ano os gachos estavam fracos. A humidade primaveril favoreceu o aparecimento de doenças, sobretudo do oídio.
Andei toda a semana a pensar esta palavra, que não existe com o sentido que lhe damos. Gacho é a parte posterior do pescoço do boi, em que assenta a canga, o cachaço. Também se usa para designar uma pessoa baixa, atarracada.
Na quinta-feria, fez-se-me luz: gacho é a nossa maneira de dizer cacho. O nosso povo dizia cacho sem abrir suficientemente a boca e por isso os mais novos, ao aprenderem a palavra, percebiam gacho e assim ficavam a dizer.
Abrir a boca para dizer cacho era (é) uma trabalheira!
Cacho é um conjunto de flores ou frutos sustentados por pedúnculos. Exemplo: cacho de uvas. Cada bago é uma uva e o conjunto das uvas forma um cacho de uvas.
Na minha infância, nem sequer conhecia a palavra uva. Só dizia gacho. Agora quase desapareceu, já ninguém a usa.


Estes gachos são de morangueiro branco. São docinhos e não há malina que entre com eles.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Recenseamento militar - 1838

Na reunião da Junta da Paróquia de São Vicente da Beira, a 14 de Setembro, na Sacristia da Igreja Matriz (em obras desde 1918, pelo menos) deu-se cumprimento às ordens de Sua Majestade, a rainha Dona Maria II, recenseando os mancebos que estivessem nas circunstâncias de serem apurados para o exército permanente(de primeira linha).
A listagem elaborada foi a que se segue. Respeitou-se a ordem das pessoas e das povoações como consta da acta da reunião.

Vila
António, com 18 anos, filho de Eleutério dos Santos
José, com 19 anos, filho de José Moreira (com 60 anos)
António, com 24 anos, filho de Margarida dos Prazeres
António, com 22 anos, filho de Maria Luísa
José, com 19 anos, filho de Constantino Fernandes
Francisco, com 18 anos, filho de Inês Ribeiro e pai incógnito
José, com 23 anos, filho de António Leitão Salgueiro
Francisco, com 22 anos, filho de António Gil
João, com 14 anos, filho de João Duarte Remoaldo
António, com 22 anos, filho de José António Craveiro
António, com 19 anos, filho de Matias Vaz dos Santos

Casal da Serra
Caetano, com 22 anos, filho de Joaquim Martins

Pereiros
João, com 20 anos, filho de José Varanda
José, com 29 anos, filho de João Ramos
António, com 20 anos, filho de pais incógnitos, a viver em casa de Rosário Martins

Partida
José, com 20 anos, filho de João da Costa
António, com 23 anos, filho de António Rodrigues Paradanta
António, com 22 anos, filho de José Martins
António, com 19 anos, filho de Ana Leitão (viúva)
Firmino, com 19 anos, filho de pais incógnitos, a viver em casa de Maria (viúva)
Joaquim, com 18 anos, filho de Isabel Leitão (viúva)

Paradanta
Francisco, com 19 anos, filho de José Monteiro
António, com 22 anos, filho de pais incógnitos, a viver em casa de Martinho dos Santos
Júlio, com 19 anos, filho de pais incógnitos, a viver em casa de Rodrigo Leitão
Francisco, com 19 anos, filho de António Gonçalves

Violeiro
Joaquim, com 19 anos, filho de Domingos Lopes Folgado
João, com 24 anos, filho de Maria Martins Páscoa
António, com 20 anos, filho de Manuel Pires
José, com 19 anos, filho de José Pires

Tripeiro
Luís, com 18 anos, filho de Paulo Lourenço
António, com 22 anos, filho de Domingas Lourenço (viúva)

Neste ano de 1838, a Junta da Paróquia era assim formada:
José Hipólito, Presidente
João Duarte Marques, Regedor
Gregório Lopes
João Agostinho
António Leitão

Notas:
- Os bebés expostos eram criados por uma ama e ficavam a viver com ela até serem adultos ou, cerca dos 10 anos, iam trabalhar como criados, para outra casa. Nos casos acima referidos, não temos informações sobre qual destas duas situações se aplica a cada um deles, mas o normal era ficarem na casa que os recebera acabados de nascer.
- Não havia nenhum mancebo entre os 18 e os 24 anos, no Mourelo e no Vale de Figueiras.
- Na época, escrevia-se Peradanta e não Paradanta. Tal facto vem reforçar a hipótese da palavra derivar de Pedra de Anta (anta: construção sobre o solo, com grandes pedras, que servia de túmulo colectivo).

domingo, 11 de setembro de 2011

No nosso falar: chapado

A Margarida Gramunha regressou às origens e ouviu a expressão: “Já me chaparam.” (Ver comentário a “O nosso falar: relouquedo”).
Eu também já não a ouvia há muito tempo, mas costumava usá-la regularmente, sobretudo na forma: “Estou chapado.”
Chapar vem de chapa, uma peça de metal, com a forma achatada (espalmada). O verbo chapar significa colocar uma chapa em algo. Por consequência, ser chapado quer dizer receber uma chapa, ser marcado com ela.
Estou chapado” ou “Já me chaparam” querem dizer que o sujeito foi marcado, sofreu ou vai sofrer uma penalização, à qual sente que já não pode fugir. Mas é uma pena suave, embora trabalhosa. Em todo o caso, está lixado!
Por exemplo, tem de se escolher uma pessoa para uma tarefa ou cargo que ninguém ambiciona. Antes da votação, alguém mobilizou os outros para a escolha recair sobre um deles. Este está chapado, vai ser designado, não tem escapatória. Aqui usa-se chapado com sentido de marcado.
Ou um grupo de pessoas combinou e repartiu tarefas. No final, descobre-se que alguém não cumpriu a sua parte e outro terá de ir fazer o que falta. Esse está chapado. Por exemplo, um pastor emprestou um chibo para cobrir as cabras de outro. Combinaram a devolução do chibo passada uma semana. Mas já passou o prazo e o chibo está a fazer falta no rebanho. A solução é o pastor, no final do dia, ir buscar o chibo ao rebanho do outro, em vez de ir descansar. Está chapado. (Este exemplo é do tempo em que não havia telemóveis e de um mundo rural que já quase desapareceu.)
Desconheço a origem do significado que damos a chapar e chapado. A única explicação que encontro é ter origem na recruta militar, usada até ao século XIX. Todos os homens dos 18 aos 60 anos pertenciam a um corpo militar local chamado Ordenanças. Pouco faziam, além de algum treino e certas tarefas. Mas em caso de guerra, cada concelho enviava ao comando provincial um batalhão de ordenanças, formando-se assim os Regimentos de Milícias. Mas isto esporadicamente e por pouco tempo. O pior é que os oficiais das Ordenanças tinham de escolher e enviar, regularmente, certo número de rapazes para fazerem parte do exército de primeira linha, o exército nacional permanente. Era uma grande reviravolta na vida destes jovens, que partiam para longe, a pé ou a cavalo, por alguns anos. Muitos andavam fugidos das autoridades durante muito tempo, pois recusavam-se a deixar a casa familiar.
Eram chapados, isto é, o seu nome fora tirado para irem cumprir serviço militar longe de casa (no nosso caso, na Fortaleza de Almeida). Talvez o seu nome fosse inscrito numa placa de metal.
Esta é apenas uma hipótese de explicação. Todas as achegas são bem-vindas.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Chegar a porca ao porco

A leitura da notícia “O varrasco do concelho” pode dar-nos a ideia de que levar uma porca ao porco era uma coisa banal, mas não, não era pera doce.
Nos finais dos anos 60, o meu pai emigrara para França e a minha mãe, com muitos filhos, cá tocava a vida para a frente. Havia anos em que o porco que comprava para criar era uma porca e então punha-se a fazer contas. Tirar uma ninhada de porcos, antes de a matar, iria ajudar um pouco na economia da casa, concluía ela. Havia o inconveniente de adiar a matação para inícios da primavera, mas isso era o menos.
Entre Abril e Junho, a porca ficava saída e então ganhava o privilégio de sair da furda e descer a quelha até à Vila. Depois, rua da Cruz e rua do Convento abaixo, transpúnhamos o portão da Casa Conde e, já dentro, procurávamos o quinteiro ou a mulher dele.
O barraco morava sozinho, numa furda. Abríamos a cancela e chegávamos-lhe a porca. Ele interessava-se logo por ela, esfregavam-se um no outro, roncavam e faziam o serviço. A seguir, desinteressava-se e nós puxávamos a porca para fora e ala para a Tapada, agora sempre a subir, com pausas para descanso, pois a porca nunca andara tanto na vida dela.
Havia porcas que andavam bem, mas outras eram um monte de trabalhos: deitavam-se no chão, teimavam em seguir por ruas fora do nosso itinerário…
Uma houve que foi particularmente difícil de levar e trazer. Até ao Cimo de Vila não houve novidades, mas depois deu em deitar-se no chão, afocinhar, correr para a Corredoura quando nós queríamos descer a rua. De pouco valeu a lata com o milho ou a folha de couve. Fez o que lhe apeteceu e só à conta de empurrões pelo rabo, puxões pelas orelhas e folhas de couve roubadas num couval ali perto é que encarreirou com a descida. Chegou às traseiras da Igreja sem mais trabalhos, mas depois queira ir passear para a Praça ou ficar a fossar na esquina da rua Dona Úrsula. Mais uma trabalheira para a meter na quinta. Lá dentro foi o costume, fácil.
No regresso, outro calvário, menos movimento, mas igual teimosia. Já estávamos todos cansados, a porca e nós (eu e a minha mãe) e ela só queria ficar a espojar-se nas valetas frescas da regadia. Mas lá voltou à furna.
Se, no mês seguinte, a porca não desse sinais de andar saída outra vez era porque estava coberta. Então esperava-se até parir e a vida na Tapada tornava-se uma festa, com uma ninhada de bacorinhos branquinhos a brincar de um lado para o outro e a correr para a mãe sempre que ela os chamava para mamarem, com um roncar carinhoso.
Depois, quando já comiam a comida da mãe, também eles desciam a quelha para a Vila, no sábado do mercado. Agora, a porca não fazia birras, nem tinha caprichos, toda atenções só para os filhos. O pior eram eles mesmos, desabituados do movimento das ruas. Corriam de um lado para o outro, entre o susto e a brincadeira. E nós (agora com reforços) a tentarmos mantê-los junto da mãe, que não sabia para onde se virar.
O mercado dos porcos era na entrada da rua do Quintalinho, então aberto para futura urbanização. Eu ficava ao pé da porca, juntando os porquinhos o mais possível. A minha mãe dava uma volta pelos negociantes de leitões, a ver os preços. Se tínhamos a sorte de alguém se abeirar de nós e mostrar interesse pelos porquinhos, vinham logo os negociantes, um a um, a desdenhar dos nosso porcos e a perguntar o preço. A minha mãe enervava-se, mas aguentava aquele jogo de cálculo e nervos que durava uma ou muitas horas, dependia de como estava o mercado e da pressa que os negociantes tinham em partir. Era a eles que acabávamos por vender quase todos os porcos.
E voltávamos para casa com a porca, todos aliviados, mas confusos: a porca por não voltar com os filhos, eu a tentar entender aquela lição prática de economia e a minha mãe na dúvida se fizera o melhor negócio.
Bom ou mau, o preço de um leitão era para pagar a cobrição ao dono do barraco. O resto engordava a porca para a matar ainda antes de vir o calor.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

O nosso falar: relouquedo

A palavra vem de reloucar, que significa disparatar, enlouquecer.
O substantivo associado a este verbo é reloucura, uma loucura intensa.
Aliás, o prefixo re tem a função de reforçar a ideia da palavra (renovar, renascer, recolher), além de indicar a repetição da ação. Em síntese, serve, na palavra, para dar o sentido de reforço e repetição.
Também se pode dizer e escrever relouquear, o mesmo que reloucar.
O nosso relouquedo vem de reloucado ou de relouqueado. Em qualquer dos casos, o nosso povo adaptou a terceira sílaba, simplificando a oralidade: abre-se menos a boca para dizer que do que para dizer ca, dá menos trabalho.
Também o sentido da palavra foi alterado. Se reloucura significa que uma pessoa foi atingida por uma loucura que passara, mas voltou mais intensa, o nosso relouquedo designa alguém que se engana, que troca as ideias, taralhoco.
É loucura, na medida em que a pessoa revela erros de consciência, mas é uma loucura muito suave, ténue, ao contrário do significado “oficial” da palavra.
Todos estamos sujeitos a ficar relouquedos. Com a idade, começamos a dizer trogalhices, a não dizer coisa com coisa. Felizes o que lá chegam!

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

O varrasco do concelho

Foi em Abril de 1836, numa sessão da Junta da Paróquia, antiga designação da Junta de Freguesia. A reunião decorria na sacristia da Igreja Matriz, ainda fechada ao culto, devido a obras que se arrastavam desde, pelo menos, 1918. Nessa época, existia estreita inter-relação entre o Estado e a Igreja, pelo que a Junta da Paróquia também tratava dos assuntos da Igreja.
Um dos membros da Junta considerou que, sendo «…das suas atribuições o requerer tudo o que for abeneficio dos Vizinhos da Parrochia…», era público e constante que Antónia Baptista «…que tem o Varrasco do Concelho neste Anno que finda em Junho próximo o fechava e o dificultava de perposito as pessoas que o requerião…».
Isto é, a mencionada senhora recebera da Câmara a incumbência de ter um porco reprodutor à disposição, para os vizinhos lhe chegarem as porcas. Mas fazia-se de novas e não o disponibilizava.
Lamentava-se o zeloso membro da Junta do prejuízo que tinham os habitantes da Vila, na criação que podia haver.
O protesto foi considerado pertinente pelos restantes membros da Junta da Paróquia e oficiou-se a Câmara para que se tomassem providências, notificando a «…dita Antonia Baptista não só para não capar o dito varrasco antes do anno findo más igualmente para o não dificultar, e fechar como se diz costuma…».
Já conhecia o boi do povo, na região de Montalegre, e aqui tínhamos o cavalo obrigado e as éguas obrigadas. Por este documento, ficámos a saber que, em cada ano, a nossa Câmara indicava um criador obrigado a ter um porco reprodutor que cobrisse as porcas da vizinhança.
O incumprimento desta norma revela o crescente individualismo que então se fazia sentir na vida das comunidades, de que resultou o desaparecimento da sociedade antiga, assente na vida comunitária, e o nascimento da sociedade actual.

Em 18136, os membros da Junta da Paróquia eram:
Francisco Lobo, Presidente
Francisco António Leitão
Francisco Henriques
José Henriques
João Duarte Marques
António Rodrigues Castanheira
Caetano José dos Santos.

Fonte: Actas das sessões da Junta da Paróquia, 1836-49, fotocópias.
(Infelizmente, muitos dos documentos antigos da nossa comunidade ficaram na posse de particulares. Este é um deles e foi o actual proprietário, não vicentino, que me facultou uma cópia. Deste documento darei conhecimento regular, nos próximos tempos.)

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Usurpação 2

A ervagem da fonte


Em publicações anteriores, informei do local da fonte antiga e da sua deslocação para junto do caminho de São Sebastião, em 1854.O local era público e público continua a ser considerado, apesar do sinal de trânsito ali colocado.
Na altura, estive para abordar esta questão, mas decidi deixá-la apenas implícita. Até que, na procissão do Santo Cristo, um amigo me chamou a atenção para toda aquela ervagem seca, a manchar a Vila engalanada para as Festas.
Como, infelizmente, é mesmo imperioso abordar a questão diretamente, aqui vai:

Após 1854, com a fonte mudada para a berma da rua/caminho, o espaço ficou livre e sem uso. Por coincidência, ficava mesmo em frente à porta da residência da família Cunha. Na acta da sessão ordinária de 6 de Novembro de 1910, a Junta da Paróquia fez o inventário de todos os bens públicos da freguesia. O ponto 7 refere que a Fonte Grande era contígua «…a um terraço d´onde procede a água, terraço que também pertence á parochia, embora há pouco haja sido aproveitado por José da Cunha Pignatelli para ser ajardinado, de certo com auctorização da Junta da Parochia anterior dissolvida, não cedendo os seus direitos de proprietária, visto que da escrituração respectiva nada consta sobre o assupto.»
Os vicentinos habituaram-se a ver o espaço usado como particular, mas nunca se perdeu a memória da sua pertença pública. Em 1980/90, quando o Pe. António Branco se mudou para a casa paroquial, o edifício ficou definitivamente vazio e acentuou-se a sua ruína. Com o terreiro já sem utilizador, as pessoas começaram a estacionar lá os carros, mas foi colocado o sinal de trânsito e o espaço voltou a ficar vazio e sem uso. Até hoje, sem dono que olhe por aquilo, com lixo e erva secas, num dos espaços mais nobres da nossa terra.
Desconheço a situação legal daquele terreno que nunca foi privado, mas que o poder local há um século que não assume como seu. Pessoalmente, não me repugna a ideia de, eventualmente, se ter tornado particular, mas sim o estado de abandono e desleixo em que se encontra, a desfear a nossa terra.


O sinal tem escrito: PRIVADO

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A batalha da Oles

O cavaleiro vem pela estrada que da portela da serra desce para o território muçulmano. O cavalo marcha às cautelas, no piso íngreme e pedregoso. Ao longe, deles sobressai nos matos uma mancha branca com o risco vermelho das cruzes templárias.
O ribeirito que segue junta-se a outro e é ali a capela da Orada, à esquerda. Prende o cavalo num amieiro e dirige-se para a capela, misturando-se com os camponeses que vêm à missa do domingo. O edifício de pedra enegrecida sobressai no manto verde do adro, com grandes amieiros encostados, do lado do ribeiro. É um templo baixo e de aspeto rústico, quase tosco.
O cavaleiro transpõe a porta e ajoelha em frente ao altar. Depois ladeia-o, à procura da sacristia. Era atrás do altar e o ermitão já vinha a sair quando o cavaleiro enche a porta com a sua figura. Saúdam-se com reverência e conversam por alguns minutos. Depois, o presbítero dirige-se ao altar e o cavaleiro junta-se ao povo cristão.
Homens e mulheres lançam-lhe olhares curiosos e, no regresso da comunhão, encaram-no de frente: é encorpado, rosto escondido nas barbas arruivadas e os cabelos curtos e claros, à mostra pelo capacete que o cavaleiro segura na mão.
No final da missa, frei Gonçalo diz ao que vem o cavaleiro da cruz. É companheiro de Dom Afonso Henriques, o rei cristão que desde Coimbra vem empurrando os governantes do Islão para sul, dilatando a Cristandade e libertando os fiéis do único Deus verdadeiro.
O cavaleiro avança para o altar, flete o joelho e faz o sinal da cruz. Depois coloca-se ao lado do presbítero e fala. Chegara a hora de libertar as gentes da diocese egitaniense do longo cativeiro muçulmano. Os cavaleiros cristãos já aguardavam na encosta norte da Ocaia, mas chegavam notícias de reforços para o exército muçulmano, com cavaleiros vindos de além Tejo.
Estas palavras trazem inquietação aos camponeses. Vasco Anes tinha uma filha casada com um mouro cultivador dumas terras no monte do Mourelo e Rodrigo Peres era amigo do comerciante mouro que lhe trazia as ferramentas para a lavoura e ainda no ano passado lhe vendera um belo garrano. O cavaleiro termina agora. Pede-lhes segredo e vigia aos movimentos do exército inimigo. E ajuda em homens de armas, quando chegasse a hora do confronto militar.
Frei Gonçalo faz sinal a dois homens. Depois desenha no ar o sinal da cruz e despede-se do seu rebanho. “Ide em paz e que o Senhor vos acompanhe!” Homens e mulheres saem para o adro de rostos fechados. Contornam a capela e nas traseiras aguardam a sua vez, junto à fonte. Bebem o suficiente para a caminhada e purificam os rostos. Depois, cada um toma a direção do seu casal, de coração apertado, sem o que dizer uns aos outros.
Na sacristia, o presbítero apresenta ao templário os dois camponeses, Fernão Mendo e Antão Fernandes, pai e filho, dos mais tementes a Deus e que odeiam os infiéis, com quem não tinham relações de sangue ou especiais amizades. Os quatro fazem as combinações que ali os retinham e depois cada um vai à sua vida.
A semana foi de grandes canseiras para Antão, Fernão e companheiros que foram juntando à causa dos conquistadores cristãos. Atalaias pelos altos, subidas e descidas ao castelo, no alto do penhasco, correrias pela noite dentro, a recrutar homens de armas, pelos casais espalhados pela serra, nos montes da charneca e pelo campo. No fim da semana, encontram-se com o cavaleiro templário, para lhe contar dos movimentos dos guerreiros muçulmanos, em deambulações pelo extenso campo que se estende aos pés da serra. E fazem os acertos para o embate com os infiéis.
No dia seguinte, o exército cristão cruza a serra e pernoita no vale da ribeira, fora das vistas largas do campo. Aos primeiros sinais do alvorecer, marcha para sul, seguindo o curso de água. Depois, os cavaleiros e peões encaram os primeiros raios de sol e continuam a marcha, sempre para nascente.
Já avançam em campo aberto, seguindo caminhos ondulados por entre matos e vinhedos. Soa um longo toque de chifre de boi, vindo do castelo, sinal combinado de avistamento do inimigo. Os olhos perscrutam o campo sul e em breve se vislumbra uma mancha cintilante em movimento.
O exército cristão chega bem à vista do castelo da serra e pára. É primavera e as águas do ribeiro dos enxidros saltitam nos últimos declives da encosta. Os guerreiros ajoelham nas suas margens e bebem de borco, com o rosto mergulhado na água cristalina. Depois as montadas. Camponeses saem do meio da mata de carvalhos, com cestos de pão para os guerreiros. As bestas pastam nas ervas verdes. Aguarda-se.
Dois toques ecoam pela serra. Os infiéis aproximam-se. Os cristãos aprontam-se. Uma espera silenciosa, longa, enervante. “Estes moçárabes são de confiança?” O templário garante que sim. Finalmente soa o terceiro e último aviso, três longos toques. O comandante levanta o braço e todos se aquietam, mãos crispadas nos cabos das lanças e nos punhos das espadas. Distingue-se já nitidamente o tropel dos cavaleiros que se aproximam. São muitos, mais do que os desejados.
Os dois corpos penetram-se, gritos de raiva e dor. Os cavaleiros cristãos são empurrados, encosta acima, já se luta na orla da mata. O templário procura com o olhar os reforços moçárabes. Soaram os quatro toques curtos a eles destinados, mas ninguém sai da mata. Do castelo, Antão segue com desespero o desenrolar da contenda. Tardam os homens que o pai devia comandar. Grita aos dois companheiros de vigia, montam os jumentos e atiram-se serra abaixo. Dentro da mata, Fernão tenta convencer os companheiros do valor da luta, mas eles olham o formigueiro de muçulmanos e consideram que esta luta desigual não é a que lhes fora prometida. E pensam no sossego dos seus casais, nos familiares e amigos que têm no outro lado.
Frei Gonçalo aparece do nada e fala-lhes da paixão de Cristo, do prémio do céu e do castigo dos infernos, razões mais fortes do que os efémeros prazeres da curta vida terrena. Todos empunham as lanças e correm, atrás de Fernão Mendo, encosta abaixo. Há muçulmanos para todos, por todos os lados. Agora, é matar ou morrer. Também combatem pela vida dos que deixaram em casa. A luta alonga-se, no tempo e no campo da Oles. Já no pino do sol, os infiéis começam a recuar frente aos cristãos. Depois gritam-se ordens de retirada e os guerreiros de Alá fogem do campo de batalha, perseguidos por quem ainda tem forças.
Os homens deixam-se cair exaustos. Procuram-se amigos e conhecidos, choram-se os mortos, com os rostos fechados. Juntam-se os guerreiros e aclamam o seu rei. Os moçárabes, com Antão à frente, chegam-se aos vivas. O templário apresenta ao rei os camponeses destemidos que tanto ajudaram na vitória.
“O que mais desejais que o vosso rei vos dê, em sinal de agradecimento pela vossa valorosa ajuda?”
Antão Mendo olha os companheiros e adianta-se. Ajoelha em terra e pede:
“Saiba Sua Majestade que precisamos de uma igreja paroquial, pois a nossa Orada é diminuta e muito dentro da serra, longe dos casais onde moramos.”
“Que seja como pedis. Mando que se erga uma igreja no local onde pernoitámos esta noite. Dou-vos esta bolsa de moedas para ajudar a erguer o templo. Quando estiver construído, ide à minha corte e dar-vos-ei um orago, juntamente com privilégios e isenções.”
“Que Deus abençoe Vossa Majestade!” Agradece um religioso, aproximando-se.
“É frei Gonçalo, o presbítero da Orada que me ajudou a organizar o apoio destes moçárabes.” Informa o templário.
“Louvo o vosso contributo para esta obra de Deus que é a expansão do reino de Portugal. Sereis o cura da nova igreja.”
E acrescenta, para todos:
“Dou-vos uma igreja, com a condição de irdes todos os anos em romagem ao castelo da serra, para que não se perca da memória dos homens a vitória que hoje aqui alcançámos, orientada do alto daquele penhasco por um punhado de homens valentes.”
Os camponeses carregam os corpos dos que tombaram e regressam aos seus lares, satisfeitos da vitória, mas temerosos que a contenda alastre para as suas famílias de sangues tão misturados.


Fundamentos:
Afonso Henriques – A tradição diz que ele esteve na batalha, mas esta poderá ter sido travada apenas pelos Templários. Cerca de 1160, o rei doa aos Templários as terras entre o Zêzere e o Tejo (a Covilhã era do rei), muitas ainda muçulmanas. São eles que conquistam, depois, Idanha-a-Velha e Monsanto. Será desses anos a Batalha da Oles. Mas, por outro lado, S. Vicente nunca pertenceu aos Templários, mas sim ao território real da Covilhã, pelo que o recontro da Oles pode ser anterior. Em 1169, dá-se o desastre de Badajoz e o rei fica inválido para a luta, encarregando dessa tarefa os filhos Fernando Afonso e D. Sancho (I).

Batalha da Oles – Esta batalha está descrita nas Memórias Paroquiais de S. Vicente da Beira. O vigário da época escreveu que os naturais observavam a batalha do alto do castelo e que os cristãos estavam a perder, porque os muçulmanos eram copiosos (muitos). Então desceram do castelo e ajudaram o exército de D. Afonso Henriques, saindo vitoriosos. Por isso, D. Afonso Henriques mandou fazer a romagem anual ao Castelo Velho.

Castelo Velho – Embora pouco estudada, esta fortificação da Idade do Bronze (de há cerca de 3 000 anos) tem sinais de reutilização na época da Reconquista.

Diocese egitaniense (de Egitânia, Idanha-a-Velha) – Os muçulmanos eram tolerantes em matéria religiosa, pelo que os cristãos tinham liberdade de culto, mediante o pagamento de um imposto. Aquando da Reconquista, a Egitânia ainda tinha bispo, logo transferido para a Guarda. Ainda hoje a diocese da Guarda se designa por diocese egitaniense. A paróquia da Orada pertenceria à diocese da Egitânia.

Estrada – Tem origem romana a estrada que atravessa a Gardunha, de S. Vicente para o Fundão. Na Fonte da Portela e Vinhas, o piso é romano, mas acima da Orada é já medieval, do tempo dos mouros, como diz a tradição.

Fonte da Orada – A antiga fonte situava-se nas traseiras da capela. Só em meados do século XX, nas obras realizadas pelo Pe. Tomás, essa fonte foi substituída pela bica na outra margem do ribeiro. É costume as pessoas molharem a cara na água da fonte, por a considerarem santa. Na realidade, a água terá algumas qualidades medicinais, nomeadamente para as infeções dos olhos.

Mata (das Vinhas) – A toponímia medieval e a documentação do século XVIII referem a Mata das Vinhas. Existiria uma mata, certamente de carvalhos, junto à Oles, pois a ser de sobreiros ou castanheiros chamar-se-ia sobreiral (Sobreiral/Sobral) ou souto. No século XVIII (e ainda hoje), existiam muitos carvalhos acima de Alpedrinha. Os pinheiros só se impuseram na paisagem nos finais do século XIX e inícios do séxulo XX.

Moçárabes – Era o nome dado aos cristãos que residiam no sul muçulmano, o Al-Andalus. Foram eles que conservaram o culto a São Vicente e por isso se pensa que todas as povoações com topónimos de S. Vicente são antigas comunidades moçárabes.

Mourelo – É possível que o termo venha de mouros.

Ocaia – É outra denominação da nossa serra, anterior a Gardunha, esta da época muçulmana. O primeiro foral de S. Vicente da Beira (1195) designa a serra por Ocaia.

Oles – Zona no sopé sul da Gardunha, junto ao Louriçal do Campo, no caminho para S. Vicente da Beira.

Orada – Frei Agostinho de Santa Maria visitou a ermida e escreveu, no Santuário Mariano, em 1711, que se pensava ter sido esta capela a igreja paroquial dos cristãos da zona, no tempo dos godos. Se o foi no tempo dos godos, continuou a sê-lo, depois com os muçulmanos, que se seguiram aos visigodos.

Ribeiro do Enxidro - Existe, mas proximidades da Oles, um ribeiro com este nome.

domingo, 14 de agosto de 2011

Estudantes em Salamanca

Encontrei uma informação relativa à presença de um estudante universitário de S. Vicente da Beira, em Salamanca, no ano de 1588. Chamava-se Francisco Henriques e morava na Calle Empedrada, com seus companheiros de estudo: Francisco Antunes Morão do Fundão, mas a morar em Castelo Branco, onde o pai era médico; os irmãos Manuel Lopes e Fernando Manuel do Fundão; Gabriel Franco da Guarda. Francisco Morão estudava Medicina e é provável que os restantes frequentassem o mesmo curso. Certamente eram todos cristãos-novos, pois era-o Francisco Antunes Morão e o estudo da Medicina era uma tradição judaica.
A fonte de informação é um estudo de Manuel da Silva Castelo Branco: “Assistência aos doentes na vila de Castelo Branco e seu termo, entre finais do séc. XV e começos do séc. XVII”, publicado em Medicina da Beira Interior da Pré-História ao século XIX, Cadernos de Cultura, n.º 2 – Junho de 1990, Castelo Branco.
Num outro artigo da mesma revista, mas do n.º 11, de Novembro de 1997, o investigador Joaquim Candeias da Silva apresenta os nomes dos estudantes de S. Vicnete da Beira, em Salamanca, durante a União Ibérica (1580-1640):

António de Avelar Leitão, Cânones, 1623 a 1629
Domingos Rodrigues, Gramática
Francisco Henriques, cristão novo, Medicina, 1587-1590
Francisco Henriques, Artes, 1613 a 1615
Francisco Rodrigues, presbítero, Artes, 1581
Francisco Rodrigues, Artes, 1593
João Rodrigues Borges, Gramática, 1585 a 1588
Jorge Lopes (menor de 14 anos), Gramática, 1588
Pedro Rodrigues, presbítero, Cânones, 1604 a 1605
Pedro Rodrigues, Artes e Leis, 1620 a 1625
Simão Rodrigues Vicente, Cânones, 1585 a 1588
Vicente de Andrade, Artes, 1612
(Neste período, frequentaram a univrersidade de salamanca um total de 617 estudantes do atual distrito de Castelo Branco, sendo 12 de S. Vicente da Beira)

Nota: este texto foi reformulado em 24 de Agosto, após a recepção do comentário do Adelino Costa.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Tarte de amoras silvestres

Há dias, cheguei a casa de meus pais, em S. Vicente, e o meu sobrinho António trouxe-me uma enorme talhada de tarte de amoras, feita pela minha irmã Celeste. Estava divinal, uma delícia!
A receita foi tirada da internet, mas os ovos eram das galinhas da Tapada e as amoras silvestres do Ribeiro de Dom Bento, colhidas pela minha irmã Isabel.
Já aqui referi a excelência do doce de amoras silvestres e agora deixo-vos a receita desta tarte, de comer e chorar por mais!

Para a massa:
2 chávenas de farinha
1 ovo
Meia chávena de açúcar
50 gramas de margarina

Para o recheio:
1 gema de ovo
2 chávenas de leite
50 gramas de açúcar
1 colher de sopa de margarina
2 colheres de sopa bem cheias de farinha de trigo
500 gramas de amoras silvestres

Modo de preparação:
Amassam-se todos os ingredientes da massa, grosseiramente, e faz-se uma bola que se deixa a descansar alguns minutos. Com o rolo da massa estende-se e forra-se uma forma de tarte. Leva-se ao forno a 200 graus, durante 2 ou 3 minutos, para iniciar a cozedura.
Relativamente ao recheio, leva-se ao lume, num tachinho, a farinha bem dissolvida no leite com a gema, o açúcar e a margarina, mexendo sempre até engrossar.
Enche-se a massa que entretanto se tirou do forno, com as amoras, e cobre-se com este creme. Leva-se novamente ao forno, durante cerca de 20 minutos, a 220 graus.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

O nosso falar: pechorro

São ainda onze horas, mas dificilmente teremos um dia bem quente, característico dos nossos verões, neste interior beirão.
O tempo anda primaveril e os 38 graus previstos, para hoje, juntamente com um vento que insiste na sua dança entre montes e vales, não permitirão à minha mãe exclamar, desanimada:
Hoje está um pechorro!”
Já sem esperança de dias melhores, aqui fica a crónica do pechorro.
Para um dia merecer que alguém o qualifique “Está p´chorro!”, é preciso uma temperatura acima dos 40 graus. Falo daquele calor que faz tremer o ar, às 3 da tarde. E sem vento, nem uma brisazinha a bulir com as folhas ressequidas do estio. Um ar abafado e quente.
Não encontrei a palavra nos dicionários, mas ela não surgiu do nada. Teve, certamente, a sua origem e um povo que a recriou, como todas as outras.
Por isso desconheço a sua escrita correcta. Pode ser pexorro ou pichorro/pixorro. Mais do que pechorro, o nosso povo diz p´chorro.
Esperemos que ainda venham dias quentes como pertence, para podermos protestar, exasperados:
Está um p´chorro!”
E assim preservar a nossa cultura.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Memória paroquial

Os registos paroquiais, de batismos, casamentos e óbitos, são indispensáveis para reconstituirmos a memória do nosso passado, sobretudo em termos demográficos.
O documento abaixo apresentado, relativo ao batismo de uma criança que não vingou, dá-nos imensas informações sobre S. Vicente da Beira, em 1905.

1. Nesse ano, não havia (ou não estava presente, no dia 16 de Julho) Vigário e quem o substituía era o Pe. José Antunes David dos Reis, natural do Sobral do Campo. Este padre foi testamenteiro, em 1893, do benemérito fundador do Hospital, o Pe. Simão Duarte do Rosário, também do Sobral. Era professor do ensino oficial, cargo que lhe grangeou grande prestígio local e regional, tendo sido um dos mestres de Hipólito Raposo. Liderou ainda a irmandade da Ordem Terceira de S. Francisco. Em 1905, susbtituía o Vigário, mas não era o responsável pelo serviço religioso, pois esta tarefa estava a cargo do Pe. Joaquim Alves Brás.

2. À criança batizada foi dado o nome do padrinho, João. Os padrinhos foram os irmãos João Prata, carpinteiro, e Ana Prata, ambos solteiros.
Eram eles filhos de António Prata e Maria Castanheira, moradores na casa da roda, a última casa, à esquerda, no alto da Rua da Cruz.
O bebé batizado era neto de Maria Castanheira, não deste terceiro casamento, mas do segundo, com José Carvalho. Os pais do Joãozinho eram José Fernandes, cultivador, e Maria Carvalha, doméstica, filha de José Carvalho e Maria Castanheira. Os outros avós, os paternos, eram Bernardo Fernandes e Maria Emília. Todos naturais de S. Vicente da Beira, excepto Maria Castanheira, que era do Souto da Casa.

3. Os pais do João viviam na Rua Velha e eram pobres, pelo que não foi colado selo neste registo de batismo. Os padrinhos não sabiam escrever. Esta informação é-me completamente nova, pois João Prata, o meu avô materno, escrevia muito bem e por isso foi membro da Mesa da Misericórdia e secretário da Junta de Freguesia, neste cargo durante mais de 20 anos! Em 1920, era ele que fazia o serviço do registo civil, em S. Vicente da Beira, pois foi ele que fez o registo de casamento dos meus avós paternos, Francisco Teodoro e Maria do Rosário Jerónimo. Conclusão: aprendeu a ler e a escrever após os vinte anos (a sua idade, em 1905)!